quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Capítulo 15

Tinham, entretanto, decorrido largas horas desde que Tomás e os seus dilemas que, ninguém a não ser o próprio, os entendia, lhe tinham estragado o que prometia ter sido uma tarde saída dos seus melhores sonhos e Afonso ainda não tinha esquecido o ressentimento que sentia para com o rapaz. Primeiro ele lia demasiados livros do Nicholas Sparks e fazia uma declaração de amor à sua irmã, de todas as pessoas. Depois fazia birra e deixava a sua namorada preocupada, conseguindo fazer com que ela tivesse que acudir à crise em vez de trocar miminhos com ele, Afonso, sequioso pela atenção de Leonor. Era humano e as hormonas não lhe davam tréguas! De qualquer forma não ajudava ter a namorada mais linda do planeta! Era também querida, atenciosa, inteligente, tinha uma pele tão macia, a sério, parecia que Deus, o próprio, a tinha feito e ele, na sua condição de mero mortal, sempre que encontrava um novo pormenor nela, não conseguia evitar ficar maravilhado.

Bem, voltando ao quanto Tomás o desagradava, uma vez que estava visto que, sempre que se lembrava de Leonor, não conseguia manter a concentração: Ele era pior que aquele bocado de pastilha elástica que se cola à sola do sapato e agarra tudo quanto é desagradável, apenas para, no fim do dia, se ver uma bola de matéria repelente agarrada ao sapato. Se Leonor era a encarnação da perfeição, Tomás devia ter sido feito com os restos defeituosos. Só de pensar que, se ele tivesse levado a sua avante, teria feito à sua irmã o que ele fazia à dele, sentia a necessidade de tomar banho. Contudo, sentia que tinha sido feita justiça quando Sara lhe tinha dado uma tampa, o que, vistas bem as coisas, era ridículo da sua parte, afinal, onde é que já se vira sentir-se tão vulnerável às provocações de um miúdo de doze anos?

Tinha esperança que, o que quer que apoquentasse aquela alminha, tivesse passado para que ele pudesse ter a tal tarde com Leonor. A ideia de a ver na escola fez com que passasse por todas as partes da sua rotina matinal tipo Speedy Gonzalez, tendo que quase forçar o pequeno-almoço pela garganta de Sara, para que se despachasse. Já encontrara carcaças de animais na beira da estrada com mais energia do que ela, o que o deixava exasperado, mas nada que não fosse compensado pelo seu entusiasmo. Até o autocarro barulhento, sempre com uma concentração de cheiros que iam desde virilha suada a perfume de dona de casa, se tornava tolerável quando sabia que iria ver Leonor.

Quando o autocarro chegou à paragem que ficava a poucos metros da escola, Afonso mal teve tempo de assentar um pé no solo e encher os pulmões de ar puro, sem que o Rúben prendesse com uma chave de braços por cima da cabeça, embalada por um grunhido animalesco que soava a “mô puto”. Contacto físico era a sua maneira de mostrar felicidade, chegando ao ponto de, na opinião modesta de Afonso, parecer homo-erótico, se bem que isso era um pensamento em que ele preferia não insistir, sobretudo porque os genitais do amigo estavam em contacto com os seus glúteos, glúteos esses a que Rodrigo chamara de “coisa mais linda”. Conseguindo descolar Rúben, senão ainda corria o risco de não sair dali virgem, Afonso perguntou, “Pára com isso, foda-se! O que é que te deixou assim?”

Dando provas de que não tinha esquecido as noções básicas de decência após sair do jardim-de-infância e que ainda tinha um pouco de pudor, o amigo esperou até que tivessem um bocadinho de privacidade para dar a boa nova. Quase a salivar, Rúben, em voz baixa, disse, “Tás a ver a Soraia? Aquela ruiva que conheci na festa do Lima? Nem tens noção, a gaja faz tudo!”

Levando em consideração o facto de passarem tantas raparigas por Rúben como traseiros por sanitas de casas de banho públicas, chegava a ser difícil manter-se a par do seu historial. Afonso bem que sabia, até porque as raparigas, depois de serem descartadas pelo amigo, gostavam de se ir lamentar para junto dele e, se acabava a consolá-las, ficava-se por aí, o que, em tempos, o frustrava como se não houvesse amanhã mas, agora, não evitava olhar para trás e sentir-se em eterna gratidão para com o destino por lhe ter dado Leonor em vez dos restos de Rúben. Se conseguisse silenciar a vozinha que lhe dizia que, se não estava com alguma das rejeitadas do amigo, estava com os restos de um desconhecido qualquer, seria bom. Como não queria que essa conclusão o perturbasse, voltou a sua atenção para Rúben, “Hm, ainda bem”

Entretanto apareceram David, Paulo e Gonçalo, todos eles amigos próximos de Rúben mas não tanto de Afonso, que considerava ter mais conhecidos que amigos e que só falava com aqueles porque estavam sempre com o seu melhor amigo. Independentemente do género dos seus interlocutores, tendia a ficar inibido se os conhecesse há pouco tempo. Uma vez que se acabaram por envolver com a conversa de Rúben acerca da sua nova conquista, o que estava a deixar Afonso pouco à vontade, este acabou por ficar um tanto esquecido. A bem da sua paciência, Leonor apareceu passados uns minutos. Conseguia continuar a sentir nervosismo cada vez que a via, mesmo depois de todo aquele tempo, mas isso não o impediu de a puxar para si pela mão e de a beijar, algo por que ansiava desde que acordara.

“Quem te viu e quem te vê”, brincou a rapariga, referindo-se à forma como o rapaz agia junto de si. Antes era tão tímido, chegando mesmo a não a conseguir encarar sem corar e começar a suar. Agora não fazia cerimónia em recebê-la com um cumprimento daqueles. Mas ela gostava, afinal se ele estivesse à beira de ter um ataque cardíaco cada vez que ela estava a menos de um metro dele, então ele estaria numa arca frigorífica com uma etiqueta em torno do dedo do pé desde que conseguiram trocar um beijo pela primeira vez. E ver que, de vez em quando, ele conseguia assumir o controlo, era extremamente sexy.

“Estás-te a queixar, é?”, disse Afonso, colocando-lhe os braços à volta da cintura, com o intuito de a puxar mais para junto de si. Se ele tivesse voto na matéria, ela nunca mais usaria nada que não sapatos rasos, caso contrário, como é que ele se podia dar ao luxo de lhe conseguir dar um beijo na testa sem ter que passar pela humilhação de ter que se colocar em bicos de pés? E foi o que fez, já que queria mesmo aproveitar essa circunstância e convinha apressar-se, afinal não faltava muito para ter que ir para a aula da Dona Adelaide e as partículas de saliva que saltariam na sua direcção quando ela falava precisariam de um alvo onde acertar. Bem, não queria estragar o momento com Leonor a pensar na sua professora.

“Não, de todo”, respondeu a rapariga, puxando-o para si pelo colarinho da camisola, antes de o beijar. Decidindo aproveitar a boleia de Adriana para a sala de aula, despediu-se de Afonso, sempre sem ligar à presença de Rúben e dos amigos deste. Conseguia sentir o olhar deles colado ao seu traseiro enquanto andava e não era uma situação que lhe agradasse. Se era aquele o tipo de pessoas com quem o namorado se dava, o que é que lhe garantia que ele não era como eles e só estava a fazer melhor trabalho a ocultá-lo? Era aquela constante desconfiança que a deixava um tanto de pé atrás em relação a Afonso mas o que podia ela fazer?

“Andas com uma gaja daquelas?”, perguntou David, ainda a apanhar os estilhaços do seu queixo que, entretanto, tinha caído ao chão quando avistara a rapariga. De Rúben, que tinha um batalhão de raparigas, cada uma mais jeitosa do que a outra, disposta a fazer de tudo pela sua atenção atrás dele, ainda esperava tal proeza, mas Afonso? Ele não conseguia falar com uma rapariga nem que a sua vida dependesse disso! Ok, ele era filho de uma famosa e ele, David, tinha que admitir que admirava muito o talento dele para jogar rugby, mas mesmo assim. Não era que desse alguma coisa por aquilo, mas ela acabaria por lhe pôr os patins em breve e, quem sabe, podia ser que ele tivesse sorte.

“Boas…”, comentou Gonçalo, com um sorriso sugestivo, fazendo um certo gesto com as mãos em frente do peito. Estava só a dizer o que era bem verdade, a seu ver Afonso devia sentir-se orgulhoso em vez de ficar todo envergonhado. Se ele tivesse uma namorada assim iria exibi-la como se não houvesse amanhã! Isso claro, depois de fazer o test-drive ao veículo, mas estava certo de que, quando pusesse a primeira, até iria fazer peões.

“Assim que te fartares dela, dá-ma”, disse Paulo, sorrindo de modo idêntico. Leonor parecera-lhe tão atraente que, se ele estivesse no lugar do Afonso só parava quando já tivesse uma queimadura indiana nas zonas baixas.

“Sim, ela é jeitosa mas não é vossa”, disse Rúben tentando deitar água na fervura. Normalmente ter-se-ia juntado aos amigos, mais que não fosse porque tinha piada ver Afonso prestes a rebentar, mas, apesar de saber que devia ter em consideração os interesses do seu melhor amigo, havia coisas que falavam mais alto e o seu narcisismo era uma delas. Leonor tinha tido a ousadia de o mandar passear quando ele a conhecera no Verão e ele não era pessoa para dizer não a um desafio. Era a namorada do seu melhor amigo mas havia de lhe passar. Afonso acabaria a chorar agarrado aos lenços, como o rapaz sensível que era, mas acabaria por esquecer. A longo prazo, ele devia era ficar muito grato, Leonor era o estereótipo da “rapariga solta” e ia magoá-lo mais cedo do que tarde, enquanto ele, enfim, raparigas porquinhas eram as suas musas.

“Podiam parar?”, pediu Afonso, incapaz de se lembrar de uma resposta à altura. Adorava o facto de reconhecerem que a sua namorada era bonita mas estavam a faltar-lhe ao respeito e isso ele não tolerava. Preparando-se para se retirar dali antes que começassem a perguntar pela sua vida sexual inexistente, continuou, “Tenho que ir andando”

Agora que se tinha afastado e arrefecido a cabeça o suficiente, apercebeu-se da imagem mariquinhas que tinha acabado de dar. Não gostava de ser confrontado mas, ainda assim, devia ter-se lembrado de algo mais para dizer do que um “podiam parar?” e uma retirada estratégica cobarde. Às vezes, gostaria de ser mais como Rúben que, posto numa situação parecida, teria distribuído murros como uma testemunha de Jeová distribui panfletos. Ele também tinha caparro suficiente para fazer boa figura numa luta, mas sempre preferia ceder e evitar problemas. Como não podia voltar atrás no tempo e mostrar o quão “homem” conseguia ser, o que quer que isso quisesse dizer, ao menos sempre se sentia melhor por saber que Leonor não tinha estado lá para ver que ele não a defendera.

Como a sua auto-confiança não podia passar a sua existência a ser atirada abaixo, espezinhada e cuspida em cima, depois de hora e meia a sentir o cheiro a comida de gato proveniente da camisola da Dona Adelaide, veio a aula de educação física, aula essa que, quando o mapa da ocupação de instalações o permitia, fazia junto da turma de Leonor e, como, por coincidência, estavam no campo ao ar livre, o prato do dia era rugby, sempre pôde exibir-se um bocadinho. Se fosse danças de salão ou ginástica e a rapariga estivesse a ver, teria sido um dia negro, afinal parecia um pato a ter espasmos quando dançava. Claro que teve de aligeirar os seus modos quando estavam a jogar para não magoar ninguém, daí a sua maior vontade ser Leonor ir assistir a um jogo sério dele. Porque é que não podia ser tão másculo e confiante fora do campo como era lá dentro?

Quando ia a entrar para o balneário, depois do que lhe pareceu uma aula produtiva em que conseguira ensinar uma lição a Rúben, que, mais uma vez, estava mais preocupado em exibir os peitorais do que em limar as arestas da sua técnica rudimentar, Leonor deteve-o, agarrando-lhe a camisola, “Espera, tens planos para depois das aulas?”

“Não, porquê? Vais-me fazer um convite?”, perguntou o rapaz, implorando a todos os santos para que a sua camisola não estivesse demasiado suada e desagradável, pois não queria de forma alguma que a rapariga tivesse contacto com o seu suor viscoso. A não ser que as circunstâncias fossem outras, claro estava, aí quaisquer trocas de fluidos corporais eram bem-vindas.

“Hm, tenho a casa por minha conta, se quiseres aparecer por lá, podíamos ter uma tarde só para nós”, disse Leonor, sugestivamente, enquanto deixava a mão passear pelo peito de Afonso, sentindo-lhe a definição. Realmente, estava explicado o belíssimo desempenho dele no jogo da aula. No entanto, não havia rapariga que ela conhecesse que alguma vez tivesse olhado para o rapaz com olhos de ver, o que, por um lado, não tinha mal, era da maneira que não tinha concorrência, por outro, como era possível? Com os seus caracóis negros e olhos azuis, tinha um ar um tanto angelical, mas isso era só do pescoço para cima, tinha ombros largos e era bem constituído. Em suma, ele era atraente, pouco vistoso, mas ela não se importaria de descobrir o que é que aquela t-shirt escondia.

Engolindo em seco, o rapaz que, perante aquela atenção, se sentia inacreditavelmente bem, não conseguiu formular uma resposta, preferindo regozijar-se por aquele momento. Nunca esperou que acontecesse, mas ela fazia-o sentir-se desejado, algo que lhe parecia um conceito alienígena, já que, mesmo com Beatriz, estava mais habituado a sentir-se o ursinho de peluche que ela apertava quando queria conforto. Por muito que a diferença o tivesse apanhado de surpresa, era algo a que se via a habituar-se. E logo Leonor, de todas as raparigas! Como é que ele tivera tanta sorte? Levou tanto tempo a responder que a rapariga, vendo-o com o olhar vidrado e com um fio de saliva prestes a cair do canto da boca, o tentou fazer reagir, dando-lhe uma palmadinha de leve na face, “Afonso?”

“Quero, quero, quero!”, conseguiu Afonso, finalmente, responder, já a ruborizar. E daí talvez o problema não estivesse na falta de definição dos seus abdominais mas sim nos seus modos atadinhos. Inclusive, Leonor tinha acabado por retirar a mão. Não tinha importância, mais tarde teria oportunidade de ver que não eram só os peitorais que eram rijos. Depois de lhe passar o momento Rúben, deixou a rapariga ir à sua vida, mas não sem que antes a detivesse por mais um pouco só para um último beijinho. Se momentos céleres como aquele o faziam sentir-se nas nuvens, só de pensar em passar uma tarde inteira com Leonor, sentia-se no mais puro dos paraísos.

Ao sentir o cheiro a meias suadas no balneário lembrou-se que, se o seu plano não passava por intoxicar a rapariga com o odor das suas axilas, o melhor era tomar banho. Tendo como objectivo deixar-se tão imaculado que conseguiria ver-se reflectido na própria pele, estava a passar o gel de banho no corpo quando Rúben, tal como veio ao mundo, lhe deu uma palmada nos glúteos, “Coisa boa!”

“Mas não é para ti”, ripostou Afonso, que, em momentos daqueles, considerava se não faria melhor em voltar-se para os rapazes, já que parecia que eles gostavam muito do seu traseiro. Lembrando-se da cena nas férias em que Leonor lhe apalpara o pacote, constatou que também ela gostava, o que fez maravilhas para o animar. Não conseguindo guardar as boas notícias para si, disse, tendo a voz toldada por um misto de satisfação e embaraço, pois, apesar de parecer algo de parca relevância, não era que fosse a coisa mais mundana para ele, “Hoje vou a casa dela”

“O que ela quer, sei eu!”, exclamou Rúben, demasiado alto para que o rapaz não ficasse ainda mais envergonhado do que já estava. Ainda assim, parecia-lhe previsível, porque era mesmo o tipo de coisa que imaginava Leonor e todas as da sua laia a fazerem, não era preciso dar mais do que um mínimo de atenção que elas estariam a abrir as pernas num ápice. Ela não era propriamente menina que se apresentasse aos pais e que desse uma óptima dona de casa e mãe de filhos. Só queria que Afonso aproveitasse enquanto podia pois Leonor descartá-lo-ia mais cedo do que tarde. Claro que não lhe podia dizer isso, tanto que, preferindo distraí-lo, continuou, “A sério, ela não te quer lá para irem jogar às cartas”

“Ainda é cedo para isso, não achas?”, perguntou o rapaz, baixando a voz, uma vez que não se sentia à vontade o suficiente para ter aquela conversa ali, no chuveiro, rodeado de gente nua, alguns deles a bisbilhotar a conversa. Estava assente que não iria criar expectativas para aquela parte, o que quer que tivesse que acontecer, que acontecesse, mas o amigo, com aquela conversa, não estava a ajudá-lo a sentir-se mais calmo. Tudo o que ele desejava era passar uma tarde aprazível com a sua namorada sem ter sempre algo a intrometer-se entre eles. Se havia algo que não precisava era de pressão para fazer algo que, por muito que quisesse, não achava que fosse a altura certa para o fazer.

“Não te vou responder a isso”, disse Rúben, abanando a cabeça. O rapaz conseguia ser tão inocente que, se não estivesse ali para o ouvir, duvidaria que alguém podia ser assim, mas até era por isso que gostava dele, não havia um pouco de maldade que fosse nele. A julgar pelo juízo de prognose que estava a fazer acerca do andar de Afonso, ou não esquecia a sua maneira de ser insegura e tímida e assumia uma postura mais proactiva, ou bem que podia dizer adeus a Leonor que, na sua breve estadia, o iria trair dia sim, dia não. Não que ele se queixasse, não duvidava que a rapariga lhe fosse cair no colo em breve, mas gostava que o seu amigo pudesse aproveitar um pouco.

Com pouca vontade de continuar ouvir Rúben, Afonso passou o cabelo por água e apressou-se a sair dali. Por muito que a conversa o tivesse incomodado, saber que teria a rapariga só para si, deixava-o feliz. Fosse como fosse, só sentia a insegurança a vir ao de cima quando Rúben falava das suas proezas e do seu entendimento dos mais profundos desejos femininos, nessas alturas era-lhe impossível evitar comparar-se ao amigo, que emanava confiança e com motivos para a ter. Quando estava com Leonor, a conversa de Rúben e dos outros não podia estar mais longe da sua cabeça, ainda que assim que se visse sozinho, se perguntasse se a rapariga não quereria que ele fosse mais como eles. Podia sempre falar com Adriana, talvez ela o elucidasse, mas a ideia de lhe falar de tal coisa enchia-o de vergonha.

De tão absorto que ficou nos seus pensamentos, nem deu pela aula passar, o que normalmente o teria incomodado porque gostava de seguir as aulas, sobretudo aquela, psicologia, por ser uma das áreas que já ponderara seguir, mas, naquele caso, tinha a matéria toda explicada no livro e perder as explicações do professor não tinha importância. Ao sair da sala, deparou-se com Leonor à sua espera, o que era uma mudança agradável, dado que, por circunstâncias em que ele não podia interferir, tais como os professores dela reterem a sua turma durante uma porção do intervalo por todos e mais alguns motivos, costumava ser ele a esperar por ela. Como ainda tinha o cabelo molhado, entendeu saudá-la sacudindo-lhe o cabelo junto à cara, de modo a salpicá-la.

“Pára!”, pediu Leonor, embora o riso a tivesse traído. Numa tentativa de o fazer parar, agarrou-lhe a cara e beijou-o. Com o susto, Afonso, não só não abanou mais a cabeça, como sentiu os joelhos enfraquecerem. Sim, definitivamente foi eficaz e ela sentia-se sempre divertida e enternecida quando surtia aquele efeito no rapaz. Não convinha era exagerar, se ele desmaiasse lá se iam os planos e ela estava à espera de uma tarde daquelas há algum tempo. Esperava que fosse apenas uma tarde simples, passada na companhia do namorado, sem ter de ceder a desejos mais carnais, como estava habituada. Era pedir muito que quisessem estar com ela se não estivesse como veio ao mundo?

“Ahm…desculpa, sinto-me sempre assim quando, ahm”, balbuciou Afonso, ciente de que coerência era algo de que, às vezes, não era capaz de ter quando tinha algum contacto mais íntimo com a rapariga. Ainda assim, não tinha dúvidas de que, com o hábito e, por sua vontade, muita insistência, conseguisse mudar. Tanto quanto via, a sua faceta mais insegura e acanhada não era atraente e gostava de poder mostrar a Leonor que era muito mais do que isso. No que foi uma tentativa algo frustrada de se redimir, disse, “Ahm, o que eu estava a tentar dizer era que, hm, és tão, nem sei, xuxu?”

Mesmo quando pensava que ele não podia ser mais adorável, arranjava maneira de redefinir a própria noção de “adorável”. Quer dizer, não sabia o significado daquela palavra e, em virtude do tempo que passara fora do país, havia neologismos que não conhecia, mas gostava de acreditar que se tratava de um elogio. Fosse como fosse, aqueles modos desajeitados, sobretudo quando eram evidenciados pelo rubor que era presença constante nas suas bochechas, jamais lhe seriam indiferentes. Mas, como não podia passar o resto do dia a conter os guinchinhos que reservava para aquelas ocasiões em que via algo tão enternecedor que a derretia até mais não, decidiu-se a agarrar o braço de Afonso e a levá-lo dali, para irem almoçar.

Agora que se deparava com o contraste, ao sentir o braço do rapaz, ficou indecisa entre levá-lo a ele, Afonso, para casa e fazer-lhe festinhas como faria a um cachorrinho, se levá-lo para casa e, bem, o resto seria história. Rindo com o dilema interior, não partilhou o que lhe ia na mente quando o rapaz lhe perguntou do que é que se estava a rir. Perante aquela incógnita, Afonso pareceu-lhe preocupado e, se ela bem o conhecia, naquela cabeça já estaria a imaginar mil e um cenários, cada um pior que o outro. Não o querendo ver transtornado, lançou-lhe os braços ao pescoço e, depois de o beijar, garantiu-lhe, “Está tudo bem”

Foi assim que o estado de espírito do rapaz deu uma volta de cento e oitenta graus para melhor. Como ela o conseguia fazer esquecer o que quer que ele estivesse a matutar, era mesmo algo de louvável. O facto de, uma quantidade generosa de almoços mais tarde, ela conseguir não ter uma crise nervosa quando ele expunha as agulhas para medir os níveis de glicemia, era um comprovativo de peso dos progressos que, ao longo de todo aquele tempo, tinham conseguido fazer e ele sentia-se extremamente comovido pela dedicação que ela tinha vindo a demonstrar, insistindo sempre para que o fizesse à frente dela. Assim, achou por bem dizer-lhe, “A sério, fico muito tocado por não me recambiares para a casa de banho para ir injectar insulina, sobretudo porque não gostas de agulhas”

“Até não me faz muita impressão”, mentiu Leonor, com sérias dúvidas se não teria manchado as calças. No fundo, sentia alguma pena do rapaz que já lhe dissera que gostava muito de bolos e massas mas que se tinha de privar de comidas com muito açúcar por causa da diabetes. Como lhe fora diagnosticada quando tinha oito anos, já não tocava em doces há tanto tempo que mal se lembrava de como sabiam, mas ela não conseguia evitar sentir compaixão para com ele. Parecia-lhe ingrato da sua parte que, não tendo nenhuma doença que não fosse a sua obsessão com a sua cintura, se abstivesse de ingerir calorias por um motivo tão superficial como a sua vaidade. Daí não conseguir ir a casa de Adriana, cuja mãe fazia o melhor bolo de bolacha que ela alguma vez tivera a oportunidade de saborear, não conseguia dizer que não, a sua disciplina não chegava para tal proeza.

O que Afonso não sabia era que, para não ter uma coisinha má, ela concentrara-se na zona abdominal bem definida dele. Podia não ter abdominais perfeitamente definidos como Ryan mas não estava nada mal a seu ver, aliás, se a distraía das agulhas era porque tinha o seu mérito. Talvez admitisse que estava um bocadinho frustrada, mas nada que a demovesse da sua intenção de se manter celibatária durante os próximos tempos. Para se recompor, canalizou a sua atenção para a sua salada, desejando, durante todo o almoço, de que a alface se transformasse numa bifana mal passada. Assim que terminou a sua refeição pouco satisfatória, prosseguiram com o plano.

Outro aspecto aparentemente pouco importante por que ela ficava muito sentida era o facto de Afonso fazer questão de lhe dar a mão sempre que a situação o permitia e nem era ela que tinha que tomar a iniciativa. O tratamento que, regra geral, recebia era ser exibida aos amigos quando o rapaz com que estava queria fazer boa figura, o que fazia com que aquela mudança lhe soubesse mesmo bem. De novo, teve de se abstrair dos pensamentos mais pessimistas que lhe vinham à mente cada vez que o rapaz tomava a liberdade de fazer um gesto fofo. Até lhe dava pena que o caminho desde o café onde tinham almoçado até sua casa não fosse maior, mas se houvesse mais oportunidades, dar-se-ia por muito contente.

Ao que tudo indicava, o momento tinha chegado, assim como todas as inseguranças de Afonso. Estavam com a casa à inteira disposição deles e ele não sabia o que é que ela esperava que ele fizesse. Relaxa Afonso, vais só passar uma tarde com Leonor a ver um filme, foi o cântico que ele repetiu para si. Quando ela o levou para a sala, pela mão, sentiu-se aliviado, por não irem para um quarto ou outra divisão mais propícia a que o clima aquecesse. Enquanto Leonor se dobrava para escolher um DVD, o rapaz não conseguiu evitar que o olhar lhe escapasse para os atributos dela. Não vai acontecer nada de especial, Afonso, mas, wow, que cu tão perfeito. Por muito que quisesse, não havia maneira de conseguir silenciar aquela vozinha que lhe aparecia como trilha sonora de fundo. Encostando-se a um móvel, foi obrigado a acordar quando ecoou:

“Now jump up on that dick and do a full split!”

Deixando a sua indecisão sobre que comédia romântica haveria de ser a melhor por um pouco, Leonor, visivelmente desconfortável, apressou-se a desligar o aparelho, que continuava a passar uma música que expelia profanidades como se não houvesse amanhã. Quando as descrições de posições sexuais cessaram, a rapariga disse, “É o ipod do Tomás, deve-se ter ligado quando te encostaste”

“É na boa”, assegurou Afonso, fazendo um esforço para esconder a sua indisposição. Não se admirava que aquele fosse o tipo de música que Tomás gostava, não esperava, sequer, algo diferente vindo dele. Só de pensar que aquele rebarbado fantasiava com a sua irmã enquanto ouvia pérolas musicais daquelas, fazia-lhe borbulhar o sangue. Se calhar até pensava em fazer-lhe o que aquela letra dizia! Sabia que Sara não queria nada com Tomás mas, por via das dúvidas, considerou arranjar um cinto de castidade e uma burca para a irmã e castrar o rapaz.

Assim que a rapariga lhe deu a mão e o levou para o sofá, todas e quaisquer ideias para se assegurar que Tomás jamais veria um centímetro de pele que fosse de Sara, se desvaneceram. Se lhe perguntassem havia alguns meses atrás qual seria o cenário mais improvável e perfeito que conseguia imaginar, estar com Leonor aninhada nele, enquanto viam um filme e tinham o som do vento lá fora como ruído de fundo, não andaria muito longe. No entanto, era como estavam. Só de pensar que tinha estado a ligar à conversa absurda de Rúben pasmava como é que tinha perdido tempo a preocupar-se com aquilo. Distribuindo a sua atenção, ora pelo filme, ora pela rapariga, pediu mentalmente a uma entidade que o ouvisse, que aquele momento durasse para sempre. Colocando um braço em torno da cintura de Leonor, aproximou-a mais de si.

Finalmente, depois de ter esperado mais tempo do que gostaria, a rapariga, ao que tudo levava a crer, conseguira ter a tarde que tanto queria. Parecia-lhe uma ideia algo intangível poder passar um bom bocado com um namorado, quer oficial, quer não, só na companhia um do outro, sem que o feliz contemplado esperasse que ela retribuísse de forma generosa. Depois de um bocado, já conseguira descontrair o suficiente para ver que Afonso não se iria esticar e que, tanto quanto pudesse ver, parecia gostar da sua companhia e que só isso lhe chagava. Havia a ocasional mão que lhe acariciava uma zona na cintura que ficara a descoberto quando a camisola se soltara das calças, mas até era bem-vinda.

Quando Leonor resolvera deitar a cabeça sobre o seu peito, Afonso viu que observá-la era mais interessante do que assistir ao filme. Desde o erguer do peito dela quando respirava, à mão que ela lhe colocara sobre a barriga e que ia deambulando por lá e que, sinceramente, lhe estava a fazer cócegas mas ele iria aguentar só para prolongar o momento, parecia-lhe um sonho. Dando-lhe um beijo na testa, foi o suficiente para que ela levantasse a cabeça. Por um momento, levou o seu tempo para contemplar o quão bonita ela lhe parecia. Fosse a cor de olhos exótica que sempre o fascinara, fossem as maçãs do rosto bem definidas, fosse todo o conjunto, não se cansava de olhar para ela, tanto que sussurrou, “És perfeita”

Desde que ostentasse aquela expressão da mais completa adoração, Afonso até poderia ter cantado o “Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha”, que Leonor ter-se-ia derretido na mesma. Entre uma enorme euforia e um nervoso miudinho no estômago que a própria nem soube explicar, visto não ser algo que sentisse muitas vezes, pôde considerar-se muito feliz naquele momento. Pondo-lhe uma mão na cara, afagou-lhe a face, antes de o beijar, ao de leve a início, até que, quando se permitiu a aligeirar o seu auto-controlo, deu por si no colo dele. Incorrendo contra todas as expectativas, quem se aventurara mais até havia sido ela e as marcas no pescoço do rapaz provavam-no. Ele, por seu turno, parecia acanhado, como se tivesse decidido que era crucial manter uma distância de segurança das partes da rapariga que tanto gostava de apreciar.

“Passa-se alguma coisa?”, perguntou Leonor. Por vezes esquecia-se que ele era tímido e que se intimidava com facilidade, por muito melhor que estivesse nesse departamento. Podia ser até que ela o tivesse constrangido, como estava mais habituada a ser agressiva, mas essa sua faceta era, invariavelmente, bem recebida. A possibilidade de ele não se sentir tão atraído por ela como pensava era de excluir, afinal ele já lhe dera motivos de peso para a fazer acreditar de que gostava e muito.

“Não!”, garantiu Afonso. Ter a rapariga ali, tão próxima dele e tão pouco inibida era demasiado para ele. Estava a adorar cada segundo, isso era certo, mas toda aquela situação era muito nova e, dada a posição em que estavam, ele tinha que se concentrar em imaginar uma velhinha a usar roupa interior reduzida, para que aquele momento não se tornasse embaraçoso para ambos. Assim que se apercebeu de que a imagem mental da Dona Adelaide em posições sugestivas não estava a ter o efeito pretendido, já era tarde demais. Em sua defesa, o que é que Leonor esperava, a montar nele e a fazer-lhe chupões?!

“Estou a ver”, disse a rapariga. A ideia de que ele não se sentia atraído por ela estava totalmente descartada. Mas não se sentia incomodada, antes pelo contrário, ficava lisonjeada. Encarando Afonso, viu-o absolutamente horrorizado, a ponto de ela poder dizer que nunca antes o vira tão envergonhado, o que, dada a maneira de ser dele, era de facto um feito. Ver o rapaz tão embaraçado, tanto que se sentia incapaz de a encarar era hilariante, sobretudo tendo em conta o quão caricata era a situação. Esforçando-se para que o riso não tomasse conta de si, Leonor, sentindo os cantos da boca a erguerem-se, disse, “Não faz mal, a sério, mas também não te vou ajudar com isso”

“Não! Isto é…ahm, não é que eu não queira, ou melhor…tenho a certeza de que seria muito bom!”, disse Afonso, passando as mãos pelo cabelo, que ficou semelhante a um ninho de andorinhas. Porque é que a sua natureza humana fora levar a melhor sobre a sua mente? Assim vira-se numa situação desconfortável! Tudo o que estava a conseguir era que a rapariga se fartasse de rir. Respirando fundo, retomou o que estava a tentar dizer, “Não te ia pedir uma coisa dessas”

“Eu sei, estava só a meter-me contigo”, assegurou Leonor, afectuosamente, antes de o voltar a beijar. Mesmo que a situação a fizesse rir a bandeiras despregadas, era ponto assente que o rapaz não ia ter direito a mais do que beijinhos e, a brincar, ela queria deixar isso bem definido. Talvez tivesse sido cruel da sua parte voltar para o colo de Afonso, mas pareceu-lhe que seria ainda mais constrangedor para ele se ela criasse uma distância de segurança entre os dois.

E assim continuaram. O embaraço advindo do único percalço que tinham tido durante toda a tarde há muito que passara para segundo plano e, tanto não deram pelo tempo passar, que a troca de carícias apenas teve fim quando Guida chegou a casa. Atirando com a mala e com as chaves do carro para cima do balcão, Guida, que nada mais queria do que sentar-se no sofá com uma cerveja na mão, viu essa ideia frustrada quando a primeira coisa que viu quando entrou na sala foi Leonor, o seu rebento, erguer a cabeça que repousava sobre o peito de Afonso, o filho da sua melhor amiga. Se a ocasião em que os apanhara demasiado próximos não lhe dera provas concretas de que se passava alguma coisa entre ambos, o facto de ela estar em cima dele sempre era menos susceptível de dúvidas.

“Olá, então não devias estar a caminho da Califórnia?”, perguntou Leonor, admirada. Parecia que afinal não ia ter a casa só para si. Ao consultar o relógio viu que já eram quase horas de jantar, o que indicava que não se podia queixar, pois pudera desfrutar de uma tarde na companhia do rapaz.

“Estava mau tempo e tiveram que cancelar os voos”, disse Guida, ainda a digerir aquela informação. Folgava, no entanto, em verificar que estavam os dois vestidos, caso contrário tudo aquilo seria ainda mais perturbante. Era certo que Susana, há muito tempo atrás, tinha feito umas previsões descabidas quando Afonso e Leonor ainda andavam a assoar-se às mangas das camisolas, mas ter de lhe dar razão era surreal. Podia jurar que o rapaz era mais apreciador de meninos, contudo. De qualquer maneira, podia ser pior, Leonor podia ter escolhido pior partido, aquele sempre era bem comportado e atinado.

“Bem, eu tenho que ir andando, ainda queria estudar um pouco”, disse Afonso, envergonhado. Por muito que quisesse continuar alapado à rapariga, Guida deixava-o intimidado ao ponto de ele só querer esconder-se. Talvez fosse a parecença com Tomás, talvez fosse o seu medo de que ela o estivesse a julgar por andar com a filha dela, mas sentia-se assustadiço ao pé dela. E se ela não o achasse bom o suficiente para namorar com Leonor? A mera possibilidade fazia-lhe o estômago fazer piruetas. Era mesmo a melhor opção escapar enquanto podia dali. O facto de não puder continuar a afagar o cabelo de Leonor também alicerçou a sua decisão.

“Eu levo-te à porta”, ofereceu a rapariga, dando-lhe a mão. Fazendo o que conseguiu para não tropeçar em nada, Afonso seguiu-a, ainda a sentir o olhar de Guida na sua nuca, o que não o estava a deixar mais reconfortado. Antes de o deixar ir-se embora, Leonor, disse, “Obrigada, a sério, gostei muito”


“Eu adorei”, respondeu o rapaz, puxando-a para um abraço. Definitivamente que podia dizer que tivera muita sorte.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Capítulo 14

Após a vigésima mensagem que não obtivera resposta, Tomás viu-se forçado a admitir que talvez Sara não quisesse falar com ele. Ele nem tinha tomado deliberadamente a decisão de proceder de forma a arranjar sarilhos e agora via-se a braços com toda aquela situação desconcertante e, como se isso não fosse já fonte de dores de cabeça suficiente, a rapariga não lhe estava a dar uma oportunidade de colocar tudo em pratos limpos. Por muito que Leonor lhe dissesse para ter calma porque Sara, muito provavelmente, ainda estaria a digerir tudo o que se tinha passado, ele, fosse pela sua inexperiência, fosse pela sua maneira de ser, não conseguia evitar estar uma pilha de nervos. O que é que lhe garantia que a situação não estava tão negra que não havia salvação possível?

Como não podia haver apenas uma chatice no seu quotidiano, Guida não teria nenhuma viagem de negócios tão cedo e Leonor, por estar com Afonso muito tempo, não estava por perto o suficiente para pôr água na fervura. Ficava feliz por ver que a irmã estava bem, mesmo que achasse que o seu gosto em rapazes deixava muito a desejar, mas o tempo que ela passava fora de casa não contribuía para lhe facilitar a vida familiar, afinal Marta não podia fazer de agente dupla permanentemente. Felizmente para as cutículas das suas unhas, que foram de tal forma roídas que fizeram sangue, as férias de Natal tinham terminado e, dentro de instantes estaria de volta às aulas e, uma vez que estavam na mesma turma, a rapariga não tinha como o continuar a evitar. Ainda teria que ver a mãe à noite, mas até lá não perderia muitos neurónios a pensar nela.

Ainda com as múltiplas advertências de Leonor a ecoarem-lhe dentro do crânio, sendo que variavam entre “se ela não quiser falar não a pressiones” e “não deixes que o teu mau feitio leve a melhor”, correu pelo pátio da escola até à porta da sala, esperando conseguir apanhar Sara antes da aula. Ao avistá-la, sentiu uma certa apreensão que o fez hesitar. Não sabia como começar aquela conversa e estava a sentir um nervosismo que o estava a fazer praticar malabarismo com o pequeno-almoço no estômago. Contendo-se quando lhe pareceu que vomitar não ajudaria a sua causa, avançou para a rapariga, que se encontrava a falar com umas colegas da turma. Hesitando de novo, pareceu-lhe que ela se voltara de costas de propósito.

Entretanto, de modo a colocar um final abrupto nos seus planos, a professora chegou, batendo com a porta para que a sua entrada fosse ainda mais sonante. A expressão de enfado que tinha deixava transparecer que tinha tanta vontade de estar ali quanto eles. Aproveitando a azáfama que os colegas fizeram para se instalarem, abordou Sara, ainda que soubesse que aquele não era o local apropriado, certificando-se que empregava o seu melhor sorriso, “Hey”

Sara sabia que não podia continuar a fugir com o rabo à seringa. Sempre que lia uma mensagem de Tomás e carregava no botão vermelho, sabia que estava apenas a adiar o inevitável. A verdade era que não sabia como lidar com a situação e, como não tinha com quem falar, ainda mais perdida se sentia, embora tivesse a perfeita consciência de que não estava a proceder da melhor maneira. E ele estava, naquele momento, diante de si e ela não podia carregar num certo botão e ejectar-se daquela sala. Nem podia saltar pela janela e correr para longe dali, “007 style”. Suspirando, respondeu, “Bom dia”

“Então, as férias foram boas?”, tentou Tomás, numa tentativa infrutífera de preparar terreno sem que tivesse que ir directo ao assunto. Não podia deixar que os conselhos de Leonor fossem desperdiçados, ora, e se provassem vir a ajudá-lo, tanto melhor, afinal sentia-se tão desamparado que toda a ajuda era bem-vinda. Se dependesse única e exclusivamente de si teriam ali mesmo a conversa, que iria correr lindamente, depois seriam felizes para sempre. E, já que estava a fantasiar, Guida teria que usar um açaime até que ele lhe desse permissão para falar e, antes de ele ser feliz para sempre com Sara, proporcionar-se-ia uma ocasião para comprovar a qualidade dos atributos de Cláudia.

Como a professora se estava completamente a borrifar para as peripécias de um grupo de miúdos pré-adolescentes hormonais e borbulhentos, bateu com o livro de ponto na mesa, numa tentativa de os silenciar, mais bem sucedida do que a do rapaz de deixar Sara à vontade. Parecia, também, decidida a fazê-los trabalhar tanto que não haveria oportunidade de conversarem. Resmungando, Tomás foi fazendo os exercícios de matemática que ela lhes passou, ainda que a sua atenção estivesse longe dali. Ao que parecia, a de Sara estava, igualmente, a anos-luz das fracções, pois ela não parava de desenhar nas margens do caderno. Mesmo que tivesse passado um trimestre a observar a arte de sala de aula da rapariga, Tomás ficava sempre boquiaberto ao ver os traços precisos com que ela ia adornando o papel, tanto que se sentia quase honrado por poder ter a oportunidade de a ver em acção todas as aulas e, quando se apercebeu, nem uma fracção foi resolvida naquela aula.

Por um instante, a rapariga permitiu-se a ter esperança de que Tomás se tivesse esquecido do que se tinha passado e que, consequentemente, aquela conversa que ele tanto insistia para terem nunca visse a luz do dia. Se não a conseguisse mesmo evitar, o que é que lhe diria? Ainda não tinha resposta para essa pergunta, mas esperava que lhe ocorresse alguma coisa. Se tudo corresse como ela desejava, Tomás seria completamente ajustado e teria causado boa impressão desde a primeira vez que o vira, Afonso aprovaria Tomás, Cláudia ter-se-ia interessado por outra pessoa e seria tudo mais fácil. Até porque, por muitas provas de confiança que o rapaz lhe desse e, por muito que ela nutrisse um certo carinho por ele, ainda sentia uma certa apreensão quanto ao seu feitio extravagante.

Quando a campainha tocou, Sara ponderou acerca do que iria fazer. Não se podia escapar com algumas colegas e deixar Tomás para trás, pois Cláudia ainda não o queria ver nem pintado, ele e João ainda não se podiam considerar amigos e, apesar do constrangimento que sentia, não o podia deixar sozinho. Parecia que não podia mesmo continuar a adiar. Agarrando-lhe um pulso, Tomás, enfatizando o facto de que ela não se iria escapar, pediu, “Posso falar contigo a sós?”

“Hm…”, disse Sara, observando as condutas de ar condicionado por cima de si. Podia ter um momento James Bond e evacuar-se por ali. Podia dizer que estava com uma dor de barriga enorme, o que a faria passar o intervalo na casa de banho, mas isso seria vergonhoso. Aquele aperto no seu pulso lembrava-lhe que ele não iria desistir, por isso, inspirando, resolveu concordar. Seria como arrancar um penso, quanto mais depressa, melhor, certo? Seguindo Tomás pelos corredores até a um banco isolado junto a uns arbustos, preparou-se para o que previa ser uma conversa desconfortável.

Assim que ambos se instalaram, o rapaz, que tinha o seu discurso ensaiado mas que, por algum motivo, não se conseguia recordar dele, disse, depois do que pareceu uma hora mas que não devia ter sido mais do que um minuto, “This is going to sound like a mess, but bear with me, alright?”

“Força”, encorajou a rapariga, passando as mãos pelos braços ao sentir o frio tão próprio daquela época do ano. Que aquela conversa ia acontecer, isso aceitava, agora que a tinham que ter ao relento, quando a temperatura rondava os cinco graus e estava prestes a chover, isso já era uma ideia intangível. Quando se lembrava que, naquele momento, podia estar no bar a beber leite com chocolate e a comer um croissant, tinha vontade de cortar os pulsos. E, para tornar tudo tão mais agradável, ainda tinha que ter a conversa. Para não se deixar desanimar, pensou no que faria o irmão naquela situação, afinal ela estava à nora, ainda que duvidasse que ele soubesse o que fazer. Primeiro diria que Tomás só não tinha frio porque era gordo e, por isso, tinha pele de foca e o frio não passava, agora, quanto à conversa, provavelmente cavaria um buraco para se enterrar, se estivesse no lugar dela.

O rapaz, ao ter reparado no gesto de Sara, perguntou-se se não lhe deveria oferecer o seu casaco. Isso implicaria que passasse ele frio, mas ele não devia ser um cavalheiro? Outra alternativa seria passar-lhe um braço em torno das costas, mas como as coisas entre os dois tinham estado tremidas desde o Ano Novo, ela, muito provavelmente, não queria grandes proximidades. Já estava a divagar, como o olhar impaciente da rapariga lhe lembrou. Passando as mãos pelo cabelo, começou, “Queria pedir-te desculpa, you know”

“Porquê?”, questionou Sara, confusa. Tanto quanto sabia, ele não tinha feito nada por que necessitasse de pedir desculpa. Toda aquela novela ranhosa por que estavam a passar era provocada por factores externos e nenhum deles tinha culpa. Realmente, ele tinha sido um pouco chato ao bombardeá-la com mensagens a insistir para que falassem, mas se ela tivesse respondido, ele teria parado, ainda que ele devesse ter encarado o seu silêncio como pouca vontade de falar. Ao que parecia, ele estava tão baralhado quanto ela, tanto que não largava o cabelo que, entretanto, tinha ficado todo no ar. Quando ele ficava corado e com o cabelo todo fora do sítio, tal como estava naquele momento, ficava tão adorável…

“Por causa daquilo com a Cláudia, não queria que tivesse acontecido nem quero que ela arranje problemas contigo”, esclareceu Tomás. Na verdade, na altura não se tinha apercebido de que poderia haver hostilidade entre as duas, mas Leonor colocou essa hipótese e ele achou por bem falar nisso a Sara. Estava a ser honesto, por muito que a ideia de ser disputado por duas raparigas lhe elevasse o ego, não queria sabotar o que quer que tivesse com Sara. Tinham alguma coisa? Ela foi a primeira rapariga que ele alguma vez beijara, ainda que Cláudia lhe tivesse feito uma emboscada pouco tempo depois. Quanto mais pensava, mais a situação lhe parecia caricata.

“Não tem mal, acho que ela está mais chateada contigo, não devia estar a contar que lhe fosses dar uma barra dessas”, disse Sara, rindo um pouco. Agora que não estava no epicentro da fúria da amiga, conseguia achar graça a vê-la a espumar de raiva quando o rapaz a empurrou. Ainda que Cláudia lhe tivesse chamado todo um leque de nomes e inventado mais uns quantos quando tinha esgotado o seu arsenal de insultos, continuava a estar apanhadinha por ele. Numa tentativa de mudar a conversa para longe de si, continuou, “Ela ainda gosta de ti, sabes?”

“Não estou muito interessado nela”, confessou Tomás, encolhendo os ombros, sem nunca tirar os olhos do chão. Não era de todo verdade, mas, se tinha que optar por uma, era Sara, sem dúvida. Estava consciente de que estava a pisar gelo prestes a estalar e que, assim que enveredasse por aquela via, não havia como voltar, mas, depois dos acontecimentos do Ano Novo, parecia-lhe que se podia sentir confiante, até Leonor lhe dissera isso mesmo. O que é que aconteceria dali para a frente na eventualidade de tudo correr bem? Sentindo o nervosismo voltar com tanta ou mais intensidade como antes, voltou a passar as mãos pelo cabelo, que mais despenteado também não ficava, e lembrou-se a si mesmo para não colocar a carroça à frente dos bois, pois não sabia como é que o resto da conversa se iria desenrolar.

“Então?!”, perguntou a rapariga, surpreendida, tanto que empregara um tom de voz mais agudo e estridente do que o que pretendia. Estavam a falar de Cláudia, a rapariga que, com os seus doze anos, passava por dezoito, caso não falasse, o que denunciava logo a sua idade. Chegava ao ponto de, sempre que usava uma camisola mais reveladora, ser assunto de conversa para o resto do dia, junto da população masculina da turma. O facto de ter Tomás debaixo de olho desde que o vira fazia do rapaz o alvo da inveja de todos os rapazes e agora ele dizia-lhe que não estava interessado? Definitivamente que ela não entendia o sexo oposto.

Ao que tudo indicava, o ponto em que o retorno não seria possível estava ali. Agora mais valia continuar, mais que não fosse porque não se perdoaria se recuasse no último momento, afinal podia ser muita coisa, mas cobarde não seria uma delas. Procedendo como era seu hábito sempre que as suas emoções levavam a melhor sobre os seus esforços para se manter tão coerente quanto possível para que os seus interlocutores o compreendessem, o rapaz voltou à língua na qual estava mais à vontade, “I like someone else already”

Não era necessário socorrer-se de uma bola de cristal para saber quem seria a tal pessoa. A revelação deu a Sara uma alegria imensa. Mais do que disparar a sua auto-estima para a estratosfera, saber que tinha conseguido atravessar o fosso que tinham entre ambos no início a ponto de ele sentir algo mais por ela, era algo de que ela se regozijava. No fundo, ainda que jamais fosse entreter demasiado a ideia, sentia uma certa vaidade por ele gostar dela e não de Cláudia, até porque ela era apenas humana e, de vez em quando, alguma atenção sabia bem e, como a população feminina da turma, ainda que o considerasse estranho, tinha um certo fascínio pelo rapaz, ela ainda mais especial se sentia. Ainda assim, gostava de o ouvir, tanto que perguntou, “Who?”

Era em momentos como aquele que faziam com que Tomás tivesse pena de não ter visto mais filmes românticos, assim não sabia como fazer uma declaração que fosse enternecer a rapariga. O balanço da situação parecia-lhe muito positivo, ele tinha, inclusive, trazido calças limpas naquele dia, portanto só podia correr bem. Sentindo-se confiante, colocou uma mão sobre a de Sara e respondeu, com um sorriso que poucos vestígios deixava daquele que a rapariga lhe tinha conhecido a início, “You”

A euforia que Sara sentira ainda há pouco esmoreceu quando o seu lado racional a lembrou que tinha que colocar um travão naquilo, pois Afonso iria mover céus e montanhas para que o rapaz se afastasse e a sua relação com Cláudia desfazer-se-ia. Ponderando os prós e os contras, concluiu que o que sentia por Tomás não era nem de longe o suficiente para a fazer enfrentar os problemas que se seguiriam. De qualquer forma, acabaria por esquecê-lo tão depressa como o rapazinho da primária. De modo a cortar o mal pela raiz sem magoar o rapaz mais do que o inevitável, tentou, “Desculpa, gosto muito de ti mas é só como amigo”

Era o momento de lhe dar um beijinho daqueles com olhos fechados, não era? Podia ser que o conseguisse fazer melhor do que da primeira vez, em que estivera nervoso e acabara por lambuzar a rapariga. Podia ser que o seu hálito não cheirasse demasiado a Chocapic, ou ela até gostava disso? Carecia mesmo de umas dicas acerca de como encantar meninas. De uma coisa tinha a certeza, aquela parte em que fariam o que se faz nos filmes que ele via, aqueles filmes que enchiam o computador de Guida de vírus, era muito interessante e ele não duvidava que seria muito do seu agrado. Calma! Tratou de rebobinar mentalmente até ao momento em que a rapariga falara. O que é que Sara tinha acabado de dizer? Pestanejando, questionou, “Como?”

“Gosto muito de ti e és um querido, mas acho que estamos melhor como amigos”, elucidou a rapariga, depois de ter levado um momento para pensar na melhor maneira de o dizer sem ser demasiado bruta. Não sabia o que é que teria acontecido se a sua resposta tivesse sido diferente, mas naquele momento não se sentia nada bem com o que estava a fazer e gostaria que as circunstancias tivessem sido outras. Afagando a mão ao rapaz, continuou, “Desculpa”

Não podia estar a fazer como devia ser a tradução mental do que Sara estava a dizer. No Ano Novo ela tinha correspondido ao beijo que ele lhe tinha dado, não era que tivesse sido unilateral e, por muito inexperiente que ele fosse, isso era um sinal de que ele não lhe era indiferente, mas agora ela dizia-lhe que só o via como amigo. Não sendo pessoa para desistir à primeira, disse, “What about that kiss? Não significou nada?”

Estava visto que Sara não iria ter a vida facilitada. Não queria que tivesse que ser assim, tinha alimentado a esperança de conseguir fazer aquilo sem te de magoar Tomás, mas estava a ver que já o fizera. Estava arrependida por não ter dado ouvidos ao seu sexto sentido que lhe dissera para não ir com ele para a varanda naquela noite. Pelo menos, já que tinha que o rejeitar, gostava que as coisas voltassem a ser como antes. Suspirando, disse, sem o conseguir encarar, “Não”

Tomás tinha que admitir que aquela tinha doído. E pensar que ainda há pouco tempo estava tão certo de que tudo iria correr lindamente. Além de sentir que tinha sido gozado, como se aquilo tivesse sido uma brincadeira de mau gosto, sentia-se humilhado e com a confiança severamente atordoada. Parecia estar tudo tão bem encaminhado, a rapariga parecia gostar dele, ele até se atrevia a dizer que tinham uma certa química, e afinal não teve importância nenhuma? Então para que é que ela tinha correspondido? Mais valia que na altura lhe tivesse dito para não fazer aquilo, pelo menos dessa forma ele não iria acalentar esperanças. Esteve para lhe perguntar isso mesmo, quando achou que preferia não saber, já estava transtornado que chegasse.

“Podemos esquecer isto?”, tentou Sara, temendo a resposta. Quando o rapaz não lhe respondeu, tocou-lhe no ombro, sendo repelida com um movimento brusco. Não só estava a ver que as coisas não voltariam a ser como eram, como também não considerou que Tomás, às vezes, era imprevisível e que podia reagir mal. O misto de emoções que a expressão do rapaz lhe transmitiu lembrou-lhe que seria boa ideia retirar-se, mas sentia-se culpada por o fazer sentir-se assim, tanto que preferiu ficar e insistir, “ Desculpa, mas tem mesmo que ser assim? As coisas não podem voltar a ser como antes?”

Ela gozava com ele e depois ainda pedia para que deixassem o assunto cair no esquecimento? Custava-lhe assim tanto ver que o conseguira magoar ou estaria ela a achar que o miúdo estranho não tinha sentimentos como os demais? Aquela rejeição atingira-o mais do que pensava ser possível. Levantando-se, Tomás, disse, por entre dentes, antes de se dirigir de novo para a sala, “Leave me alone”

Estava de tal forma desnorteado que, pelo caminho, acabou por chocar com um miúdo escanzelado, que deixou cair os livros que segurava. O miúdo ainda tentou ignorá-lo, até começou a apanhar os livros do chão, ou não fosse a diferença em termos de estatura desencorajar quaisquer comportamentos de retaliação, mas Tomás, irado, empurrou-o contra os cacifos. Talvez tivesse sido mais violento do que pretendera, afinal o barulho que o miúdo fizera ao ir contra os cacifos ecoou pelo corredor, mas não se importou, ele estava no seu caminho na hora errada. Tinha-lhe dado uma certa satisfação, mas não a ponto de arrefecer a cabeça por aí além. Ainda tinha que ver Sara o dia todo, o que não ajudava a que se acalmasse e ele não estava a ver como é que aguentaria sem ter outro acesso de raiva.

Correndo para o miúdo, que estava a tactear no soalho à procura dos óculos, a rapariga, impressionada com o que acabara de ver, apanhou-lhe os livros que ficaram espalhados, bem como os óculos, que, por sorte, não se partiram, enquanto se desfazia em mil desculpas, “Estás bem? Ele não costuma ser assim mas está muito transtornado, espero que ele não tenha aleijado muito”

“Um bocadinho mas vou ficar bem, obrigado”, agradeceu o miúdo, ainda que não tivesse feito um bom trabalho a disfarçar a dor que sentia. Como se não bastassem as nódoas negras com que ia ficar, todos os presentes tinham ficado a assistir impávidos e ninguém tinha feito nada em relação à besta que o tinha empurrado e que se escaparia sem ser castigado. Pelo menos a rapariga que entretanto aparecera dera-se ao trabalho de parar para lhe perguntar se estava bem e para o ajudar, o que sempre o fazia depositar alguma fé nos seus colegas.

Sara sorriu-lhe, antes de lhe passar os livros para as mãos e voltar para a sala. Não o conhecia a não ser de vista mas já tinha reparado que ele era alvo de gozo e todas as variantes de comportamento abusivo por parte dos colegas, o que a fazia sentir uma enorme compaixão por ele. Era uma pena que Tomás tivesse resolvido descarregar a raiva nele. Não podia dizer que o tivesse passado a ver com melhores olhos depois de testemunhar aquele comportamento deplorável. Como dizia o ditado popular, “há males que vêem por bem”, por isso, até podia ter sido bom para ela ter tido que rejeitar o rapaz. Podia ter sido ela a ser agredida em vez do miúdo. Devia ouvir mais as teorias mirabolantes, também conhecidas por conselhos, de Afonso. Se calhar Tomás era mesmo desajustado e ela fora ingénua ao dar-lhe uma oportunidade.

Quando voltou para a sala lembrou-se que estava sentada ao lado do rapaz, ainda por cima. Suspirando pela enésima vez naquela manhã, voltou para o seu lugar, implorando para que Tomás não explodisse e lhe enfiasse a cabeça no tampo da mesa ou qualquer coisa igualmente dolorosa. Ao ver que ele nem sequer olhava para ela, deu-se por sortuda, afinal não queria uma nova cena como aquela a que acabara de assistir no corredor. Revirando os olhos quando se lembrava do que se tinha passado, concluiu que o rapaz lhe tinha acabado de facilitar muito a tarefa de o colocar por detrás das costas. Retomando o desenho que estava a fazer nas margens do caderno, uma trepadeira a subir por cima de uma parede grafitada, esperou que o tempo passasse até se ver livre daquela aula.

Foi com muito alívio que ouviu a campainha anunciar o final daqueles noventa minutos, que se tinham arrastado como uma lesma obesa. Quando levantou a cabeça do seu desenho, a que tinha acrescentado as ruínas de uma casa e que entretanto tinha ocupado o papel todo, já Tomás não estava por perto. Onde teria ido? Tentando não pensar muito nisso, foi ter com João e Cláudia, que estavam junto aos cacifos. Antes que tivesse tempo de dizer o que quer que fosse, Cláudia perguntou, “O que é que deu ao Tomás há bocado?”

Ao que parecia, por muito chateada que tivesse ficado com o rapaz, ela não estava disposta a perder aquela fixação que tinha nele, nem quando assistia aos seus comportamentos menos correctos. Era de tal forma que andava com uma fotografia dele que tinha tirado quando ele não estava a ver na carteira e tinha várias a enfeitar o cacifo. Desinteressadamente, Sara respondeu, “Não está nos dias dele”

“O que é que será que se passou?”, questionou Cláudia, sem encarar a resposta evasiva da rapariga como pouca vontade de discutir aquele assunto, “Estavas com ele no intervalo, ele não te disse se estava alguma coisa a incomodá-lo?”

“Não me interessa”, respondeu Sara, um tanto mais ríspida do que o que naturalmente costumava ser, mas não queria mesmo falar sobre Tomás e a sua paciência estava a esvair-se. Aquele estava a ser um dia difícil, ela estava emocionalmente esgotada e só desejava ir para casa e agarrar-se a Mocas, cujo pelo macio surtia nela um efeito terapêutico.

“Achas que devia ir ter com ele? Se calhar ele precisa de falar com alguém”, insistiu Cláudia. Tinha esperança que desse para se reaproximarem depois do que se tinha passado naquela noite e aquela parecia-lhe uma boa oportunidade. Ele ficava tão lindo quando fazia aquele ar másculo e feroz, mas ela tinha a certeza que, por baixo daquela faceta durona, ele era doce como o mel.

“Não quero saber, podes ficar com ele, faz o que quiseres, mas não me fales nele e não precisas de ter ciúmes, eu não quero aquele gajo para nada!”, rebentou Sara, começando num tom mordaz mas baixo, foi aumentando o volume, até que a última parte foi dita a alto e bom som. Aquilo tinha sido algo que ela normalmente não faria, mas estava farta. Ela gostava dele, teve que o rejeitar para evitar dores de cabeça e, não cinco minutos depois de o fazer, ele provava que era alguém instável e violento, tal como a impressão com que ela ficara dele quando o conhecera mas resolvera ignorar porque Leonor lhe tinha pedido, tudo aquilo em dez minutos. Ao ver o ar chocado de Cláudia, fixo num ponto por cima do seu ombro, perguntou, “O que foi?”

Partindo do princípio de que o dia não podia ficar pior, voltou-se para o que quer que estivesse a transtornar daquela forma a amiga. Ao fazê-lo, teve a oportunidade de ver uma expressão de Tomás que nunca esperaria ver associada à pessoa dele: mágoa. Dele já vira tudo, raiva, indiferença, alegria, até o seu lado mais carinhoso, mas nunca tristeza, conhecia-o bem o suficiente para saber que, se algo lhe causasse dor, ele ficaria irado e não entristecido, e nauseava-a saber que tinha sido ela a desencadear aquela reacção. Incapaz de reagir, viu-o abrir passagem por entre a multidão e sair do edifício.

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Se havia alguma coisa que aqueles dias que nem perfaziam uma semana e que iam contando a duração do seu namoro com Leonor lhe tinham ensinado, era que tinha que se socorrer de todo auto-controlo para conseguir largar a rapariga por um bocadinho. Em sua defesa, eram praticamente dezoito anos sem ter uma namorada a sério e agora que a tinha, tudo o que queria fazer era mimá-la. Mas, como Susana já lhe avisara, convinha deixá-la respirar para que não se fartasse e o mandasse plantar batatas. Como, se seguisse os conselhos de Rúben, Leonor acabaria por o exorcizar da sua vida em menos de um mês, pareceu-lhe que faria melhor em dar ouvidos à mãe. Foi assim que se decidiu por continuar a enviar apenas uma mensagem querida de bons dias e a não a raptar todos os intervalos assim que a via, coisa que, se o seu sexto sentido não o estivesse a induzir em erro, lhe pareceu que ela agradecia.

Assim, quando Leonor o convidou para ir ver um filme a casa dela, o seu entusiasmo foi tanto que se diria que tinha acabado de ganhar o euromilhões. Segundo Rúben, o entendido no género feminino e o guru do amor, era melhor Afonso passar pelo supermercado e abastecer-se de preservativos, porque as intenções da rapariga eram transparentes como cristal. Na parte que lhe tocava, Afonso achava que seria cedo demais, ainda que o amigo achasse que já tinha tido mais que tempo para “pitar a gaja”, mas, se a oportunidade se proporcionasse e Leonor quisesse mesmo, far-lhe-ia a vontade. Na eventualidade de ser uma tarde celibatária, como lhe pareceria que seria, embora estivesse a contar com qualquer coisa, com o historial da rapariga, bem, já estava muito acostumado à sua mão direita, por isso não faria danos.

Assim que a campainha tocou e transmitiu a boa nova de que as aulas tinham terminado, quase atropelou quem quer que estivesse no seu caminho, tal era a pressa que tinha de ir ter com Leonor. Meia dúzia de “desculpa”’s mais tarde, estava finalmente a avistar a rapariga, que tinha acabado as aulas um pouco mais cedo e estava com Adriana. Não sendo pessoa para dar espectáculo para os outros, embora nem por isso sentisse menos ansiedade cada vez que via a namorada, preferiu comedir-se e cumprimentar Leonor com um beijo rápido ao invés de estar ali duas horas a trocar saliva. Abraços, por outro lado, eram demonstrações afectivas de que ele gostava e, por isso, entusiasmou-se tanto que levantou a rapariga do chão.

Já quase sem respirar, Leonor, que conseguira ficar com as mãos livres, afagando os caracóis de Afonso, pediu, num tom de percepção difícil porque o aperto em que estava era muito forte, “Fico muito feliz por te ver mas acho que me estás a partir uma costela…au”

“Desculpa”, disse o rapaz, dando-lhe um beijo na testa, depois de a pousar calmamente no chão. Nunca lho diria mas, se ele não estivesse tão habituado a levantar os seus colegas de equipa cada vez que o jogo o exigia, tê-la-ia achado um pouco pesada. Ainda bem para ele, que nunca tinha achado que raparigas magrinhas eram particularmente atraentes e sempre as preferira com curvas, coisa que Leonor tinha e ele adorava, por isso não se queixava. Isso e, quando a levantara, tinha ficado com o peito dela à altura da sua cara, por isso tinha sido muito feliz durante aqueles segundos.

Depois de se despedirem de Adriana, que estava à espera de André e que recusara terminantemente que ficassem ali a fazer-lhe companhia até ele chegar, foram buscar os irmãos, como era costume. Piscando-lhe o olho, a rapariga garantiu-lhe que Tomás ficaria a jogar no quarto dele e que não os incomodaria. Afonso, engolindo em seco, pensou nas inúmeras possibilidades que poderiam acontecer e pensou se Rúben não estaria certo. Se, havia ainda uma hora atrás estava certo de que, se acontecesse alguma coisa, aceitá-la-ia de bom grado, agora achava que era decididamente cedo demais. Ela quereria mesmo? Ele era completamente inexperiente e ela tinha o historial que tinha, por isso ele iria desapontá-la. A suar em bica, achou melhor não tirar conclusões precipitadas, a bem da sua auto-estima.

Assim que chegaram, qual não foi o espanto de ambos ao verem apenas Sara. O sexto sentido de Afonso não era eficaz apenas para o avisar de antemão se podia contar com sexo, também lhe indicava quando a sua irmã não estava bem e, por isso, estava a apitar que nem uma sirene. Quando chegassem a casa ela podia contar com um interrogatório. E, se a fonte do transtorno de Sara tivesse nome, essa pessoa ia lamentar o que quer que tivesse feito. Sem ver o irmão em parte alguma, Leonor, partilhando as preocupações de Afonso embora dirigidas ao irmão, perguntou, “O Tomás?”

“Não sei, depois da aula de História ele foi-se embora e desde então que nunca mais o vi”, disse Sara, ponderando se estaria a fazer bem em fazer queixinhas e se não arranjaria problemas a Tomás por contar que ele tinha faltado às aulas. Estava preocupada, o rapaz desaparecera e ela só não mandava mensagem porque ele não a queria ver à frente. Olhando para o irmão, não precisou que ele abrisse a boca para saber que não se ia escapar às mil e uma perguntas que ele tinha para lhe fazer.

“Passou-se alguma coisa?”, insistiu Leonor, cada vez mais preocupada. Pensava que o irmão já tinha passado a fase de armar desacatos e que, de agora em diante, tentaria portar-se bem e faltar às aulas não era considerado comportamento exemplar. Não, ele estava decidido a redimir-se e, quando punha uma coisa na cabeça, ninguém o demovia, por isso tinha que ter um motivo de força maior. Ele até estava todo contente naquela manhã, ia falar com Sara, estava certo de que tudo correria nos conformes. Só se não tivesse corrido bem, mas ela esperava que Tomás lidasse com uma rejeição como devia ser e não fizesse aquela fita toda.

“Nada de especial”, respondeu Sara, implorando para que Leonor não dissesse nada que a comprometesse. Se Afonso sonhasse com o que se tinha passado, então rejeitar Tomás teria sido em vão. Quer dizer, não completamente, porque tinha-se desviado de uma bala como o Neo do Matrix. Olhando de novo para o irmão, viu-o com o sobrolho tão carregado que diria que aquelas rugas seriam permanentes. Até chegarem a casa teria que arranjar uma desculpa convincente.

“Nada de especial? Ele é meu irmão e eu estou preocupada, se pudesses ser mais específica eu agradecia”, pediu Leonor, enquanto massajava as têmporas para não perder a paciência. Ao ver que Sara, que não parava com as respostas evasivas, não a iria ajudar, tentou ligar para o telemóvel de Tomás. Quando estava quase a desistir, ele lá atendeu e lhe disse que estava em casa e para não ficar preocupada. Antes que ela lhe pudesse perguntar porque é que não tinha ido às aulas, ele desligou. Pelo menos estava bem, por isso sempre a sossegara.

Uma coisa era certa, agora Afonso não teria que se preocupar com a sua performance sexual. Depois daquilo Leonor iria confrontar Tomás, como a própria já lhe tinha dito, por isso não teria sequer direito a uns beijinhos. Uma preocupação pelo menos tinha sido posta de parte, mas ele queria uns miminhos e não os teria, portanto era bom que Tomás não lhe aparecesse por ali. E Sara que não pensasse que ele se tinha esquecido, pois ele estava a desesperar por saber o que é que se tinha passado e, saber que a irmã, caso tivesse algum problema, não tinha ido falar com ele, magoava-o um pouco, porque ele só queria o melhor para ela e achava que ela sabia isso.

“Desculpa Afonso, vai ter que ficar para a próxima”, lamentou Leonor, quando chegaram a casa dela. Só queria passar a tarde na companhia do namorado, talvez a ver um filme e a trocar mimos, ainda que fosse certo e sabido que se ficariam por isso e que Afonso ainda iria demorar a ver um pouco de pele que fosse.
“Claro, eu compreendo”, respondeu o rapaz que, de certa forma, até preferia daquela forma. Não podia deixar passar aquela ocasião para ter uma conversa séria com a irmã, ainda que para isso tivesse que deixar a namorada para segundo plano, “Oportunidades não nos hão-de faltar”

Despedindo-se de Afonso e de Sara, Leonor, fazendo das tripas coração, foi ter com o irmão que, tal como previra, estava no quarto. Batendo à porta para não o apanhar de surpresa, entrou e, contendo-se para não o repreender por ter faltado às aulas, disse, sentando-se na borda da cama do irmão, depois de saltar por cima de um monte de roupa suja perdida pelo quarto, “Então? O que é que se passou?”

“I spoke to her…she told me to fuck myself”, disse Tomás, com a voz abafada por ter a cara na almofada. Nem conseguia olhar para a irmã, sentia-se completamente humilhado, sobretudo depois de ter estado tão confiante. Quando Leonor o obrigou a tirar a cara da almofada e a contar-lhe tudo tintim por tintim, não se conteve e, indo contra a sua natureza, que tendia a levar tudo à frente quando estava chateado, chegou mesmo a chorar, “manly tears”, como ele lhes chamou. O que o deixava fora de si mesmo era saber que a única pessoa além da irmã que se conseguira aproximar dele o rejeitara daquela maneira, indo ao ponto de dizer que não o queria para nada. Deixou de fora, porém, a parte em que empurrara um miúdo, não só lhe parecia não ter importância, como não estava para que a irmã lhe desse na cabeça.

Passando-lhe as mãos pelas costas numa tentativa de o reconfortar, Leonor foi ouvindo o irmão. Como é que Sara se atrevia a rejeitar o seu irmãozinho?! Aquilo parecia tão bem orientado que a resposta dela parecia caída do céu, ou isso ou as raparigas tinham-se tornado mais complicadas desde o seu tempo. Um miúdo bonito e simpático dizia-lhe que gostava dela e ela depois dizia que só como amigos? No seu tempo qualquer uma se teria derretido! A parte de não o querer para nada é que escapava a toda e qualquer tentativa de compreensão, uma coisa era não querer nada de mais com ele, outra era dizer-lhe uma coisa daquelas, sobretudo quando eram amigos. Depois de ouvir o que ele lhe tinha para contar, pensou um pouco e, tentando racionalizar aquilo tudo, disse, “Se calhar é uma situação tão nova para ela como para ti, ela ainda está a arrumar as ideias e acabou por ter uma reacção absurda”

“You think so?”, perguntou Tomás, a quem não tinha ocorrido essa hipótese. Se fosse o caso, não estava tudo perdido mas, ainda assim, Sara tinha-o magoado a sério. Ele também estava em falta, não tinha lidado bem com a situação, mas se ela não o tivesse mandado passear, ele teria reagido melhor!

“Yes, I do think so”, assegurou Leonor, esperando não estar enganada. Queria poupar o irmão a um desgosto, até porque, tendo em conta tudo o que Sara tinha feito por ele, aquela rejeição tinha-o atingido, mais do que ela julgara, pois, se a memória não a enganava, a última vez que tinha visto o irmão chorar foi quando tinha partido a cabeça no que fora a sua primeira e última tentativa de andar de skate e tivera que levar pontos e o tinham anestesiado mal. No entanto, não podia deixar passar a forma desadequada como Tomás tinha lidado com a rejeição e fez questão de o obrigar a, no dia seguinte, ir pedir desculpa a Sara. Achou melhor aconselhá-lo a manter uma amizade platónica com a rapariga, de modo a colmatar os danos e manter o que tinham antes, que era muito bom. Para que não restassem dúvidas, perguntou, “Are we crystal clear?”

“Sure”, garantiu o rapaz, certo de que a melhor maneira de proceder seria reparar os danos causados, o que implicava engolir o seu orgulho, mas Sara valia a pena. Quando a irmã o puxou para si e lhe deu o beijo na testa, sempre sentiu algum conforto.

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Libertando-se da mochila, Sara, no que foi uma tentativa mal sucedida de se escapar às perguntas que Afonso lhe ia fazer ao ritmo de um revolver, tentou escapar-se pela porta das traseiras, tendo sido detida quando sentiu a mão do irmão agarrar-lhe o capuz da camisola. Quando encarou o irmão, esperou ver um dragão a expelir fogo, depois lembrou-se que essa seria a reacção dele caso soubesse a história toda. Ao invés, viu-o um tanto cabisbaixo, o que a apanhou desprevenida, mas ele adiantou-se, “Sara, agora a sério, passou-se alguma coisa?”

Se Afonso tivesse tido uma abordagem mais agressiva, ela não se sentiria tão mal por o enganar. Pondo as coisas daquela maneira era impossível ficar indiferente aos remorsos. Nem sequer tinha uma história preparada! Vendo a hesitação da irmã, o rapaz acrescentou, “Podes confiar em mim, eu só te quero ajudar, se não quiseres falar eu não levo a mal, mas se falares não me tentes mentir”

Mesmo quando Sara pensava que não se podia sentir menos culpada. E daí, agora que pensava a sério, Tomás tinha, com muito sucesso, sabotado a sua nova imagem, ela não queria nada com ele a não ser uma distância mínima de cem metros, que mal fazia contar ao irmão? Ganhando coragem, pediu-lhe que se sentasse e, quase num fôlego, contou o que se tinha passado naquele dia, embora tivesse deixado de parte aquele pormenor insignificante dos seus sentimentos e do que se tinha passado na noite de Ano Novo, “pormenores técnicos”. Durante toda a sua narração, viu o rapaz pestanejar, confuso, ranger os dentes até que, no fim, sorriu de orelha a orelha. Quando tinha tudo contado, sentiu um alívio enorme, não tinha custado nada.

Era em momentos assim que Afonso sentia um orgulho enorme. Alguma vez aquele vira-latas badocha e desajustado ia agradar à sua irmã, alguém como deve ser? Jamais! Ela merecia o seu equivalente masculino e essa pessoa não era Tomás. Agora que ela tivera provas concretas acerca do verdadeiro carácter de Tomás, não havia como continuar a dar-se com ele. Ela era tudo menos estúpida. Ainda assim, tinha que admitir que não esperava um gesto tão sensível por parte do rapaz, como aquela declaração que, até ele, tinha que admitir que fora adorável. Mas isso não tinha qualquer relevância. Puxando a irmã para si, que retribuiu o abraço, “Muito bem”


Sim, o alívio era inegável e sentia-se bem por ter agradado a Afonso. Então porque é que tinha uma sensação desagradável que não sabia descrever? Decidindo não lhe dedicar demasiado tempo, empurrou esse pensamento para longe e decidiu que era melhor assim, quanto menos pensasse em Tomás melhor. Ainda tinha que o ver nas aulas e nos almoços que Guida e Susana combinavam, mas estava certa de que não haveria nada. Dali por diante as coisas seriam melhores.