domingo, 21 de agosto de 2011

Capítulo 45

Nem os anos que passara no bar a prepararam para aquilo, era um grande salto no desconhecido. Susana apertou a viola na mão e perguntou, nem sabia a quê ou quem, porque é que se metera naquilo. Atreveu-se a deitar uma olhadela à plateia, nem que fosse só para ver onde estava Daniela. O seu maior receio, e ela própria estranhou, não era enfrentar a multidão nem falhar um acorde, era o de desiludir a namorada, o seu principal alicerce em tempos difíceis. Mesmo estando com a rapariga havia algum tempo, a ideia de fazer algo mal na presença desta assustava-a.
Devia ter uma assistência de cerca de uma centena de pessoas, mais do que esperava, sem dúvida. Percorreu as caras uma a uma até que avistou a morena, no centro e a duas filas do palco. Ostentava na face um sorriso enorme, um misto de encorajamento com orgulho. Foi tudo quanto a loura precisou para se sentar no banco e se dirigir à multidão, sem hesitações.
“Boa noite”, saudou ela, satisfeita por a vontade de rir que sentira, momentos antes, ter cessado, “Sou a Susana Marques e é a minha primeira vez aqui, esperemos que corra bem…só me resta desejar-vos um bom espectáculo”
Instrumento afinado e pronto a executar, sim. Não estava rouca nem afónica, não. Ansiedade, controlada. Era agora, não havia volta a dar e era bom que saísse bem. Aliás, sabia que Daniela não se contentava com menos que perfeição, por isso não lhe podia dar menos que tal. Acabara de improvisar a setlist e esperava que tudo corresse pelo melhor. Começou o concerto com uma das menos calmas que tinha, afinal não queria o público a dormir. Recepção positiva, sim.
Acabou de tocar a quinta música, só mais uma e daria o concerto por terminado. Até àquele instante tinha tudo corrido às mil maravilhas, cada vez que acabava uma música o público aplaudia energicamente, dando a entender a sua apreciação. Susana não evitava sorrir para si e dar o seu melhor, sobretudo cada vez que pousava os olhos em Daniela. A namorada parecia estar, verdadeiramente, a gostar do concerto e não apenas para lhe fazer o gosto. Sempre comedida, aplaudia e sorria. A última música tinha sido guardada para o fim de propósito. A loura tinha escrito aquela para a namorada, ainda que esta não soubesse da existência daquela música, como sabia das outras.
Trocando um olhar cúmplice com a rapariga, começou a dedilhar as cordas da viola, tocando uns acordes mais suaves e quentes, num ritmo mais caloroso que as outras. Ia entoando a letra quase num sussurro, de olhos cerrados, pondo todo o sentimento em cada nota. Quando acabou a música, o ruído da ovação de palmas que recebeu era quase ensurdecedor. Sorrindo para a multidão, procurou a namorada, que não batia palmas, apenas sorria quase como envergonhada, apesar de ter a expressão de maior delicia que a loura alguma vez lhe vira.
Daniela, quase como se sentisse o olhar de Susana em si, recompôs-se num ápice, afinal tinha a sua reputação a manter. Escondeu, o melhor que pôde e que não foi lá grande coisa, o ar derretido e levou dois dedos abertos à cara que colocou nos cantos da boca, fazendo, para a namorada, um gesto sugestivo com a língua, antes de lhe piscar o olho. A loura não necessitou de puxar muito pela cabeça para perceber o significado daquele gesto, a noite ainda acabara de começar.
Agradeceu ao público por ter comparecido e, sem esperar que este tivesse abandonado o recinto, pousou a viola e saltou do palco, para ir ter com a rapariga. Assim que a alcançou, colocou-lhe os braços em volta da cintura e levantou-a, eufórica.
“Gostaste?”, perguntou, por entre beijos no pescoço da morena, apesar de já saber a resposta.
“Amei”, respondeu Daniela, ainda a sentir os pés no ar, beijou a loura intensamente e pediu-lhe que a colocasse, calmamente, no chão.
De mão dada novamente, abandonaram o recinto, com a morena ansiosa por chegar a casa da outra. Infelizmente para si, já no carro a loura dava sinais de estar bastante letárgica, quase a passar pelas brasas encostada ao vidro. Ao chegarem a casa, o pior, aos olhos da rapariga, aconteceu. Susana deixou-se cair no sofá, adormecendo instantaneamente. Daniela murmurou uma série de palavreado impróprio para os ouvidos da maioria e resignou-se. Deitou-se junto à loura, servindo-se desta como almofada e adormeceu também.

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