segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Capítulo 40

A noite de trabalho acabou para Susana, mais tarde do que esperava, pois já podia ver os primeiros vestígios solares da manhã. Tinha sido uma noite agitada, tendo em conta que era Verão e havia constantemente festas e grandes multidões. Era a altura do ano que mais a cansava, apesar de a adorar. Iria descansar o mais possível naquela manhã e iria tentar fazer um pouco de bodyboard à tarde, o dia seria só para ela. Colocou o capacete, sentando-se, de seguida na mota, mal podendo esperar por se estender na cama e adormecer.
Ia já a fazer a curva que dava para o acesso ao seu bairro quando avistou uma ambulância à porta de casa. O seu primeiro instinto foi perguntar-se pela avó, cujos ataques de tosse se tinham vindo a tornar cada vez mais frequentes e violentos, mesmo que esta pensasse que a neta não estava ao corrente da situação. Saltou da mota, não se preocupando com o descuido com que esta teria que aguentar e arrancou o capacete, tal era a ansiedade. O portão já estava aberto, bem como a porta. Entrou sempre em corrida, gritando pela avó, procurou divisão a divisão, à medida que a aflição aumentava. Avistou-a, por fim, no chão do quarto, enquanto um paramédico lhe aplicava uma máscara ligada a um tubo.
“AVÓ!”, gritou, sempre tentando alcançá-la, até que um paramédico a agarrou e impediu de chegar ao quarto, “LARGUE-ME! QUERO VÊ-LA!”
“Só vais estorvar se fores para lá”, retorquiu o indivíduo, usando toda a sua força para a impedir de interferir no trabalho dos seus colegas, “Pára quieta!”
A senhora, que pareceu estar a servir-se de toda a sua presença de espírito para sequer abrir os olhos, acenou para que lhe tirassem a máscara e para que Susana se aproximasse. Retirou o braço da mão do paramédico com brutidão e correu para junto da avó, ajoelhando-se ao lado desta. A idosa sentiu-se feliz por ver a neta, ainda que fosse pela última vez. Ao sentir a loura a apertar-lhe a mão na sua, teve ainda força para a apertar também, mesmo que nem conseguisse ouvir o que Susana estava a gritar. Esta parecia-lhe rodeada por uma névoa…distante e para a avó, o esforço que fazia era insuportável. Já não sentia dor, não sentia a mão da neta a envolver a sua, nada.
“Não…por favor, não…”, implorou Susana, sentindo a voz a fraquejar. A mão da avó pareceu-lhe inerte e um pequeno peso morto na sua. Não conseguia acreditar, recusava-se a fazê-lo. O paramédico apenas declarou a hora do óbito e deu umas ordens que a loura não ouviu aos colegas. Rapidamente o corpo foi colocado num saco apropriado e levado dali, durante esse tempo a loura deixou-se ficar ajoelhada no chão, incapaz de se mexer um milímetro que fosse. Aquilo não podia estar a acontecer…
“Lamento imenso…”, um após um, toda a equipa de socorro foi dando as condolências a Susana. A qualquer pessoa que observasse de fora, aquelas palavras, proferida por aquelas pessoas, iriam soar frias, quase como rotineiras. Mas a jovem nem as ouviu.
Foi passado muito tempo que uma lágrima finalmente foi libertada, seguida por outra. Segundos depois já o corpo ainda ajoelhado da loura era sacudido por uma sucessão de soluços. Sempre que pensava que já não tinha força para chorar mais, uma nova onda de lágrimas inundava-lhe os olhos azuis. Os últimos vestígios de forças pareciam abandoná-la, mas não antes que a jovem se pudesse deslocar dali. Trancou o quarto da avó e foi para o seu, onde se deixou cair em cima da cama, desejando que não passasse de um sonho horrível.
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Ao menos o sono foi brando para com ela. Não se lembrava de ter sonhado fosse com o que fosse, mas sentia-se quase tão exausta como quando adormecera, ainda com as roupas do dia anterior. O silêncio que se fazia sentir na casa comprovava-lhe que era a realidade e não um pesadelo. Não era justo…Consultou as horas no relógio que tinha na mesa-de-cabeceira, deixara-se dormir imenso tempo, eram horas de jantar e dali por duas horas tinha que ir trabalhar e nem a playlist tinha pronta. Num acesso de raiva, pegou no relógio e atirou-o contra a parede, ouvindo o som deste a despedaçar-se.
Em condições normais teria sido acordado pela avó à hora de almoço, para que se fosse alimentar. Agora, teria que tratar de si sozinha…o que não constituía problema, sempre fora assim, mas sentia-se só e desamparada. Normalmente estaria esfomeada, mas naquele momento só de pensar em comida sentia-se enjoada. Ficou onde estava, apenas se enrolou sobre si mesma, agarrando os joelhos, não iria jantar e muito menos para o bar.
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Apesar de tudo, as suas necessidades fisiológicas eram mais fortes. Susana acordou na manhã seguinte com o estômago a queixar-se, sonoramente. Lá petiscou qualquer coisa, o suficiente para conseguir manter no estômago e para se revitalizar. Mais por rotina que por outra coisa qualquer, consultou o telemóvel. Haviam dado pela falta dela, o dono do bar tentara ligar várias vezes e tinha diversas mensagens deste. Provavelmente iria estar em maus lençóis pois já andava na corda bamba há algum tempo. Guida também andava preocupada. Mas Daniela apenas tinha mandado duas e tentado ligar.
Suspirando de impaciência, colocou a amiga ao corrente da situação, bem como a namorada e, quando ia a ligar para o patrão, deteve-se. Naquele momento a última coisa que queria era discutir, portanto voltou a pousar o aparelho. Em menos de nada recebeu uma resposta, tanto de Guida como de Daniela. A sua própria resposta foi quase idêntica para ambas, agradeceu a preocupação mas preferia estar sozinha. A namorada aceitou, dizendo-lhe para ligar caso precisasse de alguma coisa. Porém, a amiga insistiu que não a devia deixar sozinha. Já prestes a perder a paciência, conseguiu demovê-la.
Ainda tinha que tratar do funeral…por muito que lhe custasse, reconhecia que tinha que ser feito e o quanto antes. Mas teria que ficar para o dia seguinte, já não eram horas de fazer o que quer que fosse. Abriu a gaveta da secretária e tirou uma caixa escondida por trás dos manuais escolares antigos. Desde que acontecera o acidente na festa de Inverno, que prometera que não voltaria a tocar naquilo, nem que fosse por Daniela. Só queria esquecer o caos emocional que sentia, nem que fosse por algum tempo. Franzindo o sobrolho de desconforto, abriu a dita caixa.
Tinha acumulado uma vasta variedade de substâncias…ilícitas. Possível apenas graças ao Zé e aos seus contactos. Desde erva, passando por ácidos, pastilhas de ecstasy e o desastroso pó branco. A namorada não sabia da existência do seu stock de “felicidade” e Susana só não se livrara daquilo porque lhe custou bom dinheiro. Mas agora estava sozinha em casa, mal seria que acontecesse alguma coisa. Enrolou uma num instante, embora soubesse a priori que não iria ser eficaz como gostaria.
Ao menos não lhe pesava a consciência, sabia que Daniela não se importava minimamente com drogas ligeiras, mesmo que nem soubesse nem da missa a metade. Acabou mais depressa do que gostaria e os efeitos pouco a aliviaram, mas naquele momento estava bom.

2 comentários:

  1. Wow a descrição dos sentimentos da Susana está óptima!
    E lá se foi a avó, vou ter saudades :(
    agora essa droga guardada hm não é boa ideia, mas a Susana há de ter juízo...espero eu :p

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  2. E cá estou eu novamente. Li os dois capítulos nos respectivos dias em que os postaste. Mas ... a disposição não tem sido a melhor. E especialmente este capítulo foi mexer no meu passado.
    No entanto, não deixo de dizer que gosto imenso da tua escrita.
    Era de prever a morte da senhora, o que lamento, tal como já vinha a dizer.
    Quanto à relação delas, estou para ver como será que a Daniela vai lidar com o "luto" da Susana.
    Uma viajante dos blogues :) *

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