sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Capítulo 44

Para quem estava tão céptica, Susana decididamente que causara sucesso com nada mais que uma viola. O certo foi que, sem ter que posar para a Playboy, sem usar trajes reveladores e sem armar escândalos cuidadosamente posicionados, a loura conseguira, no espaço de duas semanas que procedeu à elaboração do seu primeiro single, alcançar o terceiro lugar das tabelas nacionais. O seu estilo descontraído e apelativo a qualquer pessoa contribuíra em larga escala.
Uma vez que as aulas tinham começado para Daniela, o tempo que ambas tinham para conviver limitou-se. Gerindo o tempo da mesma maneira que no ano anterior, a rapariga encontrou maneira de consolidar a faculdade com a nova vida da loura, entre ir para o estúdio ou dar uma entrevista, o tempo não era muito, mas o dinheiro compensava. Assim, arranjaram uma tarde para irem lanchar juntas.
Agora perfeitamente habituada a não esconder a relação que tinham, Daniela lançou, sem hesitações, os braços ao pescoço de Susana, antes de a beijar. Não era que demonstrações afectivas em público a constrangessem, eram só as exacerbadas. Além de que não via a outra há mais de uma semana, as saudades apertavam. Dando as mãos, abandonaram o recinto da faculdade e dirigiram-se para uma praça que se situava uns quarteirões de distância. Sentaram-se na esplanada de um dos cafés, aproveitando, assim, os raios de sol e a temperatura quente que ainda se fazia sentir. A loura tomou as mãos da rapariga nas suas e afagou-as, olhando para o anel que ainda reluzia no dedo desta e, por fim, para ela com adoração.
“Alguém estava a morrer de saudades”, disse Daniela, deitando-lhe a língua de fora, apesar de ter a perfeita consciência de que estava a olhar para a loura da mesma maneira.
“Hmhm…”, sussurrou Susana, inclinando-se para beijar a namorada. Estava a meros centímetros de lhe alcançar os lábios quando apareceu a empregada, interrompendo-as. Não perdendo tempo, a loura enumerou uma lista monumental de comida, estava esfomeada. Pediu também para a rapariga, apesar dos protestos desta. “Oh amor, estás magra demais”
“Estás-te a queixar?”, replicou a morena, revirando os olhos, “Tu vê lá…”
Nem pôde concluir o que ia dizer, a outra eliminou, finalmente, a distância que as afastava. Daniela esqueceu-se do que estava a falar, perdia sempre o fio ao raciocínio quando se encontrava na presença de Susana. Esta colocou-lhe a mão por baixo do queixo, beijando-a com alguma intensidade, sendo retribuída pela morena, sem inibições. A chegada da empregada com a comida pôs termos à sessão de mimos, para desolo de ambas. Escusado seria referir que a atenção da outra foi desviada automaticamente para a comida, tragando o sumo em largos goles e dando dentadas gigantes na tosta.
Por sua vez, a rapariga ia mordiscando com calma a sua torrada, deixando o café para o fim. Já a loura terminara a tosta e o sumo e começou a deliciar-se com um bolo, que devorou até só deixar um bigode de chocolate como vestígio. Daniela limpou-lhe o canto da boca com um guardanapo e ambas se riram, até terem sido interrompidas por um rapazinho de ar tímido que não devia ter mais de oito anos. Puxou a manga da t-shirt de Susana ao de leve, tentando chamar-lhe à atenção, até que esta se voltou para ele.
“Desculpe…é a Susana Marques?”, perguntou ele, escarlate de embaraço, sem nunca deixar de fitar os sapatos.
“Sou sim, porquê?”, respondeu a outra, sorrindo de modo amistoso, tentando deixar a criança mais à vontade.
“É que…gosto muito de si…”, continuo o rapaz, corando mais do que parecia humanamente possível, “Será que…podia tirar uma foto consigo?”
“Sim, na boa”, cedeu a outra, com um sorriso, afagando o cabelo encaracolado da criança. Passou o telemóvel do rapaz à morena, para que esta tirasse a foto e colocou o braço por cima dos ombros dele, que tremia como varas verdes. Depois de tirada a fotografia, deu um abraço à criança e deixou que esta lhe desse um beijo na bochecha.
“Oh que amor”, enterneceu-se a rapariga, ao ver a criança afastar-se rejubilante de alegria, “Agora vou ter que me habituar a mais episódios assim, é?”
“É só agora que estou em altas”, disse Susana, rindo-se, embora tivesse adorado a atenção, “Daqui a uns tempos fartam-se de mim”
Não ficaram muito mais tempo na esplanada, aquela noite seria importante. Seria, nada mais, nada menos, que o primeiro concerto de Susana. Nada de muito grandioso, afinal só tinha lançado um single, mas era uma oportunidade que não deveria deixar passar. Aproveitou a boleia de Daniela, que faria parte da plateia e dirigiram-se para o Hard Rock Café. Durante todo o percurso a loura aparentou estar calma, o único indicador de agitação era o facto de ter acabado de roer as unhas e de já estar a roer a cabeça dos dedos. A rapariga estacionou o carro mas deixaram-se ficar no interior durante uns instantes.
“Não te estavas mesmo a ver nesta situação pois não?”, inquiriu a morena, sorrindo, ao ver o olhar absorto no vazio da outra.
“Não…eu só quero ganhar o suficiente para me sustentar”, disse Susana, cujo episódio com o rapaz a tinha deixado pensativa, “Foi engraçado quando apareceu o rapazinho mas não sei o que vem a seguir”
“O que vier a seguir não há-de ser senão bom, tenho a certeza”, garantiu Daniela, afagando a mão à loura, “Vai correr tudo bem”
Saíram do carro, mas não sem, antes, trocarem um beijo rápido. Ao contrário do que normalmente sucedia, era a loura a apertar a mão da rapariga até esta não sentir nada do pulso para baixo. Depois de passarem a entrada, porém, tiveram que se separar. A outra foi para os bastidores, enquanto a morena seguiu para procurar um lugar para se sentar. Assim que localizou um, com boa vista para o palco, correu a sentar-se, afinal já não devia faltar muito para começar. Aguardou com algum entusiasmo, não só por se tratar de Susana e de ser o seu primeiro concerto ao vivo, como também porque gostava, genuína e imparcialmente, do que a namorada tocava.
Pouco depois apareceu Susana em palco, com a viola na mão e um sorriso nos lábios. Para quem não a conhecesse, pareceria estar à vontade e apenas simpática, mas Daniela sabia que a loura estava a fazer um esforço enorme para não desatar a rir, como sempre fazia quando estava nervosa.

1 comentário:

  1. Quando li este capítulo, pus-me a pensar. A Susana deve ser das últimas pessoas que quer fama. Todo aquele estilo descontraído, não me parece que "jogue" bem com a popularidade.
    E a Daniela , vai lidar bem com isso ?
    Veremos. Pelo menos apoio, ela dá-lhe.
    Uma viajante dos blogues :) *

    ResponderEliminar