sexta-feira, 29 de julho de 2011

Capítulo 29

fuck this fucking fuck, sparrow lembra-te do que te disse, pior do que a moody's e a fitch juntas

“Olha queres vir? Gostava que conhecesses os meus amigos”
Logo após confirmar que ia, Daniela rezou para que não corresse mal aquilo em que se ia meter. Nunca fora uma pessoa particularmente social, tinha amigos e dava-se bem com toda a gente, mas era extremamente tímida. A ideia de se intrometer num grupo novo era assombrante. Nem tampouco tinha recordações muito boas de situações do género.
Fazendo das tripas coração, chegou a casa de Susana. Combinaram que iriam sair nessa noite com o grupo de amigos da loura, grupo esse que ainda era grande, muito para desconsolo da rapariga, que só implorava a qualquer entidade que fosse gente simpática. Tocou à campainha, saltitando de um pé para outro, outro dos seus tiques nervosos, para além de morder o lábio. Quando a outra abriu a porta, sempre sorridente, senão mais que o costume, ainda não tinha acabado de vestir o casaco.
“Deixa-me só ir buscar o capacete ou queres entrar?”, perguntou.
“Sim se faz favor”, pediu Daniela, “Só para ir dar um beijinho à tua avó”
Susana lá a deixou entrar, cumprimentando-a com beijo rápido e dirigiu-se ao quarto. Por sua vez, a morena foi ter com a idosa à cozinha, que estava a beber um copo de leite antes de se deitar. Falou-lhe rapidamente e voltou para junto da loura, que trazia dois capacetes.
“Acreditas que aquela Guida queria deitar isto fora?”, disse, acenando para o capacete integral com ar de só ter sido usado meia dúzia de vezes, “Usa tu o meu, já estás habituada”
Como sempre, a rapariga colocou-se na mota atrás da outra, com os braços na cintura desta. Já o tinha feito tantas vezes que já nem receio tinha. Depressa estavam à entrada do bar, até porque Susana tinha que trabalhar dentro de momentos e, num canto mais obscuro estava um grupo de cerca de meia dúzia de pessoas.
Daniela nunca fora de criar expectativas em relação aos demais e desta vez não foi excepção. Não tinha ideias pré-concebidas de ninguém a não ser de Guida, mas essa já conhecia e não tinha grande afinidade. O certo era que mesmo que tivesse especulado até mais não, decididamente que não era um grupo daqueles que esperava. Era constituído tanto por indivíduos do sexo masculino como feminino, mas isso era o menos.
A idade que aparentavam não tinha a menor importância, pelo menos, quando o aspecto saltava à vista. Se a rapariga sentia uma certa neutralidade em relação a Guida, passou a venerá-la depois de ter reparado nos outros. Não era que tivessem mau aspecto, eram até, gente genérica. Mas tinham algo…não sabia o quê, que lhes dava uma aura sinistra que inspirava pouca ou mesmo nenhuma confiança.
Quando as avistaram, um homem alto que abusava no perfume avançou para elas. Apesar de estar escuro, a morena observou-lhe uma ligeira barba de três dias e uma constituição larga. Tinha os olhos fixos nela e parecia que a estudava, aparentemente não estava a passar no exame, pois ele torcia o nariz. Uns segundos depois tinha-as alcançado, dirigindo a atenção para loura.
“Suse! Só para ti”, disse, bem-disposto, passando-lhe algo que a rapariga não conseguiu ver para as mãos, “Bom mel, conta da casa”
“Foda-se, obrigada Zé”, agradeceu Susana, com um sorriso enorme.
“Deixa aí a tua companhia um minutinho”, disse ele, puxando a loura pelo braço, “Tenho que ter uma conversa contigo”
Susana deu um beijo rápido à morena, antes de se afastar um pouco com Zé. Daniela, por sua vez, decidiu ir falar a Guida, apesar de nem sequer qualificarem para conhecidas, só se viram duas vezes e nem trocaram impressões, mas tudo era melhor do que ficar ali especada. Observou a loura pelo canto do olho, vendo-a dar qualquer coisa ao rapaz, que colocou no bolso e lhe passou outra coisa para as mãos. Tinha conhecimento de que a outra fumava até bastantes vezes substâncias ilícitas e, francamente, na parte que lhe tocava, não se metia nisso, mas não se importava que a namorada o fizesse.
Assim sendo nem sequer pestanejou. O que lhe causou transtorno foi ver o tal Zé a apontar na sua direcção. Podia não conseguir ver a expressão do sujeito, mas não conseguia ignorar a sensação que, o que quer que fosse, era sobre si e não era propriamente bom. Não quis ver mais, virou a cara e abordou Guida, finalmente.
“Olá, boa noite”, cumprimentou, um pouco a medo. A amiga da loura não a deixava propriamente à vontade, embora parte de si invejasse e muito Marta, a outra era realmente interessante.
“Olá tudo bem?”, retribuiu, sorrindo, o que fez a rapariga constranger-se e corar, muito para irritação desta. A reacção na morena apenas fez a outra rir-se.
“Sim e contigo?”, disse, tentando ao máximo ignorar os sussurros do grupo de Susana, bem como as suas bochechas a ferver, “Ela dá-se muito com esta gente?”
“Infelizmente sim…”, respondeu com um suspiro de enfado, “Eu também não gosto nada deles, mas quando ela se afastou de todos os amigos antigos só restei eu…e ela encontrou estes palhaços não sei onde”
De facto, a partir do momento em que Mónica e Susana acabaram, a vida desta última tinha estado, durante uns tempos, no fundo do poço. Primeiro fica sem namorada, afasta-se dos amigos, anda pedrada quase diariamente…quando tentou recuperar grande parte do que perdeu, continuou sem namorada, os amigos não lhe voltaram a falar, mas já não andava sempre pedrada.
Já estava na hora. Susana já lhe andava a falar naquela noite há bastante tempo, aparentemente era o equivalente de inverno à festa que tinha havido no verão. Sinceramente não lhe estava a apetecer enregelar naquela noite, mas sempre era mais uma oportunidade para estar na companhia da loura. Colocou as mãos nos bolsos, tentando aquecer-se quando sentiu um beliscão na nádega. Ia já a virar-se para trás, chateada, quando viu Marta.
“Olha tu aqui”, disse, rindo um bocado, “Que fazes por cá?”
“Já que tu não me convidas”, gozou ela, mandando-lhe um olhar acusador fingido, “Eu vim com uma companhia ainda melhor”
A rapariga dirigiu o olhar para a direcção onde a amiga estava a acenar e ficou boquiaberta, “Pega…”
Guida avançou para Marta, empurrando Daniela com um toque de ancas que a deixou ainda mais estupefacta, beijando-a. A morena deixou-se ficar onde estava, ainda a processar a informação toda. A última coisa que lhe apetecia era ficar no meio daquelas duas, desprezada pela loura. A bem do seu orgulho, Susana dignou-se a aparecer, com os olhos consideravelmente mais brilhantes e pequenos do que com que tinha ido.
O certo foi que Susana, pedrada ou não, tinha que se redimir por ter deixado a rapariga só e abandonada ao frio a fazer de vela. Colocou o braço de forma a que esta pudesse dar-lhe o seu e dirigiram-se, assim, para dentro. O interior do bar estava abafado mas, nem por isso, menos acolhedor. Tinha a típica decoração natalícia, com azevinho e uma pequena arvora no balcão. A morena não pôde deixar de achar cómico um bar gay, promíscuo até mais não, com uma decoração daquelas.
“Olha aquela plantinha verde tão linda”, disse Susana, apontando para um ramo de azevinho que estava por cima de ambas, ignorando os “azevinho, oh ursa” de Guida, “É agora que damos um beijinho?”
“Hmhm”, respondeu Daniela, mal tendo tempo para respirar antes que a outra a agarrasse pela cintura e a beijasse indiscretamente. Por muitas vezes que beijasse a loura, esta ainda conseguia sempre fazer com que sentisse os joelhos a enfraquecerem. Quando lhe colocou as mãos no peito e prolongou o beijo, foram obrigadas a pôr-lhe fim, pois tanto Guida como Marta já estavam a avacalhar.
Deitou a língua de fora a Marta e deu a mão à outra, acompanhando-a até à sua mesa. Tinha que admitir que, apesar de lenta, a loura safava-se muito bem com os aparelhos, sendo, na sua opinião pouco imparcial, boa DJ. Enquanto esta passava a música, foi buscar as bebidas. Contornou as dezenas de gente que viu, tendo o cuidado de evitar os amigos de Susana, até que finalmente encontrou um espaço livre minúsculo entre duas raparigas ao balcão. Esticou-se para fazer o pedido ao mesmo tempo que as ditas raparigas se inclinavam para um beijo, acabando por lhe ir uma de cada lado.
“Sousa!”, gritou uma delas, que se revelou como sendo Marta e estava chateada pela intromissão da morena.
“Nem me apercebi que eram vocês”, balbuciou Daniela, com as bochechas escarlates.
“Vá vá vá, pega lá nas bebidas e põe-te a andar”,despachou-a Marta, impaciente por voltar a dedicar a atenção à sua companhia, que estava perdida de riso.
Daniela nem esperou que repetisse, pegou nas bebidas e deu meia volta, tentando conservar o seu orgulho. Voltou para junto de Susana e deu-lhe a respectiva bebida, bebida essa que esta emborcou de um trago praticamente, por ter a garganta seca. A rapariga, por sua vez, foi dando golos pequenos na sua, até que a loura a puxou para si, num abraço apertado.
“Amor, aguentas um bocadinho enquanto eu vou dar ali uma palavrinha ao Zé e companhia?”, pediu, ainda com a cara no cabelo da namorada.
“Claro que sim, vai lá”, respondeu Daniela. Por muito que não gostasse do grupo da loura, não a podia impedir de se dar com eles.
Susana beijou-a antes de desaparecer no meio da multidão. A rapariga, agora sozinha, limitou-se a dar uma volta pelo bar, tendo sempre a atenção em alerta, pois não queria dar de caras com a camionista da outra vez, até porque Susana não estava por perto e já bastava a cicatriz com que saíra de lá. Ora se sentava a fumar um pouco, ora metia conversa com algumas pessoas, sempre num tom alegre. Quando atirou com a quinta beata fora ficou preocupada. A outra continuava sem dar sinal de vida e não estava nada descansada. Indo para um canto mais silencioso, tentou ligar-lhe, apenas para constatar que a loura tinha o telemóvel desligado.
Já a ficar com o coração nas mãos, dirigiu-se a Marta e Guida, que estavam exactamente onde estiveram antes. Deu um toque no braço da amiga, sem se importar com o facto de estar a interromper. Marta já ia para responder torto, quando viu a expressão transtornada de Daniela.
“Está tudo bem?”, perguntou, preocupada por ver a amiga naquele estado.
“A Suse foi não sei aonde com aquele grupo dela”, explicou a rapariga, franzindo o sobrolho, “Já foi há bastante tempo e não sei nada dela”
“Já lhe ligaste?”, perguntou Guida, que agora, também parecia preocupada.
“Claro que sim”, respondeu Daniela, “Ela tem o telemóvel desligado”
Decidiram que, enquanto Guida iria procurá-la, Marta iria pôr Daniela a casa, que não tinha transporte e não ganhava nada em ficar lá à espera. Entretanto Guida avisaria caso a visse. Assim, a rapariga dirigiu-se para o carro, com o capacete que Susana lhe emprestara na mão. Sentou-se, sempre em silêncio e com uma expressão chateada, o que não passou despercebido a Marta, “Vocês estão bem?”
“Ahm? Sim…só não gosto daquele grupo e tenho medo que tenha acontecido alguma coisa”, esclareceu a morena, apertando o capacete no colo, “E ainda estou para saber porque é que desligou o caralho do telemóvel”
“Calma, a Guida há de a encontrar, vais ver”, descansou-a a amiga, sempre sem tirar os olhos da estrada. Nesse momento o telemóvel desta deu sinal de vida, “Olha vê lá a mensagem, pode ser ela”
Era, de facto, Guida: “A mota está no mesmo sítio mas ela não está no bar”
Respondeu prontamente, transmitindo a mensagem a Marta. Não serviu de nada para a tranquilizar, deitou a cabeça sobre as mãos e mordeu o lábio. De tanta força que fez que só reparou no que estava a fazer quando sentiu um travo metálico na boca. Apenas levantou a cabeça quando Marta a despertou dos seus pensamentos.
“Txi ali houve um acidente”, disse, alarmada, ao ver um carro que havia batido numa árvore na beira da estrada, ainda havia gente no interior, tanto quanto dava para ver, mas o que as fez parar foi outra coisa, “Aquela ali não é a…”
“É a Susana!”, gritou Daniela, com o estômago às voltas, esta estava fora do carro, aparentemente sem um arranhão, mas o que realmente assustava ali era o aspecto degradante com que estava.
Pararam perto do local do acidente, dirigindo-se para lá. Marta ligou para o 112 enquanto Daniela foi ver de Susana. Esta, mal a avistou, sorriu com um ar imbecil e caminhou para esta, às tantas tropeçando e caindo-lhe em cima, arrastando ambas para o chão de terra batida e ervas.
“Hm Daniewaa gostanti…”, disse, em cima desta, que a tentou tirar de cima, “Qué frô?”
“Ai, Susana larga-me”, resmungou a rapariga, empurrando a outra, “O teu estado…”
“Mooor…hm”, balbuciou a loura, babando-se, à medida que deitava as mãos à camisola da morena, quase a arrancando. Esta, bem que tentava tirá-la de cima de si, mas sem sucesso pois era consideravelmente mais pequena. Não sabia o que teria acontecido se Marta não tivesse puxado a outra pela camisola, forçando-a a sair de cima da rapariga.
“O 112 vem a caminho”, informou, ajudando Daniela a levantar-se, “Não a podes levar para casa pois não?”
“A avó dela vai-se passar se a vir assim”, respondeu a morena, que torcia o nariz à medida que Susana se lhe agarrava à perna, “Posso pedir-te um favor?... LARGA-ME!”
“Sim claro, diz”, disse Marta, virando a cara ao ver a rapariga a enxotar a loura da sua perna.
“Ela pode ficar em tua casa?”, pediu, envergonhada, “Não a posso ter em casa, muito menos neste estado”
“Ai Dani…pronto está bem”, concordou Marta, suspirando, “Mas amanhã mal acordes, vens buscá-la”
“Obvio, é só durante a noite”, disse Daniela, abraçando a amiga.
Colocaram, a muito custo, Susana no carro enquanto esperavam pela ambulância. Mal o resto dos ocupantes da viatura destruída estavam entregues, abandonaram o local, levando, primeiro, Daniela a casa e só depois é que Marta foi para sua casa.