sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Capítulo 37

Uma postagem a horas decentes por fim

Era uma altura do ano propícia a brincadeira e a bom humor. Na parte que lhe tocava, Daniela gostava do Carnaval, gostava de observar as partidas, embora nunca participasse nelas. Uma recordação antiga que sempre a conseguia fazer esboçar um sorriso era uma, já com bastantes anos, em que ficara a ver da varanda de casa da tia, um grupo de pessoas a atirar balões de água aos carros que passavam. Agora via o perigo no que fizeram, mas na altura apreciou bem o caos. De brincadeiras que tivesse feito, o dia em que colocara um fulminante no cachimbo do pai, provocando um susto neste, tivera a sua piada.
Anos mais tarde, nos tempos correntes, não tencionava repetir a piada. Em vez disso decidiu que iria aproveitar os dias sem aulas para descansar e passar uma das noites com Susana, afinal era festa no bar. Eram as únicas noites a que ia e só ia pela loura, discos nunca foram locais que gostasse de frequentar. Ainda assim, esta noite era diferente, tinha que se ir vestido a rigor. Susana vira logo como uma maneira de avacalhar e, muita negociação com a morena depois, chegaram a um acordo em relação aos trajes.
Daniela iria com umas botas pretas até ao joelho e salto de agulha de doze centímetros, cortesia de Guida, meias de renda e minissaia preta justa, saia essa muito do agrado da loura e meias essa que encontrara na gaveta da mãe. No mesmo local encontrara um corpete preto decotado e minúsculo que completaria a indumentária. Tentando não imaginar os motivos pelos quais a mãe teria aquela peça ali, colocou a maquilhagem, que consistia em batom vermelho carregado e eyeliner pesado. Susana iria com um fato branco e chapéu de coco a condizer, que encontrara só Deus sabe porquê e por obra de quem no armário velho da avó. Ia com camisa cor-de-rosa com um padrão psicadélico por baixo e completaria o traje com um bastão com uma aplicação dourada no punho. Adornar-se-ia com um fio grosso de ouro falso ao pescoço.
“Tu vais-me ficar a dever tanto sexo”, resmungou Daniela, ainda sem acreditar em como ia vestida. A loura praticamente que lhe implorara para lhe fazer aquela vontade.
“Nunca mais usas é outra coisa”, respondeu Susana, olhando a morena de alto abaixo, adorando cada centímetro do que via, “Se soubesse já te tinha feito usar isso há mais tempo”
Chegaram ao clube com algum tempo de antecedência do começo da festa, para dar a Susana tempo de começar a pôr música. O traje desta parecia fazer sucesso, visto que os restantes empregados riram, ao perceber a lógica de “a chula e a puta” quando viram Daniela. Mariana, por trás do balcão, desejando manter-se ainda na incógnita, sorriu para si. Sabia de antemão qual seria a escolha da loura e decidira vestir algo semelhante à rapariga, deste modo, Susana seria como que a sua "dona".
Naquela noite, a rapariga decidira nem olhar para Mariana de maneira a não arranjar problemas, apostando que a loura faria o mesmo. A morena perguntou-se se o seu pessoal viria, o que se tornou uma grande incógnita. Atravessou a pista de dança com a namorada e dirigiram-se à mesa de mistura, para que a loira começasse a fazer o seu trabalho. Continuava a achar que aquela música a ia fazer adormecer, mas desta vez nada disse.
O espaço começou a encher, uma multidão aglomerando-se na pista. Tanto quanto a rapariga podia observar, os gays masculinos não desapontavam, sendo as fatiotas destes as mais extravagantes e originais. Apesar do calor que se fazia sentir, Daniela era friorenta e estar só com minissaia e corpete não ajudava, já sentia a pele dos braços a arrepiar-se. Chegou-se a Susana, deixando que esta a aquecesse, num abraço.
De seguida deu para ver que seria uma noite bastante lucrativa, o bar estava cheio, toda a gente trabalhava arduamente e a loura lá aproveitava os momentos em que não era necessário mixar a música para beijar a namorada intensamente e de modo provocatório.
O que estas não sabiam era que do outro lado do bar, havia alguém que estava a observá-las demasiado. Mariana não tirava os olhos do casal e estava cada vez mais furiosa e com vontade de espancar a rapariga. Virou-se para a amiga que se encontrava sentada e proferiu, “Que nervos…”
Daniela, consciente de que Mariana as iria ver mais cedo ou mais tarde, pediu a Susana para que se acalmasse, não queria deitar fósforos à gasolina. A loura, que parecia consciente disso, limitou-se a dizer-lhe, “Diverte-te e não te preocupes com ela”, antes de voltar a beijá-la, ainda com mais intensidade, “Estamos no nosso direito”
A rapariga achou má ideia, mas por simples momentos deixou-se ficar, amava a namorada e ninguém tinha nada com a relação que ambas partilhavam. A altura mais agitada da noite chegara, o bar estava cheio e a multidão apinhava-se, tornando impossível a mobilidade. Daniela despediu-se de Susana com um beijo terno, antes de ir para a pista. A outra deu-lhe uma palmada ao de leve no rabo e agarrou-lhe o braço, puxando-a para outro beijo, mais intenso. Só então a deixou ir.
Atravessou a pista até encontrar um local menos sobrelotado de gente e decidiu não se preocupar mais. No entanto, a multidão começou a apertar, deixando-a no meio de um círculo de homens efeminados. Era gente extremamente simpática, o que lhe permitiu integrar-se no grupo e divertir-se, quando dera por si já dançava de mãos dadas com dois mais maquilhados que ela. Mariana, que não deixara de observar o desenrolar dos acontecimentos por um instante que fosse, colocou a bandeja metálica no balcão e decidiu não pensar mais nos clientes, a oportunidade era boa demais para se perder. Era a melhor altura para atacar. Dirigiu-se à mesa de mistura e, indo por trás da loura, colocou-lhe a mão à frente dos olhos.
A loira, rapidamente pôs uma das mãos na indumentária da outra, tentando descobrir quem era. Quando sentiu o rendilhado das meias altas, pensou ser Daniela, o que a deixou mais descansada. Virando-se para trás e deixando que a outra a beijasse, ainda com as mãos da outra, a rodearem-lhe a vista, correspondeu ao beijo, puxando Mariana mais para junto de si.
Mariana, nem podia acreditar na sua sorte. Desta vez encontrava-se a beijar Susana sem que tivesse sido contra a vontade desta. E os seus melhores sonhos não lhe faziam justiça, a loura beijava tão bem. Deixou as mãos que tapavam a vista à loura descessem até lhas colocar em volta do pescoço, derretendo-se ao sentir as mãos de Susana acariciarem-lhe a cintura.
Susana continuou o beijo de forma apaixonada, pois pensava mesmo que se tratava de Daniela. Momentos mais tarde, a outra parou o beijo, deixando-se envolver num abraço terno da loira e dizendo ao seu ouvido, “amo-te”. Nesse mesmo instante, Susana percebeu que quem estava à sua frente não era a namorada, mas sim Mariana. Empurrou a outra, que ainda tinha uma expressão sonhadora esboçada na cara.
"Foda-se, que é que foste fazer??", bradou a loura, passando a mão pelos cabelos, deixando-os desalinhados.
“Amor, não percebes? Estamos destinadas”, disse Mariana, levando a mão aos lábios, ainda a tentar acreditar no que acontecera, “Beijaste-me da maneira mais linda que alguma vez me beijaram”
"Estás doida, tenho namorada!", disse Susana, à beira de um ataque de nervos. Só implorava que Daniela não tivesse visto nada daquilo, mas já nem a avistava na pista. Se esta de facto tivesse visto, então estaria em maus lençóis.
Mariana viu o estado em que a tinha deixado e já estava seriamente a suspeitar que a loura podia perder mesmo a cabeça e então sobraria para ela. Correu para junto de alguém que observara todo o sucedido, com uma expressão de, primeiro estupefacção e depois de raiva. Ninguém magoava a sua amiga e saia impune. Quando se apercebeu de quem era, Susana não conseguiu articular uma única palavra, tentando encaixar todas aquelas situações na sua cabeça loura. Infelizmente a outra lembrou-se dela, só não suspeitara que a rapariga de quem a amiga tanto falava fosse aquela e exclamou, “Tu outra vez?!”
A camionista avançou para ela, não se coibindo de distribuir encontrões em quem se encontrava no caminho. Quando alcançou a loura, esta recuou uns passos, consciente de que não lhe podia ganhar numa luta, "Tudo na boa, isto não tem nada a ver contigo"
“Quem disse que não tem? Sabes quem é a Mariana? disse, fazendo um sorriso rasgado, olhando a morena de alto a baixo, “É a minha melhor amiga”
"Deixa-me explic...", pediu Susana, mas a macha já a tinha agarrado pelo colarinho da camisa, como se fosse uma boneca. Abanou-a, fazendo com que batesse com a cabeça na parede, deixando-a marcada com uma mancha de sangue.
Daniela começou a ouvir algum barulho, depois de ter saído da casa de banho, e decidiu ir ver de Susana. Só que alcançar o sítio onde presumisse que a loura estava não lhe foi facilitado. Muitos "desculpe, com licença" depois, conseguiu aproximar-se, embora ainda não visse o sítio devido tanto à sua baixa estatura, como à multidão engalfinhada, a ver o espectáculo. Quando lá conseguiu chegar, nem queria acreditar no que via.
A namorada estava a ser espancada pela rapariga que lhe tinha aberto o lábio e Susana já pouco ou nada reagia. Decidindo agarrar o copo que a loura tinha com água ao pé da mesa de mistura e mandou-o à cabeça da camionista, fazendo-a virar-se para trás, já também a sangrar e parando com a luta sozinha que estava a ter. Depois a morena viu quem estava por trás de tudo, Mariana, sempre Mariana. Percebeu logo o que se tinha passado, ao vê-la com um fato muito idêntico ao seu.
A camionista largara Susana, que se limitara a deslizar pela parede, até cair no chão, com o fato manchado. Mas Mariana caminhava para Daniela, agora era uma boa oportunidade para satisfazer a sua vontade de lhe deitar as mãos. Dera uma chapada de tal maneira forte que a rapariga quase ficara sem reacção. A outra era mais forte e dominava-a com facilidade. Só não contara com que a morena não jogasse limpo numa luta e não hesitasse em usar as longas unhas para lhe arranhar a cara, deixando-a em carne viva.
Entretanto, Marta, que lá estava com Guida, ia falar com Susana pois a música estava uma porcaria e reparou naquilo tudo. Limitou-se a puxar Mariana, que ainda estava em cima de Daniela e esmurrando-a, meteu-a a sangrar do nariz e da boca. Daniela, ainda a recompor-se dos socos que levara, encontrou presença de espírito para passar o braço da loura, semi desmaiada, por cima dos seus ombros e levá-la dali. Chamaram uma ambulância para Susana e a camionista, que estavam bastante feridas. Lentamente, a loura ia recuperando a consciência, mesmo que apenas se limitasse a entreabrir os olhos. Daniela, a seu lado, segurava-lhe um pano contra a ferida, enquanto a ambulância não chegava.
Daniela ligou à avó da namorada, contando-lhe o sucedido, com os devidos eufemismos da situação, para que esta não estranhasse qualquer demora que pudesse haver na chagada da loura. Ela própria tinha umas feridas que teriam que ser tratadas no hospital, mas Mariana estava em pior estado, principalmente depois de Marta ter tratado dela. Já a camionista, teria que levar muitos pontos na cabeça e teria que tirar vidros que estavam na ferida que a rapariga tinha provocado.
Quando chegaram ao hospital, a loura já estava consciente, embora ela e a rapariga tivessem que se separar pois Susana tinha que fazer umas radiografias, "Fica comigo...", disse ela, num tom frágil, recusando-se a largar a mão da morena. Isso não foi possível e Daniela teve que se dirigir à sala de pensos, para que lhe desinfectassem as suas feridas. Só estava arranhada e com a cara um tanto dorida, o que lhe permitiu despachar-se depressa mas obrigou-a a esperar por notícias da namorada na sala de espera.
A noite tinha sido estafante ao ponto de se sentir prestes a adormecer nas cadeiras de plástico rígidas. As pálpebras pesadas como chumbo teimavam-lhe em cair e sentia-se letárgica, se não fosse o telemóvel a tocar, teria adormecido. Tirou-o, “Hm?”
“Estão bem?”, perguntou Marta num tom alarmado, mal dando tempo à morena de falar, “As outras duas seguiram para outro hospital”
“Eu estou”, assegurou Daniela, segurando um pacote com gelo contra a cara, de modo a evitar que esta inchasse, “Estou só à espera que digam qualquer coisa da Suse e vou embora”
“Aquela gaja vai pagá-las!”, gritou Marta, irritada, do outro lado da linha, “Temos que…”
“Não temos que nada”, interrompeu a rapariga, esfregando os olhos com a mão, “Isto passou a ser entre mim e a Mariana, eu resolvo isto”
“Mas…”, tentou a amiga novamente.
“Se a Suse quiser, podem interceder por ela”, teimou a morena, “Com a Mariana posso eu bem”
Marta não insistiu, desligando a chamada pouco tempo depois. Daniela voltou a encostar-se à cadeira desconfortável, esperando não adormecer. Encontrava-se prestes a fazê-lo, quando um médico a chamou, prevenindo que Susana teria que passar lá a noite mas que em princípio teria alta na manhã do dia seguinte. A rapariga preveniu tanto Marta como a avó e deu a noite oficialmente como terminada, dirigindo-se para casa.

1 comentário:

  1. Hoje é sexta feira e eu acho que vou jogar no euromilhões. Eu não disse que achava que aquela Mariana não ia ser pêra doce ? Agora aguardo para ver a reacção da Daniela. Espero que a "cale" sem descer daquele nível de indiferença que ela consegue manter perante quem a enfrenta.
    Quanto à Susana, coitada da rapariga, que tanto leva da camionista.
    Como é óbvio, espero que passem as duas por cima disto. Mas só tu o dirás, com o desenvolver da história.
    Continuo a adorar a escrita!
    Uma viajante dos blogues :) *

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