quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Capítulo 4

O ecoar do som do despertador nas paredes do quarto assinalou definitivamente o fim da noite de sono de Afonso, bem como das suas férias, com grande pena sua. Mesmo não tendo problemas em acordar de manhã cedo, pelo menos não sofria de rabugice crónica como Sara ou Daniela, não resistiu a deixar-se ficar a saborear um pouco o conforto da cama, antes de dar início ao seu dia. As férias pareciam ter passado demasiado depressa para o seu gosto e a ideia de voltar às aulas só não lhe pareceu desagradável porque significava que ia ver Leonor diariamente. A ideia deu-lhe um novo alento para encarar o dia. Ponderando os mais diversos cenários em que se poderiam encontrar e almoçar juntos, não deu pelo tempo passar até que Daniela bateu à porta, quase a esmurrando, “Acorda! Achas que tens muito tempo, é?”
Rindo, o rapaz levantou-se, energicamente Nada batia o mau humor matinal da mãe, excepto talvez o de Sara. Ambas partilhavam a teoria de que o dia não começava verdadeiramente antes do meio-dia e, se Daniela subsistia à base de café, Sara deveria seguir-lhe as passadas. Susana não era assim, tinha sempre um sorriso no rosto independentemente das horas que fossem. Já Afonso, percorreu todo o seu ritual matinal que consistia em fazer a barba, afinal esta estava no ponto intermédio entre agradavelmente grande e pedinte de rua, duche e todo o processo necessário para garantir que não emanava odores desagradáveis durante o dia. Assim que se despachou, desceu para tomar o pequeno-almoço, bem-disposto.
À mesa, Sara mastigava os cereais sem grande ânimo, deitando olhares mortíferos, ora na direcção do relógio que assinalava a proximidade do começo oficial do novo ano lectivo, ora para os pássaros chilreantes no parapeito da janela. A irmã era, para o rapaz, um verdadeiro mistério. Por muito que puxasse pela cabeça não compreendia como é que alguém que encarasse a escola tão levemente conseguisse sair-se tão bem. Ele próprio era bom aluno, mas tinha uma respeitável dose de dedicação por detrás disso, como aliás em relação a tudo a que se propunha fazer. Por sua vez, Daniela olhava para a sua torrada como se esta fosse a razão de todos os males. Não querendo irritar ainda mais nenhuma, cumprimentou-as, recebendo um grunhido monossilábico em resposta, e focou a sua atenção nas papas de aveia.
Quando já via o fundo da tigela, Susana apareceu, acabada de sair da cama. Com o seu habitual sorriso, cumprimentou-os, distribuindo simpatia e envolveu Daniela num abraço, “Ora bom dia a todos!”
“B’dia…”, replicou Daniela, com a energia de um moribundo. Sara não foi muito mais efusiva, até porque pouco faltava para que enterrasse a cara dentro da tigela dos cereais. Apenas Afonso, naturalmente bom madrugador e com a particularidade de ter um motivo para estar ansioso pela chegada à escola, respondeu com igual simpatia, “Bom dia, mãe!”
“Acho que nunca te vi tão animado pelo primeiro dia de aulas”, comentou a loura, rindo, “Não é por estares cheio de saudades da Dona Adelaide, pois não?”
“Porra, não!”, esclareceu o rapaz, tremendo da cabeça aos pés ao imaginar a professora obesa, permanentemente cheia de pêlos de gato na roupa e de higiene duvidosa que, por algum motivo sempre embirrara com ele. Não era fruto da sua paranóia se ele era sossegado nas aulas, ao passo que Rúben fazia barulho pela turma toda e no entanto ela nunca repreendia o amigo e aparentava gostar dele. Enquanto se perguntava se ela já teria tratado da verruga peluda enorme que tinha no nariz, sentiu Daniela dar-lhe um caldo na nuca, “Au! Para que é que foi isso?”
“Cuidado com a linguagem”, repreendeu a mãe, lançando-lhe um olhar austero, porém não evitou descair e rir, “Mas…tenho que concordar que a mulher é assustadora, pelo menos quando fui a reunião ela tinha coisas verdes nos dentes”
“Até sei porque é que estás tão feliz”, brincou Susana, divertida ao ver a face do filho ruborizar, “Só a Leonor para te fazer tirar essa barba”
“Opa!”, queixou-se Afonso, embora também ele estivesse a sorrir. Daniela, terminando o pequeno-almoço, despediu-se da família, dando um abraço a Susana, abraço esse que demorou mais do que o necessário. Provavelmente adivinhava um dia longo. Afagando ambos os filhos, saiu para o trabalho, deixando, como últimos indícios da sua presença, o som dos pneus a chiarem no asfalto. Que mais esperar da pessoa que considerava o limite máximo de velocidade como sendo o mínimo recomendável?
Acabando o pouco que restava dos cereais, o rapaz despediu-se da mãe, que lhe desejou boa sorte para o primeiro dia de aulas. Decididamente que Susana não se podia queixar da vida que levava. Mesmo tendo deixado a ribalta pouco tempo depois de o filho nascer, ficara-se por fazer uma aparência ocasional de vez em quando e compunha para outros, ganhando bom dinheiro com isso ao mesmo tempo que mantinha a sua vida privada realmente privada. Como o dinheiro estava longe de ser um problema, os filhos estavam seguros, embora Daniela estivesse sempre presente como mediadora da quantidade de regalias que eles tinham, afinal a ultima coisa que queria era mimá-los demasiado. Afonso, finalmente despachado, arrastou o peso morto de Sara desde casa até à paragem do autocarro, embora não sem mimar Mocas, antes de sair da periferia.
Uma vez lá, consultou o relógio para se certificar que não tinham perdido o transporte, permitindo-se a soltar um suspiro de alívio por ver que chagaram com uns minutos de antecedência. Aproveitando aquele tempo para abordar um assunto que o andava a incomodar, virou-se para a irmã, já mais desperta e disse, “Já sabes, se aquele otário do João Esteves te der problemas diz-me e eu tenho uma conversa com ele”
Era nada mais, nada menos que o causador de ondas na vida escolar de Sara. Esta nunca tivera problemas, sendo extrovertida tinha facilidade em fazer amigos e dava-se bem com quase toda a gente. O quase devia-se a João Esteves, aquele que, desde os tempos de primária, que decidira implicar com ela, não se fazendo rogado em mandar comentários maldosos sempre que a oportunidade surgia, geralmente em relação à família peculiar desta. Afonso não podia utilizar o rapaz como saco de boxe, por muito que a ideia lhe agradasse, mas intimidá-lo um pouco não era má ideia. Sara, a eterna paz de alma, tinha, no entanto, outros planos, “Deixa estar, mais cedo ou mais tarde, ele farta-se”
“Mas quero que me digas na mesma se ele te incomodar”, insistiu o rapaz, tanto que a irmã nem voltou a contestar. Vendo o autocarro chegar, apertou o ombro da irmã de forma encorajadora, antes de entrar e percorrer o autocarro com o olhar, em busca de uma determinada pessoa. A idosa que parecia ter feito do acto de tricotar uma manta a sua missão de vida, conhecidos de vista da escola, o miúdo que comia bifanas pela manhã em pleno autocarro, Rúben a mandar o belo do charme a um elemento do sexo feminino desconhecido…nada de novo. E ele que estava convicto que ela apanharia aquele autocarro, embora não se atrevesse a enviar uma mensagem a perguntar por ela, não fosse ele dar a imagem de chato. Segurando-se, despediu-se de Sara, que iria esperar mais um pouco pelo seu autocarro para a direcção oposta, com um aceno.
Cerca de dez minutos mais tarde, quando a manta tricotada estava uns centímetros mais comprida, a bifana comida e a companhia de Rúben corada, chegou à escola. Aguardando que aquele momento constrangedor em que Rúben finalmente deixava ir a rapariga, por entre risadinhas passasse, Afonso, espreitando por cima do ombro do amigo de vez em quanto, cumprimentou, “Oi, não paras tu”
“Elas é que vêm ter comigo, parece que tenho mel”, gabou-se Rúben, piscando o olho à sua companhia de antes, que se riu, encantada, antes de partir com um grupo de amigas, todas elas rindo, entre si. Voltando-se para o rapaz, disse, em tom mais sério, “Quanto àquilo do outro dia…desculpa ter arranjado problemas com a tua amiga, ou o que é…já estava meio bezano”
“É na boa”, respondeu Afonso, encolhendo os ombros. Estava satisfeito por o amigo ter reconhecido que se havia excedido um pouco na festa e, dado o temperamento teimoso deste, fora um grande esforço para reconhecer que errara. E falando em Leonor, nem sinais. Tinha o resto do ano, mal seria que não tivesse oportunidades em barda para a ver. Quando a visse punha-se, também, o problema de balbuciar como parvo, mas isso era outra história.
“Conta lá melhor isso, onde é que encontraste uma gaja daquelas?”, inquiriu Rúben, incapaz de se conter por muito mais tempo. A sua surpresa era ainda maior por não ver o rapaz na companhia de uma rapariga havia algum tempo, afinal abordá-las era para ele um bicho-de-sete-cabeças e a última apenas dera em problemas. Aquelas com quem conseguia desenvolver uma relação de amizade ficavam-se por isso mesmo, amigas, e aquelas esporádicas por quem se interessava por norma, ou estavam comprometidas, ou o viam só como amigo, ou as duas coisas. Depois havia a Beatriz, mas esse era outra história.
“Já te tinha dito que é filha de umas amigas das minhas mães, foi lá jantar a casa há uns tempos”, explicou Afonso, sem evitar ruborizar um pouco, algo que parecia acontecer sempre que o tema de Leonor vinha à conversa, “Não tem sido muito fácil aproximar-me dela mas gosto de acreditar que já estive mais longe, acho que no fundo é muito querida, mas não mostra”
“Ela não está aqui, podes admitir que estás cheio de vontade de a comer”, troçou o amigo, a quem a conversa permanentemente respeitadora do rapaz nunca deixaria de surpreender. Havia pessoas como Afonso, pessoas essas que, na opinião de Rúben, deviam ser o sonho de namorado de qualquer rapariga, com os seus modos gentis e bem-comportado. Depois havia pessoas como ele, Rúben, aqueles com quem as raparigas encornavam os rapazes como Afonso.
“Também, mas não quero só isso”, disse o rapaz, revirando os olhos, “Não sou assim”
De súbito, o amigo, de olhos abertos e sobrancelhas bem erguidas, perdendo todo o seu ar gozão, como se tivesse acabado de ter uma epifania, perguntou, “E se ela…gosta de gajas?”
“NÃO!”, respondeu Afonso, com a voz um bocado mais aguda e estridente do que o normal. Tal possibilidade nunca lhe passou pela cabeça e, agora que ponderava o assunto, implorava a uma qualquer entidade metafísica que não fosse aquele o caso, “De certeza que não…não pode, eish”
“Não desesperes, não?”, troçou Rúben, num tom que se usaria para falar com uma criança pequena. Não o iria expressar em voz alta, mas, a seu ver, o rapaz continuava a não ter a mínima hipótese com Leonor, tivesse ela as preferências que tivesse. O gozo valeu-lhe um soco no ombro, na brincadeira.
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Enquanto percorria o corredor até à sala, na companhia de umas amigas, Sara ia fazendo um balanço positivo do comportamento demonstrado por João, que, pelo menos, se abstivera de lhe chamar quaisquer nomes pejorativos quando tiveram que conviver no intervalo. Se as coisas se mantivessem assim, até poderiam vir a ter uma coexistência pacífica, uma vez que amizade ainda parecia uma etapa muito distante. Além disso, tinha gente nova na turma que aparentavam ser simpáticos, portanto previa um bom ano. Animada, sentou-se no seu lugar habitual, segunda fila ao meio a contar da esquerda, sempre. Isto porque se ficasse atrás adormecia e à frente seria apanhada na conversa e aquela técnica resultava havia o seu primeiro ano.
Enquanto Cláudia, a única amiga mais chegada que tivera a sorte de ficar na sua turma, a punha a par dos últimos acontecimentos do Verão, Sara não conseguia ignorar a sensação de estar a ser observada. Estavam trinta pessoas na sala, era natural que, a algum ponto todos olhassem para todos, mas a sensação começava a constrangê-la. Não aguentando mais, voltou-se para trás, vendo, nada mais, nada menos que Tomás. Ele, ao reparar que ela já dera pela sua presença, dirigiu-lhe o seu característico sorriso sádico. Engolindo em seco, Sara voltou-se para a frente. E foi assim que viu as suas previsões de um ano agradável irem por água abaixo.
“Já viste o rapaz novo?”, questionou Cláudia, entusiasmada, acenando com a cabeça para trás. Aparentemente estava determinada em relembrar Sara da presença de Tomás, mesmo o que ela precisava. Sempre radiante, continuou, “É tão giro!”
“É, é…”, respondeu Sara, azeda. Se escondessem as tesouras dele na aula de educação visual então estariam seguros, mas não se admirava nada que ele fosse criativo e se lembrasse de improvisar algum objecto aguçado. Ignorando o par de olhos que já estaria a queimar-lhe a nuca, decidiu ali mesmo não lhe falar a não ser por motivo de força maior.
“Um bocadinho esquisito mas giro”, insistiu Cláudia, com o entusiasmo esmorecido ao reparar no sorriso perturbante de Tomás. Quando se punha de parte a maneira de ser bizarra do rapaz, até que tinha boa figura, mas isso era uma perspectiva que Sara não conseguia ver, depois de este lhe apontar uma faca. Já que a amiga não sabia disso, comentou, “Acho que te achou piada”
Rindo, embora sem qualquer vestígio de humor, Sara abanou a cabeça em sinal de negação, antes de se concentrar na figura da professora, disposta a ignorar os buracos que, por aquela altura, já teria na cabeça.
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Depois de limpar com a manga da camisola, pela décima sétima vez, as partículas de saliva da Dona Adelaide que lhe iam parar à cara, Afonso, ora consultando o relógio, ora olhando para fora da janela, suspirou de impaciência. Aquela mulher decidira persegui-lo até ao fim da sua carreira académica. Dava a sua disciplina preferida, História, mas era certo e sabido que nunca lhe daria mais do que uma nota medíocre e uma dor de cabeça. Passando a mão pela partícula de ADN da Dona Adelaide que lhe acertara em cheio entre os olhos, estremeceu. Felizmente que só tinha mais duas aulas, depois podia ir para os treinos descarregar as suas inquietações. Estava a riscar as bordas do caderno quando Rúben lhe deu uma cotovelada, apontando para fora da janela, “É aquela a Leonor?”
Voltando a cabeça na direcção da janela tão depressa que não soube como não torceu o pescoço, constatou que se tratava mesmo de Leonor. Engolindo em seco, ficou-se a contempla-la, como quem observa uma obra de arte. De tão embrenhado que ficou em algo tão simples como a postura da rapariga, ou como o cabelo desta esvoaçava, que só se apercebeu onde estava quando o amigo comentou, manifestando o seu grande apreço pelo que via, “A gaja é tão boa”
Dividido entre repreender Rúben por fazer um comentário daqueles e continuar especado a olhar, optou pela segunda alternativa. Ou optaria, se a Dona Adelaide não tivesse outros planos. Irritada, guinchou, “Mas querem fazer o favor de prestar atenção?!”
O grito foi o suficiente para o fazer voltar-se para a professora. Só de pensar que, ainda há um segundo atrás estava a observar a perfeição que era Leonor e tinha que voltar a levar com saliva da Dona Adelaide…No entanto, o som do toque safou-o. Atirando com as coisas para dentro da mochila, disse ao amigo para não esperar por ele e, num acesso de coragem, correu Leonor, que, com um horário na mão e um ar confuso na cara, pareceu aliviada por ver alguém conhecido. Envergonhado com a forma abrupta com que aparecera ali, o rapaz, gaguejou, “O-olá, Leonor”
“Olá”, cumprimentou a rapariga, esboçando um pequeno sorriso. Constituía uma prova do seu progresso, antes ela nem se dignaria a levantar um bocadinho que fosse os cantos da boca. Sem grande cerimónia, foi logo ao assunto, “Podias dizer-me onde é que é a sala 23?”
“Ahm…é naquele pavilhão atrás daquele ao fundo”, explicou Afonso. Quando ela agradeceu e fez por seguir naquela direcção, o rapaz, respirando fundo, ofereceu, “Posso acompanhar-te até lá, se quiseres”
Parecendo indecisa, a rapariga não respondeu no momento. Hesitante, talvez não quisesse arriscar perder-se pelo caminho, acabou por concordar, “Se não te importares”
“Claro que não”, assegurou o rapaz, encaminhando-os para a tal sala. Vendo que Leonor não fazia qualquer esforço para continuar a conversa, Afonso encarregou-se de levar a cabo essa tarefa, “Só entras agora ou não tiveste a primeira aula?”
“O meu irmão fez das dele e não consegui vir mais cedo”, esclareceu a rapariga, embora no fundo tivesse achado piada à imagem de Guida, encharcada, embrulhada numa toalha, a perseguir Tomás pela casa quando descobrira os mosquitos mortos no champô. A bulha que se seguira fizera com que ela perdesse o transporte e tivesse que esperar pela boleia de Marta, acabando por perder a aula. Contudo, valera a pena só pelos anos de vida que ganhara com o que se rira.
Preferindo ficar na ignorância, a bem da sua fé na espécie humana, o rapaz optou por não insistir mais no assunto. Enquanto caminhava ao lado da rapariga, ia, ao mesmo tempo que dava graças por aquele momento, por mais pequeno que fosse, olhando com pouca subtileza. Felizmente para si, mais oportunidades não haveriam de faltar. Ao ver que o intervalo passara demasiado rápido para o seu gosto, perguntou, “Também tens hora de almoço à uma e um quarto?”
Consultando o horário, Leonor respondeu, instantaneamente, sem se aperceber até que era tarde demais, da proposta que vinha aí, “Sim, depois entro dali a uma hora”
“Isso é óptimo!”, disse Afonso, transparecendo o seu entusiasmo, mesmo que nem isso o anestesiasse ao ponto de não se sentir nervoso, “Ahm…então…queres vir almoçar comigo? Como ainda não conheces ninguém…”
“Pode ser”, aceitou a rapariga. Em boa verdade, não estava com vontade de passar aquela hora isolada e era só uma vez, para a semana já teria travado conhecimento com mais alguém, não custava muito. Quem é que estava a tentar enganar? Gostava da companhia de Afonso e a perspectiva de passar a sua hora de almoço com ele era agradável.
“Então depois quando saíres manda mensagem”, pediu o rapaz, sorridente, sem poder acreditar que tinha, de facto, sido assim tão simples. Assim que teve a confirmação de Leonor, despediu-se dela e foi para a aula, com a cabeça leve do efeito da adrenalina. Mal se sentou, ao lado de Rúben, não se conteve e deu a boa nova, efusivo como uma criança ao ver as prendas debaixo da árvore de Natal, “Vou almoçar com ela!”
“Óptimo, sempre é um começo”, admitiu Rúben, sinceramente. A seu ver era um progresso mínimo e mais certo de o rotular como amigo aos olhos de Leonor, mas não queria dizer isso e estragar a alegria ao rapaz. Por muito que gostasse de tentar a sua sorte com a rapariga, claro que com intenções menos nobres que Afonso, gostaria de ver ainda mais o rapaz a ser bem sucedido.
Demasiado entusiasmado para prestar a atenção devida à aula, o rapaz passou-a pedindo conselhos ao amigo, afinal toda a ajuda que conseguisse era bem-vinda. Enquanto Rúben lhe dava dicas sobre como melhor conquistar Leonor, umas dicas mais explícitas que outras, Afonso ia desenhando “L’s” na margem do caderno, intercalando a tarefa com consultas do telemóvel. Quando o amigo lhe estava a explicar a sua famosa técnica de sexo oral, testada e voltada a testar, certa de funcionar em qualquer elemento do sexo feminino, o rapaz, que durante a descrição, se esforçara por afastar quaisquer imagens mentais perturbantes, recebeu a mensagem que tanto desejava:
“Já saí, vens ter à entrada?”
Ansioso por ouvir a professora dar a permissão para irem embora, o rapaz prestou atenção pela primeira vez naquela aula, aula essa que, em bom rigor, nem sabia qual era. Heterónimos de Fernando Pessoa? Pronto, pelo menos já sabia em que aula estava mas a professora não parecia estar a pensar em deixá-los sair mais cedo. Consultando o relógio, verificou que a aula, ao contrário do que lhe parecera, não estava perto de terminar. Aborrecido por estar a ser bombardeado com uma introdução às características do ortónimo quando tinha planos bem mais agradáveis em mente, suspirou, de impaciência. Avisando a rapariga que ainda não saíra e que não sabia quanto mais se iria prolongar a aula, cruzou os braços e voltou a suspirar, pouco satisfeito por a fazer esperar.
Após o que lhe parecera uma vida inteira, a campainha tocou. Despedindo-se de Rúben, saiu da sala, numa marcha que se encontrava na fronteira entre passo rápido e corrida. Segundo Leonor lhe dissera, encontrara um banco para se sentar, debaixo de uma arvora junto ao campo de jogos. Não teve particular dificuldade ao encontrar o tal sítio, era, afinal, o seu local de eleição quando não queria ter que lidar com mais gente e só desejava um momento para si, ou simplesmente, quando queria fazer revisões de última hora para um teste. Lá estava a rapariga, observando o jogo de futebol que estava a ocorrer diante de si, dentro do recinto. Sentando-se ao lado dela, apanhando-a de surpresa, disse, “Adoro isto aqui”
Ainda a refazer-se do susto, Leonor, olhando ora para o jogo que decorria normalmente, ora para Afonso que, por sua vez, olhava para ela, assentiu, “Sim, parece-me agradável”
“Então…vamos indo?”, ofereceu o rapaz, subitamente interessado numa ferida cicatrizada que tinha abaixo do joelho, ocorrida nos últimos treinos quando fora placado. Tinha que se controlar para não se deixar estar embasbacado a olhar para a rapariga, não fosse ela ficar arrepiada pelos modos constrangedores dele. Se ao menos emanasse confiança e o que quer mais que Rúben tivesse que parecia atrair tudo quanto era raparigas, então sempre faria melhor figura.
Afirmando que sim com a cabeça, Leonor não pôde deixar de se sentir curiosa pelo que fosse que estaria a cativar tanto Afonso. Vendo a crosta, algo que, pelo menos, sempre a deixava mais à vontade do que agulhas, perguntou, mais para arranjar um tópico de conversa que impedisse o silêncio constrangedor de se instalar, “Como é que fizeste isso?”
“O quê?”, questionou ele, sem entender a que é que ela se referia até que ela lhe apontou para a perna. Fazendo por formar uma linha de raciocínio sólida, explicou, rapidamente, “Foi nos treinos, fui placado e raspei a perna…mas não acontece muitas vezes, costumo ser eu a placar os outros!”
“A sério que jogas bem?”, brincou ela, divertida ao vero rapaz corar um pouco, algo que ela conseguia fazer sem quaisquer dificuldades e cada vez mais vezes. Ao vê-lo de calções, pôde reparar que, mais uma vez, os efeitos do rugby estavam à vista e ela estava muito grata por eles.
“Jogo! A sério”, insistiu Afonso, defendendo fervorosamente o seu orgulho e a sua técnica no campo. Era titular em todos os jogos, capitão da equipa e nunca ficara a aquecer o banco, portanto podia afirmar-se a favor do seu talento, que tinha os resultados para o provar. Ao ver que Leonor erguera uma sobrancelha em sinal de incredulidade, propôs, “Tens que me ver, não te iam restar dúvidas de que jogo bem”
“Então qualquer dia tenho que ver”, replicou a rapariga, rindo-se. Nem parecia má ideia, sempre era o que de mais parecido havia com futebol americano e ir assistir a um jogo deixá-la-ia nostálgica. Não querendo ter de almoçar à pressa, propôs, “Vamos andando? É que faltei à primeira aula e não queria chegar tarde a esta”
“Sim claro, vamos”, concordou o rapaz, que se permitiu a fantasiar um pouco e imaginou-se a ganhar o campeonato, a segurar a taça enquanto Leonor corria para ele, para o felicitar. Se estivesse no seu mais realista, duvidava que tal cenário alguma vez acontecesse, não só porque alguns jogadores da sua equipa estavam lesionados e avançar no campeonato nessas condições ia ser complicado, como também a ideia da rapariga agarrada a ele parecia ainda menos concretizável que ele próprio ganhar o campeonato sozinho. Mas até lá, iria sonhar um bocadinho. Estava ainda com um sorriso pateta a olhar para o ar, quando Leonor, já a ficar chateada, voltou a pedir que fossem andando. Embasbacado, pediu desculpa, levantando-se finalmente do banco.
Enquanto se dirigiam ao café, uma vez que Afonso garantira à rapariga que a comida do refeitório era incomestível e que uma vez encontrara pêlos na pata do coelho que lhe serviram, iam mantendo conversa de circunstância, sempre em torno de temas como a escola e a primeira impressão de Leonor da escola. Mesmo que não parecesse particularmente entusiasmada, a rapariga garantira-lhe que estava a gostar e de que não tinha razões de queixa. Porém, o tom abatido com que falava, levou o rapaz a insistir, “A sério que estás a gostar? Não parece”
Um pouco hesitante devido ao facto de se estar a expor, Leonor acabou por revelar que o problema não estava na escola em si, mas que tinha saudades da escola antiga e das pessoas que deixara para trás. No entanto, não revelou que, por outro lado, estava muito aliviada por ter deixado uma outra parte da sua vida para trás, mas isso era outra história. Por sua vez, Afonso, abriu a porta do estabelecimento para a rapariga, gesto esse que a surpreendeu por não ser algo a que estava acostumada, e esperou até que estivessem sentados para responder, sorrindo com ternura, “Oh, vais acabar a fazer amigos novos e a habituares-te a isto por aqui, vais ver”
“Sim, tens razão”, anuiu ela, sorrindo de igual modo. A tentativa de a reconfortar conseguira comovê-la, o que era algo que não acontecia com frequência, mas só um pouco. Desejando mudar o tópico da conversa, para algum que não implicasse partilhar mais do que aquilo a que estava disposta, perguntou, não sabendo bem como formular a pergunta sem que houvesse a possibilidade de que ele a levasse a mal ou que se ofendesse de alguma forma, “Ahm…tu podes comer…como és diabético…”
“Hm? Desde que não tenha açúcar, posso”, esclareceu Afonso, sem grandes constrangimentos, afinal tinham-lhe diagnosticado a doença aos oito anos, lidava com ela com a maior das naturalidades e não lhe era impedimento para nada, “Convém é ter atenção aos níveis de açúcar e tomar a insulina, como vou fazer agora, aliás...é melhor ir para a casa de banho, não é?”
“Não, não vás por minha causa”, disse Leonor, embora a ideia de ver agulhas e sangue a estivesse a fazer perder cor. Fosse porque se sentia genuinamente curiosa quanto ao procedimento, fosse porque se queria redimir desde a outra vez em que fora bastante rude, encorajou-o a que o fizesse ali, “A sério, não faz mal, até gostava de ver como é que fazes isso…se te sentires à vontade, claro”
“Está bem, mas se te estiver a fazer impressão podes virar a cara”, advertiu o rapaz, tirando o aparelho da mochila. Enquanto deixava tudo a postos, ia explicando para que é que cada coisa servia. Quando picara o dedo, não lhe passou despercebido a expressão desconfortável da rapariga, que se mexera, inquieta, na cadeira. Apontando os valores que a máquina lhe indicara, afinal o seu médico iria querer verificar tudo, assegurou a Leonor que estava quase, só faltava tomar a insulina.
Quanto à parte que lhe tocava, Leonor, ao vê-lo injectar-se, julgou por um momento que não se iria aguentar. Encontrando, nem a própria sabia onde, presença de espírito suficiente, aguentou-se. Após o que lhe parecera os dois minutos mais longos da sua vida, sentiu um alívio imenso, alívio esse a que juntara uma sensação de satisfação para consigo própria, visto ter aguentado assistir ao procedimento sem, tanto quanto pudesse aferir, ter feito Afonso sentir-se mal. Sorrindo como se tivesse acabado de receber um prémio, perguntou, “Tens que fazer isso todos os dias?”
“Duas vezes por dia, mas já estou tão habituado que é parte da minha rotina”, disse o rapaz, comovido pelo gesto da rapariga, ainda mais porque bem notara o quanto lhe custara. Conversando mais um pouco enquanto almoçavam, a barreira que havia entre ambos, que começara por ser sólida como uma parede de tijolo, começava, a atenuar-se e os progressos eram notórios. Durante aquela hora, Leonor permitira-se a falar mais de si própria, de como era a sua vida familiar além de mostrar mais interesse pelo que Afonso dizia, honestamente, e não apenas porque a cortesia a obrigava a tal.
Foi com grande pena que o rapaz consultou o relógio e verificou que pouco faltava para que terminasse a hora de almoço e tivessem que regressar à aulas. Indicando à rapariga que convinha irem andando, viu uma nova oportunidade de voltar a estar com ela, quando a ouvira dizer que aquela era a sua última aula e que depois iria buscar o irmão à escola. Uma vez que só tinha, também, mais uma aula e Sara estaria despachada por volta daquela hora, era o pretexto ideal. Sem grande receio, mais que não fosse porque a interacção entre ambos estivera, durante o almoço, a decorrer fluida como água, propôs, “A Sara também sai a essa hora, se quiseres podemos passar por lá os dois”
“Parece-me bem”, disse Leonor, a quem a companhia não desagradava e até agradecia. A seu ver, Afonso era atencioso e simpático, além de que, mesmo sabendo quais as intenções dele sem que ele alguma vez necessitasse de as verbalizar, não lhe parecia que ele alguma vez se impusesse, portanto não havia nada a temer e sempre era um amigo.
Assim que chegaram à sala onde a rapariga ia ter a aula, ele despediu-se, deixando, mesmo sem querer e apesar dos seus melhores esforços para se conter, transparecer o seu entusiasmo. Vendo-o afastar-se, mas não sem antes cumprimentar uma rapariga com os seus modos tímidos, Leonor não evitou reparar no quão enternecedor ele conseguia ser, mas depressa volveu a sua atenção para a turma em si. Na aula anterior sentara-se sozinha, mas a maioria dos lugares parecia já estar ocupada. A última coisa que queria era relacionar-se com as pessoas erradas e como tinha a habilidade de conseguir aperceber-se de quais eram as raparigas intriguistas e susceptíveis de dar problemas a milhas, fugiu delas depressa.
Parecia que não ia conseguir encontrar nenhum lugar. De sobrolho franzido, voltou-se para trás, avistando um lugar vago ao lado da rapariga que Afonso cumprimentara antes. Com o seu cabelo frisado e óculos grossos, aparentava ser o estereótipo de alguém pacífico e abordável. Dirigindo-se a ela, pediu, “Olha, posso sentar-me?”
“Claro, estás à vontade”, respondeu ela, com um sorriso enorme que deixava em evidência o aparelho nos dentes. A simpatia com que lhe falara apanhou Leonor de surpresa, dado estar habituada a que a etiquetassem como convencida e outros adjectivos mais ofensivos sem sequer lhe falarem primeiro. Quando se sentou, a rapariga, bem-disposta, apresentou-se, “Já agora, sou a Adriana e tu?”
“Muito prazer, sou a Leonor”, retribuiu Leonor, sorrindo. Em parte porque queria um motivo para continuar a conversar, perguntou, curiosa, “Conheces o Afonso?”
“O Marques?”, questionou Adriana, ajustando os óculos no nariz. Quando a rapariga lhe confirmou, continuou, “Já o conheço desde a primária mas não se pode dizer que sejamos amigos, costumamos falar-nos só, é simpático”
“Sim, lá isso é”, concordou a rapariga, sorrindo enquanto apontava o exercício no caderno. Não contava que começassem logo a dar matéria na primeira aula, mas ia servir para fazer o ponto da situação. Sendo física a sua melhor disciplina, começou a resolver o exercício, com confiança.
“Uma vez um amigo dele estava a gozar comigo por causa dos óculos e ele defendeu-me”, acrescentou Adriana, “Desde aí que fiquei com boa impressão dele”
“Ele é decente, a julgar pelo pouco que conheço”, respondeu Leonor. Ao acabar o exercício, espreitou para o que Adriana tinha feito, para comparar o resultado. Ao constatar que era diferente do seu, verificou melhor a resolução. Estava convicta de que não tinha cometido erros, então não estava a ver o que podia ter corrido mal. Vendo a resolução de Adriana, entendeu, “Olha…enganaste-te”
“Onde?”, perguntou Adriana, estupefacta. Tratava-se de física, a sua especialidade, as probabilidades de cometer um erro eram poucas. Por muito segura que se sentisse, estava sempre disposta a aprender e a ser corrigida e, se aquela desconhecida o conseguisse fazer, tanto melhor.
“Começaste bem mas usaste o teorema errado a partir daqui”, explicou a rapariga, apontando-lhe o erro. Não queria abusar da sorte, mas Adriana parecera-lhe uma pessoa descontraída e razoável, por isso resolvera trocar impressões com ela. Geralmente o seu talento para matemática e física costumava apanhar as pessoas de surpresa, mas Adriana não fez nenhum reparo em relação a isso, limitando-se a agradecer efusivamente e por isso Leonor estava-lhe muito grata. O resto da aula correu melhor a Adriana, tendo tido inúmeras oportunidades para se redimir, provando à rapariga que iria ter concorrência à altura. No final da aula, recebeu uma mensagem de Afonso:
“Já saí, vens ter à portaria?”
Mal confirmou, a campainha tocou, ainda nem o professor tinha acabado de resolver o exercício, já turma se tinha levantado, deixando para trás o homem a falar sozinho. Despedindo-se de Adriana, Leonor encontrou-se com Afonso, a quem a cara se abriu num sorriso enorme, como acontecia sempre que a via. Satisfeita por ter encontrado alguém com quem se pudesse dar bem, deu a boa nova ao rapaz, “Aquela rapariga a quem falaste antes de eu ir para a aula, a Adriana, é uma simpatia”
“Ela é impecável, tenho pena que o Rúben passe a vida a gozar com ela”, disse o rapaz, abanando a cabeça. O amigo considerava-a o seu anti-género de rapariga e fazia questão que ela soubesse, era algo que durava desde os tempos da primária, quando ele implicara com os óculos primeiro. Uma vez que a sua previsão de que Leonor havia de se dar bem se estava a confirmar, fez questão de o afirmar, “Vês? Bem te disse que ias fazer amigos novos num instante”
“Até agora não me posso queixar”, admitiu a rapariga. Enquanto se dirigiam para a escola onde andavam os irmãos, Leonor, preocupada, perguntou-se como se estaria a dar Tomás. O irmão não fazia amigos com facilidade e, vendo bem as coisas, nunca o vira com um amigo. Sabia que o irmão tinha uma personalidade pouco acessível, mas estava certa de que se lhe dessem uma oportunidade, poderiam vê-lo como ela o via.
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Sara, ao dar as aulas por terminadas, soltou um suspiro de alívio. Pelo menos em casa não teria que olhar para o sorriso arrepiante de Tomás, que a perseguira o dia todo. Parecia que, para onde quer que fosse, ele estava lá, saía da casa de banho e lá estava ele, ia ao bar e lá estava ele, quase podia jurar que ele era omnipresente. Não ajudava ter Cláudia constantemente a comentar o quão querido era o sotaque de Tomás ou o quão verdes eram os olhos dele. Quando Afonso lhe mandara mensagem a dizer que estava à entrada à espera dela, deu corda aos sapatos, ansiosa por ter um momento que fosse longe de Tomás. Dirigindo-se ao irmão, com uma expressão carrancuda, disse, apesar dos esforços deste para a impedir e antes de reparar em Leonor, “Não me livro daquele Tomás nem por nada, o gajo é tão esquisito!”
Quando finalmente viu a rapariga, que se limitou a olhar para o chão, constrangida, empalideceu, antes de se desfazer em desculpas, “Ai! Desculpa, não era isso que eu queria dizer”
“Eu compreendo”, admitiu Leonor, olhando, ora para Sara, ora para o chão. Pelos vistos Tomás não causara grande impressão, o que não podia dizer que a surpreendesse muito. Mas a situação tinha que mudar e, caso Sara estivesse disposta a ajudá-la, poderia resultar. Por fim, decidiu-se e disse, “Posso pedir-te um favor?”
“Diz”, encorajou Sara, embora repetisse o cântico mental “por favor que não tenha nada a ver com o Tomás” vezes e vezes sem conta. Preferia, no entanto, assumir que o favor seria bem mais feliz do que o pressentimento que tinha lhe indicava.
“É sobre o meu irmão”, começou a rapariga, com uma expressão tão cabisbaixa que Sara não conseguiu ficar indiferente, “Eu sei que ele tem uma maneira de ser difícil, mas é bom rapaz…nunca teve muitos amigos, para dizer a verdade…o que te queria pedir era que te tentasses dar com ele, podia ser tão bom…podias fazer isso por mim e por ele, por favor?”
Por muito que Sara não quisesse ter nada a ver com Tomás, não conseguia dizer que não a Leonor. Só desejava que a rapariga lhe tivesse pedido algo mais simples, como rastejar sobre um ninho de víboras para encontrar no meio um duende montado num unicórnio. Olhando para Afonso em busca de auxílio, viu que a ideia também não lhe agradava, embora não se pronunciasse. Ao ver a face tristonha de Leonor, acabou por concordar, “Pronto, está bem”
“Obrigada, muito obrigada”, repetiu a rapariga, “Vais ver que vai valer a pena, ele no fundo é um amor”
“Imagino”, replicou Sara, com cara de quem acabara de engolir um pedaço de limão. A sua expressão, porém, foi-se suavizando quando viu Tomás dirigir-se à irmã com um abraço. Era incrível a forma como toda a maneira de ser dele mudava ao pé de Leonor. Comovida quando a irmã lhe deu um beijo na testa, Sara pensou que, afinal, talvez a tarefa em mãos fosse mais concretizável do que imaginara e, para si, ainda bem.