sexta-feira, 27 de maio de 2011

Capítulo 25

“Foda-se…”, murmurou Susana, ainda a tentar registar todos os acontecimentos do dia anterior. Acabara de acordar e doía-lhe tanto a cabeça como o lábio, mas nenhum desses contratempos a impedia de sorrir à medida que se ia recordando dos aspectos positivos. A felicidade que sentia foi depressa substituída por preocupação, quando se lembrou que Daniela teria que enfrentar a mãe mal acordasse. Virou-se na cama e foi tacteando na mesa-de-cabeceira até encontrar o telemóvel. Mal o fez verificou que a namorada ainda não tinha dito nada, o que fez com que resolvesse dizer ela.
Assim que acabou de escrever a mensagem, levantou-se da cama, mal se aguentando nas pernas. A muito custo chegou à casa de banho e observou-se ao espelho. Tinha a cara numa lástima, desde pontos no lábio a face inchada e avermelhada. Resmungou enquanto se preparava para tomar banho, quando a avó apareceu à entrada e lhe disse que tinha o pequeno-almoço quase pronto. Esta limitou-se a dar os bons dias à idosa e a arrastar-se para o duche, deixando que a água quente lhe relaxasse os músculos contraídos. Mal se despachou sentou-se à mesa, atirando-se à comida.
“Então Suse, como correu o encontro ontem?”, perguntou a senhora, com um sorriso bem-disposto, “Não guardes para ti”
“Acho que o pai até gostou de mim, pelo menos aceitou na boa”, informou a loura, com a boca cheia de cereais, “A mãe é que ficou a achar que estou a deseducar a sua bebé”
“Oh Susana…é normal que, sendo conservadora, a mãe não tivesse planeado ver a filha com uma mulher”, reconfortou a avó, massajando os ombros da loura, “Minha nossa, o que é que te aconteceu à cara?”
“Oh, fomos sair depois e uma puta qualquer nojenta de fazer doer mandou-se à Dani e eu metia no lugar”, disse Susana, revirando os olhos, teve o cuidado de ocultar a parte em que o seu salvamento heróico deu para o torto, “Nada de especial”
“Tens a cara num bolo e não é nada de especial…”, suspirou a idosa, “Sempre lhe deste o anel?”
“Deixei essa parte para o fim, não tinha a certeza se ela conseguia mesmo contar aos pais”, relatou a loura, enquanto acabava o pequeno-almoço, “Ela estava cheia de medo mas mesmo assim não voltou atrás…”
“Eu disse-te que ela não era pessoa para faltar à sua palavra”, regozijou-se a senhora, “Já não era sem tempo que arranjasses uma decente para assentar, esta aprovo”
“Sim tive sorte”, concordou a jovem, com um olhar sonhador, “Tenho é medo do que a mãe lhe vai dizer agora…”
“Vai ser difícil nos primeiros tempos, mas tenho a certeza que ultrapassam isto”, assegurou a avó, abraçando a neta, que se deixou ficar, apenas desejando ardentemente que a idosa tivesse razão.
De repente, a senhora foi assaltada por um violento ataque de tosse que a fez estremecer. Durou uns minutos ainda, para horror de Susana que teve que observar, impotente, a avó a chegar ao ponto de mal conseguir respirar. Por fim, quando os espasmos cessaram, a senhora sentou-se numa cadeira, ainda a tentar recuperar o fôlego. Após ter recuperado, acalmou a neta e garantiu-lhe que estava bem, o que de nada serviu para tranquilizar esta.
--------------------------------------------------------------oOo----------------------------------------------------------
Nesse preciso momento, Daniela acorda, no seu quarto e sem a mínima noção de espaço ou de tempo. Lentamente, foi recordando todos os acontecimentos por que passara nas últimas vinte e quatro horas, um a um. Com um suspiro, levantou-se da cama, ignorando a sensação de ter cortiça na garganta e uma garra a comprimir-lhe as entranhas e pegou no telemóvel, antes de mais nada, para dar notícias a Susana. Ao olhar para o visor do aparelho, reparou que já tinha uma mensagem desta:
“Bom dia amor! Olha, depois diz como correram as coisas com a tua mãe, ly”
A rapariga atirou com o telemóvel para a cama, suspirando. A última coisa que queria era enfrentar a mãe, mas não havia como escapar. Respirando fundo, dirigiu-se à casa de banho, tomando um duche rápido. Quaisquer sensações de desconforto físico externo que pudesse sentir foram apagadas ao sabor da água que deixou que lhe escorresse pelo corpo. Despachou-se e foi até à cozinha, sempre repetindo o mesmo discurso de encorajamento, “Tu não fizeste nada ilegal, não roubaste nem mataste ninguém. A culpa não é tua por ela ser choninhas”
Ao entrar na divisão notou que os pais já lá se encontravam. Como se nada se tivesse passado, deu os bons dias a cada um e começou a preparar o seu pequeno-almoço. A tensão estava de cortar à faca. Por um lado, o pai parecia estar a fazer os possíveis para ser agradável para com ela, notava-se que a sua raiva era dirigida à mulher. Por outro, a mãe nem retribuiu o cumprimento nem olhou para ela. Engoliu a refeição à pressa, desejosa por sair dali. Estava a meio da última dentada no pão quando a mãe lhe agarrou o braço. Engoliu o bocado de comida como se fosse uma rolha que lhe passava pela garganta e ergueu o olhar.
“O…que…é…isso…aí?”, questionou a mãe, como se estivesse a tentar não explodir nem torcer o pescoço à morena. Tinha o olhar dirigido ao pescoço desta, com uma expressão de raiva pura.
Engolindo em seco, Daniela lembrou-se que na noite anterior Susana lhe tinha feito um chupão. Como se não bastasse o ódio profundo da mãe àquele tipo de marcas, saber que tinha sido “aquela desavergonhada” a fazê-la não ajudava. De tão paralisada de medo que estava nem conseguiu articular resposta.
“Se aquela cabra se atreveu a tocar-te eu…”, ameaçou a mãe, com os olhos a chisparem de raiva. Foi interrompida pelo pai, o que resultou em mais uma discussão entre ambos e na rapariga a pôr-se longe de casa, antes que sobrasse mais para si.
Encostou a testa ao volante do carro e pediu aos santos que as coisas voltassem ao normal, antes de acelerar sem rumo definido, apenas queria sentir a sensação de velocidade e deixar para trás os problemas.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Capítulo 24

Daniela decidiu ir para casa pelo caminho mais longo, guiando excessivamente devagar, ao contrário do que faria. Deixou-se ficar um pouco no carro, à entrada de casa, tentando acalmar um pouco, mas sentia o coração a palpitar na garganta. Ao sentir a vibração do telemóvel na perna, fechou os olhos e rezou para que não fosse Susana, ou que pelo menos esta estivesse a avisar que afinal não podia comparecer:
“Em meia hora estou aí”
Porra! Não havia mesmo volta a dar. Saiu do carro batendo com a porta e entrou em casa, verificando que os pais já lá estavam.
“Então Dani, sempre é hoje que conhecemos o teu príncipe?”, picou o pai, com um sorriso brincalhão. A mãe manteve-se à parte com um olhar venenoso.
“É sim…”, limitou-se Daniela a informar, sentindo os joelhos em gelatina, “Sejam brandos, se faz favor. A pessoa em causa é um bocadinho diferente do que têm em mente”
Foi quanto bastou para desencadear um discurso por parte da mãe, acusando a filha de andar com um drogado ou um cigano. A rapariga suspirou e fingiu que a ouvia, batucando com o pé no chão. Sentiu o telemóvel vibrar outra vez:
“Cheguei, amor!”
Estava tão nervosa que nem pensou em revirar os olhos, pediu licença aos pais e saiu de casa, sem tomar consciência de um par de olhos que a observava pela janela. Susana já estava à entrada de casa, com um sorriso rasgado. Se estava nervosa, então disfarçava bem. Ainda assim, a morena não pôde deixar de reparar na nova indumentária desta, antes de se lhe lançar ao pescoço, num abraço apertado, que ergueu a rapariga do chão ligeiramente.
“Parabéns, amor!”, disse Susana, ainda com os braços em torno da cintura da morena.
“Obrigada”, respondeu Daniela, sem nunca largar o pescoço da outra.
Ficaram assim mais um pouco até que a loura as separou, tirando algo quadrado embrulhado. A rapariga apressou-se a abrir e viu que era um CD não identificado.
“Disseste que gostaste de me ouvir tocar”, disse a outra, esfregando a parte de trás da cabeça, “Então gravei algumas músicas que toquei, as que mais gostaste. Mas espera que ainda não é tudo, o resto fica para depois”
“Tens mesmo a certeza que queres fazer isto?”, perguntou Daniela. No fundo implorava por que a loura tivesse um acesso de cobardia.
“Claro”, respondeu Susana, erguendo as sobrancelhas, admirada. Na parte que lhe tocava, não tinha a menor dúvida, era algo que precisava de fazer. Só daria o anel à namorada depois de ver se esta era mesmo capaz de levar a sua palavra até ao fim.
“Hm, ok”, disse a morena, totalmente pálida. Preferiu mudar de assunto, de modo a aligeirar tanto o ambiente como a sua incerteza, “Ainda não te conhecia essa roupa”
“Oh, é da Guida e ela nem se lembrava que tinha”, informou a outra, rindo-se, “Achas que eram minhas? Só estas calças custam mais que o meu guarda-roupa todo”
Avançaram até casa num passo lento, embora Susana caminhasse decidida e sem hesitações, ao contrário de Daniela que estava a ganhar uma tonalidade esverdeada. Ao passarem a porta, a loura pegou na mão da rapariga que, num último esforço a segurou. Os pais que estavam a ver televisão, desligaram o aparelho, voltando-se os dois em simultâneo para as raparigas. De ansiosas as suas expressões mudaram para confusas, até que questionaram a filha, “Afinal o tal rapaz ainda demora?”
“Ahm…a tal pessoa que queria que conhecessem é ela”, clarificou Daniela, completamente lívida, segurando a mão da outra com tanta força que já tinha os nós dos dedos brancos, “Susana, pais, pais, Susana”
Aí o pai de Daniela desfez-se. Desatou a rir a bandeiras despregadas, agarrado à barriga. Ao ouvirem-no rir, as raparigas não conseguiram evitar senão rir também. Durante um bom bocado todos se riram, um riso bem-disposto e não nervoso. Todos, menos a mãe, que observou o desenrolar dos acontecimentos com um esgar de terror.
“Ai filha, por esta não esperava eu”, falou finalmente o pai, quando acalmou, “Mas não faças essa cara que não tens razões para isso, a vida é tua e tu és adulta e sabes o que fazes, não é por namorares com uma rapariga que te vamos renegar”
“Foda-se, ainda bem”, aliviou-se a morena, permitindo-se a respirar pela primeira vez. Detendo-se logo a seguir.
“Tento na língua”, avisou o pai, fulminando-a com o olhar, à medida que se levantava para cumprimentar a loura. Aproximou-se desta, que lhe esticou a mão, mão essa que o senhor apertou sem evidenciar sinais de desconforto ou desagrado. Quando Susana se dirige à mãe com um sorriso feliz, esta recua para trás, com os olhos esbugalhados.
“A senhora…rapariga…homem, ou lá o que é”, semi-gritou a mãe, olhando para a loura com uma expressão de desagrado, não parecendo notar a sua falta de coerência, “É que nem se atreva a tocar na minha filha”
“Tenha calma”, tentou Susana, afastando-se, “Eu juro que só tenho as melhores intenções para a sua filha”
“Nem devia ter intenções nenhumas!”, replicou a mãe, com os olhos a faiscar de raiva, “Largue-a, só a vai desencaminhar!”
“Acredite que só quero o melhor para ela”, insistiu a loura, mantendo-se calma, “Eu amo-a”
Todos os olhares das pessoas naquela sala se voltaram para ela, incluindo a rapariga. A loura respirou fundo e prosseguiu, “Eu amo a Daniela…sei que a consigo fazer feliz, mas gostaria que aprovasse da nossa relação”
Antes que a mãe pudesse abrir a boca para gritar mais obscenidades, Daniela colocou-se entre esta e Susana e interveio, interrompendo-a, “Mãe! Isso foi escusado, mesmo que a ideia te incomode não a podes tratar assim”
A senhora foi apanhada de surpresa, pelo menos a filha conseguira chamá-la à razão. Fechando os olhos por um segundo, a rapariga ganhou coragem e prosseguiu, “Mãe…eu sei que isto te apanhou de surpresa e que nunca foi o que idealizaste, mas entende que amo a Susana e que não me vejo com ninguém que não ela”
“Daniela…por favor sê razoável”, implorou a mãe. A sua atitude deu uma volta cento e oitenta graus, passando de furibunda a destroçada, “O que é que as pessoas iam pensar…”
“Não íamos andar a exibirmo-nos, apenas nos limitamos a estar juntas como qualquer casal convencional”, tentou a morena, à medida que observava a mãe a engolir em seco.
Por esta altura, Susana aproximou-se, colocando os braços em torno da cintura da namorada, de forma protectora. Tanto quanto dependesse de si, a sua “sogra” nem se atreveria a levantar a mão à rapariga. Pelo menos sem que retaliasse. O gesto foi o suficiente para que a senhora se enfurecesse outra vez, “Mas você…olhem-me bem para isso!”
Saindo do seu canto, o pai de Daniela sai em auxílio das raparigas, interrompendo a mulher, “Ana, posso dar-te uma palavrinha em privado?”
A mãe ainda tentou responder mas não conseguia formular qualquer frase, deixando-se arrastar para a cozinha, fechando a porta atrás de si com um estrondo. Apenas quando os pais foram embora é que Daniela se permitiu a sentar no sofá, enterrando a cara nas mãos e deixando cair uma lágrima. Nesse momento amaldiçoou com todas as suas forças a terrível decisão de contar aos pais. Estava ainda a pensar numa maneira de reatar as coisas com a mãe quando sente umas mãos quentes pousarem nas suas. Engoliu um soluço e levantou a cabeça, olhando para a loura com os olhos húmidos.
“Tem calma, reagiu melhor do que eu estava à espera. A minha avó disse-me que no início ela podia não reagir bem, mas com o tempo ia lá. Só temos que ter paciência. Continuo a gostar de ti na mesma, e muito”, reconfortou Susana, colocando-se de cócoras defronte da rapariga.
“Ela não vai lá, Susana”, lamentou-se a morena, esforçando-se por conter as lágrimas que teimavam em querer soltar-se, “Tu não sabes como ela é, ela nunca vai aceitar”
“Ssh”, sossegou a loura à medida que afagava a face de Daniela, “Vai correr tudo bem, estou aqui, aconteça o que acontecer”
A rapariga, instintivamente, desesperada por algum conforto, pegou na face da loura e beijou-a ao de leve, agarrando-se-lhe ao pescoço depois. Ficaram assim um pouco, com Susana a passar a mão pelas costas da rapariga, até que as separou.
“Olha, ainda te quero dar a tua outra prenda”, disse a loura, enquanto tirava algo do bolso.
“A sério, não é preciso”, respondeu Daniela, com um sorriso, limpando as lágrimas.
Susana não lhe fez caso, passando-lhe o saquinho púrpura para as mãos. Daniela sorriu e deu-lhe um caldo na brincadeira, murmurando qualquer coisa sobre não querer ser mimada, que entrou por um ouvido da loura e saiu por outro. A loura ficou a observar, com um sorriso no rosto, o ar de intriga da morena enquanto abria os cordelinhos do saco e deixava cair o anel na palma da mão. Quando esta levantou a cabeça para questionar a outra, Susana retira-lhe o anel da mão, segurando-lha na sua.
“Quero ficar contigo”, sussurrou, enquanto lhe colocava o anel no anelar da mão direita. Para sua surpresa o anel servia a Daniela na perfeição. Ergueu-se um pouco e disse-lhe ao ouvido, “Amo-te”
Deixaram-se ficar abraçadas durante mais um pouco, até que o pai de Daniela voltou à sala, visivelmente chateado. Dirigiu-se às raparigas e só então falou, “A tua mãe quer ficar sozinha, olha aproveita e sai, é melhor”
A rapariga achou melhor não insistir, pelo que se levantou e pegou na mão da loura, encaminhando-as para a porta, até que o pai voltou a falar, desta vez dirigindo-se à outra, “Desculpe pelo que se passou…”
“É na boa, pensei que fosse pior”, respondeu Susana, sorrindo.
Despediram-se e Daniela acompanhou a loura até à mota. Visto que a outra só tinha um capacete, optou por ceder este à namorada, assegurando-lhe que não fazia mal. Quando estavam na mota, a caminho da praia, a outra lembrou-se do acidente da menina da avó, o que a fez sentir-se ainda mais aliviada por ter dado o capacete à morena. A rapariga por sua vez, que sempre detestara andar na mota, agarrou-se com força à cintura de Susana. Pouco depois chegaram ao café do costume, onde se encontraram depois da noite no bar.
Percorreram em silêncio o caminho de terra batida até à praia, de mãos dadas. Quando chegaram ao areal, Susana sentou-se, com Daniela entre as pernas e cabeça apoiada no seu ombro. Continuaram sem trocar palavras, apenas entrelaçando os dedos, até a loura quebrar o silêncio.
“Como é que estás por causa da tua mãe?”, perguntou, enquanto desviava algum do cabelo da namorada, para lhe puder beijar o pescoço.
“Pior que mal”, respondeu a rapariga, com um suspiro, “Não sei como é que vou olhar para ela amanhã”
“Não tem que ser assim”, disse Susana, num tom melancólico, “Quando acalmar vai começar a aceitar, vais ver”
Daniela nada disse, limitando-se a recostar-se e a brincar com os dedos de Susana. Só passados uns bons minutos é que falou, “Como é que alguém como tu se tornou tão importante?”
“Fácil, a partir do momento em que foste lá ao bar e não resististe aos meus encantos”, gozou a loura, mordiscando o pescoço à rapariga, que se arrepiou toda.
“A sério, às vezes pergunto-me como é que não fui mais uma”, disse a morena, agora com toda a seriedade, “De certeza que já levaste umas quantas para aquela casa de banho”
“Mas tu foste a única que fugiste”, limitou-se Susana a responder.
Daniela sorriu antes de se virar para trás e beijar a namorada. Por um instante pensou em todas as outras com quem a outra já tinha estado e sentiu calafrios, mas nada que se comparasse ao que sentiu quando se lembrou de Mónica. Pior que calafrios, sentiu-se completa e totalmente inferiorizada, cada vez que se comparava à ex da namorada. No fundo tinha receio que a outra ainda sentisse alguma coisa por ela, embora não tivesse grande autoridade para reflectir sobre essa hipótese. Não ligando ao medo, decidiu testar a loura.
“Suse…vi a tua Mónica hoje”, disse, tentando prestar atenção a todas as expressões da loura.
Susana, por sua vez, pareceu ter levado com um tijolo na cara, quase que os olhos lhe pareciam saltar das órbitas, “Como é que tu…onde…”
“Tu mostraste-me uma foto dela e eu reconheci a partir daí”, respondeu a rapariga num tom neutro, como se estivesse a anunciar a meteorologia, “Passou por mim quando fui dar um passeio a um parque”
“Como…é que ela estava?”, perguntou Susana, um tanto corada.
“Muito bem, alto bronze e tal”, disse Daniela, enquanto observava a expressão tristonha da loura, “Estava sozinha”
O que a rapariga não reparou foi no facto de a outra ter aproveitado também para a testar nesse momento e, a loura podia ser bastante observadora. Sorriu enternecida e disse “Estás insegura.”
A morena foi bem apanhada de surpresa, a ponto de te arregalado os olhos, “Isso foi uma pergunta?”
“Não”, clarificou a outra, dando um toque no nariz da rapariga, sempre sorrindo, “Oh Dani tu és boa actriz mas os olhos são o espelho da alma e os teus são os primeiros a denunciar-te”
“Pronto…talvez um pouco”, admitiu Daniela a custo, era um golpe no seu orgulho mas já tinha sido apanhada, “Tenho razões, ela é mesmo muito bonita”
“Chegou a desrespeitar-me à grande…a sério, podia ser bonita mas não compensava”, disse Susana, apertando a namorada, “Ela está no passado, morta e enterrada. Amo-te é a ti”
Daniela virou-se novamente para Susana e beijou-a, sentindo-se como se tivesse tirado um grande peso de cima. Esta correspondeu, procurando sempre não se deixar levar, mas sim, limitando-se a proporcionar conforto e segurança à morena. Naquele momento limitar-se-ia a ser o que quer que a rapariga precisasse, e naquele momento o que precisava era de se sentir segura, portanto assim seria. Após o beijo, a outra manteve a namorada junto a si, tão junta quanto possível.
“Sabes, nunca gostei de olhos escuros”, disse a loura, à medida que ia beijando o pescoço da rapariga, “Mas gosto dos teus, são tão brilhantes”
“É bom saber isso”, respondeu Daniela, rindo um pouco quando Susana lhe tocou num ponto particularmente sensível no pescoço, “Eu não posso dizer o mesmo, sempre adorei olhos azuis…ai estás-me a fazer cócegas!”
Susana aproveitou para deixar um pequeno chupão no pescoço de Daniela, enquanto esta lutava para se libertar. Claro que os esforços da rapariga foram em vão, já que a outra a tinha bem segura. O que não impediu que esta se desequilibrasse e caísse para trás, arrastando a morena consigo. No momento em que Daniela se ajeitou melhor, sentada por cima da loura, o telemóvel desta tocou, interrompendo-as. Susana, visivelmente irritada, tirou-o do bolso e desligou-o, voltando a aproximar a cara da da rapariga.
“Espera”, pediu a morena, colocando um dedo nos lábios da outra, “ Hoje não trabalhas?”
“Hm?”, murmurou Susana, ainda com os olhos semi-fechados, “Se não for um dia não há de fazer mal, amor”
Daniela deu-lhe um beliscão suave na perna, só o suficiente para que Susana saltasse e disse-lhe, “Nem por serem os meus anos me podes chamar isso, e muito menos faltar ao trabalho, anda lá”
A loura ainda tentou ripostar, dizendo que não lhe apetecia ter que deixar a namorada no dia de anos desta, mas a rapariga propôs que fosse com ela. Susana aceitou, visto que em principio seria uma noite calma e com pouca gente. Levantaram-se, sacudiram a areia e dirigiram-se para a mota, tencionando passar por qualquer sítio para comerem rapidamente. Avistarem uma roulotte na beira da estrada onde pararam. Depois de ambas terem feito os respectivos pedidos, Daniela tencionou pegar na carteira e pagar o seu, mas a loura segurou-lhe o pulso, sorrindo, “Este tempo todo e ainda não percebeste que quando estás comigo eu pago?”
Na verdade Susana tinha ficado ressentida com as acusações feitas pelo melhor amigo da morena, iria tentar redimir-se. Foi o que também ocorreu a Daniela, que a namorada sentisse a necessidade de se provar, o que era coisa que não achava necessário. O instante em que isso lhe ocorreu foi o mesmo em que prometeu a si mesma que tentaria de certa forma “recompensar” a outra, tendo em conta que esta era extremamente teimosa e que não iria sucumbir. Mal a loura entregou o dinheiro ao homem que as atendeu, a rapariga lançou-lhe os braços ao pescoço e beijou-a. Sendo Susana como era, não se coibiu de colocar as mãos na cintura de Daniela e de a empurrar contra o balcão, intensificando o beijo. Foram interrompidas pelo empregado a clarear a garganta, incomodado.
Riram-se e por fim separaram-se, indo jantar. Depois de o fazerem dirigiram-se para o bar, que como esperavam até não estava muito cheio, podia dizer-se que estavam lá cerca de trinta pessoas.
“Podes ir andando enquanto eu vou só buscar qualquer coisa para beber”, disse a morena, dando um toque no braço da outra, “Já vou ter contigo”
A loura concordou, dando uma palmada leve no rabo da namorada quando esta se afastava, fazendo com que esta se virasse para trás, com um sorriso cúmplice. Daniela pediu a sua bebida, que foi bebendo aos poucos. Estar de volta àquele local trazia-lhe uma sensação nostálgica, afinal fora lá que tinha conhecido Susana e desde então que não deixara de pensar que bem que se podia considerar a pessoa com mais sorte do mundo. Estava ainda perdida nos seus pensamentos quando ouviu passar uma música que por acaso gosta, o que a acordou para a vida novamente. Acabou a bebida num trago e dirigiu-se para a pista de dança, apesar de não ser seu hábito dançar.
Apesar de não saber muito bem dançar, aquela música puxava por ela, fazendo com que lhe apetecesse mexer-se. Quando estava mesmo a entrar no espírito, sentiu um par de mãos agarrar-lhe as ancas. Pensou que fosse Susana, apesar de ter estranhado a brutidão com que foi agarrada. Talvez porque tinha péssima resistência ao álcool, deixou-se estar. O local não era bem iluminada, o que não lhe permitiu registar quem a tinha agarrado, sabia apenas que naquele momento algo não estava certo. Virou-se bruscamente, soltando-se de quem quer que fosse que a agarrara.
Para seu horror não se tratava da loura. A pessoa que se encontrava diante da rapariga era tudo menos quem esperava que fosse. Alta e balofa, com roupas que deviam ter sido herdadas do pai (senão mesmo do avô) e feições nada bonitas, o suficiente para que a morena torcesse o nariz. Um olhar mais atento permitiu-lhe reparar que a estranha de certeza que podia enrolar um bigode mexicano. Era precisamente o que detestava, o estereótipo da lésbica camionista. E não parecia bem-intencionada.
Como não estava na sua natureza ser rude, pediu desculpa e tentou retirar-se, apenas para ser agarrada pelo braço.
“Onde vais com tanta pressa?”, perguntou a camionista com um sorriso maldoso, apertando cada vez mais, “Mesmo agora que nos estávamos a dar tão bem”
“Desculpa, vou ter com a minha namorada”, disse Daniela, certa que no dia seguinte iria ter marcas no braço, “Larga, se faz favor”
“Há algum problema?”, interveio Susana, com uma expressão séria. Daniela suspirou de alívio, quase acreditando que estava a ver Deus. A outra riu-se, puxando a rapariga mais para si.
A morena aproveitou o momento para dar um puxão ao braço e tentar soltar-se, mas não foi bem sucedida, apenas irritou mais a outra. O aperto da camionista não sucumbiu, dirigindo-se à loura, “Pah desaparece! E tu ficas aqui”
Susana empurrou a outra, para surpresa desta, que largou a rapariga, que por sua vez foi para junto da loura. Quando se iam a afastar, a estranha virou Daniela para si, com um só dedo e disse, num tom presunçoso acompanhado de um gesto sugestivo, “Se te viro com um dedo imagina o que te faço com dois”
Nesse momento Susana desferiu uma direita mesmo no queixo da outra. Mesmo sendo a loura forte, a outra não recuou mais do que dois passos. A rapariga empalideceu, cheia de medo do que a camionista faria. O seu primeiro instinto foi puxar Susana dali, mas a outra já a tinha empurrado e a multidão tinha feito um círculo à volta delas. Tudo aconteceu muito depressa, Daniela só teve tempo de registar uma troca de socos até que um guarda interveio, separando as raparigas. Só viu Susana com a mão na cara, enquanto a camionista se afastava ainda a gritar, “Isto não fica assim!”
Ignorando as ameaças da outra, Daniela acompanhou Susana até aos sofás. Com jeitinho, pediu-lhe para a deixar ver se tinha ficado muito magoada. Estava um pouco pior do que tinha imaginado, a loura tinha um corte com mau aspecto no lábio.
“É melhor irmos ao hospital, não achas?”, aconselhou a rapariga, franzindo o sobrolho ao ver a ferida da outra.
“Isto passa com gelo”, teimou Susana, esforçando-se por esconder a dor, mesmo mal conseguindo falar. Ter levado da outra e mal lhe ter conseguido deixar mais que um olho negro tinha sido um golpe na auto-estima.
“Susana, isso além de estar cheio de sangue está a começar a inchar”, replicou Daniela, revirando os olhos, “Vamos ao hospital e é já e tu não te atrevas a responder”
A loura acabou por concordar, derrotada. Foi o caminho todo desde o bar até à mota a resmungar qualquer coisa que soou à rapariga algo como “caralho que foda aquela puta, se fosse masé…”. Cerca de meia hora depois estavam nas urgências do hospital, com a morena a começar a ficar com sono e a outra a comprimir a ferida com um lenço de papel. Quando finalmente a chamaram, já Daniela tinha adormecido encostada ao ombro de Susana.
“É tão bebézinha que não aguenta ficar acordada até tarde”, gozou a loura ao ver o ar de ensonado da rapariga enquanto esta esfregava os olhos.
Daniela limitou-se a deitar-lhe a língua de fora e a dizer, “Já vemos quem é a bebezinha”
“Bem que essa língua podia ter melhor uso”, replicou a outra, piscando o olho.
A rapariga limitou-se a rir e a empurrar Susana para a sala onde a iriam ver. Para grande horror da loura, iria ter que ser cosida, pois o golpe era fundo. Saíram do gabinete e dirigiram-se a outra sala, com um aspecto mais esterilizado e com diversos instrumentos. Se a outra já estava horrorizada, então quando o olhar caiu sobre a linha, agulha e o resto do arsenal, perdeu toda a cor que tinha. A morena sorriu maliciosamente e disse, “Vê lá se não queres dar a mãozinha”
Susana fulminou Daniela com o olhar e ainda pensou em recusar, mas mal viu a enfermeira aproximar-se com a agulha reconsiderou, pegando na mão da namorada e apertando-a, de olhos bem fechados. O certo era que a loura não havia sido anestesiada e portanto estava a sentir a enfermeira a passar a linha e a puxar. Até a rapariga estava com pena, aquilo doía só de ver. Deixou que a outra lhe apertasse a mão ao ponto de já nem sentir a circulação. Por sua vez Susana estava absolutamente determinada em não mostrar fraqueza em frente da morena, sobretudo depois da sova humilhante que tinha levado.
Cerca de dez minutos e muito sofrimento depois, a ferida estava tratada. Quando a loura se levantou, tinha as pernas a tremer, mal sustentando o seu peso. Agarrou-se à rapariga para conseguir andar. Entretanto Daniela foi tentando reconfortá-la, dizendo, “Já passou, tu és forte, já tiveste costelas e uma perna partida, isto não foi nada”
Já estava quase a amanhecer, o que lembrou a morena de que tinha que voltar para casa, não fossem os pais, nomeadamente a mãe, dar pela sua falta. Sentindo uma náusea, lembrou-se que teria que enfrentá-la dali a poucas horas, só esperava que a noite lhe tivesse feito bem. Susana pareceu adivinhar o que lhe ia na mente. Abraçou-a, sussurrando, tanto quanto o lábio recém cosido lhe permitia, “Não te preocupes, ela deve ter acalmado, já sabes que estou lá para ti, aconteça o que acontecer”
Daniela apenas suspirou, agradecendo-lhe. O caminho de volta para casa foi uma viagem difícil. A rapariga perguntava-se se alguma coisa iria mudar nas próximas horas. Não queria nem por nada perder Susana. A loura parou em frente à casa da morena, que lhe devolveu o capacete. Tendo em conta o estado da outra, Daniela deu-lhe apenas um beijo rápido, só um encostar de lábios cuidadoso, mas Susana, não ligando à dor que sentia, intensificou-o. Quando se separaram, a morena não conseguiu deixá-la ir, abraçou-a, enterrando a cara no ombro da outra, “Não vás…”
Muito a custo, a loura afastou-a, assegurando-a que estaria de volta no dia seguinte. Foi com um pesar no peito que deixou a rapariga para trás.

Parabéns :D

Ontem não me foi possível aceder ao computador, mas mesmo assim Parabéns atrasados, Susana!
(A personagem fez ontem, 17 de Maio, anos) :D

terça-feira, 10 de maio de 2011

Capítulo 23

Era o dia do aniversário de Daniela, que acordou com o som de um tabuleiro a ser colocado em cima da sua mesa-de-cabeceira. Lentamente, abriu os olhos a tempo de ver os pais, um de cada lado, sentarem-se na cama, ao seu lado. Pouco a pouco foi-se lembrando do que tinha para fazer neste dia, mais concretamente a parte que dizia respeito a Susana e aos seus pais.
“Parabéns, linda!”, disseram em uníssono, cobrindo a rapariga de beijinhos e abraços. Pelo menos estavam de bom humor, só esperava não lhes estragar a boa disposição.
“Hm…bigada”, murmurou a morena, ainda com a voz entaramelada do sono e com o estômago a dar mortais.
Enquanto os pais faziam um discurso que tinha algo a ver com a última vez que lhe mudaram as fraldas e a primeira palavra, Daniela fingia estar a ouvir, quando na verdade estava a ganhar coragem para falar no assunto aos pais. Não lhe apetecia nada mais que deixar aquilo cair no esquecimento e deixar o dia decorrer com normalidade, mas havia prometido a Susana, não podia voltar atrás com a sua palavra.
“Mãe, pai…Hm…enfim…olhem, quero muito apresentar-vos uma pessoa especial”, disse, muito a custo, a rapariga, com a face escarlate. Pronto, já não havia volta a dar.
Ambos interromperam o que estavam a dizer para ficarem petrificados a olhar para a filha. “Quem é?”, foi a pergunta rápida.
“Alguém que não conheci há tanto tempo assim nem estamos numa relação há muito tempo, mas é importante e sério o suficiente para eu vos querer apresentar”, respondeu a morena. O que custava era ganhar coragem, o resto ia bem.
“Então traz lá o rapazinho, menina”, disse, por fim, a mãe, num tom que causou arrepios pela coluna de Daniela. Se bem que ver o sorriso genuíno que se desenhou no rosto do pai, a rapariga sentiu alguma esperança.
Já se fazia tarde, portanto os pais não insistiram mais no assunto e foram para o trabalho, dando apenas as recomendações do costume (“a avó quer-te em casa para almoçares”). A morena também não se demorou muito tempo na cama, indo logo tomar banho e vestir-se. Depois de almoço iria ter com Marta, afinal devia-lhe uma tarde desde há três anos atrás, por muito que Pedro se fosse chatear. Além de que precisava da companhia de alguém que a conseguisse acalmar e impedir de se acobardar à ultima da hora.
Saiu de casa e foi até à avó, que durante o almoço não deixou de se desfazer em simpatias. Afinal era a sua única neta, a rapariga onde depositava as maiores esperanças e por quem fazia tudo sem pensar duas vezes. Mas antes da neta ainda vinham as mentalidades e os costumes a que estava habituada e Daniela já estava a ver isso tudo a ir por água abaixo no momento em que a mãe lhe fosse contar de Susana.
Despediu-se da avó com um aperto no peito, aquele podia ser o último dia em que esta a considerava sua neta. Talvez devesse ter sido honesta com a família desde o princípio, mas ficar com uma rapariga não estivera nos planos. Realmente Susana tivera imensa sorte com a avó. Estava ainda a matutar no assunto quando se dirigiu para o carro, arrancando depressa. Em tempos de ansiedade ou stress, guiar era das poucas coisas que a acalmava. Foi um tempo recorde que chegou ao parque que ficava perto da antiga escola, local onde se encontraria com Marta.
Quando finalmente a avistou, ergueu o braço no ar, de modo a chamar-lhe à atenção. Esta veio na sua direcção, com um ar animado. Daniela encurtou a distância com uma corrida rápida e atirou-se ao pescoço da amiga com um abraço.
“Parabéns, Sousa!”, disse Marta, com um sorriso de orelha a orelha, sabendo que a rapariga detestava que a tratassem pelo apelido.
A morena, ainda com a cara no pescoço da outra, limitou-se a levantar-lhe o dedo do meio. É que depois daquele tempo todo já nem se dava ao trabalho de insistir. Naquele momento estava a precisar de todo o conforto que conseguisse, nem lhe apeteceu largar Marta.
“Marta…tens noção que não vivo até amanhã?”, murmurou Daniela, aterrorizada.
“Ai cala-te”, respondeu a outra com um revirar de olhos, “Pelo que vi, a Suse é um amor, claro que vão gostar dela”
Nesse momento a rapariga agarra a gola da t-shirt de Marta, levantando-a um bocadinho, à medida que dizia atabalhoadamente, “A minha mãe já não aprova uma relação séria com um rapaz tendo em conta que ainda acha cedo para me prender a alguém, quanto mais uma rapariga!”
No instante seguinte a morena só tem tempo de tapar os ouvidos à medida que Marta gritava, “DANIELA! Essa t-shirt era nova!”. Olhou para a mão e viu que tinha lá um bocado de tecido, agarrado com toda a força nos dedos, “UPS!”
Marta podia ser realmente assustadora quando estava zangada. A rapariga engoliu em seco e recuou dois passos, “Eu juro que te dou uma nova!”
“Se não estivesses com a Suse eu só te perdoava se me desses um beijo”, replicou a outra, escarlate. Se o olhar matasse, a morena estaria reduzida a cinzas. “Mas sendo assim acho que aceito outra!”
De assustado o olhar de Daniela passou a estupefacto, fixando-se em algo por cima do ombro de Marta. A amiga estranhou a súbita mudança de atitude da rapariga e vira-se para trás. Uma rapariga um pouco mais alta que ambas, de cabelo castanho claro e pele bronzeada encontrava-se a passar. Quando esta se aproximou, ambas puderam verificar que era bem avantajada e bonita, apesar do ar presunçoso que tinha. A morena reconheceu-a de uma foto que Susana lhe tinha mostrado, tratava-se de Mónica.
Mónica passou pelas raparigas, trocando um olhar duvidoso com Daniela, como se soubesse. Esta optou por virar a cara, apesar de se encontrar tentada a atirar-lhe uma pedra da calçada à cabeça. Quando a sensação de assombro se desvaneceu, deu lugar a minimização. Como é que Susana tinha olhado para ela quando já tinha namorado com alguém como Mónica? Aguardou que esta se afastasse antes de falar.
“Esta é que é a tal Mónica…”, disse num tom amargo, “Andou com a Susana uns três anos, acho”
“Mesmo boa”, disse Marta, num pensamento alto que depressa corrigiu, “Andou, passado. Agora anda é contigo”
“Sim…mas como é que eu compito com aquilo?”, lamentou-se Daniela, mordendo o lábio inferior, “Isto parece um erro tão grande”
Foi então que a mão de Marta colidiu em cheio com a face de Daniela, deixando-a agarrada a esta. A rapariga olhou para a outra com uma expressão de surpresa mas visivelmente mais calma, “Para que foi isso?”
“Espero que tenhas acordado”, disse Marta rispidamente, “Ela gosta mesmo de ti”
“Gosta agora, enquanto não lhe passar a panca”, sussurrou a morena, agarrando-se à outra, “Não sei onde ando com a cabeça, devia era procurar uma mais ao meu nível”
“Tu queres outra chapada?”, ameaçou Marta novamente com o olhar ameaçador.
“Não, não!”, apressou-a morena a dizer, pois ainda tinha a cara dorida, era preferível mudar de assunto, “Olha lá, não me contaste, então aquela amiga da Suse, Guida, ou lá como era, que é feito dela?”
Marta, com um sorriso cúmplice, contou o desenrolar dos acontecimentos, apesar de Guida ser hetero não dizia não a alguma acção lésbica, mesmo que não fosse admitir a Susana. Daniela tinha que admitir que, se não tivesse Susana, não se teria nada importado nada de se virar para Guida, que tinha uns lábios mesmo apetecíveis. No entanto, só podia pedir pormenores e invejar ligeiramente Marta, coisa que nunca lhe iria admitir.
“Olha lá, já são sete e meia, não tens que te despachar?”, disse Marta, “Não é que esteja a correr contigo, sabes que adoro a tua companhia, mas a Guida pediu-me ajuda lá por casa e tal…”
“Ai! Eu não quero fazer isto!”, queixou-se a rapariga, cravando as unhas no braço da outra, “A minha mãe vai-me castrar!”
“Sousa! Larga-me já”, rosnou Marta, “Vai correr tudo bem!”
E assim, cada uma seguiu o seu caminho, Daniela foi para casa, com o coração nas mãos e Marta até casa de Guida.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Capítulo 22

Os dias no Algarve chegaram ao fim, com grande pena de ambas que estavam a adorar cada segundo passado sem a menor ponta de preocupação. Mas tinham ainda as suas obrigações, portanto não tiveram alternativa senão regressar. A loura só descansaria verdadeiramente quando verificasse que a avó tinha aguentado bem aquela semana. E a morena tinha uma decisão a tomar, se assumiria a relação ou não. Uma semana passou e finalmente decidira, muito para alegria da outra.
Susana sentou-se na borda da cama enquanto tentava acalmar o suficiente para depois conseguir formular algum tipo de pensamento coerente. Parte de si encontrava-se prestes a rebentar de felicidade por Daniela ter finalmente concordado em apresentá-la aos pais. Outra parte estava absolutamente aterrorizada, receando não causar boa impressão, tal como acontecera com o melhor amigo. Até porque não estava nada ansiosa por enfrentar a “sogra”, pelo que a namorada contara.
Pegou no telemóvel e ligou a Guida, se havia alguém que soubesse como se apresentar e agradar a pais conservadores era ela. Enquanto a amiga não atendia, observou o seu reflexo num espelho. À parte do piercing que tinha na sobrancelha e dos alargadores nas orelhas, não achou que tivesse muito mau aspecto. E Daniela também tinha um túnel e a mãe aceitara, não podia ser assim tão selecta. Guida finalmente atendeu.
“Oh Guidinha, tenho um favor a pedir-te com alguma urgência”, apressou-se a loura a dizer, indo directa ao assunto.
“Bons dias para ti também”, respondeu a outra, num tom sarcástico, “Ora diz lá”
“Como sabes, consegui convencer a Dani a assumir a nossa relação aos pais”, começou Susana, ainda a falar depressa demais, “E…ai não sei como é que te estou a pedir isto”
“Tem lá calma e diz o que é que precisas”, disse Guida, a ficar impaciente.
“Bem…como é que achas que vá vestida?”, perguntou finalmente a loura. Nem acreditava que, anos depois de recusar conselhos de moda da outra, lhe estivesse a pedir opinião sobre roupa.
Do outro lado, um guincho agudo fez-se ouvir, obrigando Susana a afastar o aparelho do ouvido, “Tu não sabes o quanto eu ansiei por ouvir essas palavras! É para quando?”
“Hm…hoje à noite”, admitiu a loura com um risinho nervoso. Agora ia ouvir das boas.
“O QUÊ?”, gritou Guida, decerto que estava a ficar extremamente vermelha naquele momento, “Só agora é que avisas? Olha, fazemos assim, tu arrastas esse cu até cá a casa IMEDIATAMENTE!”
Desligou a chamada logo a seguir, deixando Susana com um zumbido nos ouvidos. Talvez por não querer enfrentar a ira de Guida, talvez por saber que era a sua melhor opção, não demorou a despedir-se da avó com um abraço terno e a pegar na mota dirigindo-se a casa da outra. A sua mota tinha saído do acidente num estado bem melhor que ela.
Apesar de não viverem muito longe uma da outra, era como se vivessem em universos diferentes. Num extremo estava Guida, com a sua casa de três andares, piscina e quinta, noutro estava Susana, cuja casa cabia na sala de estar da outra e ainda havia espaço para o sofá de pele e plasma de metro e meio. Devia ser por isso que Mónica se dava tão bem com Guida, que por sua vez a detestava. Mónica, mesmo que não vivesse rodeada de todo aquele luxo, não ficava muito longe.
Ao chegar a casa da outra, Susana estremeceu ao imaginar o que Guida teria em mente para si. Só de se lembrar da quantidade de vezes que a outra quase se pusera de joelhos para a convencer a usar uma saia…Quando esta lhe foi abrir a porta, quase nem teve tempo de registar a viagem desde o portão até ao quarto, tal foi a velocidade com que foi arrastada. A primeira coisa de que teve consciência foi do esgar de terror de Guida, ao observar Susana nas suas calças largas carmim e top preto, com havaianas pretas.
“Tu não me digas que querias ir assim!”, alarmou-se ela.
“Hm pois…”, respondeu a loura, coçando a cabeça, enquanto se esforçava por não rir da expressão da outra.
“Ai Susana Marques…o que vale é que estou aqui para impedir esse desastre”, desabafou Guida, apoiando a testa na mão, “Olha tu vai mas é lavar esse ninho de ratos enquanto eu traço um plano”
Susana assim o fez, observando com horror pelo canto do olhou um vestido preto mínimo que estava preso num cabide fora do armário. Já no duche, ficou ainda um bocado a estudar o complexo mecanismo que tanto permitia regular a água como a música. Muito para sua irritação, a água veio a escaldar e, numa tentativa de arrefecer aquilo, começou a passar Miley Cyrus. Quando finalmente conseguiu terminar o banho, voltou para junto de Guida enrolada na toalha.
“Ora bem, espero que tenhas usado amaciador”, disse a outra, sorrindo de orelha a orelha, “Disseste que os pais dela eram conservadores, não era?”
“Ela diz que não iriam esperar nada de muito vistoso da minha parte, por isso nem penses que vou usar aquilo que estás a pensar”, esclareceu Susana, com um sorriso travesso, “Mas mesmo assim não quero parecer mendiga, sabes?”
“Eu certifico-me que não pareces”, assegurou Guida, apesar de ter ficado aborrecida por ter que riscar a hipótese de fazer a loura usar um vestido, “Tenho aqui estas calças, sentes-te à vontade com isso, certo?”
Atirou para Susana um par que de certeza que lhe iria ficar colado à pele, de ganga muito clara e simples, “Tu queres-me cortar a circulação!”
A outra revirou os olhos, voltando a dirigir a sua atenção para uma gaveta. Quando levantou a cabeça, trazia uma camisola razoavelmente decotada, de cor azul-marinho, “Vais mesmo usar essas calças e vais usá-las com isto, realça-te os olhos”
A loura franziu o sobrolho mas optou por aceitar, afinal podia ter sido muito pior. Vestiu a roupa, roupa essa que eram as peças mais femininas que havia usado em vinte anos de existência. Só faltava qualquer coisa para calçar. Guida pegou numas sandálias claras de cunha e acenou com elas na direcção de Susana.
“Porra! Eu não consigo andar com isso, não tens aí uns ténis?”, perguntou a loura, cujas memórias da última vez que tentar usar saltos ainda a assombravam.
A outra ainda pensou nuns Timberland mas lembrou-se da quantidade de vezes que Susana gozara com eles, portanto decidiu-se por um par de ténis simples pretos e brancos que tinha esquecidos pelo armário. A loura desta vez já não levantou qualquer tipo de objecção, acabou de se vestir e Guida aprovou o resultado final. Agora só faltava tratar do cabelo e dos adereços. O piercing teve que sair, afinal nenhuns pais conservadores gostavam de ver a filha com alguém que parecesse uma árvore de Natal (como Guida disse) e os túneis foram substituídos por alargadores fechados. Guida quis esticar o cabelo a Susana mas esta recusou pois sabia que Daniela gostava mais ondulado.
Quando Susana finalmente se libertou de Guida, voltou a casa para ir buscar tanto a prenda que tinha para Daniela, como para acabar de reflectir em paz. Não tinha a menor dúvida que era mesmo aquilo que queria, que a namorada a apresentasse à família, mas a última coisa que desejava era arranjar-lhe problemas. Ao chegar a casa dirigiu-se ao quarto, indo depois para a janela, para fumar. Ia já no fim do cigarro, ainda perdida nos seus pensamentos quando ouve a avó chamá-la, à entrada do quarto.
“Ai Susana…deixa-te disso”, queixou-se a idosa, numa voz rouca, “Vais ter com ela agora?”
“Só vou daqui por um bocadinho…”, disse Susana, sem se voltar para encarar a avó, “Sei que é isto que quero…mas tenho tanto medo do que os pais lhe possam dizer ou fazer”
“Oh, podem ser um pouco apanhados de surpresa mas no fundo hão de querer o que fizer a Dani mais feliz”, reconfortou a idosa, agora sentada na cama, indicando à neta que viesse para o pé de si.
Susana assim fez, sentando-se ao lado da avó. Esta tirou do bolso um saquinho pequeno púrpura que entregou à neta. A loura afrouxou o nó que o fechava e virou-o ao contrário, deixando cair sobre a mão um anel prateado muito simples. Estava com o pressentimento que o que se seguiria seria importante, mas não fazia ideia do que poderia ser. Optou por deixar que esta prosseguisse.
“É algo antigo, foi-me dado por alguém muito especial e como sei que gostas mesmo dela, oferece-lho”, disse a idosa, perante o ar estupefacto da loura, que nada respondeu, limitando-se a acenar afirmativamente.
“Nunca te perguntaste porque é que alguém da minha idade aceitou tão bem isso vindo da única neta?”, começou a senhora, sorrindo com fragilidade para a jovem.
A loura realmente chegou a pensar nisso, mas nunca quis questionar a sorte que tinha tido. Acima de tudo agradeceu com toda a honestidade o facto de ter encontrado na avó uma confidente que estivesse sempre disposta a ouvi-la e a aconselhá-la. Acenou que não com a cabeça.
“Foi há muito tempo atrás, acho que tinha mais ou menos a tua idade”, disse a idosa, apertando a mão de Susana como se procurasse forças para continuar, “Quando conheci o verdadeiro amor da minha vida”
A loura arqueou as sobrancelhas, admirada. A avó nunca antes lhe contara nada disso. Limitou-se a deixá-la recontar o que tinha a dizer, nunca interrompendo, apenas acenando, mostrando que estava a prestar atenção.
“Chamava-se Daniela, tal como a tua”, disse a senhora, agora a fitar o vazio, como se esquecesse que estava a falar com a neta, “Foi no dia de Natal que a conheci, tinha acabado de sair da igreja…tinha começado a chover e eu não tinha guarda-chuva…quando ela surge ao meu lado e oferece-se para partilhar o dela comigo”
“Na altura fiquei impressionada, a única coisa que sabia dela era o nome”, continuou a idosa, com os olhos azuis vidrados, “Não nos voltámos a ver, ate pensei que ela não fosse da região, até que a encontrei numa festa…ela adorava dançar”
Susana tentou ainda exprimir algum som, mas a única coisa que lhe escapou dos lábios foi um ruído abafado. Aquela conversa era a ultima que alguma vez esperara ter, pois não conseguia imaginar a avó com alguém que não o senhor alto e entroncado que conhecia como sendo o avô, que havia morrido de um AVC quando a loura tinha entrado para a primária. Fora a partir daí que começaram a ter dificuldades económicas.
“Lembro-me que estava sem par nesse dia…ela abordou-me e pediu-me para dançar”, relatou a senhora, sorrindo ternamente, como a neta nunca viu, para o vazio, “Ela era tão despreocupada e serena como tu, Susana, não consegui dizer-lhe que não nem sentir-me mal por não estar a dançar com um homem”
“Quando ambas nos cansámos, decidimos ir para o meu local preferido, um pessegueiro antigo num dos campos que rodeavam a aldeia”, continuou, numa voz débil, como se o fôlego lhe começasse a faltar, “Era um local resguardado por isso estávamos à vontade, sentámo-nos e falámos durante uns tempos…quando esgotámos todos os temas de conversa ficamos em silêncio, só na companhia uma da outra…”
“Pouco depois ela olha-me e sorri, aproximando-se…”, neste momento a idosa perdeu coerência, deixando cair umas lágrimas. A neta apressou-se a abraça-la, não sabendo bem o que dizer, apenas sentia o nó na garganta a apertar-se.
“Como podia algo tão errado saber tão bem?”, questionou-se a avó, deixando-se embalar pelo abraço firme de Susana, “Quando voltei a mim empurrei-a e fugi dali…como me arrependo agora”
“Uns tempos depois ela escreveu-me uma carta…falava do que sentia, apesar de não nos conhecer-mos há assim tanto tempo”, continuou, em lágrimas nos braços da neta, que lhe fazia festinhas nas costas, tentando reconfortá-la, “Voltámo-nos a encontrar no mesmo sítio por baixo do pessegueiro e foi o inicio de algo lindo”
“Oh avó…”, sussurrou Susana, que por esta altura também tinha lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto.
“Depois disso, estávamos quase sempre juntas, embora não como qualquer outro casal, tínhamos que ser o mais discretas possível não fossem fazer alguma coisa”, disse a senhora, ainda com a cara no ombro da loura, “Durou cerca de meio ano…parece pouco tempo mas foi o suficiente para me ensinar a amar sem restrições e a viver a vida ao máximo”
“Aquela rapariga adorava brincar com o fogo…”, prosseguiu a idosa, lavada em lágrimas, “Era das poucas que tinha carta e adorava pegar no carro do irmão e guiar depressa…eu bem que a avisei”
Susana engoliu em seco ao prever o que teria acontecido. Com um aperto no peito, lembrou-se que a sua Daniela também dava bem no acelerador e já tinha tido uns sustos.
“Uns dias antes de ter falecido, deu-me esse anel”, disse a avó, levantando a cabeça e sorrindo por entre lágrimas, “Agora que sabes quero que tu e a tua menina vivam ao máximo e que não deixem que o preconceito vos impeça de serem como outro casal qualquer, mesmo que os pais dela não aceitem a inicio. Amor é amor”
A loura não conseguiu articular qualquer palavra, optando apenas por apertar a idosa mais para si e assegurar que o iriam fazer.
“Depois conheci o teu avô e o resto é história”, concluiu a senhora, “Mas nunca hei-de esquecer a minha menina”
Susana limitou-se a agradecer pelos conselhos e por ter decidido partilhar isso com ela, dando-lhe a sua palavra que era exactamente o que faria, antes de se despedir e ir ao encontro de Daniela.

domingo, 1 de maio de 2011

Capítulo 21

Os dias que se seguiram passaram depressa demais para o gosto de ambas. Não houve quaisquer complicações nem Susana voltou a insistir com Daniela para assumir a relação perante os pais, estava suficientemente feliz por ver esta perder lentamente o receio de se comportarem como namoradas em público. Passavam o tempo ora indo à praia ou à piscina, ou simplesmente ficando por casa. A loura não podia ainda andar muito, apesar de a água lhe ter feito bem.
Era já a véspera do regresso a casa e a morena teve uma ideia para um jantar diferente. Aliás, seria, mais propriamente, a sobremesa. Nem seria difícil arranjar o que precisava. Nessa manhã, libertou-se dos braços da outra que a abraçavam sempre noite após noite, com cuidado para não a acordar e dirigiu-se ao supermercado. Trouxe e guardou o que precisava, nunca acordando a outra. Dirigiu-se à varanda e sentou-se numa cadeira, recostando-se confortavelmente enquanto tirava um cigarro. Era um ritual que não dispensava, sempre a descontraíra, mas desta vez nem mesmo este lhe eliminava as dúvidas. O Verão estava a acabar e em breve estaria de volta na faculdade, o que lhe ocuparia grande parte do tempo. Como faria para consolidar estudos com Susana?
Estava ainda a matutar o assunto quando uma mão pousada sobre o seu ombro a arranca dos seus pensamentos. Olhou para cima e viu a outra acabada de sair da cama, ainda com o cabelo desgrenhado e ar ensonado a sorrir-lhe. A rapariga sorriu de volta, afagando a mão que a loura lhe colocara no ombro.
“Alguém decidiu acordar cedo”, brincou Susana, sentando-se na cadeira ao lado da morena.
“Olá bom dia”, cumprimentou Daniela, ainda imersa nos seus pensamentos.
“Em que é que estás a pensar?”, perguntou a loura, ainda de mão dada com a namorada.
“Daqui por duas semanas vou para a faculdade…e tu tens as noites ocupadas”, disse a rapariga, recostando a cabeça na cadeira.
“E então?”, questionou a outra, coçando a cabeça, o que resultou em cabelos ainda mais revoltos. “Para bom entendedor meia palavra basta”, obviamente que não se aplicava a esta.
“E então que no ano passado praticamente que não tinha nenhum tempo livre para mim, entre aulas e estudar”, clarificou Daniela, penosamente, “Não sei como vou puder ter tempo para estar contigo”
“Tem calma, amor”, assegurou Susana, apertando a mão da morena na sua, “A gente arranja maneira”
A rapariga tinha que admitir que, se havia alguém no mundo cuja falta de eloquência não a impedisse de se sentir amparada, esse alguém era a loura. Desta vez nem se importou que a namorada lhe tivesse chamado amor. Assim sendo, levantou-se da sua cadeira e sentou-se no colo da outra, aninhando-se nos braços desta, que prontamente a abraçou, enterrando a cara no pescoço da rapariga.
O resto do dia decorreu na maior das normalidades, passaram o tempo na piscina, sem nada que nada tivesse acontecido. Provavelmente teriam ficado mais tempo se Daniela não tivesse que pôr a sua ideia em prática. Sugeriu, com um piscar de olho, que tinha uma surpresa, mas que para isso tinham que tomar banho e vestirem-se. Facilmente manipulável, Susana apressou-se a sair da piscina e a arrastar a morena em direcção ao apartamento. Já no banho, acabaram por demorar mais tempo do que o necessário porque, apesar dos melhores esforços da rapariga, a loura não perdia uma oportunidade para a encostar à parede.
Quando finalmente estavam prontas, dirigiram-se para o carro. Desde que namorava com a loura, que o metal e rock que se fazia ouvir do rádio do carro da morena havia sido substituído por reggae. Escusado seria mencionar que a viagem desde o apartamento até à praia foi passada a ouvir Souls of Fire. Estacionaram e tiraram do banco de trás um cesto, cesto esse que a outra, sendo a eterna cavalheira que era, se ofereceu para carregar. Foram para o areal, tendo o cuidado de escolher um sítio mais ou menos resguardado e colocaram uma toalha. Sentaram-se e a rapariga retirou do cesto uma garrafa de champanhe, juntamente com dois copos altos, tirou também uma taça com morangos, o seu fruto preferido.
Daniela sentou-se com as pernas dobradas de lado, deixando Susana deitar a cabeça sobre estas. Colocou os braços em torno do pescoço da loura, deixando as mãos repousarem sobre o peito desta, que olhou para si durante um bom instante, até murmurar “amo-te”. A rapariga sorriu, antes de repetir aquelas palavras e de beijar a outra. Quando terminaram o beijo, mantiveram as testas encostadas, ainda de olhos fechados. Depois de mais um beijo, desta vez não tão demorado, a morena retira a garrafa e despeja parte do conteúdo nos copos, entregando um à loura.
Deram um gole e Daniela retirou um morango da taça, morango esse que levou à boca de Susana. Mas no momento em que esta ia para o trincar, afastou-o, rindo-se depois, levando o morango à própria boca e trincando. A outra fez o seu irresistível beicinho, para enternecimento da morena, que acabou por lhe dar a outra metade do fruto. Quando os lábios da loura lhe roçaram na ponta dos dedos, a rapariga arrepiou-se um pouco, embora não tivesse sido desagradável. Em vez de afastar a mão deixou que Susana lhe lambesse o que restava do suco do morango dos dedos.
Ambas sorriam, sendo a vez da outra de tirar um morango. Passou-o pelos lábios da morena suavemente, até permitir que esta trincasse o fruto. Deixou os dedos pousados sobre os lábios desta, que os mordiscou ao de leve, apenas o suficiente para fazer cócegas à loura. Daniela beijou Susana novamente, antes beber o que restava no copo. Depois pegou noutro morango que deu à loura, só que desta vez aproximou-se dela, que mantinha o fruto entre os dentes e trincou a outra metade. Foram repetindo o processo, até que a taça ficou vazia, bem como a garrafa de champanhe. Apesar do álcool, a brisa nocturna fazia-se sentir e Daniela estremeceu, o que não passou despercebido a Susana.
“Estás bem?”, perguntou, preocupada.
“Estou a ficar com frio”, respondeu a morena, esfregando as mãos nos braços descobertos, já arrepiados.
A outra levantou-se e colocou os braços em torno do corpo da rapariga, de modo a aquecê-la, visto que também não tinha casaco. Tendo em conta que a loura estava sempre quente, não demorou muito para que Daniela se sentisse melhor. Virou-se para Susana e deitou esta de costas na toalha, aconchegando-se nela. Olharam-se intensamente durante uns instantes, nenhuma soube dizer quanto tempo ao certo, observando a forma como a luz lunar lhes incidia na pele, até que se beijaram, por iniciativa de ambas. O beijo começou doce, terno e suave a início, mas à medida que se foi intensificando, também a necessidade com que as raparigas se agarravam.
Apesar da temperatura fresca da noite, o clima que se fazia sentir entre ambas facilmente a aquecia. Não demorou até que peças de roupa fossem removidas e postas de parte, pouco depois Susana estava por cima de Daniela, beijando-lhe o pescoço, ambas apenas cobertas pela toalha. Por muitos anos que viesse a viver, aquela seria uma noite que Daniela nunca esqueceria.