terça-feira, 27 de setembro de 2011

Capítulo 63

O grande dia chegou. Não só estava Daniela oficialmente livre da faculdade, como Susana conseguira uma pausa bem merecida no seu trabalho. Ficara acordado que a rapariga iria apanhar a loura a sua casa, de onde seguiriam para o aeroporto. Assim o fizeram, com o pormenor de que a mãe de Daniela as acompanharia até ao aeroporto, para depois poder levar o carro. Isso e a mãe da rapariga já se sentia definhar, ainda a filha não tinha embarcado. Nem mesmo com a presença da outra a senhora se coibiu de fazer mil e uma recomendações embaraçosas, desde referências à muda de roupa interior, como usar protector solar. A morena enterrou a cabeça no volante e amaldiçoou a sua sorte, em resposta. O riso da loura não cessou o tempo todo, “Acredite que a vou fazer mudar de roupa interior muuuuita vez”
O que impediu Daniela de chutar Susana borda fora foi o facto de que a iria castigar até a fazer implorar logo à noite. Por enquanto, beliscar-lhe a perna discretamente teria que bastar. Ao chegarem ao aeroporto, a mãe não parava de revirar os olhos cada vez que a loura mostrava o seu entusiasmo por andar, pela primeira vez, de avião, “Quantos anos é que ela tem outra vez, Daniela?”
“Fez vinte e cinco no mês passado”, esclareceu a rapariga, ao ouvido da mãe, “E tu pára com isso, coitadinha”
“Já tinha idade para ter juízo, olha para aquilo!”, resmungou a senhora, ao ver a outra sorrir de orelha a orelha ao ver os aviões aterrarem e descolarem através da janela.
“Ela nunca saiu do país, é normal que esteja entusiasmada”, defendeu a morena, cuja euforia da loura nunca deixava de enternecer, “É tão adorável, não é?”
“Brr…”, teimou a mãe, que sempre considerara Susana tão enternecedora quanto um ninho de anacondas.
Enquanto Daniela foi conferir a hora do embarque a um ecrã um tanto mais afastado, a senhora ficou, juntamente com a loura sentada nuns bancos metálicos nas imediações. Por um lado, a mãe abancou mantendo uma distância de segurança considerável, como se a proximidade lhe fosse trazer bactérias. Por outro, Susana aproximou-se de propósito, deixando um espaço de cinco centímetros entre ambas, espaço esse que a senhora voltou a aumentar. Quando deu por si, estava em vias de cair do banco, com a outra colada a si.
“Devia começar a ir mais com a minha cara, sogrinha”, disse a loura, quebrando o silêncio constrangedor entre ambas, “Acredite que quero ficar por cá durante muito tempo”
“Sogrinha…brr”, arrepiou-se a mãe, que fez uma promessa mental de ir até Fátima ao pé-coxinho se isso impedisse tal coisa de acontecer, “Ela que faça o que quiser, já não sei que argumentos usar para meter juízo naquela cabeça”
“Vai ver que ainda passa a gostar de mim, dê-me tempo, se é que três anos ainda não chegaram”, replicou Susana, certa de si, “Vim para ficar”
“Para mal dos meus pecados…” resmungou a senhora, enquanto procurava algo na mala.
“Não faça essa cara, quando sorri fica tão bonita”, tentou a loura, apesar de só ter agravado a expressão mortal na cara da senhora, “Vê, tem as mesmas sardinhas que a Dani tem”
“Foi você que abriu o pacote?”, questionou a mãe, ao constatar que das bolachas já só sobravam migalhas e pequenos pedaços.
“Abri sim…”, respondeu a outra, embora tivesse acrescentado num tom que julgava ser inaudível, “O pacote e a sua filha…”
Porém, aquela última parte não passara despercebida ao ouvido apurado da senhora, que se engasgou, a ponto de ficar tão vermelha quanto um anúncio em néon. Tossiu tanto que julgou que fosse ter uma apoplexia, “Você…”
“Calma…não fique assim que eu só desentupo o cano à sua filha”, continuou Susana, que às tantas já se divertia com as provocações que fazia, enquanto dava palmadinhas nas costas da outra.
Entretanto, Daniela chegou, a tempo de ver a mãe recomposta, tanto quanto possível. A visão com que se deparou não deixava de ser cómica: a sua progenitora despenteada e tão vermelha que tinha os olhos injectados de sangue e a loura com um sorriso matreiro, “Passa-se alguma coisa?”
“Não, não!”, disseram as outras, em uníssono.
A conversa teve que ser interrompida, para alívio da mãe, visto que uma voz no comunicador anunciou a partida do avião com destino a Honolulu. A senhora saltou meio metro no ar, perante a ideia de ver a sua menina separar-se de si e não se coibiu de se agarrar a ela, implorando-lhe que tivesse cuidado.
“Não se preocupe que eu tomo conta dela”, assegurou Susana, piscando o olho à senhora.
“Pois…é disso que tenho medo”, rosnou a mãe, arrepiando-se pela enésima vez naquele dia.
“Pára com isso”, repreendeu a rapariga, olhando para a mãe com uma expressão séria, “Não te preocupes, eu ligo diariamente”
“Espero bem, Danizinha”, grasnou a senhora, apertando o braço à filha com a força de vinte tenazes. Felizmente para esta, tiveram que se separar, pois ainda tinham que fazer o check in. Abraçando a mãe, a morena assegurou que eram só duas semanas, passavam depressa. Quando se afastou, Susana abraçou a senhora. Mesmo que esta tivesse estremecido dos pés à cabeça, foi, lentamente, acalmando, chegando até a afagar as costas da loura, muito a medo.
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“Susana, deixa a assistente em paz e põe o cinto”, ordenou Daniela, revirando os olhos cada vez que a outra apreciava as pernas da hospedeira que dava instruções sobre o que fazer em caso de emergência.
“Não estava a olhar!”, queixou-se Susana, antes de colocar o cinto e voltar a sua atenção para a morena, “Sabes que só tenho olhos para ti, amor!”
“Pois, pois”, zombou a morena. De súbito, o avião mudou de direcção na pista, posicionando-se de modo a descolar, muito para inquietação da loura, que começou a cravar as unhas nas costas da mão da rapariga, que permaneceu impassível, “Calma, vai ser giro, vais ver”
“Oh…e se cai ou explode?”, enervou-se a outra, simultaneamente roendo as unhas de uma mão e espetando as da outra nas costas da mãe de Daniela, que nem pestanejou. O aparelho começou a ganhar velocidade, fazendo-se sentir uma pressão na barriga, que se agravou quando este descolou, “Aiiii!”
“Acalma-te!”, sossegou-a a rapariga, ignorando a pressão que sentia nas têmporas, “Olha, já estabilizou, vês?”
“Olha…parece que está parado”, admirou-se Susana, ao espreitar pela janela do avião.
“Sim…”, concordou Daniela, embora se tivesse apressado a acrescentar, mal viu a expressão de alarme da loura, “Isso acontece porque não tens pontos de referência para além das nuvens, não te preocupes”
A outra passou a meia hora seguinte a olhar para o exterior através da pequena janela, como uma criança que ia pela primeira vez ao zoo, no entanto, acabou por se fartar, quando deixou de ser possível observar o que quer que fosse para além de uma espessa camada de nuvens. Entretanto a rapariga colocou um par de fones, pondo-se confortável, encostada ao ombro da outra. Susana optou por retirar um fone à morena, colocando-o em si, antes de deitar a cabeça em cima da de Daniela, escutando também um pouco de música.
“Drum & Bass? Estamos a evoluir nós”, admirou-se a outra, que esperava ouvir rock.
“Presta atenção à letra”, pediu a morena.
He, blinds the sun
And he, breaks the dawn
And she, she's the one
To him, she is drawn
He, rides the wind
And he, steals the breeze
For him, she's living
And she, calms his sea
Water and fire, love and desire
Water and fire, and she takes him higher


 
“Adoro a voz da gaja”, comentou a loura, “E a letra é gira…tanto quanto percebi, onde é que queres chegar?”
“É sobre um casal, ele tem um temperamento volátil, de cabeça quente”, explicou Daniela, “Ela é o contrário, mais calma e consegue acalmá-lo…no fundo é como opostos se completam”
“Hm…tipo nós?”, interrogou Susana, “Eu o gajo, de cabeça quente, tu a gaja que tem um autocontrolo do caraças?”
“Sim…pode dizer-se que sim”, concordou a rapariga, rindo-se, antes se voltar para beijar a loura, ternamente.
A outra colocou o braço em torno da morena, aconchegando-a, antes de adormecer, também, junto a esta. Foram despertadas pelo anúncio no comunicador de que iriam aterrar em breve no seu destino.

domingo, 25 de setembro de 2011

Capítulo 62

A sensação de algo suave em contacto com a sua face acordou Daniela do seu sono. Com um resmungo leve, lutou por abrir os olhos…aquela havia sido realmente uma boa noite de sono. Uma vez mais consciente, notou que aquele afagar macio na sua cara era proveniente da mão de Susana. Ia a adormecer de novo, quando enterrou a cara mais fundo no que pensava ser a almofada, o que lhe valeu uns risos por parte da outra. Quando se apercebeu de que o que julgava ser uma almofada era, na verdade, o peito da loura, a tonalidade da sua face passou do seu branco normal a vermelho Ferrari mais depressa que as luzes de um semáforo, o que lhe valeu uma erupção de risos mais notória por parte da outra.
“Pah, cala-te”, grunhiu a rapariga, voltando a deitar a cabeça sobre o peito de Susana, com uma expressão amuada, de brincadeira. Mantendo sempre o mesmo trejeito, foi desenhando formas invisíveis na pele da loura com a ponta do dedo, o que originou uma erupção de riso por parte desta, visto ter imensas cócegas nesse sítio.
“Pára!”, implorou a outra, contorcendo-se até conseguir que a morena a deixasse sossegada. Numa investida rápida, prendeu os pulsos a Daniela pró cima da cabeça desta, imobilizando-a, antes de a beijar e perguntar, “Dormiste bem?”
“Hm…tim”, respondeu a morena que, ao ver a posição em que se encontravam sorriu sugestivamente, “’Bora à segunda volta?”
Susana pareceu ponderar a hipótese por uns instantes até que, com um beicinho ligeiro, disse, “Bem que queria, mas tenho uma coisa para te propor primeiro”
A rapariga voltou a virá-las, até que se empoleirou sobre o peito da loura, aguardando que esta falasse. Quando viu que Daniela se encontrava bem instalada, a outra colocou as mãos na cintura desta, afagando-a, antes de continuar, “Já foste ao Hawai?”
“Sabes que destinos paradisíacos de praia nunca foram coisa que o meu pai gostasse”, replicou a morena, franzido o sobrolho, “Por isso não”
“Gostavas de ir?”, prosseguiu a outra, exibindo as covinhas em toda a sua glória.
“Susana Isabel dos Santos Marques”, enunciou a rapariga, de olhos tão arregalados que as sobrancelhas lhe desapareceram dentro do cabelo, “Estás a propor o que eu penso que estás a propor?”
Susana estremeceu, reacção habitual ao ouvir o seu nome completo, “Susana Isabel não…só por essa não te devia convidar”
“Então estás mesmo a falar a sério?”, repetiu Daniela, incrédula, “Mesmo a sério?”
“Sim!”, gritou a loura, fazendo a rapariga saltar de cima de si, “Assim lá para Junho…e não precisavas de ter saído de onde estavas!”
Dizer que a morena aceitou entusiasticamente seria a mesma coisa que dizer que o Grande Canyon era assim para o fundo. Não perdeu tempo a atirar-se para cima da outra, muito para regozijo desta. O ambiente estava a aquecer quando foram interrompidas pelo telemóvel de Susana. Chateada, atendeu, mal olhando para o remetente, “Ahm?!”
“Ah Rodrigo…o que é que eu estava a fazer? Bem, eu ia agora fazer o amor…”, respondeu a loura, como se da coisa mais natural do mundo se tratasse. Do outro lado ouviu-se um grito enojado, até que a outra lhe pôs fim, “É bom que tenhas motivos para me interromperes”
“Hm…sim…ESTÁS A GOZAR!”, bradou Susana, novamente, desta vez levantando-se com tanta rapidez que atirou com Daniela da cama abaixo, “Então eles…bem feita! Obrigada, adeus”
A morena levantou-se, esfregando as costas com uma expressão amuada, até que a outra a puxou para si e a abanou como uma boneca de trapo enquanto lhe dava a boa nova, “O Rodrigo acabou de me dizer que, de acordo com a investigação que fez, o dinheiro que os meus pais me gamaram não chegou para pagarem nem metade das dívidas e que acabaram por ir dentro na mesma!”
“Mas isso é óptimo! Não se ficaram a rir!”, sorriu a rapariga, pondo uma madeixa do cabelo da loura por trás da orelha cravejada de piercings desta.
“Ya…mas estou preocupada com os meus irmãos, sei que o Duarte já trabalha mas não sei como é que eles se vão aguentar”, disse Susana, cuja expressão ficara tristonha.
“Não te preocupes…hão de ficar bem, não têm culpa de nada”, assegurou Daniela, afagando a cara da outra.
“Espero que sim…”, suspirou a loura, antes de sorrir e beijar de novo a rapariga, provocantemente, “Onde é que nós ficámos?”
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Daniela deitou-se sobre o peito ofegante e reluzente de Susana, deixando que esta pusesse um braço em volta da sua cintura. Ficaram assim durante um período de tempo inestimável, até que a rapariga quebrou o silêncio, “Sabes…”
“Hm?”, sussurrou a loura, de olhos fechados, ainda esgotada.
“Posso não o dizer muitas vezes, não o mostrar muitas vezes, nem o pensar muitas vezes…”, disse a morena, com os olhos perdidos no vazio, “Mas amo-te”
“Parece que cumpriste mesmo a tua promessa”, afirmou Susana, sorrindo, agora de olhos abertos.
“Estes oito meses sem ti custaram”, continuou Daniela, olhando para o sitio onde o anel voltara no seu dedo, antes de voltar a sua atenção para a outra, “Qual promessa?”
“Aquela que me fizeste no Sumol”, clarificou a loura, sem medo de que a rapariga se tivesse esquecido e que ela, Susana, fosse fazer uma figura ridícula, não importava, desde que não ficasse por dizer.
“Oh, ainda te lembras”, enterneceu-se a morena, abraçando a outra, que correspondeu, “Que querida…como é que eu poderia não ter cumprido”

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Capítulo 61

Aquele beijo reavivara todas as esperanças de Susana de se reconciliar com Daniela, assim ficou a saber que não lhe era indiferente. Se dependesse apenas da sua vontade, teria voltado a insistir no dia seguinte mas, conhecendo a rapariga como conhecia, esta estaria a espumar de raiva. Por isso, a loura teria que conter o seu entusiasmo e esperar que a morena acalmasse e, sendo esta teimosa e de ideias fixas, a espera seria longa, para mal dos seus pecados. À partida, Susana sabia que quaisquer flores, chocolates e peluches seriam mandados à sua cabeça, logo essas opções foram imediatamente excluídas.
Porém, não viu mal em mandar uma mensagem a desejar um feliz Natal e uma almofada com “You’re Special” e um ursinho a abraçar um coração gravados. Claro que tivera que enviar a prenda por intermédio de Marta…sem dúvida que Daniela regurgitara o peru mal vira a prenda, mas pelo menos não a devolvera. E mais que isso, a rapariga respondera à mensagem de Bom Ano Novo, até porque “Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura”, como dizia a sua defunta avó. No entanto, Susana também não era de ferro, mais cedo ou mais tarde sucumbiria à tentação de voltar à carga.
Esse dia chegou em finais de Fevereiro. A loura sabia que a hipótese de fazer uma emboscada à rapariga assim que esta terminasse as aulas, e a outra sabia o horário desta, cortesia de Marta, estava fora de questão, o mais provável seria a morena dar-lhe uma tampa pública e, de seguida, persegui-la com o carro até a colar ao asfalto. Portanto, ir até casa de Daniela de tarde, pois sabia que os pais não estariam lá, era a alternativa mais viável. O que faria assim que lá chegasse não sabia mas iria ter alguma ideia entretanto.
Foi assim que deu consigo a estacionar a mota no cimo da rua, para que o barulho não a denunciasse e a estudar a melhor maneira de entrar em casa da morena. Se batesse à porta o mais provável é que nem a abrisse, de que servia tentar? O que lhe valia era que conhecia os cantos todos à casa. Saltando o muro, não perdeu tempo a colocar-se por baixo da janela da rapariga. Os cães nem deram sinal, eram ambos muito velhos para tal, além de que a conheciam. Sim, a sorte estava do seu lado. Usando toda a sua destreza para se empoleirar e trepar até à janela, foi com uma gota de suor a escorrer-lhe pela testa que Susana se conseguiu içar para o quarto de Daniela.
Estava a recuperar do esforço, quando sentiu algo cortar o ar e espetar-se na estante atrás de si. Olhando para o lado, viu uma tesoura metálica reluzir, cravada funda na madeira, o que a fez ver tudo andar à roda.
“Mas tu estás parva?!”, gritou-lhe uma Daniela enraivecida, “Apareces aqui assim, podia ter-te aleijado a sério! E o que é que estás a fazer aqui?!”
“Mas…mas…”, balbuciou Susana, cujo olhar saltava entre a rapariga furiosa e a tesoura ao seu lado, “Tu não me ias abrir a porta de outra maneira!”
“Podes ter a certeza que não!”, rosnou a morena, apontando a saída, “Agora põe-te a andar”
“Espera! Podes só dar-me um minuto para dizer o que tenho a dizer?”, pediu a loura, mesmo que, pelo sim pelo não, tivesse tirado a tesoura do alcance da rapariga, “Depois vou embora”
“Está a contar, já só tens cinquenta e cinco segundos”, gozou Daniela, batucando com o pé no chão.
“Eu sei que ainda mexo contigo, estarmos separadas é ridículo”, começou Susana, dando um par de passos na direcção da rapariga, “Gostamos uma da outra, não devíamos estar a desperdiçar o que poderíamos voltar a ter…”
“Nem sempre o gostar é suficiente”, replicou a morena, recuando, à medida que a outra se aproximava. A respiração irregular denunciou o seu nervosismo, o que fez a loura sorrir, enternecida, embora o sorriso tivesse desaparecido quando se lembrou do motivo.
“Não precisas de ter medo”, assegurou Susana, voltando a sorrir, antes de esticar a mão para Daniela, “Não sou assim, sabes isso…perdi a cabeça e queria pedir-te desculpa”
Hesitante, a morena foi olhando para a mão da outra, ocasionalmente desviando o olhar, incerta. Durante todo esse tempo, a loura nunca recuou nem desistiu, mantendo sempre o sorriso, como que se a encorajasse. O receio da rapariga era o facto de, a qualquer momento aquela mão poder esbofeteá-la de novo. No entanto, tratava-se de Susana, a pessoa com quem passara momentos que não trocaria nem por nada. Respirando fundo, Daniela deu um passo em frente. Pouco a pouco, já tocava com a ponta dos dedos nos da loura, podendo saborear de novo aquela sensação quente e reconfortante tão familiar. Ousando avançar um pouco, a outra tomara a mão da morena na sua, sentindo a pele macia, à medida que a acariciava.
Levando a mão aos lábios, muito para surpresa da rapariga, Susana beijou-lhe as costas da mão, ternamente, antes de puxar a morena para si. Ainda com uma mão envolta na da loura, a rapariga foi contornando as feições de Susana com a outra, descendo pela bochecha, passando pelo pescoço, até lhe parar no peito. O ritmo do coração desta continuava acelerado, como sempre estivera. Daniela olhou para Susana, vendo-a através de olhos semicerrados. Foram-se aproximando, até que encostaram as testas, agora de olhos fechados. Colocando a mão livre por baixo do queixo da morena, a outra tomou a iniciativa de a beijar, encostando-a a si tanto quanto possível.
Daniela correspondeu, satisfazendo as saudades sofregamente. Com alguma pena sua, a loura interrompeu-as, colocando um dedo nos lábios da rapariga, antes de sussurrar, de olhos fechados e sorriso característico das covinhas presente, “Amo-te”
“Também…hm”, respondeu a morena, antes de voltar a beijar Susana. A partir daquele momento todas as inibições que sentia dissiparam-se, já só desejava matar todas as saudades que sentia. Deixou que a outra as encaminhasse para a cama, sem nunca se separarem. Como Daniela sentira falta da forma como Susana conseguia ser tão delicada, ainda que nada hesitasse, do peso desta sobre o seu, a sua pele em contacto com a sua.
“Espera…”, pediu a loura, levantando-se um pouco, “Tens a certeza?”
“Hm hm”, anuiu a rapariga, abraçando-a, aproximando-a de si. O cheiro a baunilha e coco da outra nunca cessava de fazer a morena perder a força nas pernas, esse e o aroma a tabaco nas mãos dela, para muitas pessoas poderia ser desagradável, mas era-lhe tão familiar que Susana sem ele não seria Susana.
“Amo-te”, disse a outra, sorrindo de modo meigo. A partir desse momento, nada mais foi dito, não era preciso, ambas sabiam que não havia margem para duvidas e que era ali que ambas queriam estar.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Capítulo 60

Setembro foi-se, tão depressa como veio e, tanto Outubro como Novembro seguiram-lhe o exemplo. Para Daniela, voltar à sua rotina antiga, anterior a Susana mostrara-se excruciante. Era incrível como antes conseguia acabar as aulas e ir logo para casa. Agora, acabar as aulas e não ter a loura à sua espera encostada à parede da entrada para irem dar um passeio era-lhe penoso. Só ela e os seus livros. O anel que Susana lhe dera deixara-lhe uma marca no dedo, para mal dos seus pecados, nem podia olhar para a própria mão sem se lembrar da loura, de quem nunca mais soubera nada, nem como ia nem o que andava a fazer.
Mas naquele dia não. Daquela vez não iria ficar em casa a sentir pena de si própria. Combinou com Sofia irem tomar um café, por sinal no estabelecimento onde se encontrara pela primeira vez com Susana. Daniela assim o quis, queria provar a si mesma que a loura estava como que mais que superada para si e que iria conseguir seguir em frente. Felizmente para si, a outra aceitara a ideia e, foi assim que se viu numa fila de trânsito para chegar ao ponto de encontro. Havia coisas que nunca mudavam e a sua falta de pontualidade era uma delas, mas Sofia estava mais que prevenida, já esperara quarenta e cinco minutos por ela antes.
Já estava a fazer progressos, só se atrasara…dez minutos! Com calma e tal, o seu problema seria corrigido, um dia, mas não era aquele o dia. Ao chegar à entra, viu Sofia em toda a sua glória curvilínea a abanar a cabeça para si, em tom de desaprovação fingida, “Tu continuas a mesma…”
“Apanhei trânsito, a culpa não foi minha!”, apressou-se a rapariga a dizer, tendo um dejá vu ou outro com aquela conversa. Porém, uma coisa tinha que admitir, a idade fizera bem a Sofia. Aquela cintura que sempre a fascinara estava ainda mais pronunciada, acentuando-lhe tanto o peito como a parte de trás. E não estava a usar óculos, o que não escondia o seu olhar de “El Matador”. Mesmo assim não estava entusiasmada, o que a irritou, tinha à sua frente uma rapariga, pronto, mulher atraente e não se sentia com disposição para atacar.
“A Daniela Sousa a guiar…o que eu pagava para ver isso”, gozou a outra, a sua atitude trocista era outra característica que nunca mudaria, “Mas foda-se…eu não andava contigo no carro”
“Vai para o caralho, guio bem”, respondeu a rapariga, pondo em prática o seu beicinho, aquele que derretera em tempos Sofia. E funcionou, pois esta dera-lhe um abraço. Pelo menos como amigas continuavam a dar-se bem.
Rindo, bem-dispostas, entraram dentro do café. Felizmente para a rapariga, o aspecto deste durante o Inverno era muito diferente do que ostentava no Verão, até a atmosfera era diferente. Sentaram-se numa mesa junto à janela, embora a vista não passasse de um mar revolto e de um céu plúmbeo.
“Então, ser desaparecido, essa vidinha?”, perguntou Sofia, sorrindo de modo a exibir os seus dentes perfeitamente direitos.
“Oh tudo na mesma”, respondeu a morena, encolhendo os ombros, placidamente.
A conversa foi interrompida pela chegada do empregado, que trazia os pedidos de ambas. Sentindo a sua paranóia com germes começar a afectar, Daniela foi à casa de banho, antes que visse as bactérias rastejar nas suas mãos. Aquela era das suas preferidas, da primeira vez que lá fora, esperara encontrar um buraco infesto e malcheiroso vindo dos infernos, apenas para encontrar azulejos impecáveis, sabonete agradável e sanitas imaculadas. Claro que das outras vezes que lá estivera, as mãos de Susana desapareceram dentro da sua roupa, mas esses eram apenas momentos que recordaria mas que nunca voltariam. Abriu a porta e verificou que a qualidade higiénica mantinha-se.
Enquanto ensaboava as mãos, ia reparando nos pormenores, desde os padrões dos azulejos, ao acabamento dos rebordos. Ao levantar a cabeça, viu uma cabeça loura observá-la, com uma expressão de cachorrinho abandonado. Na parte que lhe tocava, o susto fora de tal ordem que ficou imóvel, nem se atreveu a virar-se, quedando-se por fitar Susana através do reflexo do espelho. Não mudou nada, continuava a mesma pessoa bronzeada e bem constituída. Tinha o cabelo molhado, deveria ter estado a fazer bodyboard. Esta estava com um ar tão desolado que, se agisse por sua vontade, Daniela abraçá-la-ia. Queria dizer-lhe algo que a consolasse, saber como é que ela tinha estado todo aquele tempo, mas tudo o que conseguiu dizer foi, “Desculpa…estou de saída”
Susana encurtou a distância entre ambas, antes que a rapariga tivesse tempo de dar meia volta. Quando a sua mão entrou em contacto com o braço desta, a morena estremeceu dos pés à cabeça, as recordações do último encontro de ambas ainda estavam demasiado frescas para o seu gosto. No entanto, o desconforto de Daniela não passou despercebido pela loura, que baixou o olhar. O toque era tão diferente do que da outra vez…tão suave. A rapariga poderia ter-se afastado se assim o quisesse. Ao notar que a morena não se mexeu, a outra arriscou levantar os olhos e murmurar, quase sem emitir som, “Não vás…”
Impulsivamente, sem pensar, Susana puxou, de modo terno, Daniela para si, ficando esta entre os seus braços. A única coisa que a impediu de ficar totalmente aninhada na loura foi a mão que colocou no peito desta, mas não a afastou. Sentiu-lhe o ritmo cardíaco acelerado, o que fez disparar o seu. Levantou o olhar, encarando o da loura e, durante um período de tempo indefinido, perdeu-se no azul deste. Quando deu por si, já a outra se aproximava. Mas não se conseguiu deter, nem tal coisa lhe passou pela cabeça. Beijaram-se. Apesar da necessidade com que o fizerem, o carinho não foi descurado. Daniela colocou uma mão no pescoço de Susana, enquanto esta lhe segurava a cintura.
Ao tomar consciência do que estava a fazer, a rapariga empurrou a outra, corando até à raiz dos cabelos. A loura, por seu lado, sorria de orelha a orelha, “É bom saber que ainda mexo contigo”
“Tu…não…me…voltes…a…aparecer…à…frente”, rosnou Daniela, assim que recuperou da emoção. Deu meia volta e saiu da casa de banho, ainda a sentir o trave salgado de Susana nos lábios, esta tinha mesmo estado no mar.
Voltou para junto de Sofia, que parecia entediada, “Já estava a criar raízes e cogumelos”
“Desculpa, estava lá gente”, inventou a rapariga, tocando nos lábios, para se certificar que aquilo acontecera mesmo.
“Estás bem?”, perguntou a outra, notando a diferença de comportamento súbita da morena.
“Sim…sim”, respondeu Daniela, reparando que, ela própria, estava afogueada. Engoliu de um trago o café morno, afinal não estava assim tanto frio, e mordiscou o seu bolo, ao mesmo tempo que Susana saia da casa de banho, bastante sorridente, como se tivesse ganho a lotaria.
“Olha! É aquela gaja que tem a mania que canta”, comentou Sofia, deixando a sua atitude gozona vir ao de cima mais uma vez. A sua ausência do país enquanto estava a estudar não lhe permitira saber de todo o historial amoroso da morena, só soubera que esta tivera uma namorada, “Mas porra, ela não vale um cu…não sei como é que toda a gente a adora”
“Não é assim tão má…eu gosto”, defendeu a rapariga, demasiado constrangida para dizer algo de mais significativo.
“Foda-se…ok que até é fofinha, mas não canta nada”, continuou a outra, manifestando todo o seu desagrado por qualquer cantor/a que estivesse popular no momento. Noutras condições, Daniela concordaria, mas era Susana, nunca diria mal dela.
Limitou-se a encolher os ombros e a mudar de assunto, certa mais do que nunca de que ela e Sofia de forma alguma recuperariam o que tiveram, esses tempos pertenciam aos seus dezasseis anos. Enquanto a outra relatava as novidades da sua vida, Daniela matutava o que sucedera naquela tarde.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Capítulo 59

Um mês passou, dois também. Graças a Guida e Marta, tinha-se vindo a manter informada sobre a vida da rapariga, embora houvesse dias em que preferia ter ficado na ignorância, ela parecia estar a aguentar tão bem e já ter partido para outra, tão depressa que era como se tudo aquilo não tivesse significado nada. Mais do que a possibilidade da morena já ter uma nova candidata em mente, o que verdadeiramente incomodava a loura era a indiferença com que lidava com toda aquela situação. Ao menos podia mostrar que se importava, nem que fosse um bocadinho…
Quando Susana deu por isso, já se aproximava o aniversário de Daniela. O que lhe valia era ter um concerto marcado para esse dia, assim sempre evitava ficar o tempo inteiro a matutar. E Guida depois apuraria os pormenores, já sabia que não iria conseguir resistir. Após algum tempo de reflexão, presumiu que não faria mal dar os parabéns à rapariga. Por sua vontade, fá-lo-ia pessoalmente, caso não houvesse o risco de ser corrida à pedrada. Assim sendo, ficou-se por mandar mensagem:
Apesar de tudo o que aconteceu espero que tenhas um bom dia, tu mereces. Parabéns.
Sabia que não valia a pena esperar por resposta, mas ainda podia conservar alguma esperança, esta era a última a morrer. Quando o telemóvel não deu sinal de vida nas três horas seguintes achou melhor não aguardar muito mais, sabia que Daniela só não respondia porque não queria. Já tinha passado a fase da irritação, agora era só desespero…como se devesse esperar outra coisa.
Não valia a pena continuar a lamentar-se, se estivessem destinadas a acabar juntas, iria acontecer de uma maneira ou de outra. Até lá, tinha que se fazer à vida, afinal era verdade o que diziam sobre não haver um bem que contrabalançasse um mal, o seu CD fora um sucesso estrondoso e não parava de crescer. Facturara o suficiente para viver os próximos anos de modo muito confortável, tanto que não sabia em que havia de gastar. Em bom rigor, até sabia, mas não passava de uma fantasia que agora parecia inalcançável.
Despediu-se dos pais calorosamente, como sempre o fazia, mais que não fosse porque, por muitas vezes que o fizesse tinha sempre tanto afecto para lhes dar. E tão pouca gente para quem canalizar esse afecto, não tendo nem a namorada nem a avó. Os últimos meses atingiram-na bastante, acordar numa cama vazia era um balde de água fria e ter que cortar a música que escrevera para a rapariga de todas as suas actuações era como que um soco no estômago. Porém, naquele dia iria terminar o concerto com essa mesma, mesmo que a morena não estivesse lá para assistir, era propício à data. Parte de si queria acreditar que Daniela lá estava, mas sabia que era improvável, se não mesmo impossível.
“Vá Marques, tens estado muito bem ultimamente”, encorajou o produtor, dando-lhe um toque nas costas, “O público adora-te, não os desiludas”
“Vou lá e faço o meu melhor”, assegurou Susana, sem levantar os olhos da viola, enquanto lhe mudava umas cordas. Aquela era a que Daniela lhe tinha oferecido.
Com a confiança bem no seu apogeu, entrou em palco, sorridente e ansiosa. O contacto e a interacção com o público eram o que mais gostava, saber que os podia fazer identificarem-se com o que tocava, entretê-los…nascera para aquilo. Saudou-os e deu início à actuação, segura de que tudo correria pelo melhor. E correu, até chegar ao tema final, o de Daniela. Todo o tempo que deixara correr sem tocar aquela de nada serviu para a enferrujar, sabia todos os acordes como a palma da sua mão. Mesmo assim, o sentimento de nostalgia e saudade foram fortes o suficiente para lhe fazerem a voz fraquejar um pouco.
Interrompeu-se um pouco, como que para ganhar balanço e deambulou com o olhar pelo público. De Daniela nem sinais, mas o que é que esperava? Deambulou mais um pouco e deparou-se com duas caras suas conhecidas na primeira fila, Inês e João Marques, os pais. Sorrindo-lhes, ganhou um novo incentivo para seguir com a música. E o público estava ao rubro. Quando terminou, a ovação era estrondosa. Levou a mão à testa e sorriu ao público, antes de se despedir.
Uma vez cá fora reuniu-se com os pais, abraçando-os, “Gostaram?”
“Muito”, responderam ambos, desfazendo-se em mimos. Se o pai lhe afagava o cabelo e fazia festas nas costas, a mãe beijava-lhe repetidamente a bochecha.
A sugestão da loura de irem jantar fora foi acolhida pelos pais. Porém, Susana lembrou-se que tinha pouco dinheiro consigo e lembrou-os que iriam ter que passar por uma caixa multibanco primeiro.
“Não tem importância”, apressou-se a mãe a dizer, com um vestígio de nervosismo na voz, “Nós pagamos desta vez”
“Oh eu convidei, eu pago”, garantiu a loura, sorridente. Apesar dos protestos de ambos os pais, encaminhou-os para o multibanco mais próximo que encontrou. Inseriu o cartão e preencheu os dados, quase mecanicamente. No entanto, daquela vez foi transtornada por um pressentimento. Não soube explicar porquê, mas sentiu que devia conferir algo. Sabia ao certo a quantidade que tinha depositado, mas devia verificar para se sentir mais sossegada. Aguardou enquanto o número aparecia e quando este apareceu, empalideceu, “Que é isto…”
Tanto o pai como a mãe se tornaram cada vez mais irrequietos, “Então?”
“Faltam-me vinte mil euros…praticamente todo o dinheiro que fiz neste mês”, esclareceu Susana, fulminando o ecrã com tanta intensidade que poderia queimá-lo. Ninguém que não ela conhecia a combinação do cartão, nem tinha por hábito levantar dinheiro na companhia de alguém, embora já o tivesse feito. Os pais? Que ideia absurda. Guida? Essa já por si nadava em dinheiro, demasiado para se preocupar em conseguir mais. Daniela? Fazia sentido, para se vingar. Ia ter uma conversa com ela quer ela quisesse quer não. A loura nem queria acreditar no quão baixo a ex podia descer.
“De certeza que estás enganada”, assegurou a mãe, com a respiração irregular, “Amanhã pensas melhor no assunto”
“Eu sei o que tinha!”, insistiu Susana, sentindo a irritação a aumentar, “Agora falta!”
“Tu não sabes nada, esquece lá isso!”, grunhiu o pai, de olhos arregalados e ligeiramente suado. A mãe, que perdera os últimos vestígios de cor no rosto, apressou-se a dizer algo ao marido, que não passou de um mover de lábios frenético. Desta vez o gesto não passou despercebido à loura
“O que é que se passa?”, perguntou, de sobrolho franzido. Passava-se algo e ela certamente estava a ser mantida na ignorância. Poderia ser que…? Não, eram os seus pais, nunca fariam isso sem o seu consentimento, apesar de necessitarem do dinheiro, pois não? “Vocês…têm alguma coisa a ver com isto?”
“Já te disse que não, achas…”, rosnou o pai, ignorando o olhar assustado da mulher, “Agora agradecíamos que fosses pôr as culpas noutra pessoa”
E os sinais continuavam. Mais que nunca, Susana teve a garantia de que havia algo que não lhe estavam a contar. Mais valia certificar-se do que deixar que a tomassem por parva. Num movimento brusco, arrancou a mala à mãe, abrindo-a. Lá dentro encontrou um envelope espesso entreaberto. Pela pequena abertura pode ver um maço de notas, antes que o pai lhe arrancasse a mala da mão. Aquilo não podia estar a acontecer…
“O que é que te deu?!”, gritou a mãe, agora também ela encolerizada.
“Este tempo todo e o dinheiro desaparecido…eram vocês?”, perguntou a loura, que mal se conseguia aguentar de pé. Como é que era possível ter tanto azar…primeiro a namorada, depois descobria que os pais a andavam a enganar, que existência miserável a sua, “Foi por isto que voltaram?”
“Isto podia ter sido tão mais fácil…”, suspirou o pai. De súbito, empurrou Susana contra a parede. O som seco do embate e o grito da mãe foram as últimas coisas que a loura ouviu antes de perder os sentidos.
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“Se ela não me disser nada vou ficar cá com um melão…”, pensou Daniela, rangendo os dentes. Claro que não esperava que Susana engolisse o orgulho e lhe desse os parabéns, sobretudo depois da rapariga ter rejeitado todas as tentativas de comunicação da loura. Mal sentiu o telemóvel vibrar, pensou repetidamente, “Por favor que seja a Susana”
Mesmo aparecendo apenas o número desconhecido, a morena soube identificar o remetente da mensagem. Sentindo uma felicidade imensa, o seu primeiro instinto foi responder. Foi necessária toda a sua força de vontade para carregar no botão vermelho e voltar a colocar o aparelho no bolso, antes de dirigir de novo a sua atenção para os amigos com quem tinha ido sair. Deixou que passasse algum tempo, afinal estava a par de todas as actividades de Susana, concertos, sessões de fotografias e afins e sabia que a loura tinha uma actuação agendada para aquele dia.
No final da noite, quando calculou que a outra estivesse livre, cedeu à tentação, “Porra, sou humana, ok?”. Mesmo que tivesse lutado o dia todo contra o impulso, não aguentou:
“Obrigada”
Simples, seco, mas tendo em conta a sua teimosia e orgulho, já foi um grande passo.
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Gemendo de dor, Susana conseguiu recuperar a consciência. Onde é que estava? Lentamente, foi distinguindo os contornos da rua. Levou a mão à zona magoada e verificou que não havia cortes, só mesmo a dor da pancada. Não podia ser verdade tudo aquilo…Em pânico, levou a mão ao telemóvel, não se encontrava em condições de guiar e teria que chamar alguém. Quando olhou para o visor viu que tinha uma mensagem nova, que decidiu espreitar rapidamente. Ao ver o remetente, arranjou ainda forças para sorrir apesar de tudo.

domingo, 11 de setembro de 2011

Capítulo 58

“Tu e a Susana o quê?!”, gritou Marta. Tinha ido ter com Daniela a uma esplanada nas imediações e a amiga parecera-lhe tão calma, assustadoramente calma que tinha que haver sucedido alguma coisa. E a amiga não podia estar a ouvir bem, a rapariga e a loura eram uma visão tão adorável que a ideia de estarem cada uma para seu lado era difícil de aceitar.
“Eu e a Susana não temos nada a ver uma com a outra”, repetiu Daniela, retirando alguma da espuma que sobrara na chávena do café com a colher, “Ainda tenho é uma camisola dela que faço tenções de queimar”
“Mas…mas…”, tartamudeou Marta, que ainda não se refizera do choque, “Vocês eram tão…perfeitas que até enjoava”
“Éramos, dizes bem”, replicou a morena, deliciando-se com a espuma. Sem dúvida que café era a bebida de Deus e ela, na sua condição de comum mortal estava a ter o privilégio de a beber.
“Porquê?! Podiam ter resolvido as coisas…”, tentou a amiga, sentindo-se, em parte, culpada pelo sucedido.
“E arriscar-me a ter uns cornos daqui até ao Algarve?”, replicou a rapariga, franzindo o sobrolho num trejeito de “Elementar, meu caro Watson”. Achou preferível deixar de fora a parte em que a loura lhe torcera o braço, até às marcas dissiparem iria ter que aguentar com calor e cingir-se a camisolas de manga comprida. E, já que estava a ocultar coisas, o facto de não ter resistido e ter dormido com o peluche que Susana lhe dera também iria permanecer segredo.
“Foi só desta vez!”, insistiu Marta, a quem a atitude de indiferença gélida de Daniela estava a começar a enervar. Mas aquela criatura não dava importância a um namoro de dois anos? “Se visses como é que ela ficou quando acordou…”
“O que me chateia é que não posso pôr a culpa toda na Guida, a Susana ao pé de uma gaja é como um tubarão ao pé de sangue, tem logo que ir morder”, zombou a rapariga, enquanto se divertia a fazer anéis de fumo com o cigarro que acabara de acender, “Olha este, tão perfeito que ficou”
“A Guida e eu temos uma mente muito aberta”, regozijou-se Marta, “ E tu pára com isso”
“Se fosse só a mente…”, gozou a morena, revirando os olhos. O comentário valera-lhe um soco no braço por parte da outra, precisamente no que estava magoado. Foi necessária toda a sua concentração para se manter inexpressiva e não levantar suspeitas, “Au…”
“Porcalhona…”, rosnou a amiga, antes de ficar séria de novo, “Agora a sério, como é que tu estás e o que é que vais fazer daqui para a frente?”
“Tu madre”, replicou Daniela, rindo-se a bandeiras despregadas, antes de ostentar um olhar maroto, “A Sofia está de volta por estes lados, lembras-te dela?”
“Aquela que te andou a comer há séculos atrás?”, disse Marta, torcendo o nariz. Nunca fora com a cara de Sofia, mas admitia que esta até era razoavelmente bem-parecida, “Pff, passar da Susana para ela, oh por favor…”
“Se formos por aí digo-te que a Sofia tem melhor rabo que a Susana”, retorquiu a morena, revirando os olhos. No fundo, tinha que admitir que a amiga tinha razão, qualquer pessoa lhe parecia insatisfatória quando comparados com a loura e a ideia de arranjar outra tão depressa não lhe agradava minimamente, mas sabia que o que quer que dissesse a Marta ia passar por Guida, até chegar a Susana. E a última coisa que queria era que queria era que esta pensasse que ia ficar a chorar a um canto por causa dela.
“E a Suse tem o resto todo muito melhor!”, insistiu a ruiva, já a chispar, “Vá lá, se eu e a Guida soubéssemos…”
“A Susana insistiu para fazeres de diplomata?”, resmungou a rapariga, “Até agradeço, assim ao menos fiquei a saber com o que é que estava a lidar”
“Ai Sousa, grr”, grunhiu Marta. Não havia nada a fazer, quando Daniela punha uma coisa na cabeça não havia quem lha tirasse, “Um dia vais perceber o que estás a deixar escapar”
“Sim…”, anuiu a rapariga, desinteressadamente. Sabia que a amiga tinha razão e que era provável que um dia voltasse atrás e pensasse no quão casmurra estava a ser, mas não queria saber. Dar parte fraca e ceder não era para si.
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“Foda-se Susana, deixa-me entrar, caralho!”, praguejou Guida, enquanto submetia o botão da campainha a tortura, “Preciso de falar contigo, minha puta!”
Não havia como evitar, a amiga tinha um poder vocal invejável e ficaria ali o dia inteiro a dizer obscenidades se fosse preciso. Abrindo a porta, por fim, Susana advertiu-a, mesmo sabendo que estava a fazer o mesmo, “Fala baixo, caralho, ouvi-te à primeira…estás a levar um selo nesse focinho não tarda!”
“Epa, finalmente”, resmungou Guida. Avançou até à loura e fechou a porta atrás de ambas, antes de disparar, “Tu e a Daniela acabaram, foi?! O que é que te deu, oh minha burra?!”
“Pára lá com os insultos e fala baixo, estás-me a fazer dores de cabeça”, pediu Susana, franzindo o sobrolho, “E sim acabámos, aliás, ela acabou comigo”
“Mas…a miúda passou-se?!”, guinchou Guida, alto o suficiente para fazer a loura tapar os ouvidos, “Até parece que ela também não se divertiu!”
“Parece que não”, replicou a outra, com o crescente mau humor a disparar. Não passara bem aqueles últimos dias, tivera imenso trabalho com a promoção do CD e não estava particularmente feliz com a amiga, dadas as circunstâncias, “Obrigada Guida”
“Calma aí que a culpa não foi só minha…”, apressou-se Guida a afirmar, “Eu não te obriguei a nada, tinhas a escolha de me mandar à merda e não me lamberes a rata, não era?”
“Epa, ok, mas podias ter ficado quieta…eu bebi demais e qualquer coisa ia, podias ter sido uma querida e não me teres tentado…”, tentou a loura, esforçando-se por tirar as culpas de cima de si. Toda a situação de Guida a confundia, afinal tanto quanto sabia esta nunca estivera interessada na sua pessoa. De repente lembrou-se de uma conversa que tiveram um pouco antes, sobre a possibilidade de Daniela não se importar caso ela desse umas voltas por fora. E tudo fazia sentido, a amiga já tinha aquela planeada havia algum tempo, “E qual foi a tua ideia?! Nunca me ligaste nenhuma e quando me vês feliz queres estragar-me isso, é?”
Guida deteve-se, por uns instantes, incerta do que haveria de responder. Teria que explicar toda a situação no seu ponto de vista à loura, mas agora fazê-lo com o tacto necessário era mais complicado, “Acredita que não te queria arranjar problemas, mas olha…opa, como é que hei de dizer isto…”
Susana achou melhor levá-la para a sala, onde poderiam falar mais à vontade. Uma vez instaladas no novo sofá, incomparavelmente mais confortável que o anterior, a amiga voltou a tentar, “Ok…sabes que nunca te vi como mais do que uma amiga…mas desde que te tornaste A Susana Marques, que ficaste mais…atraente, para mim”
“Só o que me faltava…”, resmungou a loura, revirando os olhos. Agora a amiga tinha uma paixoneta por ela? Só o que mais faltava, mesmo, “A Marta ficou na boa com isso?”
“Cala-te, convencida”, rosnou Guida, irritada pela atitude presunçosa de Susana, tratava-se de um vestígio da Susana que vigorava nos tempos em que passara no bar, “Só para que saibas, foste só fogo-de-vista e uma grande desilusão, quanto à Marta…bem, achámos que seria interessante, eu comia-te a ti e ela à Daniela, claro que não contávamos que aquela parva fosse…”
“Ou tu paras com isso…”, ameaçou Susana. Apesar de tudo, não tolerava que a amiga fosse falar assim da sua namorada…agora ex namorada. Interrompeu-se, sem saber como abordar o que a incomodava realmente, porém, acabou por tentar, “Mas ela não acabou comigo só por isso…”
“Pronto, a miúda acaba contigo por uma ninharia dessas e tu ainda a defendes”, zombou Guida, “Mas conta lá tu o resto”
Respirando fundo como que para ganhar coragem, a loura acabou por confessar, “Quando vocês foram embora, eu e ela discutimos…ela disse umas coisas que eu não gostei e tu sabes como é que fico quando me irrito…”
“Sim e…?”, encorajou Guida, consciente de que o que viria aí era grave, tanto mais que a outra estava a perder a cor. Apertou a mão de Susana na sua, dando-lhe forças para continuar.
“Não me contive…torci-lhe um braço…não sei se não lho parti”, terminou a loura, agora completamente pálida, “Oh meu Deus Guida…porque é que eu tenho sempre que reagir assim…”
“Calma Suse…”, disse a amiga, puxando-a para si. Aninhou Susana nos seus braços e afagou-lhe o cabelo. Não havia melhor para tranquilizar a loura e para si também era muito bom, esta tinha um cabelo tão macio, “Perdeste a cabeça e foste longe demais, pronto…ela também te provocou, nenhuma agiu bem e se ela não vê isso problema o dela”
“Eu já lhe bati antes, lembras-te daquela vez do Sumol?”, lamentou-se a loura, deixando cair um par de lágrimas. Quando estas lhe percorriam a face, Guida limpou-as, antes de apertar mais Susana e lhe beijar a testa.
“Não digo agora, mas tu consegues arranjar uma namorada nova sempre que quiseres”, tentou reconfortar a amiga, embalando ao de leve a outra.
“Não…não me vejo com outra”, sussurrou Susana.
“Dizias o mesmo da Mónica até que apareceu a Daniela, desta vez não vai ser diferente”, consolou Guida, fazendo com que a loura a olhasse nos olhos, “Eu ajudo-te a voltar para ela se for preciso, mas por favor não deprimas outra vez por causa de uma miúda”
“Obrigada…”, murmurou a outra. Pelo menos consolava-a o facto de não ter perdido a sua melhor amiga, nem havia ficado um ambiente de constrangimento entre ambas, tanto mais que não se coibiu de brincar um pouco, “Olha lá Guida, és apertada tu”
Aquele comentário aleatório fora tão inesperado que a amiga corou até à raiz dos cabelos, antes de atirar com uma almofada à cabeça de Susana.

Capítulo 57

Daniela acordou tal como adormeceu, em posição fetal. Sempre que buscava conforto, deitar-se assim ajudava, mas só um bocadinho. Os acontecimentos do dia anterior teriam sido um pesadelo? É que pareciam tão distantes…A dor que sentiu no braço quando se tentou virar fora tão intensa que não havia grande margem para dúvidas. Não…por favor que não tenha passado de um sonho cruel. Ainda assim, acendeu o candeeiro que tinha a seu lado e observou. No antebraço encontravam-se marcados a negro, com bastante nitidez, os dedos de Susana.
Sentindo um calafrio a percorrer-lhe a coluna, a morena voltou a apagar a luz e a deitar-se, agora de costas. Parece que, ao invés de se tratar de um sonho, era tudo bem real. Fixou o olhar no tecto, enquanto lutava por assentar todos os acontecimentos. Tentou mover o braço, o que resultou numa nova erupção de dor, de certeza que devia ir ao médico ver aquilo. Aconchegando o braço contra a barriga, relembrou o sucedido no dia anterior. A traição quase que se tornava mínima quando comparada com o estado em que Susana se pusera quando discutiram. No entanto, enquanto a primeira tornava voltar a confiar na loura uma tarefa complicada, a violência que esta usara fazia com que a rapariga tivesse ganho um novo medo dela. A culpa também fora sua, provocara a outra, mas já não fora a primeira vez que esta lhe batia. E pensar que tudo estivera tão bem até há dois dias atrás…
A dor no braço estava a incomodá-la demasiado para continuar a ignorar. Levantou-se, fazendo tenções de tomar um duche, talvez a água fosse fazer bem, quando não resistiu a dar uma vista de olhos pelo telemóvel. Tinha três mensagens novas e cinco chamadas, todas elas de Susana, duas do dia anterior e uma daquela manhã:
Desculpa, não sei o que é que me passou pela cabeça, não te queria aleijar.
Desculpa…não estava mesmo em mim.
Por favor atende…
Sentindo o nó a começar a apertar na garganta, Daniela voltou a colocar o telemóvel em cima da mesa. Uma náusea de tal maneira forte que sentiu tonturas tomou conta de si, obrigando-a a encostar-se à mesa, não fosse cair. Naquele momento, o telemóvel voltou a tocar e “Susana <3” apareceu no visor. Num impulso, a rapariga desligou a chamada e apagou o número, dessa forma não teria a tentação de lhe tentar falar. Pousou o telemóvel de vez e foi para o duche, sabendo a priori que a deixaria mais calma. Uma vez debaixo de água, ponderou o que devia fazer.
Engolindo o choro, afinal já tinha chorado mais do que gostaria, decidiu-se. Se fosse outra pessoa qualquer iria pagá-las à grande, Daniela Sousa era uma grande inimiga para se ter. Mas tratava-se de Susana e, por muito que lhe custasse admitir, não era capaz de se vingar dela. Só daquela vez iria abrir uma excepção e afastar-se-ia, era melhor assim.
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“Atende, vá lá…”, murmurou Susana, apertando o telemóvel com tanta força entre os dedos que o sentia ameaçar estalar. O número que marcou não se encontra disponível…Num acesso de raiva, bateu com o aparelho na mesa, não se importando minimamente com os estragos que pudesse causar. Sentou-se na cama, apoiando a cabeça nas mãos, enquanto tentava acalmar. Mesmo quando pensava que as coisas não podiam ficar piores, tinha que perder a cabeça e tornar uma situação caótica numa irrecuperável. Daniela tinha que ter posto o dedo numa ferida permanentemente aberta e Susana tinha que ter reagido da pior maneira imaginável.
Implorar pelo perdão da, agora ex, namorada de nada ia servir, bem que a podia esquecer. Juntando a promessa de controlar a raiva à de não voltar a beber, a loura ponderou se conseguiria mudar. Mantivera-se fiel durante dois anos, depois de arranjar sempre raparigas novas todas as noites e pensava que tinha perdido aquele hábito de vez. Afinal enganara-se, agora que via a facilidade com que não resistira a Guida. Não podia culpar o álcool na totalidade, o impulso e a vontade estiveram lá. Ou seja, somava três coisas que precisaria de mudar antes de ter próxima namorada.
Próxima namorada? Só a ideia deixava-a indisposta. Depois de Mónica e agora de Daniela, a última coisa que queria era meter-se noutra. Nem tinha vontade sequer. Talvez um dia as coisas voltassem a resultar com a última, mas esse dia não estava para breve. Porém, a esperança era a última a morrer. Estava ainda a matutar o assunto, quando sentiu a mão da mãe afagar-lhe o cabelo, “Estás bem, querida?”
“Não…”, admitiu Susana, abraçando a mãe. Agora eu não tinha a avó, aquela pessoa a quem sempre confiara tudo, a mãe era quem mais se assemelhava. Talvez por isso, a facilidade com que depositara carinho nesta não fosse de estranhar. O certo é que talvez desabafar com ela fosse fazer-lhe bem, “A Daniela acabou comigo e com razão, agora não sei o que fazer”
“Não te preocupes, há muitas mais de onde quer que aquela tenha vindo”, replicou a mãe, mesmo sem querer, aquela tirada saíra-lhe um pouco mais fria do que o que queria e teve o efeito de um estalo na loura, ao ver a pouca importância que a mãe lhe dera. Mesmo assim, a mãe continuou, “Olha…vim aqui porque preciso mesmo da tua ajuda…eu e o teu pai…o senhorio lá da casa aumentou a renda e não temos como a pagar…”
Nessa altura, o pai entrou no quarto, embora se tivesse mantido de pé, em vez de se sentar ao lado da filha, como a mulher. Susana olhou para ambos, tinham mesmo que estar a pedir-lhe aquilo naquele momento? Já ajudara bastante, nem sabia ao certo quanto dinheiro tinha dado sem esperar que lho devolvessem, também tinha as suas contas para pagar, “E o que é que posso fazer?”
“Sei que é pedir demais, mas nós pagamos-te mal possamos”, insistiu a mãe, ganhando um brilho no olhar que a loura não soube identificar.
“Eu dei-vos tanto e também tenho que sustentar a casa”, tentou Susana, “E se o meu CD acabar por não vender bem?”
“Emprestas ou não?”, interveio o pai, enfastiado. Pelo menos assim a loura sabia de quem tinha herdado o temperamento volátil.
“Calma, João”, apressou-se a mãe a dizer, “Pensa no que te dissemos, sim linda?”
E com isto, abandonou o quarto, puxando o marido consigo, por um braço, levando-o para a cozinha, trancando a porta atrás de si. Se nem em casa podia estar sossegada, o melhor que Susana tinha a fazer era sair durante umas horas. Pegou na chave e no capacete e fez tenções de sair de casa. Ao passar pela cozinha, ouviu a mãe dizer, “Ias estragando tudo, a partir de agora deixa comigo”
Não estava para se preocupar com o que quer que fosse que aquilo significasse. Encolheu os ombros e saiu.