terça-feira, 30 de agosto de 2011

Capítulo 47

Peço desculpa pela demora, mas aqui está mais um capítulo. Comentários são sempre bem-vindos e não custam nada, não se esqueçam :) Thanks you all.
Viajante, bem que estranhei a tua ausência. Já estava aqui a deprimir a pensar que tinha perdido a minha leitora assídua, ainda bem que não. Se dissesse que estou curiosa quanto à tua identidade levavas a mal?

Sentada no sofá, Susana permitiu-se a, por fim, relaxar. Os últimos dias tinham sido extenuantes, ocupados por trabalho, tanto de estúdio, como de publicidade. Assim, não era de admirar que todos os momentos que pudesse aproveitar para descansar fossem bem-vindos. E aquele não era excepção, com uma ganza numa mão e um pacote de bolachas ao rápido alcance da outra, era uma mulher contente, afinal, tal como a namorada lhe dizia, só precisava de duas coisas para ser feliz: a sua erva e comida. Mas Susana replicava sempre “Errado bebé, também preciso de ti”, no seu tom mais meloso e adocicado, sempre eficaz em fazer Daniela ranger os dentes.
Colocando os pés em cima da mesinha de café, espreguiçou-se demoradamente, à medida que exalava o fumo. Um movimento mais brusco e uma lasca da madeira da mesa, já por si em estado precário, foi arrancada. Agora que reparava melhor, não se sentia totalmente confortável no sofá, fora a sua tonalidade indefinida, consequência da sua longevidade, este tinha, também, pontas de mola a perfurarem o tecido, graças a uma Susana irrequieta enquanto criança. De certa forma, todo aquele aspecto envelhecido, gasto e em vias de necessitar de uma reforma urgente fazia-se notar pela casa toda, dentro e fora, desde as paredes manchadas pela humidade, às mobílias com décadas de existência.
Dando os últimos bafos, o olhar da loura deambulou pela sala de aspecto decadente. Realmente estava em bastante mau estado, sendo o jardim a única parte que se mantinha com bom aspecto. Se alguma vez tivera certeza de alguma coisa, seria do facto de a falecida avó se contorcer na campa caso soubesse que o seu jardim, ao qual dedicara tardes a fio para que as sebes se mantivessem consistentes e bem aparadas. Assim, Susana não conseguiria viver em paz se não mantivesse, a muito custo do seu horário atribulado, as plantas saudáveis e apresentáveis, tal como estavam quando a avó cuidava delas.
“Em que é que estás a pensar?”, perguntou Daniela, levantando a cabeça do colo da loura, ainda ensonada e a retirar o cabelo que lhe caíra para a cara. Respirar passivamente o fumo da outra dera-lhe sono.
“Tenho a casa a cair aos bocados, não ‘chas?”, respondeu Susana, num discurso arrastado, tanto quanto a sua garganta e língua seca lhe permitiam, um dos efeitos posteriores da sua “dose de felicidade”.
“É normal, não é?”, replicou a rapariga, interrompendo-se para bocejar, “O teu pai ainda nasceu aqui…”
“Eu sei, mas repara…a parede está a meia verde nos cantos e os muros também”, insistiu a loura, apagando a beata, “Mas não é só…os etodométicos…”
Ao ouvir aquilo, Daniela riu-se, sempre que estava mocada Susana era sempre comicamente enternecedora. Sorrindo, ergue-se o suficiente para lhe dar um beijo afectuoso na bochecha. A loura, sorrindo de modo maroto, aproveitou a proximidade para aumentar um pouco as intimidades, apenas para se ver impedida pela rapariga, que lhe segurou a cara antes que esta tivesse oportunidade para se aproximar, “Nem penses, quando estás pedrada é tão estranho”
“Ai é? Então não vais gostar nada disto”, resmungou Susana, agarrando a rapariga pelos braços, de modo a obrigá-la a desequilibrar-se e a ficar por baixo de si, antes de a beijar, muito contra vontade desta, que nada pôde fazer.
“Porr…Foda-se oh Susana!”, praguejou a morena, debatendo-se inutilmente, até que a outra finalmente a soltou, “Que áspero!”
A loura só se riu, perfeitamente consciente da sensação de beijar alguém depois de uma ganza. Quando recompôs a seriedade, voltou à conversa que estavam a ter antes da brincadeira, “Agora a sério, achas que a casa está muito degradada?”
“Não te vou mentir”, disse Daniela, “Precisa de uns arranjos sim e de electrodomésticos que não te pudessem electrocutar a qualquer momento, mas olha…agora que podes porque é que não fazes uns arranjos aqui e ali?”
Susana não respondeu imediatamente. O certo era que não se sentia muito confortável com essa ideia, mesmo sabendo que tinha dinheiro suficiente para tornar a casa mais confortável. Até porque as canalizações enferrujadas e a mobília da idade do bronze se tornavam bastante incomodativas e ineficazes, afinal já não seria a primeira inundação daquele ano. Porém, durante toda a sua vida o aspecto da casa mantivera-se inalterado, sempre com a mesma decoração antiga e tradicional. Mudá-la seria como que corromper todas as memorias que aquele local que dava. E mais, a grande maioria das recordações dos avós falecidos estava ali, como é que poderia sequer pensar em alterar fosse o que fosse?
“É que…a casa foi toda decorada pelos meus avós quando se mudaram para cá e desde então que tem estado sempre assim”, explicou a loura, baixando o olhar, constrangida, “E agora estão os dois mortos, a casa é um pedacinho deles que ficou cá, quando olho para isto, lembro-me deles”
Era precisamente naqueles momentos que a rapariga ficava sem saber o que dizer. Com um suspiro, deu o seu melhor para que a sua falta de tacto não viesse à tona, “Suse, não te detenhas por isso, as memórias tem-las tu, não a casa…olha, para seguires em frente é preciso deixar o passado no passado e a casa agora é tua, podia ser que te fizesse bem personalizá-la”
Tal como fazia sempre que procurava um miminho, Susana deitou a cabeça no colo da namorada, para que esta lhe afagasse o cabelo, coisa que ela prontamente fez. Só então a loura prosseguiu, “Acho que tens razão…”
Deixando que ambas ficassem no silêncio durante uns instantes, Daniela não respondeu, ficando só a acariciar a loura. Entendia o ponto de vista da outra, afinal sentir-se-ia da mesma maneira. De repente, lembrou-se de que não acabara de ver o antigo álbum de fotos de Susana, até podia ser que lhe fizesse bem recordar, “Susana, achas que me podias mostrar o teu álbum? Se não te fizer sentir mal claro…”
“Ahm? Porquê?”, questionou a loura, surpreendida com o pedido, tanto que levantou a cabeça do colo da rapariga.
“Pensei que talvez te soubesse bem falar nisso, tens muitas fotos com eles lá…”, tentou a morena, agora constrangida, “Eh, olha deixa lá”
“Não…pode ser”, anuiu, por fim, a outra, puxando Daniela pela mão. Concordava que talvez fosse bom puder desabafar um pouco, mas parte de si estava, mesmo sabendo que não tinha razões, aterrorizada perante a possibilidade de que o que acontecera com a ex namorada voltasse a suceder, mas nada disse.
A rapariga seguiu-a, ainda que se debatesse interiormente sobre a sua decisão de pedir à loura para falar de algo tão pessoal e que deixara uma mazela tão grande. Só esperava que aliviasse a outra um pouco, em vez de lhe abrir ainda mais a ferida. Estava ainda morder o lábio inferior enquanto ponderava o assunto, quando sentiu a mão se Susana ficar estática na sua, fazendo com que parassem ambas em pleno corredor, “Que se passa?”
“É que o álbum está no quarto da minha avó…”, sussurrou a loura, de modo quase inaudível, “Desde que ela morreu que nunca mais lá entrei”
“Suse…”, consolou a morena, afagando o braço da outra, “Não tens que fazer isto se não quiseres”
“Não mas eu devia…já era tempo”, teimou Susana, mantendo o olhar fixo na maçaneta da porta, embora o fraquejar do aperto na mão de Daniela não passasse despercebido a esta. Engoliu em seco, fazendo o seu melhor por ignorar o nó que se ia apertando cada vez mais na garganta, sem dar sinais de ir afrouxar tão cedo e levou a mão à chave, que destrancou lenta mas firmemente. Rodar a maçaneta revelou-se uma tarefa mais melindrosa, com muito custo.
O interior do quarto estava tal como naquela madrugada em que voltara do bar e se deparara com a avó, já sem força para se segurar à vida: a cama encontrava-se por fazer, os estores corridos e uns livros na mesa-de-cabeceira. Na verdade, era a primeira vez que Daniela entrava naquela divisão, mesmo que fosse o que imaginara, muito semelhante ao da sua própria avó. Largou a mão da loura, deixando que esta retirasse o álbum da uma gaveta e optou por nada dizer, até porque não havia nada a dizer. Um último momento de hesitação da parte da outra e abandonaram o quarto. Fechando a porta atrás de si, Susana respirou fundo, como se estivesse estado a suster a respiração o tempo todo. Ao olhar para a rapariga, limitou-se a garantir-lhe que estava bem.
Uma vez sentadas sobre a cama da loura, a morena recostou-se no corpo desta, tal como era hábito. Já a outra abriu na primeira página do álbum, na foto que tinha com os pais. O resto da tarde foi passado com Susana a explicar a maioria das fotos, desde os momentos que as antecederam, como aos hábitos que tinha com os avós, tais como idas ao parque e à praia, enfim, toda uma sinopse da sua vida em criança e adolescente. No final não pôde deixar de notar que de facto se sentia melhor, feliz por puder partilhar tudo aquilo com a namorada. Por sua vez, Daniela não pôde deixar achar piada a tudo o que ainda não sabia sobre a loura. Só esperava ter oportunidade de vir a saber.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Capítulo 46

Daniela acordou exactamente como adormecera, sobre o corpo imóvel de Susana, cujo único indicio de estar viva era a respiração acentuada. “A gaja agora ressona?”, questionou-se a rapariga, franzindo o sobrolho. Consultou as horas e viu que ainda tinha algum tempo até às aulas. Sorrindo, levantou-se e tomou um duche rápido, afinal de nada valia esperar pela loura, quando dormia ninguém a acordava. Enrolada numa toalha, procurou as suas roupas, apenas para as encontrar amarfanhadas por ter dormido vestida. Resmungando, vestiu uma das sweaters da outra, decerto que esta não se iria importar.
“Hm…mor, porque é que não me acordaste?”, disse Susana, agora acordada, ainda deitada no sofá, a esfregar os olhos.
“Estavas tão cansada que achei melhor deixar-te dormir”, respondeu Daniela, que trazia o pequeno-almoço para ambas num tabuleiro.
“Desculpa lá por ter adormecido assim ontem…”, disse a loura, olhando para a rapariga com o seu habitual ar de cachorrinho. Sabia bem o que a morena teria gostado que tivesse acontecido na noite passada, apenas tinha sido um dia tão cansativo que não aguentara.
“Eu compreendo mas não te livras para a próxima”, replicou Daniela, dando as últimas dentadas no pão. O tempo era escasso e previa uma fila de trânsito imensa, pelo que não se podia demorar muito. Despediu-se da outra com um beijo, “Olha não faz mal que leve a sweater?”
“Não, eu gosto quando usas a minha roupa”, respondeu Susana, sorrindo. Não houve tempo para muito mais, a morena teve que se fazer à vida. Um quarto de hora depois estava no inevitável engarrafamento, apenas com um CD a tocar para ver se o tempo passava.
Mais meia hora e encontrava-se finalmente na faculdade. Por algum motivo, sentia-se mais observada que o habitual, nem sabia porquê. Podia jurar que sentia o olhar dos outros fixos nas suas costas, mas não conseguia entender porquê. Voltou-se para um grupo que cochichava, mas a única reacção que obteve foi um voltar de costas. Encolhendo os ombros, prosseguiu com a sua rotina. Pousou os livros no seu lugar habitual, apenas para ser encarada pela colega que habitualmente se sentava ao seu lado, de um modo nervoso.
“Bom dia”, saudou a rapariga, a quem o comportamento dos colegas estava impossível de ignorar, “Estás bem?”
“Sim…sim”, respondeu a outra, olhando para a morena, que ostentava uma expressão confusa, “Olha Daniela…”
“Diz”, instigou Daniela, devolvendo os olhares fulminantes que uns colegas lhe mandavam.
“Calculo que não tenhas visto…”, começou ela, enquanto retirava uma revista de dentro da mala, “Olha…”
Colocou em cima da mesa um exemplar de uma revista de mexericos popular e aguardou uma reacção por parte da rapariga. A morena arregalou os olhos ao ver na capa uma foto sua e de Susana tirada no dia anterior, em que a loura encontrava-se a pegar nela e esta beijava-a. Em letras vermelhas, abaixo, estava “ROMANCE LÉSBICO DE SUSANA MARQUES”. Quedou-se a olhar para a capa durante tempo incerto. Apenas interrompeu o seu estado petrificado quando o professor entrou, obrigando-a a divergir a sua atenção.
Incapaz de conter a sua curiosidade, pediu a revista à colega. Assim que teve oportunidade, colocou-a entre os livros, de modo a puder lê-la sem que o professor desse por isso. Tinha duas páginas reservadas só para especulações sobre a relação que tinham. Em termos gerais, de acordo com o artigo, ela, a “rapariga mistério”, não era senão uma parasita oportunista, desesperada por atenção e dinheiro e Susana Marques, a mais recente vedeta do mundo da música, sedenta de atenção e a tentar seguir a moda.
Pondo a revista de lado, tentou distrair-se com a aula, depois falaria com a loura. Estava a anotar umas informações importantes quando lhe passaram um bilhete para as mãos. Abriu e leu, “Então a Marques já te foi ao pito?”. Sentindo a paciência a esvair-se a olhos vistos, respirou fundo. Estava a fazer um bom trabalho até que a aula acabou e teve de enfrentar os comentários dos colegas. Desde todas as nomenclaturas para “indivíduo homossexual do sexo feminino” até a umas que lhe deram mesmo vontade de rir, por serem o tipo de coisa que ela diria.
O final das aulas pôs fim ao seu sofrimento Dirigiu-se para casa, onde esperava encontrar paz e sossego por fim. Infelizmente para si, o destino tinha outros planos. Nem em casa a maldita revista lhe dava tréguas. Sentada à mesa estava a mãe, com um exemplar idêntico diante de si e uma expressão de poucos amigos.
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Por seu lado, Susana acabara de chegar à agência. Havia mais movimento à entrada do que o habitual, mas com as constantes estrelas que passavam por aquele edifício, não era de estranhar. Estacionou a mota e preparou-se para um dia de trabalho que se adivinhava produtivo, consequência da noite anterior. Estava ainda a reviver os acontecimentos, quando a multidão de fotógrafos e entrevistadores a avistou e avançou para ela. A sua reacção foi mínima, não entendia o que se passava pois não tinha feito nada merecedor daquela atenção.
Valeu-lhe a chegada do seu produtor, que enxotou os jornalistas e a levou para dentro. Não perdeu tempo a levá-la até ao seu gabinete e a passar-lhe o exemplar de uma revista para as mãos. Não pôde deixar de esboçar um sorriso ao ver-se a si própria mais a namorada na capa. Por acaso aquela era mesmo uma boa foto, Daniela não se poderia queixar que aquela lhe fazia um nariz enorme.
“O que é isto?”, inquiriu o outro, espetando o dedo na imagem da capa, com uma expressão muito pouco amistosa.
“Eu e a minha namorada”, respondeu a loura, como se de algo extremamente obvio se tratasse.
“Se não te achasse um diamante em bruto e não soubesse que ia ganhar imenso dinheiro contigo…”, grunhiu o patrão, interrompendo-se para massajar as têmporas, de modo a recuperar a calma, “Estavas despedida em dois tempos”
"Oi?”, perguntou a outra, sem fazer a mínima ideia do motivo pela qual estava a ser tão repreendida. A seu ver não tinha feito nada de mal.
"Já te passou por essa cabeça loura que te estás a arriscar a deitar tudo a perder?", continuou o homem, fazendo todos os possíveis para incutir algum juízo na cabeça da outra. Aquilo podia ser um golpe na sua mais recente fonte de dinheiro, até porque pelo que conhecia da loura, esta opor-se-ia a lucrar com aquela publicidade. "Tens noção que podes perder tudo o que já conseguiste?"
“O que é que isso importa quando tenho o amor da mulher que amo? Eu não tinha nada quando entrei nisto, se sair disto sem nada na mesma não faz mal”, disse Susana, pondo um ponto final naquela discussão. Agarrou no capacete e dirigiu-se para a saída, mas não sem antes dizer “Obrigada na mesma”
Vendo o seu grande trunfo pronto a virar as costas e o seu dinheiro a escapar-lhe por entre os dedos, o homem acedeu, finalmente, “Pronto…pelo menos tenta ser discreta em público”
“Isso posso fazer”, concordou a loura, “Mas não conte com que vá esconder isto, nunca o fiz e não o vou passar a fazer”

domingo, 21 de agosto de 2011

Capítulo 45

Nem os anos que passara no bar a prepararam para aquilo, era um grande salto no desconhecido. Susana apertou a viola na mão e perguntou, nem sabia a quê ou quem, porque é que se metera naquilo. Atreveu-se a deitar uma olhadela à plateia, nem que fosse só para ver onde estava Daniela. O seu maior receio, e ela própria estranhou, não era enfrentar a multidão nem falhar um acorde, era o de desiludir a namorada, o seu principal alicerce em tempos difíceis. Mesmo estando com a rapariga havia algum tempo, a ideia de fazer algo mal na presença desta assustava-a.
Devia ter uma assistência de cerca de uma centena de pessoas, mais do que esperava, sem dúvida. Percorreu as caras uma a uma até que avistou a morena, no centro e a duas filas do palco. Ostentava na face um sorriso enorme, um misto de encorajamento com orgulho. Foi tudo quanto a loura precisou para se sentar no banco e se dirigir à multidão, sem hesitações.
“Boa noite”, saudou ela, satisfeita por a vontade de rir que sentira, momentos antes, ter cessado, “Sou a Susana Marques e é a minha primeira vez aqui, esperemos que corra bem…só me resta desejar-vos um bom espectáculo”
Instrumento afinado e pronto a executar, sim. Não estava rouca nem afónica, não. Ansiedade, controlada. Era agora, não havia volta a dar e era bom que saísse bem. Aliás, sabia que Daniela não se contentava com menos que perfeição, por isso não lhe podia dar menos que tal. Acabara de improvisar a setlist e esperava que tudo corresse pelo melhor. Começou o concerto com uma das menos calmas que tinha, afinal não queria o público a dormir. Recepção positiva, sim.
Acabou de tocar a quinta música, só mais uma e daria o concerto por terminado. Até àquele instante tinha tudo corrido às mil maravilhas, cada vez que acabava uma música o público aplaudia energicamente, dando a entender a sua apreciação. Susana não evitava sorrir para si e dar o seu melhor, sobretudo cada vez que pousava os olhos em Daniela. A namorada parecia estar, verdadeiramente, a gostar do concerto e não apenas para lhe fazer o gosto. Sempre comedida, aplaudia e sorria. A última música tinha sido guardada para o fim de propósito. A loura tinha escrito aquela para a namorada, ainda que esta não soubesse da existência daquela música, como sabia das outras.
Trocando um olhar cúmplice com a rapariga, começou a dedilhar as cordas da viola, tocando uns acordes mais suaves e quentes, num ritmo mais caloroso que as outras. Ia entoando a letra quase num sussurro, de olhos cerrados, pondo todo o sentimento em cada nota. Quando acabou a música, o ruído da ovação de palmas que recebeu era quase ensurdecedor. Sorrindo para a multidão, procurou a namorada, que não batia palmas, apenas sorria quase como envergonhada, apesar de ter a expressão de maior delicia que a loura alguma vez lhe vira.
Daniela, quase como se sentisse o olhar de Susana em si, recompôs-se num ápice, afinal tinha a sua reputação a manter. Escondeu, o melhor que pôde e que não foi lá grande coisa, o ar derretido e levou dois dedos abertos à cara que colocou nos cantos da boca, fazendo, para a namorada, um gesto sugestivo com a língua, antes de lhe piscar o olho. A loura não necessitou de puxar muito pela cabeça para perceber o significado daquele gesto, a noite ainda acabara de começar.
Agradeceu ao público por ter comparecido e, sem esperar que este tivesse abandonado o recinto, pousou a viola e saltou do palco, para ir ter com a rapariga. Assim que a alcançou, colocou-lhe os braços em volta da cintura e levantou-a, eufórica.
“Gostaste?”, perguntou, por entre beijos no pescoço da morena, apesar de já saber a resposta.
“Amei”, respondeu Daniela, ainda a sentir os pés no ar, beijou a loura intensamente e pediu-lhe que a colocasse, calmamente, no chão.
De mão dada novamente, abandonaram o recinto, com a morena ansiosa por chegar a casa da outra. Infelizmente para si, já no carro a loura dava sinais de estar bastante letárgica, quase a passar pelas brasas encostada ao vidro. Ao chegarem a casa, o pior, aos olhos da rapariga, aconteceu. Susana deixou-se cair no sofá, adormecendo instantaneamente. Daniela murmurou uma série de palavreado impróprio para os ouvidos da maioria e resignou-se. Deitou-se junto à loura, servindo-se desta como almofada e adormeceu também.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Capítulo 44

Para quem estava tão céptica, Susana decididamente que causara sucesso com nada mais que uma viola. O certo foi que, sem ter que posar para a Playboy, sem usar trajes reveladores e sem armar escândalos cuidadosamente posicionados, a loura conseguira, no espaço de duas semanas que procedeu à elaboração do seu primeiro single, alcançar o terceiro lugar das tabelas nacionais. O seu estilo descontraído e apelativo a qualquer pessoa contribuíra em larga escala.
Uma vez que as aulas tinham começado para Daniela, o tempo que ambas tinham para conviver limitou-se. Gerindo o tempo da mesma maneira que no ano anterior, a rapariga encontrou maneira de consolidar a faculdade com a nova vida da loura, entre ir para o estúdio ou dar uma entrevista, o tempo não era muito, mas o dinheiro compensava. Assim, arranjaram uma tarde para irem lanchar juntas.
Agora perfeitamente habituada a não esconder a relação que tinham, Daniela lançou, sem hesitações, os braços ao pescoço de Susana, antes de a beijar. Não era que demonstrações afectivas em público a constrangessem, eram só as exacerbadas. Além de que não via a outra há mais de uma semana, as saudades apertavam. Dando as mãos, abandonaram o recinto da faculdade e dirigiram-se para uma praça que se situava uns quarteirões de distância. Sentaram-se na esplanada de um dos cafés, aproveitando, assim, os raios de sol e a temperatura quente que ainda se fazia sentir. A loura tomou as mãos da rapariga nas suas e afagou-as, olhando para o anel que ainda reluzia no dedo desta e, por fim, para ela com adoração.
“Alguém estava a morrer de saudades”, disse Daniela, deitando-lhe a língua de fora, apesar de ter a perfeita consciência de que estava a olhar para a loura da mesma maneira.
“Hmhm…”, sussurrou Susana, inclinando-se para beijar a namorada. Estava a meros centímetros de lhe alcançar os lábios quando apareceu a empregada, interrompendo-as. Não perdendo tempo, a loura enumerou uma lista monumental de comida, estava esfomeada. Pediu também para a rapariga, apesar dos protestos desta. “Oh amor, estás magra demais”
“Estás-te a queixar?”, replicou a morena, revirando os olhos, “Tu vê lá…”
Nem pôde concluir o que ia dizer, a outra eliminou, finalmente, a distância que as afastava. Daniela esqueceu-se do que estava a falar, perdia sempre o fio ao raciocínio quando se encontrava na presença de Susana. Esta colocou-lhe a mão por baixo do queixo, beijando-a com alguma intensidade, sendo retribuída pela morena, sem inibições. A chegada da empregada com a comida pôs termos à sessão de mimos, para desolo de ambas. Escusado seria referir que a atenção da outra foi desviada automaticamente para a comida, tragando o sumo em largos goles e dando dentadas gigantes na tosta.
Por sua vez, a rapariga ia mordiscando com calma a sua torrada, deixando o café para o fim. Já a loura terminara a tosta e o sumo e começou a deliciar-se com um bolo, que devorou até só deixar um bigode de chocolate como vestígio. Daniela limpou-lhe o canto da boca com um guardanapo e ambas se riram, até terem sido interrompidas por um rapazinho de ar tímido que não devia ter mais de oito anos. Puxou a manga da t-shirt de Susana ao de leve, tentando chamar-lhe à atenção, até que esta se voltou para ele.
“Desculpe…é a Susana Marques?”, perguntou ele, escarlate de embaraço, sem nunca deixar de fitar os sapatos.
“Sou sim, porquê?”, respondeu a outra, sorrindo de modo amistoso, tentando deixar a criança mais à vontade.
“É que…gosto muito de si…”, continuo o rapaz, corando mais do que parecia humanamente possível, “Será que…podia tirar uma foto consigo?”
“Sim, na boa”, cedeu a outra, com um sorriso, afagando o cabelo encaracolado da criança. Passou o telemóvel do rapaz à morena, para que esta tirasse a foto e colocou o braço por cima dos ombros dele, que tremia como varas verdes. Depois de tirada a fotografia, deu um abraço à criança e deixou que esta lhe desse um beijo na bochecha.
“Oh que amor”, enterneceu-se a rapariga, ao ver a criança afastar-se rejubilante de alegria, “Agora vou ter que me habituar a mais episódios assim, é?”
“É só agora que estou em altas”, disse Susana, rindo-se, embora tivesse adorado a atenção, “Daqui a uns tempos fartam-se de mim”
Não ficaram muito mais tempo na esplanada, aquela noite seria importante. Seria, nada mais, nada menos, que o primeiro concerto de Susana. Nada de muito grandioso, afinal só tinha lançado um single, mas era uma oportunidade que não deveria deixar passar. Aproveitou a boleia de Daniela, que faria parte da plateia e dirigiram-se para o Hard Rock Café. Durante todo o percurso a loura aparentou estar calma, o único indicador de agitação era o facto de ter acabado de roer as unhas e de já estar a roer a cabeça dos dedos. A rapariga estacionou o carro mas deixaram-se ficar no interior durante uns instantes.
“Não te estavas mesmo a ver nesta situação pois não?”, inquiriu a morena, sorrindo, ao ver o olhar absorto no vazio da outra.
“Não…eu só quero ganhar o suficiente para me sustentar”, disse Susana, cujo episódio com o rapaz a tinha deixado pensativa, “Foi engraçado quando apareceu o rapazinho mas não sei o que vem a seguir”
“O que vier a seguir não há-de ser senão bom, tenho a certeza”, garantiu Daniela, afagando a mão à loura, “Vai correr tudo bem”
Saíram do carro, mas não sem, antes, trocarem um beijo rápido. Ao contrário do que normalmente sucedia, era a loura a apertar a mão da rapariga até esta não sentir nada do pulso para baixo. Depois de passarem a entrada, porém, tiveram que se separar. A outra foi para os bastidores, enquanto a morena seguiu para procurar um lugar para se sentar. Assim que localizou um, com boa vista para o palco, correu a sentar-se, afinal já não devia faltar muito para começar. Aguardou com algum entusiasmo, não só por se tratar de Susana e de ser o seu primeiro concerto ao vivo, como também porque gostava, genuína e imparcialmente, do que a namorada tocava.
Pouco depois apareceu Susana em palco, com a viola na mão e um sorriso nos lábios. Para quem não a conhecesse, pareceria estar à vontade e apenas simpática, mas Daniela sabia que a loura estava a fazer um esforço enorme para não desatar a rir, como sempre fazia quando estava nervosa.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Capítulo 43

Isto esteve em altas hoje *.* Thank yoou! Especialmente a viajante dos blogs que sempre deixa um comentário :)

A intenção estava lá, exactamente onde e para o que se queria. Porém, a força de vontade nem sempre se encontrava presente. Os únicos pensamentos que mantinham Susana no caminho certo e a impediam de ir fazer a sua eram tanto a avó falecida, sobretudo a noção que esta não gostaria de a ver a enveredar por rotas tão controversas, e a namorada. Controlar a constante necessidade de voltar a consumir deixou-a um tanto fragilizada nos primeiros tempos, afinal não tinha a sua fuga da realidade temporária, nem dinheiro para adquirir mais. O certo foi que, com o passar do tempo a vontade foi sucumbindo, para se manter moralizada pensava nas pessoas a quem não gostaria de desapontar.
Antes de ter passado à prática, ponderou o que podia fazer. Com as habilitações que tinha só lhe dava para ir para um restaurante de fast-food, o que estava fora de questão, mais que não fosse porque “gato escaldado de água fria tem medo”. De certa forma, o que lhe valia era a sua humildade e simplicidade, pois não era qualquer pessoa que iria para uma rua movimentada da capital tocar viola, para que umas almas caridosas dessem uns trocos.
Sentir o calor tórrido do Verão a embater no asfalto e a reflectir-lhe na superfície da pele, não era pêra doce. Quando acumulado ao facto de estar completamente exposta a quem passava, o que resultava em bocas ou olhares desaprovadores, a situação era horrenda. Mas como não tinha alternativa, era resignar-se à sua sorte. Além de ter sido abordado por uma antiga professora que não se coibiu de lhe esfregar na cara que sempre a imaginara naquela situação, ainda tinha sido alvo de troça de umas pessoas que considerara amigos, pelo menos, até à situação da Mónica.
“Isto é tão decadente…”, manifestou-se Guida, ao ver um executivo que se detivera uns instantes a ouvir a amiga tocar, atirar-lhe uma moeda, “De certeza que não podias fazer outra coisa?”
“Obrigada…”, disse a loura, levando a mão já calejada à testa, para limpar as gotas de suor que lá se formavam, “Se houvesse eu aproveitava, mas se bem te lembras de quando trabalhei naquele restaurante, a coisa não correu bem”
Realmente, a tentativa de Susana de trabalhar num café simplório na periferia de sua casa terminara com diversos pedidos trocados e cafés mal tirados. Com um resmungo, Guida deu a conversa por terminada, já a fulminar com o olhar a tonalidade vermelha que lhe começara a surgir nos braços claros e, consequentemente sensíveis, expostos à radiação solar. Desde que chegara que a loura só tinha feito dois euros. E andava naquilo há quase um mês…conseguia mesmo à justa para comer, caso contivesse o seu apetite insaciável. O que a impediu de ficar na completa miséria foi o feliz acaso de ter encontrado algum dinheiro que a avó guardara. Não era muito, mas podia ficar mais tranquila com as contas da casa e da mota durante uns meses. Voltando a grunhir para si, a amiga ofereceu-se para ir comprar uma garrafa de água para a outra. Assim o fez, resmungando o caminho todo, até que se deparou com uma fila enorme no minimercado local.
Massajando as têmporas de modo a manter o controlo, Guida aguardou, ainda que para sua irritação, tivesse à sua frente uma mulher a pagar tudo com trocos, que demoravam décadas a contar. Pelo menos havia ar condicionado…assim que se despachou, notou que, com o tempo de espera a água fresca aquecera. Como não era ela que ia beber, encolheu os ombros e dirigiu-se de novo para junto da outra. Se bem que diante desta se encontrasse um indivíduo bem apresentado, de camisa e roupa quase formal, a trocar umas palavras com Susana. A julgar pela expressão desta, estava num dos seus momentos “louros”, isto é, como um burro a olhar para um palácio. Quando a alcançou, já o estranho tida ido embora, deixando apenas um cartão à loura.
“Quem era e que queria?”, questionou a amiga, observando de alto a baixo a figura de escuro que se ia afastando progressivamente, até se diluir no aglomerado de pessoas.
“Não sei…ficou um bocado a ouvir-me tocar, deu-me dez euros e depois disse que eu tinha talento…”, disse Susana, coçando a cabeça, “Deu-me o contacto e disse para lhe ligar mais tarde”
Guida arrancou-lhe o pedaço de cartão da mão e leu. Tratava-se de um director de uma pequena discografia independente, mas que já dera bons frutos e que estava em crescente ascenção. E aparentemente via na loura algum talento. A amiga sorriu de orelha a orelha, antes de guinchar, eufórica, “ESTÁS À ESPERA DE QUÊEE?!”
“Não sei, ainda tenho que pensar melhor…”, respondeu a outra, ainda que depois de observar as marcas de bronzeado à camionista nos braços, já estivesse disposta a qualquer alternativa, pior não podia ficar. Diz-se por aí que depois de uma tempestade vem sempre uma bonança, já era altura de encontrar a sua.
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O certo foi que, dois dias depois, ligou, após muita insistência por parte tanto da melhor amiga como da namorada, “Vá lá, tens voz fixe!”/”Se perderes esta oportunidade ainda te vais arrepender” e afins. Após uma conversa que tivera a duração de hora e meia, Susana estava numa sala repleta de madeiras envernizadas, paredes recém pintadas e metais polidos. Sentado no outro lado da mesa, o indivíduo que a abordara, lia o formulário que a fizera preencher e franzia o sobrolho. Cada vez que parecia pouco impressionado, o estômago da loura dava uma volta.
“Bem, pelo CD que me mostrou posso dizer que tem bastante potencial”, falou finalmente o produtor, “Só tem que assinar e começamos já”

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Capítulo 42

Viajante: A Susana estava pedrada e apática naquele momento, lutar pelo emprego era a menor das suas preocupações. Isso e é orgulhosa. Ainda bem que continuas a gostar :)

Susana voltou a abrir os olhos, acordando-a do torpor em que se encontrava, quando ouviu o ruído do carro da rapariga. “Obrigada…”, pensou, sem se levantar do sofá. Sabia que a morena tinha a chave, daí não ter que se levantar. Não mexeu nem um dedo, limitando-se a escutar os passos no jardim e o barulho de um molho de chaves a ser agitado, até que a namorada finalmente chegou.
Daniela, por sua vez, fizera o percurso até casa da namorada o mais depressa que o trânsito lhe permitira. Porém, sentia-se aliviada por a loura ter dado sinal de vida. Estava ao corrente da situação, mas não iria interferir a não ser que a outra quisesse. No entanto, a última coisa que esperava, ou queria esperar, era sentir um cheiro intenso a erva mal entrou na habitação. Suspirando, entrou na sala, apenas para se deparar com Susana estendida no sofá com o aspecto mais miserável que alguma vez imaginara.
Susana parecia não tomar banho nem trocar de roupa há alguns dias, possivelmente desde o dia em que a avó falecera. Era quase impossível distinguir a cor da t-shirt, de tantas nódoas que tinha e o cabelo podia ser espremido e o que se obteria daria para fritar batatas. Ainda assim, o que assustava era a expressão arrasada na face desta, que apenas pareceu mais feliz por ver a rapariga. Parecia suada, pelo menos tinha a pele brilhante e os olhos estavam injectados de sangue. Mesmo com os lábios secos e estalados, conseguiu chamar pela namorada, num tom frágil.
Daniela acedeu ao pedido, mas com dificuldade. O caminho desde a entrada da divisão até ao local onde se encontrava a outra estava repleto da maior bagunça possível. Diante do sofá, na pequena mesa de madeira lascada, havia restos de mortalhas amachucadas e pontas de cigarros. Cinza espalhada pelo chão, pelo sofá, pela mesa e por cima da loura. Havia também restos de comida enlatada, já estragada na periferia de Susana. Mas o que realmente se destacava era o cheiro, para uma pessoa de olfacto apurado como a rapariga.
Sobretudo por ter acabado de sair da praia, de onde vinha com cheiro a maresia e protector solar, o odor que se fazia sentir era ainda mais intensificado. Insuportável ao ponto de ter sentido bílis e subir-lhe à garganta, quando tentou respirar. O cheiro intenso a erva e tabaco não era tão mau, pelo menos até ser juntado ao odor a suor de há já algum tempo e a comida em decomposição, provavelmente ainda podia acrescentar o cheiro a atum misturado com alargador não limpo. Considerando o quão sensível a morena era a cheiros, sentiu-se nauseada ao ponto de fazer os possíveis por só respirar pela boca.
Susana, mesmo sentindo o corpo todo dormente, levantou o braço para afagar a mão da namorada, que entretanto já se sentara na borda do sofá ao seu lado. O torcer do nariz da morena não lhe passou despercebido, o que a fez sentir-se desconfortável Observou a morena esboçar uma expressão tortuosa, ao observar o sofá, tão manchado quanto a t-shirt da loura. Num acesso de coragem, Daniela sorriu, antes de se curvar para beijar a bochecha alagada em suor da loura, sentindo os lábios ficarem salgados.
“Suse…”, sussurrou a rapariga, afagando-lhe a mão, também peganhenta, “Como estás?”
“Como vês…”, respondeu Susana, gemendo um pouco, só a falar custava-lhe. Se não sentisse o corpo tão dormente, decerto que não ia puder com dores. Não gostava muito que a morena a visse naqueles preparos, mas naquele momento não se importava com algo tão mesquinho quanto isso. Porém, cada vez que aparecia uma expressão nauseada no rosto preocupado de Daniela, a outra encolhia-se de embaraço.
“O teu estado…”, desabafou Daniela, acariciando a face da namorada. Não conseguiu estar ali muito tempo e daria um dedo por uma lufada de ar fresco. “Não podes estar assim…e se fosses tomar banho enquanto eu arrumo isto por aqui?”
“Hm…hm”, conformou-se Susana, tentando levantar-se, mas sem sucesso. Voltou a cair no sofá, deixando cair um fio de saliva pelo canto da boca, que a rapariga limpou com a palma da mão. Disfarçando a sua vontade de limpar a mão a qualquer coisa, a morena ajudou, a algum custo, a loura a levantar-se, o que até não foi muito complicado, pelo menos até ter que a fazer manter-se em pé. Quando a outra passou o braço por cima dos ombros da rapariga, esta observou, com a sensação de ter levado um estalo, diversas marcas de picadas no braço da loura. Daniela quase despejou o conteúdo do estômago ali mesmo. Tanto pela sensação de horror que sentiu como pelo odor. Era pior que um operário de construção civil num dia quente.
Apelando a toda a sua presença de espírito, Daniela conseguiu, não só manter a comida no interior, como transportar Susana até à casa de banho. Sentou-a na sanita, amparando-a para que não caísse e abrir a torneira. Enquanto enchia, tentou tirar a camisola imunda à loura, mas esta não parecia ajudar, mexia-se como uma boneca de trapo. Assim que conseguiu despi-la, atirou com as roupas para o canto e ajudou a outra a entrar na banheira.
Prosseguiu, depois de e certificar que Susana iria ficar bem, a abrir as janelas para deixar a casa arejar e, para ela própria, puder respirar normalmente. Pegou num saco e retirou os restos de comida espalhados pela casa e limpou as cinzas e vestígios do que a loura andara a fazer. Para seu horror, no meio de cinzas encontrou uma seringa e uma colher, o que confirmou as suas suspeitas. Aplicou tira-nódoas no sofá e esperou que aquilo tivesse cura. Só restava o quarto da outra, mas a julgar pela sala, este também não teria a melhor das apresentações. Entrou, a medo, mas que reparasse, era só alguma cinza no chão e a cama por fazer. Susana não era uma pessoa arrumada, portanto o quarto estava como habitualmente.
Houve uma pequena caixa de madeira a chamar-lhe à atenção, em cima da secretária. Sabia que devia respeitar a privacidade da outra, mas a caixa já se encontrava previamente aberta. Espreitou. Manteve o olhar fixo no interior, sem reacção. Não fazia ideia que a loura estava familiarizada com um leque tão vasto de drogas, tanto quanto sabia era só erva e, aquela vez sem exemplo da heroína. Mas a julgar pelo saquinho com um resto de pó branco, obteve a confirmação, aquela não tinha sido a única vez. Suspirando, voltou as costas à caixa, procedendo a procurar roupa limpa para a outra.
Com umas calças de pano e uma t-shirt na mão, entrou na casa de banho, a tempo de ver Susana enrolar-se numa toalha, um pouco mais desperta do que quando a vira naquele dia. Um olhadela rápida à água do banho e notou que esta estava com uma tonalidade cinzenta. Desviando logo a cara, ajudou a loura a vestir-se, uma vez que esta ainda não parecia aguentar-se completamente de pé.
Antes de puderem dar lugar à tão necessária conversa, a rapariga pediu à outra que lavasse os dentes. Não sabia descrever aquele hálito, se bem que era algo que a fazia semicerrar os olhos e suster a respiração, a bem do seu almoço. Assim que Susana se encontrava de novo apresentável, encaminhou-a para a cozinha, uma das divisões mais limpas. Mal a loura se instalou numa das cadeiras, Daniela aproximou-se desta, encostando-a a si. Por sua vez, a outra nada fez senão roçar a face no corpo da morena. A rapariga acariciou-lhe os cabelos, ainda molhados e fê-la olhá-la nos olhos, agora vidrados.
“Quando cheguei ainda a vi…”, deambulou Susana, antes de ser interrompida por um soluço, que foi prontamente reconfortado pela rapariga, “Nem consigo dormir…sem que essa imagem me apareça na cabeça…”
“Tranquei o quarto…nunca mais lá volto”, continuou, constantemente interrompida por um choro que lhe provocava espasmos, apesar do abraço apertado em que a namorada a envolvia e dos seus melhores esforços por a consolar sem nada dizer, “Já não consigo fazer nada, nunca mais apareci no trabalho, não saí de casa nem tratei do funeral…ainda não consigo acreditar que aconteceu mesmo”
“Sinto-me tão sozinha…quase não tenho amigos, não tenho família…”, foi então que Susana foi abaixo, chorando convulsivamente com a cara ainda enterrada no peito de Daniela, “A minha vida fugiu-me ao controlo e agora és a única coisa que me resta”
“Já nem o meu emprego tenho…não sei como é que vou fazer”, disse a outra, já a sentir que as forças a abandonavam, “Acabei com o que tinha na minha caixinha da festa que era a única coisa que me impedia de dar em doida”
“Suse…a última coisa que ela ia querer era que estragasses a tua vida por causa do que aconteceu”, sussurrou Daniela, que nunca tivera muito tacto para situações do género, limitou-se a ser o menos acusadora possível, mas considerava a situação de Susana como estar no fundo do poço e, em vez de pedir uma corda, ainda pedia uma pá para escavar mais fundo, “E enterrares-te em erva não te vai trazer nada se não mais problemas”
“Não sirvo para mais nada”, lastimou-se a loura, embora já nem aguentasse soluçar mais, doía-lhe o peito e as costas, além da cabeça.
“Não digas isso, tens imenso valor, és das melhores pessoas que conheço e nunca desistes…e és a minha menina”, confortou a morena, à medida que ia secando as lágrimas na face da outra, “Por favor não desistas desta vez, estou a teu lado aconteça o que acontecer”
“Podias ficar…esta noite, por favor?”, pediu Susana, num tom frágil, enquanto abraçava a cintura da rapariga, buscando conforto.
“Claro”, assegurou Daniela, antes de ser beijada pela loura, embora sem a intensidade fogosa do costume, apenas um encostar de lábios. Mesmo assim, a morena estava grata por a outra ter lavado os dentes. Parou o beijo para a abraçar, puxando-a para si o mais possível, “Tenho é que tomar banho, não me quero deitar com sal”
“Tudo o que quiseres”, respondeu Susana, sorrindo, pela primeira vez naquele dia, “Vou tratando do jantar”
A rapariga voltou a beijar a loura, antes de ir para a casa de banho, onde tomou um duche em tempo recorde. Sorriu ao notar que a outra lhe havia deixado uma das suas t-shirts largas para que pudesse vestir outra coisa que não o que tinha usado o dia todo. Ao passar a camisola pela cabeça, sentiu o cheiro que esta tinha a Susana, o que a fez sorrir novamente. Abandonou a divisão, logo após se aprontar. Porém, ainda teve que esperar um pouco pelo jantar, se bem que a espera compensou, pois este estava, apesar da disposição da outra, muito bom.
Desfrutaram da refeição, sem pressas e fazendo conversa de circunstância. Ambas se certificaram que assuntos como o desemprego da loura ou as drogas não iam à baila, até porque Susana já havia prometido que iria fazer os seus melhores esforços para mudar o rumo que a sua vida estava a tomar. Assim que terminaram o jantar, a morena ajudou a outra a arrumar a cozinha, antes de lhe dar a mão e de a encaminhar para o quarto. A loura, por seu lado, sentia-se mais amparada do que quando o dia começara, sabia que podia contar com Daniela para tudo. Foi com este pensamento em mente que adormeceu, mas não antes de colocar o braço em torno da cintura da namorada, aconchegando-se nesta.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Capítulo 41

Ah já tinha saudades viajante dos blogs :3 espero que estejas melhor agora


Passaram três dias, mas pareciam três anos na perspectiva de Susana. Três dias do mais fechado isolamento, sem nada para além dos seus pensamentos e do conteúdo da caixa. Nesse tempo esgotara o seu stock quase na totalidade. A erva havia sido a primeira e conseguiu acabá-la num dia e numa noite. Quando esta já não fazia o efeito pretendido, passou para a coca, que lhe proporcionou os momentos de maior alegria desde que tudo aquilo acontecera. Poupou os ácidos e as pastilhas, estas últimas guardava-as para as noites em que se sentisse esgotada.
Estava estendida no sofá quando o telemóvel tocou, fazendo-a voltar-se. Era o patrão. Suspirando ponderou se deveria atender desta vez, tinha ignorado todas as outras tentativas de comunicação por parte do dono do bar. Convinha não evitar mais. Franzindo o sobrolho, atendeu, emitindo um, “Hm?”
“É “Hm?” o melhor que me sabes dizer?”, rosnou a voz efeminada do patrão. Sempre que se irritava tendia a fazer uma voz ainda mais fina do que o habitual. “Não metes cá os pés há dias e é assim que me falas?!”
“Sim está bem, vá lá directo ao assunto”, respondeu a loura, visivelmente chateada. Acrescentou num murmúrio quase inaudível, “Cabrão do paneleiro…”
“Fechei os olhos a muita asneira que fizeste e aos problemas que já me causaste”, continuou o outro, elevando a voz progressivamente, “Mas a partir do momento em que desapareces e nem dizes nada e deixas tudo pendurado na altura do ano mais lucrativa, não posso deixar passar”
“Tive uns problemas, desculpe, devia ter avisado”, disse Susana, lembrando-se que faltara a uma festa que prometia ter sido lucrativa, “Não volta a acontecer”
Mal acabara a frase, o patrão riu-se, sem qualquer vestígio de boa-disposição, “Pois não volta a acontecer, garanto-te, sabes porquê?”
“Ahm?”, perguntou a loura, que não tinha percebido a última parte.
“Porque não precisas de vir trabalhar nem hoje nem nunca mais”, respondeu o outro, numa voz cantada, como se troçasse dela, “Arranjei um bom substituto para ti, depois passas por cá e fazemos contas, boa tarde”
Desligou, deixando Susana boquiaberta. Ficou a processar a informação durante um instante. Primeiro ficara sem a única família que lhe restava, depois sem trabalho. Provavelmente o substituto era André, que trabalhava como porteiro mas sempre quisera ficar-lhe com o lugar. A loura nem se admirava se este tivesse andado a mamar o patrão para ficar com o trabalho dela. Agora estava preocupada, ela e a avó só conseguiram manter a casa e pagar despesas através da reforma de uma e do salário de outra juntos e mesmo assim ficava à conta. Se bem que já não ia haver as despesas dos medicamentos, mas mesmo assim não sabia como ia fazer. Sentiu-se mais sozinha do que em qualquer outro momento que se lembrasse.
Talvez fosse altura de pôr termo ao seu isolamento…Quais eram as hipóteses? Guida, apesar de óptima amiga, era muito barulhenta e Susana não estava para ter que ouvir a raiva desta mal soubesse que tinha conseguido ser despedida. Daniela devia estar na praia, mas naquele momento a loura não se importava muito se arrancava a morena de lá. Ligou-lhe, esperando ardentemente que atendesse. Chamava e chamava, com os nervos de Susana sempre a aumentar. Já estava para desistir, quando a rapariga finalmente atendeu, sem dizer fosse o que fosse.
“Dani?”, sussurrou Susana, num tom de voz tão frágil que era quase infantil, “Podias vir…por favor?”
“Sim…claro”, respondeu Daniela, num tom hesitante. Desligando de seguida, mas não antes de se ter despedido.
Susana voltou a pousar o telemóvel, agora sentindo-se mais aliviada. Podia não se ter livrado de todos os seus transtornos, mas pelo menos podia encontrar algum conforto na namorada.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Capítulo 40

A noite de trabalho acabou para Susana, mais tarde do que esperava, pois já podia ver os primeiros vestígios solares da manhã. Tinha sido uma noite agitada, tendo em conta que era Verão e havia constantemente festas e grandes multidões. Era a altura do ano que mais a cansava, apesar de a adorar. Iria descansar o mais possível naquela manhã e iria tentar fazer um pouco de bodyboard à tarde, o dia seria só para ela. Colocou o capacete, sentando-se, de seguida na mota, mal podendo esperar por se estender na cama e adormecer.
Ia já a fazer a curva que dava para o acesso ao seu bairro quando avistou uma ambulância à porta de casa. O seu primeiro instinto foi perguntar-se pela avó, cujos ataques de tosse se tinham vindo a tornar cada vez mais frequentes e violentos, mesmo que esta pensasse que a neta não estava ao corrente da situação. Saltou da mota, não se preocupando com o descuido com que esta teria que aguentar e arrancou o capacete, tal era a ansiedade. O portão já estava aberto, bem como a porta. Entrou sempre em corrida, gritando pela avó, procurou divisão a divisão, à medida que a aflição aumentava. Avistou-a, por fim, no chão do quarto, enquanto um paramédico lhe aplicava uma máscara ligada a um tubo.
“AVÓ!”, gritou, sempre tentando alcançá-la, até que um paramédico a agarrou e impediu de chegar ao quarto, “LARGUE-ME! QUERO VÊ-LA!”
“Só vais estorvar se fores para lá”, retorquiu o indivíduo, usando toda a sua força para a impedir de interferir no trabalho dos seus colegas, “Pára quieta!”
A senhora, que pareceu estar a servir-se de toda a sua presença de espírito para sequer abrir os olhos, acenou para que lhe tirassem a máscara e para que Susana se aproximasse. Retirou o braço da mão do paramédico com brutidão e correu para junto da avó, ajoelhando-se ao lado desta. A idosa sentiu-se feliz por ver a neta, ainda que fosse pela última vez. Ao sentir a loura a apertar-lhe a mão na sua, teve ainda força para a apertar também, mesmo que nem conseguisse ouvir o que Susana estava a gritar. Esta parecia-lhe rodeada por uma névoa…distante e para a avó, o esforço que fazia era insuportável. Já não sentia dor, não sentia a mão da neta a envolver a sua, nada.
“Não…por favor, não…”, implorou Susana, sentindo a voz a fraquejar. A mão da avó pareceu-lhe inerte e um pequeno peso morto na sua. Não conseguia acreditar, recusava-se a fazê-lo. O paramédico apenas declarou a hora do óbito e deu umas ordens que a loura não ouviu aos colegas. Rapidamente o corpo foi colocado num saco apropriado e levado dali, durante esse tempo a loura deixou-se ficar ajoelhada no chão, incapaz de se mexer um milímetro que fosse. Aquilo não podia estar a acontecer…
“Lamento imenso…”, um após um, toda a equipa de socorro foi dando as condolências a Susana. A qualquer pessoa que observasse de fora, aquelas palavras, proferida por aquelas pessoas, iriam soar frias, quase como rotineiras. Mas a jovem nem as ouviu.
Foi passado muito tempo que uma lágrima finalmente foi libertada, seguida por outra. Segundos depois já o corpo ainda ajoelhado da loura era sacudido por uma sucessão de soluços. Sempre que pensava que já não tinha força para chorar mais, uma nova onda de lágrimas inundava-lhe os olhos azuis. Os últimos vestígios de forças pareciam abandoná-la, mas não antes que a jovem se pudesse deslocar dali. Trancou o quarto da avó e foi para o seu, onde se deixou cair em cima da cama, desejando que não passasse de um sonho horrível.
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Ao menos o sono foi brando para com ela. Não se lembrava de ter sonhado fosse com o que fosse, mas sentia-se quase tão exausta como quando adormecera, ainda com as roupas do dia anterior. O silêncio que se fazia sentir na casa comprovava-lhe que era a realidade e não um pesadelo. Não era justo…Consultou as horas no relógio que tinha na mesa-de-cabeceira, deixara-se dormir imenso tempo, eram horas de jantar e dali por duas horas tinha que ir trabalhar e nem a playlist tinha pronta. Num acesso de raiva, pegou no relógio e atirou-o contra a parede, ouvindo o som deste a despedaçar-se.
Em condições normais teria sido acordado pela avó à hora de almoço, para que se fosse alimentar. Agora, teria que tratar de si sozinha…o que não constituía problema, sempre fora assim, mas sentia-se só e desamparada. Normalmente estaria esfomeada, mas naquele momento só de pensar em comida sentia-se enjoada. Ficou onde estava, apenas se enrolou sobre si mesma, agarrando os joelhos, não iria jantar e muito menos para o bar.
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Apesar de tudo, as suas necessidades fisiológicas eram mais fortes. Susana acordou na manhã seguinte com o estômago a queixar-se, sonoramente. Lá petiscou qualquer coisa, o suficiente para conseguir manter no estômago e para se revitalizar. Mais por rotina que por outra coisa qualquer, consultou o telemóvel. Haviam dado pela falta dela, o dono do bar tentara ligar várias vezes e tinha diversas mensagens deste. Provavelmente iria estar em maus lençóis pois já andava na corda bamba há algum tempo. Guida também andava preocupada. Mas Daniela apenas tinha mandado duas e tentado ligar.
Suspirando de impaciência, colocou a amiga ao corrente da situação, bem como a namorada e, quando ia a ligar para o patrão, deteve-se. Naquele momento a última coisa que queria era discutir, portanto voltou a pousar o aparelho. Em menos de nada recebeu uma resposta, tanto de Guida como de Daniela. A sua própria resposta foi quase idêntica para ambas, agradeceu a preocupação mas preferia estar sozinha. A namorada aceitou, dizendo-lhe para ligar caso precisasse de alguma coisa. Porém, a amiga insistiu que não a devia deixar sozinha. Já prestes a perder a paciência, conseguiu demovê-la.
Ainda tinha que tratar do funeral…por muito que lhe custasse, reconhecia que tinha que ser feito e o quanto antes. Mas teria que ficar para o dia seguinte, já não eram horas de fazer o que quer que fosse. Abriu a gaveta da secretária e tirou uma caixa escondida por trás dos manuais escolares antigos. Desde que acontecera o acidente na festa de Inverno, que prometera que não voltaria a tocar naquilo, nem que fosse por Daniela. Só queria esquecer o caos emocional que sentia, nem que fosse por algum tempo. Franzindo o sobrolho de desconforto, abriu a dita caixa.
Tinha acumulado uma vasta variedade de substâncias…ilícitas. Possível apenas graças ao Zé e aos seus contactos. Desde erva, passando por ácidos, pastilhas de ecstasy e o desastroso pó branco. A namorada não sabia da existência do seu stock de “felicidade” e Susana só não se livrara daquilo porque lhe custou bom dinheiro. Mas agora estava sozinha em casa, mal seria que acontecesse alguma coisa. Enrolou uma num instante, embora soubesse a priori que não iria ser eficaz como gostaria.
Ao menos não lhe pesava a consciência, sabia que Daniela não se importava minimamente com drogas ligeiras, mesmo que nem soubesse nem da missa a metade. Acabou mais depressa do que gostaria e os efeitos pouco a aliviaram, mas naquele momento estava bom.

domingo, 14 de agosto de 2011

Capítulo 39

Aproveitem que a pieguice depois vai demorar a voltar. Thank you all *-*

O dia adivinhava-se diferente do habitual. Daniela habituara-se lindamente à sua rotina de férias que consistia em, basicamente, dormir de manhã e praia à tarde, à pala disso já se podia dar ao luxo de exibir um bronzeado aceitável em vez do seu habitual branco neve. Já para Susana nada mudara, dormia de manhã, fazia a sua vida à tarde e trabalhava de noite, mas também esta não perdia uma oportunidade que fosse para ir à praia, tendo já o seu tom moreno sido intensificado. Mas naquele dia em particular as coisas teriam de ser diferentes. A loura conseguira fazer com que lhe dessem a noite de folga.
Nem se tinham apercebido como o tempo tinha passado a correr, naquele dia fazia um ano desde que ambas tinham começado a namorar. Tudo tinha começado, de maneira muito pouco romântica e holliwoodesca, naquela casa de banho de um certo bar pouco tradicional, bar esse que já tinha levado com muito daquela relação, tantos bons momentos como maus e que continua a observa o seu desenrolar. Daniela não sabia o que fazer para comemorar aquela data, optando antes por deixar tudo nas mãos da outra e fé em Deus.
Susana, após muito puxar pela sua cabeça loura, decidiu aceitar a sugestão de Guida. Esta quis fazer uma boa acção e ajudar a amiga, portanto iria aproveitar a ocasião de ter os pais fora e deixaria a casa por conta da loura, e muita, mas muita fé em Deus. Ficara acordado que naquele dia, Guida iria para casa de Marta e que a loura levaria a morena até casa de Guida.
Daniela ainda dormia o sono dos justos, preguiçosamente, quando o som do telemóvel indicando uma chamada a fez despertar. Arrastou o braço até à mesa-de-cabeceira e atendeu, nem olhando para o remetente da chamada, ''Hm?”
“AMOR, ACORDAAAAAA, QUERO PASSAR O DIA TODO CONTIGO”, gritou Susana, histérica e demasiado animada para aquela hora da manhã, “Quero que venhas almoçar a casa da minha avó comigo e com ela”
Daniela nem tivera tempo de responder, a outra já desligara a chamada. Com um resmungo levantou-se, prosseguindo a ir tomar banho e a despachar-se, antes de seguir para casa da outra. Tivera o cuidado de se vestir, ao mesmo tempo que bem, algo que pudesse tirar facilmente, pois a loura já lhe estragara muita roupa com a sua impaciência. Tirou a chave do portão de casa da namorada e abriu-o, nunca cessando de se surpreender com o aspecto degradado da pintura deste. Abriu a porta de casa, igualmente, deparando-se com a loura mesmo diante de si, assustando-a.
“Bom dia coisa mais linda de todo o universoooo!” disse Susana, com a voz mais lamechas do mundo, agarrando a namorada pela cintura, levantando-a e rodando-a até ficarem ambas tontas e se deixarem cair no chão, beijando-se.
A rapariga, deixou-se beijar, ainda a ver tudo a andar à roda. Assim que se recompôs, levou as costas d mão à cara, fazendo uma expressão de nojo exagerada, "Bom dia minha piegas de merda, lambuzaste-me toda, isso era tudo saudades?"
''Achas? Nem dá para ter saudades tuas'', replicou Susana, piscando-lhe o olho. Levantou-se rapidamente e ajudou Daniela a levantar-se também. Entraram na cozinha da loura de mão dada e ambas com um enorme sorriso idêntico nos lábios, fazendo a avó deliciar-se com a visão. O almoço não demoraria a estar pronto. Susana tinha-se lembrado do quanto a morena adorava comida indiana, então ela e a avó tinham andado a percorrer os livros de receitas até que finalmente tinham encontrado um prato indiano, para tentar agradar a Daniela. Se tivesse corrido nos conformes, então aquele prato iria ser do agrado de todas.
Daniela sorriu ao sentir o aroma carregado de especiarias na cozinha, mas o sorriso só cresceu ao ver o esforço que tanto a namorada como a avó tinham feito para lhe agradarem. Cumprimentou a senhora idosa afectuosamente, virando-se para beijar Susana de novo, "Amo-tee!"
A loura parou o beijo algum tempo depois, fazendo o sorriso que mostravam as covinhas que nunca deixariam de deliciar Daniela, e dizendo, ''quem é a piegas agora?!'', resultando em risada geral na cozinha. Todas se riram, até a avó voltar a ter outro ataque bem forte de tosse, que arrefeceu um pouco os ânimos.
A idosa trocou um olhar alarmado com a rapariga, que passou despercebido à neta. Não querendo estragar mais o ambiente, a avó convidou-as a sentarem-se. A loura puxou a cadeira para que a morena se sentasse, antes de se sentar ela própria também. Depois serviu uma dose a cada uma, antes de se enterrar em comida. O olhar que a rapariga e a avó trocaram desta vez foi enternecido.
Assim que Daniela pôs o garfo na boca, deliciou-se instantaneamente, sabia que a idosa sempre fizera bons cozinhados, mas aquele estava sem dúvida soberbo. Conversaram durante o almoço, falando abertamente, com a boa disposição que lhes era característico, embora a outra estivesse sempre a interromper a conversa para se empanturrar. Pouco tempo depois, Daniela e Susana ajudaram a idosa a tirar a pouca comida que tinha sobrado e encarregaram-se prontamente de lavar a loiça, enquanto a avó descansava.
A senhora começou a sentir-se sonolenta, até que decidiu ir-se deitar, deixando as raparigas sozinhas. A morena pediu à outra que tocasse um bocadinho viola para ela, já tinha saudades de a ouvir. A loura acedeu prontamente ao pedido, trazendo o instrumento com elas para o jardim, sentando-se ambas no banco.
''Amor, podes informar os teus pais que hoje não dormes em casa? Tenho uma surpresa'', perguntou a outra, enquanto continuava com os seus acordes, tocando uma música acústica que sabia que a rapariga adorava.
"Ui...não me podes adiantar o que tens em mente?", perguntou a morena, recostando-se no banco, à medida que deixava que os calmos acordes a tranquilizassem. Era nestas e noutras alturas que se dava por muito feliz dos múltiplos talentos que Susana tinha com as mãos.
''Claro que não, é surpresa, já que tu não mas fazes, faço-te eu'', provocou a loura, deitando-lhe a língua de fora.
"Odeio-te", resmungou a rapariga, aproveitando o gesto de Susana para a beijar.
''Eu também te amo, Dani'', respondeu a outra, dando-lhe um beijo completamente apaixonado.
Susana continuou a tocar, ocasionalmente trocando uns mimos com Daniela. Às tantas a viola foi pousada ao lado e a loura deitou a cabeça no colo da rapariga, para que esta lhe afagasse os cabelos. O tempo foi voando e quando ambas deram por isso já tinham passado algumas horas e estava na altura da outra mostrar a surpresa à rapariga, cuja curiosidade atingira níveis elevados.
Despediram-se da avó e seguiram de mota até casa de Guida, sem Daniela saber onde se encontrava, pois não conhecia o bairro. Tanto quanto podia observar, estavam numa zona no mínimo imensamente abastada. Susana colocou-lhe uma venda diante dos olhos, procedendo a encaminhá-la.
"A venda é mesmo necessária?", perguntou a morena, usando toda a sua concentração para não tropeçar em nada, enquanto a loura a dirigia, num passo seguro. A outra limitou-se a rir e a dizer-lhe para ter paciência, até que, após percorrem uma longa distância que ia desde o gradeamento no portão até à porta, chegaram. Tirou-lhe a venda dos olhos e deixou-a ver o que tinha planeado.
Guida tinha feito um bom trabalho: deixara champanhe e copos altos no balcão da cozinha; havia deixado algumas pétalas de rosas espalhadas pelo chão, da cor que sabia ser a preferida de Susana; algumas velas já acesas e um ramo de lírios brancos, a flor preferida de Daniela. Decididamente que tinha feito um bom trabalho, todos eles eram perfeitos.
Daniela sorriu ao ver tudo feito na perfeição, virou-se para Susana e beijou-a, apaixonadamente, antes de parar o beijo e dizer, "Eu devia era amar a Guida, mas pronto, tu serves"
''Aposto que a Marta a ajudou, ela não tem jeito nenhum para estas coisas'', rindo-se depois. Lembrando-se que tinha sido uma aposta com a melhor amiga que tinha tornado tudo aquilo possível, riu-se ainda mais. Foi a melhor aposta ganha de sempre, tanto para si, como para Guida.
"Pétalas de rosa e paneleiradas dessas só podiam ser ideia da Marta, mas não me queixo", replicou a morena, "Estás-te a rir de quê, ursa?"
''Não digas isso, pelo que sei é uma boa amiga e até é gira, vocês não chegaram a curtir até?”, picou Susana, perfeitamente informada sobre o historial da namorada, “ Eu? Lembrei-me de umas coisas, nada que interesse neste momento''
"Não fales muito que eu não tenho a certeza se tu e a Guida...", provocou Daniela, antes de voltar a beijar a loura.
''Eu e a Guida?”, espantou-se a outra, interrompendo o beijo para olhar para a rapariga, “Ela era a pessoa mais hetero que conhecia até a aposta comigo, e ter encontrado a Marta''
"Qual aposta?", pergunta Daniela de repente, parando o beijo que a outra voltara a iniciar.
''UPS!'', exclamou a loura, repreendendo-se mentalmente, “Já fiz merda”
"Não gostava que tivéssemos segredos mas se quiseres manter isso privado estás no teu direito", respondeu Daniela. Racionalidade sobre emocionalidade, embora a curiosidade aguçasse e muito.
''Acho que posso contar…a Guida apostou comigo que eu não conseguia curtir contigo, eu apostei que sim, em troca, se eu ganhasse, ela teria que curtir com uma rapariga'', acabou por desabar Susana ''Desculpa não te ter dito nada antes''
Daniela ficou a ponderar o assunto por um bocado, não se sentindo minimamente incomodada, quanto muito divertida, até que falou, "Oh...se não tivesses feito essa aposta eu provavelmente teria ficado com alguma tipo a camionista..."
''E eu estaria solteira, desapontada com o sexo e não teria a mulher da minha vida comigo'', regozijou-se a loura. De seguida beijou Daniela, segurando-a e transportando-a até à cama com alguns acidentes pelo caminho em algumas paredes. O clima já se adivinhava a aquecer, quando o estômago da outra se fez ouvir…ruidosamente, fazendo a morena rir e a loura resmungar, embaraçada. Qualquer clima romântico arrefeceu.
Daniela não tinha fome pois tinha comido bem ao almoço, mas Susana já estava completamente esfomeada. A rapariga não se importava de acompanhar a loura, talvez petiscasse qualquer coisa. Saíram da cama, com a morena ainda a rir e a outra de trombas e dirigiram-se à cozinha, onde Susana se deparou com umas sandes em cima da mesa. Guida pensara em tudo. Junto a estas estava um bilhete que dizia "Sexo na minha cama não, Guida"
''Ai o caralho, esta gaja disse que a casa era minha hoje, portanto é minha e eu faço sexo onde quiser'', disse Susana, decidindo naquele mesmo momento que era para a cama da amiga que iria, embora a ideia do que quer que pudesse ter acontecido por lá a arrepiasse.
Rapidamente pôs de parte esses pensamentos, batendo-se com uma sandes. Apenas uma não a saciara. Olhou para Daniela com um sorriso rasgado. Esta, com um revirar de olhos, percebeu a ideia e deu-lhe o resto da sua. Depois, decidiram abrir a garrafa de champanhe, com outra nota, ''Não bebas tudo que foi caro'' o que as fez rirem. Daniela serviu a bebida nos dois copos que se encontravam na bancada da cozinha, oferecendo um à loura e ficando com o outro para si.
Fizeram um brinde rápido a elas, antes de se rirem, bem-dispostas. Daniela acabou o primeiro copo com calma, ao mesmo tempo que Susana engolia o terceiro. A rapariga tirou-lhe o copo da mão, pousando-o na bancada. A loura encaminhou-as para o jacuzzi decorado com pedra e com forma de cascata que Guida tinha junto à piscina que já borbulhava com a água quente. A outra pensou, feliz, em como aquele aniversário estava a ser o melhor que já tivera. Mónica sempre agira como se não tivesse paciência para ela.
Daniela não perdeu tempo em despir-se, acordando Susana do mundo da Lua. Assim que estava pronta a entrar na água, puxou a outra pela mão, fazendo esta despertar para a realidade. A loura arrancou a própria roupa à pressa, entrando também na água. Depois de entrarem dentro do jacuzzi, a morena encostou-se ao corpo de Susana, que parecia mais claro dentro de água. Por sua vez, a loura, deliciava-se com o corpo da namorada, sempre gostara dele.
“Daniela?”, chamou a outra, fazendo a namorada olhar para ela, “Amo-te”
“Também”, respondeu Daniela, sorrindo enternecida. Susana pegou-lhe na face, por baixo do queixo, beijando-a, com todo o sentimento que nutria pela namorada. Esta correspondeu prontamente, deixando que a loura a sentasse no seu colo.
Daniela, agora no colo de Susana, encostou a cabeça ao ombro desta, deixando que lhe pusesse os braços em volta do corpo. Não proferiram uma única palavra durante uns tempos, não era necessário, limitaram-se só a desfrutar de cada segundo passado na presença uma da outra, até que a loura quebrou o silêncio.
''Como as coisas mudam, eu achava que tinha encontrado a mulher da minha vida, mas agora sei que a mulher perfeita para mim és tu'', disse Susana completamente enternecida, deixando escapar as palavras num sussurro.
Daniela arrepiou-se um pouco devido à emotividade com que a loura proferiu aquelas palavras e disse ''Oh piegas está calada'', beijando-a de seguida, “Sabe-se que alguém é a tal a partir do momento em que esse alguém manda a minha mãe fazer pouco barulho depois de ela nos apanhar na cama”
“Foi sem querer!”, apressou-se a loura a desculpar-se, pela enésima vez, “Eu ainda estava a dormir e a tua mãe fala muito alto!”
Daniela riu-se, não tanto como quando viu o beicinho que a mãe fez. Tinha valido a pena os momentos constrangedores que se seguiram, logo após a mãe ter atirado com um sapato a uma Susana nua, a vestir-se à pressa. Tentando não arruinar o momento, beijou a loura. A outra prolongou o beijo, acariciando a perna da rapariga. Esta colocou-lhe os braços em torno do pescoço, desejosa de aumentar o contacto. Susana sabia o que Daniela queria e não a ia fazer esperar mais. Aproximou-se dela, beijando cada centímetro de pele que estava a descoberto, enquanto o resto estava debaixo de água. Ergueu-a um pouco mais, para conseguir chegar-lhe ao peito, causando outro arrepio por parte da morena.
Daniela saiu do colo da loura, colocando-se de modo a ficar de costas para a parede do jacuzzi, virada para Susana, ainda com os braços no pescoço desta, facilitando assim a sua tarefa. Arqueou as costas, ao sentir a outra a agarrá-la pelas ancas, continuando a beijá-la.
Todos aqueles toques e encostos, beijos e mordidelas levaram a algo de verdadeiramente óptimo para ambas, consagrando-se, aquele, o ponto mais alto da noite.