segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Capítulo 93


Susana aconchegou melhor Daniela debaixo do seu braço enquanto viam televisão. Já sentia falta daqueles momentos, momentos esses em que, apesar de não serem os mais entusiasmantes, podiam ficar somente na companhia uma da outra, mesmo que nada dissessem. Nem era preciso e ambas estavam gratas por esse silêncio apaziguador. No entanto, ainda havia algo que impedia a loura de se sentir na mais completa e plena paz. Os acontecimentos daquele dia com a jornalista. Era como que um espinho cravado na pele, incomodava-a e, se a rapariga conseguira pôr de lado a sua teimosia e perdoar-lhe, ela também teria que ser honesta.

Hesitante, despertou a morena que lhe estava a passar a mão pela barriga, perdida no que quer que estivesse a pensar, “Daniela?”

“Hm…adoro os teus abdominais”, murmurou Daniela, distraída, fazendo passar um dedo ao longo da barriga da outra, sentindo os altos e baixos dos músculos bem definidos.

Susana agradeceu o elogio, dando-se ao luxo de mostrar alguma vaidade pela forma em que se mantinha. Nem era por motivos de estética, era mesmo porque gostava de praticar desporto, os resultados eram só um bónus. Porém, por muito enternecida que tivesse ficado com o elogio, tinha algo para confessar à rapariga e convinha que não adiasse. Segurando-lhe a mão, conseguiu a sua atenção e, séria, disse, “Não sei como é que hei de dizer isto, mas…”

A morena ergueu o sobrolho, receosa pelo que viria ali. Nunca gostara quando a loura assumia uma atitude séria, em geral só o fazia quando o assunto era mesmo grave e, naquele momento, queria tudo menos lidar com assuntos graves. Mesmo assim, encorajou a outra a dizer, de uma vez por todas, o que é que tinha a dizer.

“Eu pensava que já não querias mesmo nada comigo…”, começou Susana, notoriamente embaraçada, tanto que corara, coisa que era raro acontecer, “Já não estava com ninguém desde…olha, desde a última vez que estivemos juntas”

De erguido, o sobrolho de Daniela passou a franzido. Já estava a ver onde ia dar a conversa e, se fosse o que estava a pensar, então as coisas também se iriam mostrar tremidas para o seu lado. Não poderia a outra ser honesta sem que ela também não o fosse. E como é que isso as deixaria? Mas porque é que mal podiam estar bem sem que houvesse sempre sinais de novos problemas?

Engolindo em seco, a loura continuou, incapaz de encarar a rapariga, tanto que se limitou a fitar os seus ténis pousados em cima da mesinha, “A jornalista, sabes, aquela…bem, essa começou a provocar-me e…eu não aguentei”

As suspeitas da morena confirmaram-se, sempre era o que estava a pensar que seria. Não tinha autoridade para descarregar a raiva que sentia e gritar com Susana, até porque nem esta tinha feito algo de errado, nem ela tinha feito senão o mesmo. Sentindo a garganta seca, respondeu, “Pronto, não tem importância”

A resposta apanhou a loura de surpresa, tanto que arregalou tanto os olhos que pareciam sair-lhe das órbitas. Balbuciando, inquiriu, “Como…como assim não tem importância?”

A hipótese mais viável era ser sincera. Daniela suspirou, constrangida e, olhando para a pulseira que tinha no tornozelo para evitar olhar a outra nos olhos, clarificou, “Não tem importância porque…fiz o mesmo”

“O quê?!”, gritou Susana, antes de se obrigar a acalmar, já que não se justificava o acesso de raiva que sentiu, só a fazia passar por hipócrita. Alguém iria lamentar e muito ter-se metido com a rapariga. Inspirando e expirando várias vezes, perguntou, “Quem?”

“A Sofia…sabes, aquela com quem eu…”, tentou justificar-se a morena, a quem os ciúmes por parte da loura souberam muitíssimo bem, mesmo que não pudesse mostrar o quão contente estava. E ficava tão querida quando estava zangada, com os olhinhos azuis a chisparam, desde que o objecto de dita raiva não fosse ela, Daniela, claro estava.

“Eu sei quem é, obrigada!”, rosnou a outra, rangendo os dentes. Com sorte, ainda naquele dia Sofia iria ouvir das boas e então, quando lhe pusesse as mãos em cima iria ficar em polpa, “Se a apanho está fodida”

Rindo, a rapariga lançou-se a Susana, abraçando-a. Não queria estragar o que conseguiram havia apenas momentos antes com aquelas duas. Na sua perspectiva, estavam quites e era um assunto a cair no esquecimento. Porém, imaginar o cabelo da repórter a arder causou-lhe uma certa satisfação. Ao ouvido da loura, sussurrou, “Esquece a Sofia, se eu pudesse também dizia das boas à jornalista mas se tu esqueceres, eu esqueço”

A outra relaxou um pouco, colocando a morena no seu colo. Ainda considerou a hipótese de fazer uma espera a casa de Sofia mas rapidamente tirou o cavalinho da chuva quando Daniela lhe começou a mordiscar o pescoço. Limitou-se a dizer, sorrindo em antecipação, “Parece-me bem”

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Capítulo 92


Passada o que pareceu a Susana uma vida inteira, a repórter incansável pareceu-lhe saciada. A loura não podia estar mais grata por isso, havia bastante tempo que aquilo tinha deixado de lhe ser agradável. Partilhando um beijo com a jornalista, acabou por se deitar a seu lado, acabando por se abstrair da sua existência quando se embrenhou nos seus próprios pensamentos. Na teoria, deveria ter sido fantástico e, do ponto de vista físico, fora, afinal a repórter devia ser das mulheres mais atraentes que já vira. Mas o sentimento de culpa e o tormento que dele adveio não lhe deram tréguas. Não tinha feito nada de errado, já não estava com Daniela, porém, sentia a sua falta, mais que qualquer coisa e esta não lhe dava oportunidade de sequer ter uma conversa que não fosse unilateral. Observando a aliança que ainda usava, ponderou até que ponto ainda poderia ter esperanças.

A jornalista, ao reparar no silêncio pensativo da loura, deitou a cabeça no peito desta e, percebendo que olhava para a aliança, sorriu-lhe e confessou, “A tua mulher tem sorte”

A outra sorriu, embora não tivesse parecido genuíno, nada mais que um erguer de lábios. “A sua mulher”…apenas no papel e aos olhos de tudo e todos menos delas, não passava de uma farsa para as manter a ambas fora de problemas e questões constrangedoras. Que satisfação é que isso lhe dava? Vendo que não obteria grande reacção de Susana e que a expressão melancólica desta persistia, a repórter insistiu, “No que depender de mim ela não vai saber, se é que é isso que te preocupa”

Se a loura estivesse menos atenta ao brilho da aliança e mais ao que iluminara os olhos da jornalista, as suas defesas estariam alerta. No entanto, naquele momento a única coisa que a afligia era a possibilidade da rapariga vir a tomar conhecimento do que se passou e então eliminar de vez as suas hipóteses já tão reduzidas. Disse, “Não contes mesmo”

Acenando negativamente com a cabeça, a repórter esclareceu, honestamente, “Tenho namorado, estar contigo foi mais para concretizar uma fantasia que outra coisa qualquer”

Fossem as circunstâncias diferentes, a outra teria ficado zangada. Era precisamente pessoas assim que a tiravam do sério, desde os tempos em que trabalhara no bar e, uma vez por outra, encontrava uma que vinha com o mesmo tipo de conversa. Como na altura estava solteira e, naquele momento, embora estivesse na mesma situação, tinha uma e apenas uma no seu coração, tal facto não lhe fez diferença. Encolhendo os ombros, retirou a mão da jornalista que lhe passeava pelo peito e levantou-se, “Tenho que ir andando”

“Adeusinho”, replicou a repórter, acenando. Não estivesse Susana tão preocupada, a imagem da jornalista com os cabelinhos desalinhados, nua, teria sido digna de se apreciar. Porém, não era mesmo o toque dela por que ansiava. Ao recordar como fora estar com a jornalista, o quão estranha a sensação lhe parecera, por contraposto a como era com a morena, a loura prometeu a si mesma que, só precisava de uma oportunidade, só uma, mas que não iria desistir de Daniela. Foi com a promessa de que faria tudo ao seu alcance que foi para casa, com uma nova determinação.

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Quando Daniela pensava que nada a teria feito sentir-se mais realizada em adolescente que aquilo que tinha acabado de fazer, tinha vontade de rir. Em defesa de Sofia, a secretária desta não era o local mais confortável, mas os seus modos bruscos e impacientes, isto para não falar na sua pouca vontade de retribuir, não deviam constituir surpresa para a morena, afinal a outra sempre fora egoísta. Tinha que lhe dar algum mérito, conseguira tirar alguma da tensão que sentia. Porém, mais do que tensão, servira para lhe tirar as dúvidas, se é que tivera algumas. Num extremo estava o toque meigo mas seguro de Susana, no outro extremo antagónico, o impessoal e descuidado de Sofia. No entanto, mais importante que a vertente física…

“Isso foi tudo a Marques que te ensinou?”, brincou a outra, interrompendo a reflexão de Daniela, enquanto vestia a camisa.

A Marques…que forma tão distante de falar da loura. A rapariga limitou-se a sorrir-lhe, ao invés de vocalizar uma resposta. O reluzir da aliança que ainda usava incidiu-lhe nos olhos no momento em que um raio de sol proveniente da janela lhe tocou. Sentindo uma pressão no peito, retraiu-se um pouco. Caso obedecesse à sua vontade, teria saído disparara de casa de Sofia, mas não sem parar para provar os cozinhados da mãe desta, diga-se, e atirar-se ia aos braços de Susana. Se esta a aceitasse, claro estava. Depois do tratamento que lhe dera nos últimos tempos, a loura já não iria querer nada com ela. Foi então que começou a ficar nervosa.

“Daniela, Daniela…”, chamou a outra, estalando-lhe os dedos em frente à cara mas a morena não se apercebeu. Sob o receio de perder de vez a loura, o que ela tinha feito no passado nem lhe pareceu tão grave. Não era que a desculpasse, mas ela tinha feito tantos progressos para superar a dependência. Tinha que fazer alguma coisa.

“Bem, Sofia, tenho que ir andando, foi um prazer ver-te”, despediu-se Daniela, dando-lhe um beijo na bochecha, “Continuas linda como os amores e eu adoro você”

Correndo para o carro, perante uma Sofia embasbacada, mas divertida, acelerou como se a sua vida dependesse disso, não dando atenção aos semáforos em que não parava nem às apitadelas que recebia. Num instante chegou a casa, onde percorreu todas as divisões até que deu com Susana na varanda, encostada ao gradeamento. Ao ouvir o passo apressado e a respiração ofegante da rapariga, a loura encarou-a. A morena, agindo por impulso, lançou os braços ao pescoço da outra, que ficou demasiado surpreendida para reagir. Lentamente, acabou por cair em si, apertando a cintura de Daniela. Passando-lhe a mão nas costas, consolando-a, perguntou, “Então?”

Invocando toda a coragem, a rapariga, pela primeira vez, despiu o seu orgulho, teimosia e cobardia, levando atrás a camada de gelo que costumava manter e, levantando a cabeça do ombro de Susana, num só fôlego disse, “É assim, não me esqueci de muita coisa que tu fizeste, mas estou disposta a perdoar-te porque eu também não sou perfeita…não me interrompas se faz favor!...se ainda me aceitares, coisa que eu duvido porque tenho sido muito desagradável para ti nos últimos tempos…”

A loura abriu a boca para tentar dizer alguma coisa, mas a morena fez-lhe sinal para que não a interrompesse e, ainda sem parar para respirar, continuou, “Mas ficas a saber que tenho muito em conta tudo o que fizeste para superar o problema e fico orgulhosa e que se perdoo é porque te amo!”

Dissera-o. Ainda ia a tempo de respirar antes de desmaiar. A outra, sorrindo, puxou-a para si, murmurando-lhe ao ouvido, “Hoje percebi que não posso nem quero desistir de ti”

Sentindo uma felicidade enorme, tanta que julgou que lhe fosse dar um AVC, Daniela correspondeu ao abraço, não querendo, nem por nada, mover um músculo que fosse para longe de Susana. Não passava de um abraço, nem era um beijo, mas ambas puseram nele toda a emoção que guardavam para si havia todos aqueles meses.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Capítulo 91


Mesmo não tendo esquecido por completo o convite de Sofia, Daniela não lhe deu muita importância, não ligando nem mandando mensagem. Não era que não tivesse saudades, apesar de tudo gostava da companhia da outra e considerava-a uma amiga de quem se tinha vindo a afastar, ainda que nunca tivesse sido essa a sua intenção. Porém, a sua prioridade era o trabalho e, quanto mais trabalhasse, menos tempo passava em casa. Assim sendo, apenas voltou a pensar no assunto, vários dias depois, quando o telemóvel vibrou em cima da mesa, interrompendo o seu pequeno-almoço:

“Ser desaparecido, hoje estás livre?”

Franzindo o sobrolho, a rapariga pousou o aparelho, voltando a mordiscar a sua torrada, pensativamente. Em bom rigor, estava disponível, mas não tinha a certeza se queria passar a tarde com Sofia, nem a própria sabia porquê. Se calhar no fundo, bem lá no fundo, tinha esperança que Susana não estivesse muito tempo fora de casa naquele dia e que ela, Daniela pudesse passar o serão a observá-la, derretida, como uma adolescente com uma paixoneta de liceu, como já o tinha vindo a fazer, sobretudo nos últimos tempos. Não que alguma vez o fosse admitir, mas estar na presença da loura dava-lhe uma sensação reconfortante, como um chocolate quente num dia frio. Sorrindo para si ao pensar na outra, a morena achou que já chegava. Afastando esses pensamentos, voltou a sua atenção desta vez para o café, quando foi interrompida por Susana.

Apenas uma t-shirt de algodão larga branca impedia a loura de aparecer como veio ao mundo, t-shirt essa que pouco cobria, deixando a descoberto a pele bronzeada das pernas da outra. Embasbacada, Daniela levantou a cabeça, deixando o olhar deambular pelo corpo de Susana, passando pela cintura fina, detendo-se por uns momentos no peito, cujos contornos eram impossíveis de se ignorar, até que parou definitivamente na face desta. A loura vinha com o seu ar ensonado, com o cabelo num remoinho, que ficou ainda pior quando passou a mão, tirando-o da cara, mas para a rapariga, apenas a tornava mais sexy. Era altura de colocar a sua melhor poker face e esperar que a tortura não durasse muito.

“Bom dia”, disse a outra, sorrindo tanto quanto o sono e a letargia lhe permitiam.

“Bom dia”, retribuiu a morena, impedindo, a muito custo, diga-se, os cantos dos lábios de se erguerem mais do que o suficiente, “Dormiste bem?”

“Sinceramente dormi pouco…cheguei a casa mais tarde do que pensava e tenho que me despachar”, respondeu Susana, surpreendida por Daniela ter dado conversa, porque normalmente não conseguia mais do que respostas monossilábicas, tanto que não se coibiu de falar pelos cotovelos, “Hoje tenho uma sessão de fotos e depois vou a uma consulta de rotina…faz parte do tratamento, sabes…por isso…”

A loura era tão adorável quando estava ensonada que a morena só teve vontade de a mimar ali mesmo. Permitindo-se a sorrir, enternecida, olhou mais uma vez para a outra, antes de dissimular o rubor que lhe apareceu nas bochechas. Não desejando fazer figura ainda mais patética do que já sentia ter feito, a rapariga respondeu rapidamente a Sofia, concordando em encontrar-se com ela, o seu orgulho acima de tudo. Levantando-se, afagou rapidamente os cabelos de Susana, dizendo, antes de sair de casa, “Que bom…olha, vou sair e não sei quando volto…hm, até logo”

Mesmo tendo virado Speedy Gonzalez até se ter visto porta fora, a morena ainda foi a tempo de notar que a outra ia a abrir a boca para dizer qualquer coisa. No entanto, presumiu que fosse só para se despedir, portanto não lhe deu tempo de se pronunciar, deixando-a ainda de boca aberta. Quando se sentou no carro, combinou os últimos pormenores com Sofia, antes de arrancar em direcção à casa desta, tendo por base as indicações que lhe foram dadas. Mesmo que o seu sentido de orientação não fosse perfeito, Daniela deu com o apartamento sem grandes problemas. Durante todo o percurso, a imagem de Susana com a sua t-shirt quase transparente assombrou-lhe os pensamentos.

Vendo o seu reflexo na porta envidraçada, a rapariga ficou satisfeita com o resultado. Apesar de não pretender impressionar Sofia, queria dar uma impressão melhor do que a que dera da última vez que a vira, em que parecia algo encontrado no lixo. Tocando à campainha, compôs o cabelo enquanto aguardava que a outra a viesse receber. Esta não demorou, saudando-a alegremente, antes de se lançar num abraço justo, “Dani! Vieste!”

“Cê desapareceu da ‘nha vida, eu tinha saudades de você”, brincou a morena, puxando Sofia para si, o que lhe proporcionou uma sensação plena da cintura acentuada desta. Como se ainda não estivesse a sofrer os efeitos da loura semi-nua, agora a outra resolvera recebê-la com calções e uma camisa atada na cintura…

“Eh lá! Olha-me só essas pernas!”, admirou-se Sofia. Sempre fora a parte da rapariga que mais gostara, isso juntamente com o cabelo escuro com reflexos avermelhados, o seu tom preferido, fazia dela mesmo o seu género. Não pôde evitar um sorriso de satisfação ao ver que Daniela mantivera os atributos desde a sua adolescência, “Aquela Susana realmente…”

Querendo manter Susana longe dos seus pensamentos e da conversa, a rapariga limitou-se a abanar a cabeça e a desviar o tema, mantendo sempre a atitude brincalhona, “Deixa lá que o teu pacote…”

“Se quiseres podes tocar”, sugeriu a outra, arqueando uma sobrancelha por cima dos óculos. A morena sempre gostara de a ver usar óculos, conferia-lhe aquele ar de bibliotecária marota. Deparando-se com o olhar de “El matador” de Sofia, Daniela sentiu o mesmo calor que sentira havia instantes antes, ao ver a loura naquela manhã. Sorrindo, a rapariga aceitou o convite, constatando que havia coisas que nunca mudavam ou se mudavam, era para melhor.

Partilhando mais umas gargalhadas, dirigiram-se para o quarto da outra, com a morena perdida de riso e Sofia a dizer qualquer coisa a respeito de umas bandas do gosto de ambas, que Daniela não ouviu, de tão ocupada que estava a ignorar os calores que sentia. O telemóvel vibrou-lhe no bolso dos calções, mas não viu de quem se tratava, mais tarde teria oportunidade. Encostando-se à secretária, a rapariga não pôde deixar de desfrutar de uma vista generosa do peito da outra, enquanto esta procurava as músicas no computador.

“Lembras-te desta?”, questionou Sofia, passando uma música de uma banda que fora ela mesma a dar a conhecer à morena, instalando-se um ambiente de nostalgia naquele quarto.

“Linda mesmo, aliás todo este álbum é”, murmurou Daniela, fechando os olhos para apreciar a música. Ainda se lembrava, quando se tinham conhecido, quase imediatamente depois, a outra tinha-lhe mostrado aquelas músicas e sempre que as ouvia, passados todos aqueles anos, associava-as sempre a Sofia. Sentando-se na secretária, ao lado da outra, a rapariga perdeu-se por uns instantes. Foi a sensação de uns lábios quentes e macios encostados aos seus que a fizeram despertar, pestanejando várias vezes, “Sofia…”

“Hm?”, sussurrou esta, sorrindo, com a testa encostada à da morena.

Com o coração acelerado, a rapariga pensou na loura, nos seus modos adoráveis mas sempre seguros de si, na forma como esta conseguia ser tão animada e como acabava sempre por a contagiar e depois em Sofia, menos infantil e mais agressiva, mas que sempre a provocara. Sentindo uma pontada de dor, a morena não viu como os tempos antigos com Susana poderiam alguma vez voltar. Suspirando, melancólica, respondeu, “Nada”

Assim, a outra tirou os óculos e puxou Daniela para si, sentindo-a corresponder, colocando as pernas em torno da sua cintura. Naquele momento, a rapariga decidiu deixar de sentir pena de si própria e fazer por esquecer Susana.

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Susana ficou a ver Daniela afastar-se como se ela, Susana tivesse alguma doença. A loura queria ter convidado a rapariga para irem a uma geladaria nova que abrira havia pouco tempo na capital, até porque sempre se sentira esperançosa quanto à possibilidade de um dia se reconciliarem e, como tal, se havia coisa que não queria era que o fosso entre ambas crescesse. A morena podia pensar o que quisesse, mas a outra estava certa de a ter visto corar ao sorrir-lhe e nem nada nem ninguém lhe tiraria isso. Quando Daniela pensava que não estava a prestar atenção, Susana bem que notava cada vez que ela olhava para si, tanto que acalentara a esperança de que esta aceitasse o convite. No entanto, Daniela nem lhe dera hipóteses de falar.

Ao tomar duche, a loura perguntou-se para onde iria a rapariga. Ia bem vestida, o que levantou uma onda de preocupação que roçava o pânico na outra. Até ao momento não pusera a hipótese de que a morena estivesse a conhecer outras pessoas, quanto mais que fosse sair com alguém. A ideia, por si só, causava pavor a Susana e o medo ficou com ela desde que ponderara tal possibilidade, até ter chegado ao local onde iria decorrer a sessão fotográfica. A única coisa que a impediu de roer as unhas até ao sabugo foi a decisão de mais tarde questionar Daniela. Enquanto o momento não chegasse, iria distrair-se com a sessão.

Quando entrou dentro do edifício, verificou que quem estava encarregue das fotografias era a jornalista que a deixava em brasa. Aquela ocasião não era excepção, a repórter, de câmara em punho e roupas tão reduzidas que não deixava nada à imaginação, falou a Susana, comprimindo-se contra ela, num abraço, “Bom dia! Então estás bem-disposta?”

Dando o seu melhor por não fazer caso do peito da jornalista bem junto ao seu, a loura replicou, “Bem obrigada e você?”

“Ai trata-me por tu, se faz favor, linda”, pediu a repórter, afagando a face, pescoço e peito da outra, rindo.
Sentindo uma onda de calor percorrer-lhe o corpo, Susana não conseguia deixar de se perguntar o que teria feito de mal na outra vida. Daniela parecia adorá-la como antes, disso não duvidava, mas dava-lhe a maior indiferença e antipatia sempre que falavam. Depois a repórter não deixava um centímetro de pele por tocar e ela, Susana, sentia tanto a falta do toque de alguém. Mas não queria ceder à tentação, pela rapariga.

“E se desta vez apimentássemos isto?”, propôs a jornalista, com um olhar atrevido, brincando com a camisa da loura, “Podias mostrar mais qualquer coisa desta vez, não?”

“Não sei…”, disse a outra. Sempre se recusara aquelas propostas, mas o certo é que a produção já a incitara a fazê-lo e ela, mesmo que não fosse tímida, não se sentia totalmente à vontade com algo do género.

“Por favor…”, pediu a repórter, desapertando um botão a Susana.

Foi assim que a loura se viu a aceitar, com relutância, sempre a mentalizar-se que não seria nada que nunca tivesse mostrado na praia. A jornalista deu um pulinho de entusiasmo, antes de dar um beijo rápido no canto do lábio da outra, que se sentiu capaz de rebentar nesse momento. Estava determinada a não ceder, mas a repórter mexia mesmo com ela. Num bikini mais reduzido que os que normalmente vestiria, acabou por posar como a jornalista pedia, nunca deixando passar um instante para lhe tocar. Provocada e a perder o seu auto-controlo, Susana desejava que aquela sessão acabasse.

Quando a jornalista se deu por satisfeita, a loura sentiu alívio, como nunca tinha sentido antes. Ia a pegar na roupa, quando a mão da repórter a deteve, encaminhando-a até a uma parede, não havendo espaço entre ambas. A outra olhou para a jornalista, que lambia os lábios e teve presença de espírito suficiente para dizer, “Não…”

“Ninguém precisa de saber”, respondeu a repórter, beijando-lhe o pescoço. Ao sentir que Susana começava a baixar as defesas, beijou-a, eliminando o que restava do auto-controlo da loura, que acabou por corresponder, mas nunca sem deixar de sentir a consciência pesada. Nos momentos seguintes, entregou-se à jornalista, sempre satisfaria a sua necessidade de afecto.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Capítulo 90


Daniela acordou no momento em que o seu ombro embateu no chão de madeira. O sofá não era o local mais confortável nem o mais aconselhável para as suas costas, que nunca foram exactamente as melhores, se bem que era preferível aguentar as dores do dia seguinte e noites em claro do que admitir toda aquela confusão à família. Só Deus sabia a reacção que a sua mãe iria ter. E a última coisa que a rapariga queria era desencadear o Apocalipse. Mais do que isso, Susana não precisava de ter todos os media e mais alguns a divulgar o seu casamento falhado. No que dependesse da morena, se sacrificar o seu descanso impediria uma tragédia, então que fosse, por si e pela loura.

Amaldiçoando a sua sorte, decidiu levantar-se, afinal já era de manhã e de nada servia aproveitar aquele tempo extra, mais valia que se aprontasse. Para chegar à casa de banho tinha que passar pelo quarto que em tempos partilhara com a outra. Só não esperara que esta tivesse deixado a porta aberta o suficiente para que a conseguisse ver a vestir-se. Sentindo a face ruborizar, nem a própria sabia porquê, Daniela afastou o olhar, indo a passo rápido para a casa de banho. Regulando a temperatura da água do duche para que esta corresse mais fria, esforçou-se para retirar a imagem da loura a secar o corpo molhado com a toalha. Uns minutos mais tarde, já se sentia menos perturbada.

Uma vez na cozinha, a sua falta de à-vontade voltou, juntamente com a visão da outra sentada à mesa com a sua taça de Chocappic. Ao avistá-la, Susana sorriu abertamente. Ao menos alguém que tivesse dormido em condições. A loura apontou para as torradas que fizera e para o café, sempre feliz, mostrando-o com o seu sorriso, “Bom dia! Fiz-te o pequeno-almoço”

“Obrigada”, limitou-se a rapariga a responder, séria, embora o gesto a tivesse sensibilizado, coisa que não podia mostrar. Puxando a cadeira para se sentar, fez o seu melhor para manter a expressão de neutralidade, como se Susana não estivesse ali, coisa que se complicara quando provara as torradas, constatando que estavam muito boas. Reflectindo acerca de tudo o que a esperava naquele dia de trabalho, a presença da loura não a voltou a incomodar. Era uma das vantagens, isto para não dizer a única, da exploração a que era sujeita.

“O tratamento tem corrido bem, não tenho tido muita necessidade…”, começou a outra, a eterna faladora, rompendo com o silêncio. No entanto, naquele momento, parecia constrangida, não era seu hábito partilhar grandes pormenores do seu vício e sempre que o fazia mostrava-se mais frágil e vulnerável, o que era o golpe incendiário no gelo da morena. Continuando, disse, “Em princípio mais dois meses e fico limpa”

“Fico feliz por ouvir isso”, respondeu Daniela, engolindo um bocado de torrada com tanta facilidade como se se tratasse de uma bola de ténis. Não podia mostrar nem simpatia nem grandes afectos, no máximo alguma empatia. Mas porque é que tinha que ser tão difícil?

“Aquilo até é engraçado, fora a parte dos medicamentos…”, disse Susana, sem deixar de fitar o fundo da taça onde outrora estiveram os cereais, “É interessante falar com pessoas que estejam a mesma situação…há lá um que está ali porque não quer ser um mau exemplo para o filho pequeno”

“É pena, de facto”, replicou a rapariga, satisfeita por ter terminado a refeição, sempre era menos tempo que passava ali naquele martírio. Não podia deixar de sentir felicidade, por muito que não o mostrasse, por saber que a loura estava a superar o vício e que seria menos um problema.

“Não ia gostar de um dia dar uma imagem de drogada inútil a um filho meu…”, divagou a loura, nem se atrevendo a encarar a morena. A hipótese de um dia ter filhos, naquele momento, parecia-lhe tão ténue, que não parecia sequer possível. Porém, sempre desejara uma família e tê-la-ia, quer fosse com Daniela, quer com outra, mesmo que não lhe afigurasse possível outra pessoa.
A rapariga nada disse. Ter filhos, naquela altura, nem era uma questão sobre a qual fosse considerar, o que era, simultaneamente, um alívio e uma pena. Por um lado, já se mostrara mais aberta à ideia. Por outro, tinha medo de os ter e não sabia se alguma vez seria boa mãe, já que tinha o instinto maternal de um tubarão. Levantando-se, afagou o ombro à outra como despedida. Esta colocou a mão sobre a sua, afectuosamente. Deixando arrastar a mão até que se separaram, a morena não pôde deixar de apreciar aquele pequeno momento partilhado por ambas. Porém, não teve senão que engolir a nostalgia.

Ao olhar para trás, ainda verificou que o mesmo estaria a sentir Susana, a julgar pela expressão desta, melancólica. Suspirando, baixou o olhar, seguindo-lhe o exemplo, a loura que, se dependesse de si, teria puxado Daniela para si, estava consciente que a situação era culpa sua e, dessa forma, não estava no direito de fazer o que quer que fosse. Não teve senão que deixá-la ir, sem se puder aproximar. E a rapariga tinha igual pena, ainda deitou um olhar por cima do ombro, mas a outra já tinha voltado a sua atenção para qualquer coisa do lado de fora da janela. Conformando-se, saiu de casa, para não pensar em nada que não no trabalho, onde aplicou toda a sua concentração e brio.

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Após o que Daniela sentia ter sido um dia laboral bastante produtivo, até conseguira despachar o que andara a adiar semanas, foi com um sorriso de satisfação que arrumou as suas coisas e caminhou em direcção ao carro, nem o facto de este se encontrar estacionado demasiado longe para o seu gosto a aborreceu. Pelo caminho, ao contornar uma rua, uma voz muito conhecida fez-se soar, “Daniela!”

Pestanejando, confusa, virou-se na direcção em que lhe pareceu ouvir a pessoa em causa a chamá-la. Olhara na direcção errada, já que a voz se fez ouvir novamente, desta vez acompanhada por um riso, bem-disposto, embora trocista, “Deste lado! Tu não mudas, pois não?”

A rapariga revirou os olhos, antes de se voltar para Sofia, recostada na esplanada de um café, com um sorriso rasgado. Com ela estava o amigo comum de ambas, Jorge, que as apresentara, havia muitos anos atrás, devia ter a morena os seus quinze anos. Aproximando-se, Daniela pôde verificar, para mal dos seus pecados, que a pessoa de Sofia se mudara, então era para melhor. Se já quando se conheceram a rapariga a achara bonita, de uma maneira vulgar, agora não podia negar que os anos lhe fizeram bem. Desde a cintura minúscula ao peito, passando pelas suas muitas curvas, Sofia tinha uma figura invejável…e atraente, acrescente-se.

A observação causaram uma certa inveja na morena, cujos efeitos do trabalho a que se sujeitava e das noites de insónias não faziam daquela a sua melhor fase. Tal coisa não passara despercebida nem a Sofia nem a Jorge, que a fizeram sentar-se com eles, antes de o rapaz lhe socar o braço em tom de brincadeira, “Que cara é essa, pah?”

“A mulherzinha dela não lhe deve dar descanso, não se nota logo?”, gozou Sofia, dando-lhe uma palmada no outro braço, “Aqui a Dani casou-se, não disse nada a ninguém, ainda por cima com a Susana Marques!”

“Esta gaja tem uma sorte…”, comentou Jorge, abanando a cabeça, enfatizando o que a outra dissera.

“Ahm…pois, não é para todos”, respondeu Daniela, sorrindo, desconfortável. No que se fora meter, pelo menos de onde estava tinha uma boa vista do peito da outra.

“A gaja é boa pa xuxu, só precisas é de meter tampões nos ouvidos, aquilo a cantar não se pode ouvir”, comentou Sofia, torcendo o nariz, mostrando o seu desagrado pela música de Susana, “Desculpa Daniela”

“Aqui para nós, também não é bem o que mais gosto”, confessou a rapariga. Tivesse sido há coisa de dez anos atrás, teria dito que a música da loura era horrível, mas tratava-se da sua ex-mulher, claro que tinha um carinho especial pelo que esta fazia e sabia-lhe bem ouvi-la ao fim do dia. Mesmo tendo admitido que não era uma preferência sua, defendeu-a, “Mas não a julgues pelo que faz, ela toca muito bem viola e aprende qualquer coisa num instante, gosta é do que toca”

“Pronto, não falo mais na tua mulher”, proferiu a outra, levando as mãos ao ar, em sinal de derrota, “Continuas aquela alucinada que se atirou para a moche em Slayer?”

“Aquilo em Lamb of God é que foi e ainda sobrou para Metallica”, acrescentou o outro, regozijando-se ao relembrar aquele dia. Cartazes assim só apareciam umas vezes na vida e ficavam no coração, mesmo com o passar do tempo.

“Arrependi-me porque saí de lá a rastejar!”, esclareceu a morena, abanando a cabeça, “Sabes que um concerto valeu a pena quando depois não te consegues mexer o resto da semana”

“Verdade”, admitiram, tanto Sofia como Jorge, em uníssono. A outra, tão entusiasmada como se lhe tivessem acabado de anunciar que tinha ganho o euromilhões, convidou, “Um dia destes passas lá por casa e mostro-te umas músicas que até deliras, ainda tens o mesmo número?”

Anuindo, Daniela consultou o relógio e apressou-se a despedir-se, mas não foi embora enquanto a outra não a obrigou a prometer que apareceria lá por casa em breve.