A adaptação no
novo país, mesmo sendo o seu país de origem, não se revelou pêra doce. A rotina
a que Leonor estava habituada ficara para trás, juntamente com o solo
americano. Tinha saudades das amizades que deixara para trás e daqueles
aspectos culturais que diferenciavam os dois países, fossem os carros de
grandes dimensões e as ruas largas, fossem as idas às lojas de café depois das
aulas. Apesar das boas recordações que guardava do país que para sempre
consideraria a sua segunda terra, bem sabia do que não teria saudades. E a
oportunidade de se afastar daquilo foi algo que agarrou com as duas mãos. De
momento restava-lhe reconstruir a sua vida de raiz e se havia algo que ela não
fazia, era cometer o mesmo erro duas vezes.
Em terras luso,
cabia-lhe, imediatamente, procurar reconstruir a rotina, de modo a ficar tão
idêntica quanto possível àquela que fazia nos EUA e, dado que o desporto sempre
fora uma parte importante da sua vida, voltaria a praticar o quanto antes, não
seguisse ela a máxima de “Uma mente sã num corpo são”. Já pouco tempo depois da
vinda tivera a oportunidade de experimentar equitação mas preferia exercitar o
corpo, em vez das suas técnicas de controlo do cavalo. Vendo as hipóteses que
tinha na sua área, optou por se inscrever num ginásio. Agora se conseguisse
convencer Tomás a acompanhá-la de vez em quando, seria ideal. A sua opinião foi
reforçada quando tirou os olhos do livro que estava a ler para o irmão, sentado
no sofá a jogar.
O estilo de vida
sedentário e pouco activo de Tomás era algo que a vinha a preocupar e a pouca
vontade que ele tinha de largar as bolachas e a consola e fazer qualquer coisa
ao ar livre, algo que implicasse mexer-se, ainda agravava mais a situação. Bem
que o encorajava a ir correr uma vez por outra com ela mas ele nunca
concordava. Marta, por sua vez, já lhe tentara ensinar a jogar futebol, mas
Tomás não dava para aquilo, sempre a rematar para todo o lado menos para onde
devia. Em bom rigor, a sua atitude preguiçosa na escola e comportamento bizarro
era algo que as preocupava mais do que qualquer outra coisa. Que tinha bom
aproveitamento apesar de passar as aulas a dormir ou a atirar coisas aos
outros, era algo que surpreendia tudo e todos, o problema era mesmo a forma
como se comportava. A última coisa que Leonor queria era que o irmão acabasse
preso ou num colete-de-forças numa sala acolchoada.
Guida, por sua
vez, limitava-se a revirar os olhos. Verdadeiramente falando, revirava os olhos
a tudo quanto o filho fazia, excepto quando era para o repreender, aí já tinha
tolerância zero e um poder vocal de fazer inveja, quando os castigos não eram
corporais. Porém, Leonor nunca entendera o porquê de a mãe ser assim, pois com
ela sempre tivera paciência infinita e adorava mimá-la. Desde miúda que assim
era, Guida não perdia uma oportunidade para lhe vestir fatinhos e pentear. O
que valia ao rapaz era que Marta tentava chegar a ele através do diálogo e, se
Guida fazia distinção entre os filhos, ela já não e, quando a mulher ignorava o
filho, ela tentava dar-lhe atenção extra, mas nunca se aproximara tanto dele
como da irmã, a menina de ouro da família. Eram pessoas antagónicas, se, por um
lado, Tomás era hiperactivo e malcomportado, Leonor era aplicada e sossegada,
sempre prestável e doce. No entanto, os dois não podiam ser mais próximos,
mesmo que nem ela conseguisse compreender o irmão em alturas.
Enfim, Tomás era
o maninho de Leonor e, sempre que ela podia, facilitava-lhe a vida. Desde que
se lembrava, tinha por hábito ser a primeira a perguntar ao irmão como estava e
como lhe tinha corrido o dia. Outra actividade que os acabou por unir eram os
serões que passava a jogar consola com ele, algo que não apreciava muito mas
gostava de o ver feliz. Sorrindo, voltou a atenção para o livro, até ser
interrompida pelo som do descapotável da mãe a ecoar nas paredes da garagem.
Felizmente para si, Guida prometera-lhe aquele carro quando tirasse a carta e,
apesar de não se tratar de um dos carros tipicamente americanos, tal como o
Corvette que guiava na altura, não cabia em si de contente.
Era altura de
começar a pensar em ir andando para a mesa, mais que não fosse porque a mãe
fazia questão de jantarem em família, ou não bastasse o tempo que passava fora
de casa. Sempre assim fora e desde sempre que tentava compensar ao máximo a sua
ausência. Só era lamentável a sua falta de dotes culinários, o que fazia com
que Marta não tivesse outro remédio senão preparar as refeições. Pousando o
livro, levantou-se, antes de se dirigir ao irmão e perguntar, “Ainda demoras?”
“In a while…”,
respondeu ele, sem tirar os olhos do ecrã. Não era que o português não fosse a
primeira língua dele, até porque a praticava diariamente em casa, mas considerando
o quão novo fora para os Estados Unidos, e o tempo que passava a falar inglês,
era de esperar às vezes escapar para a língua ao qual estava habituado. Sendo
inteligente, os progressos que ia fazendo eram notórios, mesmo que mantivesse o
sotaque carregado.
Na cozinha, após
ter deixado Tomás entregue ao seu jogo, qualquer coisa que tinha a ver com
invasões alienígenas, Leonor sentou-se à mesa, onde Marta e Guida já se
encontravam. Ali a rotina não variara muito, independentemente do país onde
habitavam. Jantavam em família logo depois de Guida ou Marta chegar a casa, mas
era quase sempre Guida a última a chegar, e depois cada um ia à sua vida, o que
geralmente era sair, ver televisão ou acabar os trabalhos de casa. Era a
ocasião para falarem, embora Guida dedicasse a sua atenção quase exclusivamente
à filha ou a Marta, ao filho respondia com monossílabos. A parecença física
entre ambos era vincada mas ficavam por aí. Ou talvez não, eram ambos teimosos
e de personalidade difícil, mas no fundo eram boas pessoas, quando o mau feitio
não levava a melhor.
Ao ver que Tomás
ainda não estava pronto, de mãos lavadas e sentado à mesa, Marta chamou-o,
“Tomás! O jantar está a arrefecer”
O ritual era o
mesmo, o irmão de Leonor respondia que já ia, que era só até chegar a uma parte
do jogo em que pudesse gravar. Porém, depois da terceira tentativa acabava por
vir, sem grande entusiasmo mas acatava. A rapariga, enquanto enchia o prato,
deitou uma olhadela a Guida, com quem ainda estivera a falar de trivialidades,
prevendo chatices iminentes. Depois de Marta chamar Tomás pela quarta vez,
Guida perdera a paciência. Levantou-se da mesa e trouxe-o da sala pela orelha.
Encolhendo-se a ouvir os queixumes do rapaz, Leonor voltou o olhar para o
prato. A relação entre o irmão e a mãe sempre fora conturbada, porém, mantinha
esperança de que esta melhorasse um dia, por obra e graça do espírito santo,
não havia outra maneira.
Sempre com uma
expressão carrancuda, Tomás espetava o garfo no tofu como se este fosse a razão
de todos os males. Não gostava daquele género de comida e, contudo, não tinha
como escapar. Estava tão sossegado a jogar e apareceu a mãe e começou a
embirrar, coisa a que estava habituado, mas não lhe era indiferente.
Suspirando, perguntou-se quando é que Guida estaria fora em trabalho, outra
vez. Levando o garfo à boca, engoliu, pesarosamente. Deitando um olhar
fulminante à mãe, esta respondeu-lhe com um em todo idêntico, como o reflexo
num espelho, mais do que qualquer um quisesse admitir.
Em resposta ao
desconsolo do irmão, Leonor sorriu-lhe, de modo encorajador, conseguindo que a
cara de ira dele aligeirasse. E assim prevalecia a relação de protecção mútua
entre ambos: ela apoiava-o dentro do agregado familiar, e ele tinha-a em grande
conta e demonstrava-o, zelando como podia pelo bem-estar da irmã. Se era para
ser o principal alicerce de Tomás dentro do agregado familiar, ao menos iria
fazer o melhor trabalho possível.
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Durante as duas
semanas que precederam à reentrada no ano escolar, Afonso não se voltou a
encontrar com Leonor. Não era que tivesse faltado vontade, apenas não surgira
uma oportunidade. Claro que o rapaz aproveitou para lhe ir falando, fosse por
via de mensagens, fosse pelo facebook, mas sempre em pequenas doses, não fosse
ele correr o risco de a enfastiar com a sua insistência, embora, se dependesse
dele, as conversas fossem tão extensas quanto possível. Não era que as
conversas tidas adiantassem muito, mas pelo menos mantinha a relação de ambos
num ritmo estável e qualquer bocadinho que conseguisse da atenção dela era um
motivo de satisfação para ele. Sempre ia conhecendo a rapariga um pouco melhor
e, por isso, sentia-se muito grato.
Mas, como quem
espera sempre alcança, um dia teve sorte. Ou uma noite, mais propriamente.
Parte do treino de rugby que fazia passava por musculação, afinal não se podia
dar ao luxo de ser fraquinho quando fosse placado, não fosse acabar no
hospital. Assim, não eram de admirar as peregrinações que fazia ao ginásio. E,
na sua opinião, a melhor altura era ao final da tarde ou à noite, quando as
máquinas não estavam ocupadas por grupos de indivíduos demasiado preocupados em
impressionar os demais com as suas proezas do que em melhorar a condição física.
E aquela ocasião não foi excepção, como pôde comprovar ao entrar no balneário
vazio.
Logo que se
despachou, dirigiu-se à sala dos pesos, tendo, como única companhia, o
telemóvel para ouvir música e, dessa forma, ajudar a passar o tempo. A única
desvantagem de um ginásio vazio era o quão monótono acabava por se tornar
depois de um bocado e, como Rúben tinha planos, planos esses que preferia não
saber do que se tratavam, a bem da sua sanidade, estava por sua conta. Até
preferia, assim não tinha que aturar a vaidade do melhor amigo que se pavoneava
em tronco nu depois de uma sessão de musculação. Mesmo que nunca o fosse
admitir, Afonso adoraria ter uns abdominais como os de Rúben, mas a sua
prioridade era a performance e não a estética e nisso batia-o de longe. Assim que
aqueceu, afinal a última coisa de que precisava era uma lesão mesmo no início
da época, deitou mãos à obra, tencionando fazer aquela hora render ao máximo.
Depois de
percorrer três aparelhos diferentes, já ofegante e a suar em bica, levantou a
cabeça e eis que viu Leonor na passadeira. Sentindo o coração a saltar-lhe do
peito, não só porque já estava cansado, pousou o haltere que estava a levantar.
Se calhar devia falar-lhe, era a oportunidade perfeita e só estavam os dois,
não havia ninguém que o fosse provocar. Passando uma toalha pela cara suada,
olhou na direcção dela. Ao vê-la com uns calções justos e curtos, colados às
pernas exercitadas, e um top que não deixava nada à imaginação, engoliu em seco.
Não havia mesmo algo que pudesse ser melhorado nela. Sem coragem para a
abordar, quedou-se a observá-la por um bocado. Ela ainda não o vira e, se
ficasse quieto e calado, podia ser que testemunhasse um acidente com a
roupa…abanando a cabeça, procurou afastar aquele pensamento. As hormonas não
iriam levar a melhor.
Era humano e, de
imaginar o que estaria por baixo da roupa reduzida, não conseguiu evitar
fantasiar um pouco, mesmo que algumas dessas fantasias envolvessem material
explícito. O que começou com passar as mãos pela cintura bem definida de
Leonor, depressa evoluiu. No entanto, foi forçado a abandonar a terra dos
sonhos, quando um gemido audível se fez sentir. Se a rapariga estivera, ainda
instantes antes, na passadeira, enérgica e entusiasmada, de momento estava
agarrada ao tornozelo, agachada no chão. Vê-la em sofrimento foi como que um
balde de água fria que o fez perder a timidez e correr em seu auxílio, “Estás
bem?”
“Sim…quer dizer,
assim, assim”, respondeu ela, franzindo o sobrolho com dores, quando se tentou
pôr de pé, “Pus mal o pé e aleijei-me, foi mesmo estúpido mas acho que vou
ficar bem”
Olhando para o
tornozelo dela, viu-o inchado. Não era uma lesão por aí além, mas era o
suficiente para proporcionar uns dias pouco confortáveis. Experiente com esse
tipo de mazelas, Afonso propôs, “Também me acontece de vez em quando…queres
ajuda com isso?”
Avaliando a
extensão dos estragos, Leonor achou que conseguia sair dali pelo próprio pé,
chegar a casa e encher aquilo de gelo. Que humilhante, ter testemunhas de um
acidente tão evitável que nunca lhe acontecera. Com um sorriso amarelo,
respondeu, “Não é preciso, obrigada, aguento até casa”
“Era só pôr gelo
nisso, não custa nada”, insistiu o rapaz, a quem a inflamação do tornozelo da
rapariga preocupava. Já lidara com lesões bem piores, afinal num jogo menos
feliz levara um pontapé na face que lhe arrancara um dos caninos, um tornozelo
torcido não era nada. Conseguiria aliviar-lhe a dor facilmente e até já lhe disseram
que fazia óptimas massagens.
“Não vale a
pena”, replicou ela e, para provar que estava mais do que bem para andar,
tentou pôr-se de pé. Como resultado, não se aguentou e cedeu, acabando sentada
no chão. Não era mesmo a sua noite. Com um suspiro, teve que concordar que,
talvez, uma ajuda fosse bem-vinda, “Afinal talvez tenhas razão, olha, dás-me só
uma ajuda até ali ao banco?”
Era a sua
oportunidade. Pondo um braço por baixo dos joelhos de Leonor e outro das costas
desta, levantou-a. Não podia dizer que fosse extremamente leve, mas conseguia
pegar-lhe sem grande esforço. Com um pouco de sorte nem estaria a cheirar
demasiado a suor, pelo menos, era o que ele esperava. Sentindo-se mais corajoso
que o habitual, disse, “Põe o braço por trás do meu pescoço, assim seguras-te
melhor”
Ela, por sua
vez, pareceu tão surpreendida que nem disse nada, deixando-se carregar sem
oferecer resistência, resistência essa que, noutras condições, teria redobrado.
Não, não era que gostasse de sentir o peito de Afonso contra si, nem que os
ombros largos deste fossem muito do seu agrado, não, claro que não. Quando
recuperou a reacção, coisa que não demorou muito a acontecer, não perdeu tempo
a protestar, como seria de esperar, “Não é preciso pegares-me ao colo, eu
consigo andar, mal mas consigo”
Sem ligar ao que
Leonor lhe dizia, Afonso levou-a até ao banco, assegurando-se que não apressava
muito o passo e que a tinha tão junto a si quanto possível. Não se contendo,
aproximou o nariz do cabelo da rapariga. Tinha um odor agradável, floral.
Pronto, era melhor parar, não a fosse assustar. Em vez de a levar ao banco,
levou-a antes a uma sala ao lado onde estavam as reservas de gelo e uma
poltrona mais confortável. Ela, no entanto, não pareceu muito à vontade, tanto
mais que franziu de tal forma o sobrolho, que as sobrancelhas se uniram, “Para
onde é que vamos?”
“É que é mais
cómodo e o gelo está aqui…”, justificou-se ele, implorando nem sabia bem a
quem, que ela não pensasse que a levara para uma sala escondida para a poder
molestar sem que a ouvissem gritar. Pousando-a na poltrona, aborrecido por não
a poder ter ao colo mais tempo, voltou-lhe as costas, para esconder o rubor que
estava certo que tinha, enquanto procurava um saco de gelo.
“Se o dizes”,
replicou ela, tentando massajar o tornozelo. Não era que as circunstancias a
deixassem muito segura, longe de tudo e todos e alguém com um fraquinho grande
por ela. Mas era Afonso, se havia pessoa inofensiva e incapaz de se aproveitar
da situação era ele, portanto não havia nada a temer e podia relaxar.
“Isso não é
nada, uma vez num jogo saltou um olho a um gajo, saltou mesmo, que nojo não
é?”, gracejou o rapaz, numa tentativa frustrada de quebrar o gelo e aligeirar o
ambiente. Vendo que a rapariga não parecia nada impressionada, achou por bem
não se manifestar mais e fazer o que estava ali para fazer. Pegando no saco de
gelo, aplicou-lho sobre a zona inflamada, “Sentes-te melhor?”
Fechando os
olhos, uma vez que o contraste da sensação quente e latejante que tinha no
tornozelo e o gelo, não era mesmo agradável. Quando se habituou à sensação, o
que levou um pouco, respondeu, “Sim, obrigada”
Tirando o gelo
de cima do tornozelo para puder avaliar o aspecto, Afonso constatou que este
voltara ao seu tamanho quase normal, embora a sua experiencia não aconselhasse
fazer esforços. Leonor, vendo que já não tinha um inchaço do tamanho de uma
meloa, tentou apoiar-se nele e pôr-se de pé, apenas para sentir uma dor aguda
que a fez vacilar. Teria caído, caso o rapaz não a tivesse amparado a tempo.
Com a cara enterrada no peito de Afonso e os braços deste à sua volta, admitia
que não era a posição mais desagradável, por muito constrangedor que fosse.
Recuperando a integridade, voltou a sentar-se na poltrona, sem ligar ao sorriso
pateta da face corada do rapaz. Porque é que ele tinha que ser tão adorável? E
de onde é que esse pensamento veio?
Desejando seguir
para a frente com o que tinha em mente, Afonso pediu-lhe que esticasse a perna.
Ela, de sobrolho franzido, cooperou, mais para ver onde aquilo iria dar.
Estalando os dedos antes de começar, o rapaz respirou fundo, de modo a
manter-se calmo, tão calmo como aquela proximidade toda com a rapariga lhe
permitia. Colocando as mãos em volta do tornozelo dela, massajou-o, com tanto
cuidado para não a magoar como conseguiu. Constatando que a pele dela era tão
macia como seda, necessitou de respirar fundo outra vez, para não se
desconcentrar. Prosseguindo, certificou-se que aliviava a área onde ela se
aleijara, vendo, de vez em quando, a expressão de Leonor, em busca de sinais
que lhe mostrassem que estava a ser bem-sucedido.
De olhos
fechados, ela, de tão agradada que estava, não se conteve e acabou por lhe
escapar um gemido leve, “Hm…não pares”
Afonso foi tão apanhado
de surpresa pelo comentário que, corando mais do que parecia possível, parou
mesmo, muito para aborrecimento de Leonor. Gostaria e muito de a ouvir dizer
aquilo mais vezes, noutras circunstancias de preferência. Com uma expressão de
quem fora apanhado, balbuciou, “Ahm…está à vontade…eu não me importo…mesmo”
“Acho que já
consigo andar, obrigada”, respondeu a rapariga, revirando os olhos. Primeiro
interrompia uma massagem que parecia feita por Deus, depois não dizia nada de
jeito? Não tinha perdido nada, assim sabia a quem recorrer quando tivesse uma
dor. Se calhar também fazia massagens tão boas nas…costas! Sim, costas! Claro
que nas costas, onde havia de ser senão nas costas? Estava mesmo em dia
difícil, nunca tal coisa lhe teria passado pela cabeça se não estivesse.
Como se as
preces de Leonor fossem ouvidas, naquele momento a porta abriu-se e a cabeça
careca do porteiro espreitou, poupando-a a constrangimento prolongado. Com cara
de poucos amigos, inquiriu, “O que é que estão a fazer aqui? Pode-se saber?”
“Nós…ahm…”,
tentou justificar-se o rapaz, conseguindo enterrá-los ainda mais. Apanhado
ainda agarrado à perna da rapariga, não era a posição menos comprometedora. E a
situação não era o que parecia, infelizmente para ele.
“Ponham-se a
andar!”, gritou o porteiro, escarlate de raiva. Virando as costas, murmurou
algo que soou a “cambada de fodilhões”, antes de se berrar, novamente, “Os dois
daqui para fora, já!”
Nem foi preciso
repetir, já a rapariga se pusera de pé e corria porta fora, tanto quanto
conseguia. Quando já ia a sair da sala, parou, voltou para trás e deu um beijo
na bochecha de Afonso, agradecendo, antes de sair mesmo. Ele, com a mão no
sítio onde Leonor o beijara, deixou-se ficar, sentindo-se um misto de incrédulo
com felicíssimo.