segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Capítulo 3


A adaptação no novo país, mesmo sendo o seu país de origem, não se revelou pêra doce. A rotina a que Leonor estava habituada ficara para trás, juntamente com o solo americano. Tinha saudades das amizades que deixara para trás e daqueles aspectos culturais que diferenciavam os dois países, fossem os carros de grandes dimensões e as ruas largas, fossem as idas às lojas de café depois das aulas. Apesar das boas recordações que guardava do país que para sempre consideraria a sua segunda terra, bem sabia do que não teria saudades. E a oportunidade de se afastar daquilo foi algo que agarrou com as duas mãos. De momento restava-lhe reconstruir a sua vida de raiz e se havia algo que ela não fazia, era cometer o mesmo erro duas vezes.

Em terras luso, cabia-lhe, imediatamente, procurar reconstruir a rotina, de modo a ficar tão idêntica quanto possível àquela que fazia nos EUA e, dado que o desporto sempre fora uma parte importante da sua vida, voltaria a praticar o quanto antes, não seguisse ela a máxima de “Uma mente sã num corpo são”. Já pouco tempo depois da vinda tivera a oportunidade de experimentar equitação mas preferia exercitar o corpo, em vez das suas técnicas de controlo do cavalo. Vendo as hipóteses que tinha na sua área, optou por se inscrever num ginásio. Agora se conseguisse convencer Tomás a acompanhá-la de vez em quando, seria ideal. A sua opinião foi reforçada quando tirou os olhos do livro que estava a ler para o irmão, sentado no sofá a jogar.

O estilo de vida sedentário e pouco activo de Tomás era algo que a vinha a preocupar e a pouca vontade que ele tinha de largar as bolachas e a consola e fazer qualquer coisa ao ar livre, algo que implicasse mexer-se, ainda agravava mais a situação. Bem que o encorajava a ir correr uma vez por outra com ela mas ele nunca concordava. Marta, por sua vez, já lhe tentara ensinar a jogar futebol, mas Tomás não dava para aquilo, sempre a rematar para todo o lado menos para onde devia. Em bom rigor, a sua atitude preguiçosa na escola e comportamento bizarro era algo que as preocupava mais do que qualquer outra coisa. Que tinha bom aproveitamento apesar de passar as aulas a dormir ou a atirar coisas aos outros, era algo que surpreendia tudo e todos, o problema era mesmo a forma como se comportava. A última coisa que Leonor queria era que o irmão acabasse preso ou num colete-de-forças numa sala acolchoada.

Guida, por sua vez, limitava-se a revirar os olhos. Verdadeiramente falando, revirava os olhos a tudo quanto o filho fazia, excepto quando era para o repreender, aí já tinha tolerância zero e um poder vocal de fazer inveja, quando os castigos não eram corporais. Porém, Leonor nunca entendera o porquê de a mãe ser assim, pois com ela sempre tivera paciência infinita e adorava mimá-la. Desde miúda que assim era, Guida não perdia uma oportunidade para lhe vestir fatinhos e pentear. O que valia ao rapaz era que Marta tentava chegar a ele através do diálogo e, se Guida fazia distinção entre os filhos, ela já não e, quando a mulher ignorava o filho, ela tentava dar-lhe atenção extra, mas nunca se aproximara tanto dele como da irmã, a menina de ouro da família. Eram pessoas antagónicas, se, por um lado, Tomás era hiperactivo e malcomportado, Leonor era aplicada e sossegada, sempre prestável e doce. No entanto, os dois não podiam ser mais próximos, mesmo que nem ela conseguisse compreender o irmão em alturas.

Enfim, Tomás era o maninho de Leonor e, sempre que ela podia, facilitava-lhe a vida. Desde que se lembrava, tinha por hábito ser a primeira a perguntar ao irmão como estava e como lhe tinha corrido o dia. Outra actividade que os acabou por unir eram os serões que passava a jogar consola com ele, algo que não apreciava muito mas gostava de o ver feliz. Sorrindo, voltou a atenção para o livro, até ser interrompida pelo som do descapotável da mãe a ecoar nas paredes da garagem. Felizmente para si, Guida prometera-lhe aquele carro quando tirasse a carta e, apesar de não se tratar de um dos carros tipicamente americanos, tal como o Corvette que guiava na altura, não cabia em si de contente.

Era altura de começar a pensar em ir andando para a mesa, mais que não fosse porque a mãe fazia questão de jantarem em família, ou não bastasse o tempo que passava fora de casa. Sempre assim fora e desde sempre que tentava compensar ao máximo a sua ausência. Só era lamentável a sua falta de dotes culinários, o que fazia com que Marta não tivesse outro remédio senão preparar as refeições. Pousando o livro, levantou-se, antes de se dirigir ao irmão e perguntar, “Ainda demoras?”

“In a while…”, respondeu ele, sem tirar os olhos do ecrã. Não era que o português não fosse a primeira língua dele, até porque a praticava diariamente em casa, mas considerando o quão novo fora para os Estados Unidos, e o tempo que passava a falar inglês, era de esperar às vezes escapar para a língua ao qual estava habituado. Sendo inteligente, os progressos que ia fazendo eram notórios, mesmo que mantivesse o sotaque carregado.

Na cozinha, após ter deixado Tomás entregue ao seu jogo, qualquer coisa que tinha a ver com invasões alienígenas, Leonor sentou-se à mesa, onde Marta e Guida já se encontravam. Ali a rotina não variara muito, independentemente do país onde habitavam. Jantavam em família logo depois de Guida ou Marta chegar a casa, mas era quase sempre Guida a última a chegar, e depois cada um ia à sua vida, o que geralmente era sair, ver televisão ou acabar os trabalhos de casa. Era a ocasião para falarem, embora Guida dedicasse a sua atenção quase exclusivamente à filha ou a Marta, ao filho respondia com monossílabos. A parecença física entre ambos era vincada mas ficavam por aí. Ou talvez não, eram ambos teimosos e de personalidade difícil, mas no fundo eram boas pessoas, quando o mau feitio não levava a melhor.

Ao ver que Tomás ainda não estava pronto, de mãos lavadas e sentado à mesa, Marta chamou-o, “Tomás! O jantar está a arrefecer”

O ritual era o mesmo, o irmão de Leonor respondia que já ia, que era só até chegar a uma parte do jogo em que pudesse gravar. Porém, depois da terceira tentativa acabava por vir, sem grande entusiasmo mas acatava. A rapariga, enquanto enchia o prato, deitou uma olhadela a Guida, com quem ainda estivera a falar de trivialidades, prevendo chatices iminentes. Depois de Marta chamar Tomás pela quarta vez, Guida perdera a paciência. Levantou-se da mesa e trouxe-o da sala pela orelha. Encolhendo-se a ouvir os queixumes do rapaz, Leonor voltou o olhar para o prato. A relação entre o irmão e a mãe sempre fora conturbada, porém, mantinha esperança de que esta melhorasse um dia, por obra e graça do espírito santo, não havia outra maneira.

Sempre com uma expressão carrancuda, Tomás espetava o garfo no tofu como se este fosse a razão de todos os males. Não gostava daquele género de comida e, contudo, não tinha como escapar. Estava tão sossegado a jogar e apareceu a mãe e começou a embirrar, coisa a que estava habituado, mas não lhe era indiferente. Suspirando, perguntou-se quando é que Guida estaria fora em trabalho, outra vez. Levando o garfo à boca, engoliu, pesarosamente. Deitando um olhar fulminante à mãe, esta respondeu-lhe com um em todo idêntico, como o reflexo num espelho, mais do que qualquer um quisesse admitir.

Em resposta ao desconsolo do irmão, Leonor sorriu-lhe, de modo encorajador, conseguindo que a cara de ira dele aligeirasse. E assim prevalecia a relação de protecção mútua entre ambos: ela apoiava-o dentro do agregado familiar, e ele tinha-a em grande conta e demonstrava-o, zelando como podia pelo bem-estar da irmã. Se era para ser o principal alicerce de Tomás dentro do agregado familiar, ao menos iria fazer o melhor trabalho possível.

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Durante as duas semanas que precederam à reentrada no ano escolar, Afonso não se voltou a encontrar com Leonor. Não era que tivesse faltado vontade, apenas não surgira uma oportunidade. Claro que o rapaz aproveitou para lhe ir falando, fosse por via de mensagens, fosse pelo facebook, mas sempre em pequenas doses, não fosse ele correr o risco de a enfastiar com a sua insistência, embora, se dependesse dele, as conversas fossem tão extensas quanto possível. Não era que as conversas tidas adiantassem muito, mas pelo menos mantinha a relação de ambos num ritmo estável e qualquer bocadinho que conseguisse da atenção dela era um motivo de satisfação para ele. Sempre ia conhecendo a rapariga um pouco melhor e, por isso, sentia-se muito grato.

Mas, como quem espera sempre alcança, um dia teve sorte. Ou uma noite, mais propriamente. Parte do treino de rugby que fazia passava por musculação, afinal não se podia dar ao luxo de ser fraquinho quando fosse placado, não fosse acabar no hospital. Assim, não eram de admirar as peregrinações que fazia ao ginásio. E, na sua opinião, a melhor altura era ao final da tarde ou à noite, quando as máquinas não estavam ocupadas por grupos de indivíduos demasiado preocupados em impressionar os demais com as suas proezas do que em melhorar a condição física. E aquela ocasião não foi excepção, como pôde comprovar ao entrar no balneário vazio.

Logo que se despachou, dirigiu-se à sala dos pesos, tendo, como única companhia, o telemóvel para ouvir música e, dessa forma, ajudar a passar o tempo. A única desvantagem de um ginásio vazio era o quão monótono acabava por se tornar depois de um bocado e, como Rúben tinha planos, planos esses que preferia não saber do que se tratavam, a bem da sua sanidade, estava por sua conta. Até preferia, assim não tinha que aturar a vaidade do melhor amigo que se pavoneava em tronco nu depois de uma sessão de musculação. Mesmo que nunca o fosse admitir, Afonso adoraria ter uns abdominais como os de Rúben, mas a sua prioridade era a performance e não a estética e nisso batia-o de longe. Assim que aqueceu, afinal a última coisa de que precisava era uma lesão mesmo no início da época, deitou mãos à obra, tencionando fazer aquela hora render ao máximo.

Depois de percorrer três aparelhos diferentes, já ofegante e a suar em bica, levantou a cabeça e eis que viu Leonor na passadeira. Sentindo o coração a saltar-lhe do peito, não só porque já estava cansado, pousou o haltere que estava a levantar. Se calhar devia falar-lhe, era a oportunidade perfeita e só estavam os dois, não havia ninguém que o fosse provocar. Passando uma toalha pela cara suada, olhou na direcção dela. Ao vê-la com uns calções justos e curtos, colados às pernas exercitadas, e um top que não deixava nada à imaginação, engoliu em seco. Não havia mesmo algo que pudesse ser melhorado nela. Sem coragem para a abordar, quedou-se a observá-la por um bocado. Ela ainda não o vira e, se ficasse quieto e calado, podia ser que testemunhasse um acidente com a roupa…abanando a cabeça, procurou afastar aquele pensamento. As hormonas não iriam levar a melhor.

Era humano e, de imaginar o que estaria por baixo da roupa reduzida, não conseguiu evitar fantasiar um pouco, mesmo que algumas dessas fantasias envolvessem material explícito. O que começou com passar as mãos pela cintura bem definida de Leonor, depressa evoluiu. No entanto, foi forçado a abandonar a terra dos sonhos, quando um gemido audível se fez sentir. Se a rapariga estivera, ainda instantes antes, na passadeira, enérgica e entusiasmada, de momento estava agarrada ao tornozelo, agachada no chão. Vê-la em sofrimento foi como que um balde de água fria que o fez perder a timidez e correr em seu auxílio, “Estás bem?”

“Sim…quer dizer, assim, assim”, respondeu ela, franzindo o sobrolho com dores, quando se tentou pôr de pé, “Pus mal o pé e aleijei-me, foi mesmo estúpido mas acho que vou ficar bem”

Olhando para o tornozelo dela, viu-o inchado. Não era uma lesão por aí além, mas era o suficiente para proporcionar uns dias pouco confortáveis. Experiente com esse tipo de mazelas, Afonso propôs, “Também me acontece de vez em quando…queres ajuda com isso?”

Avaliando a extensão dos estragos, Leonor achou que conseguia sair dali pelo próprio pé, chegar a casa e encher aquilo de gelo. Que humilhante, ter testemunhas de um acidente tão evitável que nunca lhe acontecera. Com um sorriso amarelo, respondeu, “Não é preciso, obrigada, aguento até casa”

“Era só pôr gelo nisso, não custa nada”, insistiu o rapaz, a quem a inflamação do tornozelo da rapariga preocupava. Já lidara com lesões bem piores, afinal num jogo menos feliz levara um pontapé na face que lhe arrancara um dos caninos, um tornozelo torcido não era nada. Conseguiria aliviar-lhe a dor facilmente e até já lhe disseram que fazia óptimas massagens.

“Não vale a pena”, replicou ela e, para provar que estava mais do que bem para andar, tentou pôr-se de pé. Como resultado, não se aguentou e cedeu, acabando sentada no chão. Não era mesmo a sua noite. Com um suspiro, teve que concordar que, talvez, uma ajuda fosse bem-vinda, “Afinal talvez tenhas razão, olha, dás-me só uma ajuda até ali ao banco?”

Era a sua oportunidade. Pondo um braço por baixo dos joelhos de Leonor e outro das costas desta, levantou-a. Não podia dizer que fosse extremamente leve, mas conseguia pegar-lhe sem grande esforço. Com um pouco de sorte nem estaria a cheirar demasiado a suor, pelo menos, era o que ele esperava. Sentindo-se mais corajoso que o habitual, disse, “Põe o braço por trás do meu pescoço, assim seguras-te melhor”

Ela, por sua vez, pareceu tão surpreendida que nem disse nada, deixando-se carregar sem oferecer resistência, resistência essa que, noutras condições, teria redobrado. Não, não era que gostasse de sentir o peito de Afonso contra si, nem que os ombros largos deste fossem muito do seu agrado, não, claro que não. Quando recuperou a reacção, coisa que não demorou muito a acontecer, não perdeu tempo a protestar, como seria de esperar, “Não é preciso pegares-me ao colo, eu consigo andar, mal mas consigo”

Sem ligar ao que Leonor lhe dizia, Afonso levou-a até ao banco, assegurando-se que não apressava muito o passo e que a tinha tão junto a si quanto possível. Não se contendo, aproximou o nariz do cabelo da rapariga. Tinha um odor agradável, floral. Pronto, era melhor parar, não a fosse assustar. Em vez de a levar ao banco, levou-a antes a uma sala ao lado onde estavam as reservas de gelo e uma poltrona mais confortável. Ela, no entanto, não pareceu muito à vontade, tanto mais que franziu de tal forma o sobrolho, que as sobrancelhas se uniram, “Para onde é que vamos?”

“É que é mais cómodo e o gelo está aqui…”, justificou-se ele, implorando nem sabia bem a quem, que ela não pensasse que a levara para uma sala escondida para a poder molestar sem que a ouvissem gritar. Pousando-a na poltrona, aborrecido por não a poder ter ao colo mais tempo, voltou-lhe as costas, para esconder o rubor que estava certo que tinha, enquanto procurava um saco de gelo.

“Se o dizes”, replicou ela, tentando massajar o tornozelo. Não era que as circunstancias a deixassem muito segura, longe de tudo e todos e alguém com um fraquinho grande por ela. Mas era Afonso, se havia pessoa inofensiva e incapaz de se aproveitar da situação era ele, portanto não havia nada a temer e podia relaxar.

“Isso não é nada, uma vez num jogo saltou um olho a um gajo, saltou mesmo, que nojo não é?”, gracejou o rapaz, numa tentativa frustrada de quebrar o gelo e aligeirar o ambiente. Vendo que a rapariga não parecia nada impressionada, achou por bem não se manifestar mais e fazer o que estava ali para fazer. Pegando no saco de gelo, aplicou-lho sobre a zona inflamada, “Sentes-te melhor?”

Fechando os olhos, uma vez que o contraste da sensação quente e latejante que tinha no tornozelo e o gelo, não era mesmo agradável. Quando se habituou à sensação, o que levou um pouco, respondeu, “Sim, obrigada”

Tirando o gelo de cima do tornozelo para puder avaliar o aspecto, Afonso constatou que este voltara ao seu tamanho quase normal, embora a sua experiencia não aconselhasse fazer esforços. Leonor, vendo que já não tinha um inchaço do tamanho de uma meloa, tentou apoiar-se nele e pôr-se de pé, apenas para sentir uma dor aguda que a fez vacilar. Teria caído, caso o rapaz não a tivesse amparado a tempo. Com a cara enterrada no peito de Afonso e os braços deste à sua volta, admitia que não era a posição mais desagradável, por muito constrangedor que fosse. Recuperando a integridade, voltou a sentar-se na poltrona, sem ligar ao sorriso pateta da face corada do rapaz. Porque é que ele tinha que ser tão adorável? E de onde é que esse pensamento veio?

Desejando seguir para a frente com o que tinha em mente, Afonso pediu-lhe que esticasse a perna. Ela, de sobrolho franzido, cooperou, mais para ver onde aquilo iria dar. Estalando os dedos antes de começar, o rapaz respirou fundo, de modo a manter-se calmo, tão calmo como aquela proximidade toda com a rapariga lhe permitia. Colocando as mãos em volta do tornozelo dela, massajou-o, com tanto cuidado para não a magoar como conseguiu. Constatando que a pele dela era tão macia como seda, necessitou de respirar fundo outra vez, para não se desconcentrar. Prosseguindo, certificou-se que aliviava a área onde ela se aleijara, vendo, de vez em quando, a expressão de Leonor, em busca de sinais que lhe mostrassem que estava a ser bem-sucedido.

De olhos fechados, ela, de tão agradada que estava, não se conteve e acabou por lhe escapar um gemido leve, “Hm…não pares”

Afonso foi tão apanhado de surpresa pelo comentário que, corando mais do que parecia possível, parou mesmo, muito para aborrecimento de Leonor. Gostaria e muito de a ouvir dizer aquilo mais vezes, noutras circunstancias de preferência. Com uma expressão de quem fora apanhado, balbuciou, “Ahm…está à vontade…eu não me importo…mesmo”

“Acho que já consigo andar, obrigada”, respondeu a rapariga, revirando os olhos. Primeiro interrompia uma massagem que parecia feita por Deus, depois não dizia nada de jeito? Não tinha perdido nada, assim sabia a quem recorrer quando tivesse uma dor. Se calhar também fazia massagens tão boas nas…costas! Sim, costas! Claro que nas costas, onde havia de ser senão nas costas? Estava mesmo em dia difícil, nunca tal coisa lhe teria passado pela cabeça se não estivesse.

Como se as preces de Leonor fossem ouvidas, naquele momento a porta abriu-se e a cabeça careca do porteiro espreitou, poupando-a a constrangimento prolongado. Com cara de poucos amigos, inquiriu, “O que é que estão a fazer aqui? Pode-se saber?”

“Nós…ahm…”, tentou justificar-se o rapaz, conseguindo enterrá-los ainda mais. Apanhado ainda agarrado à perna da rapariga, não era a posição menos comprometedora. E a situação não era o que parecia, infelizmente para ele.

“Ponham-se a andar!”, gritou o porteiro, escarlate de raiva. Virando as costas, murmurou algo que soou a “cambada de fodilhões”, antes de se berrar, novamente, “Os dois daqui para fora, já!”

Nem foi preciso repetir, já a rapariga se pusera de pé e corria porta fora, tanto quanto conseguia. Quando já ia a sair da sala, parou, voltou para trás e deu um beijo na bochecha de Afonso, agradecendo, antes de sair mesmo. Ele, com a mão no sítio onde Leonor o beijara, deixou-se ficar, sentindo-se um misto de incrédulo com felicíssimo.