sábado, 29 de janeiro de 2011

Capítulo 4


08:45
Daniela acordou ao som da previsão meteorológica para esse dia. Para mal dos seus pecados o seu relógio-despertador não a despertava ao som do típico “ti-ti-ti-ti”, mas sim com o que quer que estivesse sintonizado no rádio. Levou a mão à cabeça e sentiu-se nervosa, o que era normal tendo em conta o que ia fazer. Só tinha duas horas para estar no local combinado e não fazia tenções de chegar atrasada, apesar de a palavra “pontualidade” nunca ter figurado no seu dicionário.
08:50
Saltou da cama com energia e tomou um duche rápido, desta vez sem saborear a sensação relaxante, o desejo de não fazer a outra esperar era mais forte. Escolheu roupa que a favorecesse, pois apesar de só se ir encontrar com Susana sem segundas intenções, ainda queria mostrar o seu melhor, salvo seja. Tomou o pequeno-almoço quase sem dar pelo pão com manteiga a passar-lhe na garganta e bebeu o leite mal dando por ele. Depois, após olhar-se ao espelho uma última vez e saiu de casa.
09:30
Segundo os seus cálculos levaria uma hora para chegar lá, até agora tudo sob controlo. Já tinha avistado o seu autocarro ao longe, não se tinha atrasado mais do que no normal. Sentou-se calmamente no banco e tirou da mala um par de phones, preparando-se para passar a viagem a ouvir qualquer coisa que bloqueasse o ruído irritante dos miúdos com entusiasmo a mais por irem à praia. Para sua frustração estava um pouco trânsito mas ainda tinha tempo para dar e vender, não havia motivos para alarme, certo?
10:15
Errado! O autocarro começou a fazer um ruído estranho…parecia um cão em grande sofrimento. O ruído prolongou-se por uns minutos até que se ouviu um chiar, como uns ténis que raspam em chão de madeira. “Eu não acredito que esta merda acabou de empanar!”, sussurrou Daniela tentando manter a sua atitude zen que era a sua imagem de marca. Olhou para o lado de fora da janela, estava a cerca de um quarto de hora de distancia…caso fosse de transporte que não os seus pés, o que não aparentava vir a ser o caso. Se abrisse bem as pernas só levaria meia hora. Decidiu-se.
10:20
Saiu do autocarro e a primeira coisa que sentiu foi o ar quente proveniente do asfalto, o que era seriamente desmoralizante, porque a caminhada era longa. Lamentar-se-ia depois, agora era tempo de se fazer ao caminho. Já tinha caminhado alguns metros quando sentiu os pés a doerem-lhe por causa dos saltos, “Puta que te pariu!”, exclamou ela um pouco mais alto do que gostaria, fazendo com que algumas pessoas na rua se virassem, valendo-lhe um “Malcriadona!”
11:00
Olhou para o relógio e suspirou de irritação, já era suposto lá estar! O fôlego começava a faltar, mas já tinha levado com insultos, pernas e pés doridos, calor abrasador e já não estava muito longe, não era agora que ia desanimar. Se tudo corresse bem, bastaria um esforço extra e estaria lá apenas com uns minutos de atraso, decerto que a loura ainda não tinha chegado. O cabelo começava a cair-lhe sobre a cara e tinha suor a escorrer-lhe pela testa, mas não era isso que a ia desmotivar depois de lá chegar compunha-se.
11:10
Já conseguia ver o café, mas antes disso parou e tirou um lenço e um pente da mala, limpou-se e compôs o cabelo e roupa, ia tudo correr bem. Ergueu a cabeça e dirigiu-se à entrada, mas viu-a pelo canto do olho, o que fez com que sentisse um ligeiro “frio” no estômago. Virou-se lentamente para a encarar. Susana estava a cerca de cinco metros encostada contra a parede com os braços cruzados sobre o peito, olhando-a com um ar divertido.
Daniela ficou boquiaberta e com dificuldades em formular qualquer tipo de pensamento coerente perante a visão que se lhe apresentava. A loura era a perfeita imagem da calma e serenidade, com o seu longo cabelo louro a emoldurar-lhe o rosto. A morena não deixou de reparar na diferença de aparência entre a Susana que tinha conhecido há dois dias e a que se encontrava diante de si. Enquanto que a do primeiro encontro era provocante e estava vestida com roupas bastante reveladoras, de tão decotadas e justas, a daquele momento quase que parecia hippy, com calças de pano largas de um tom azul que fazia realçar o azul dos olhos e um top branco, tendo calçado umas havaianas brancas. Os braços encontravam-se adornados com pulseiras simples de pedra, que condiziam com o colar que tinha. Daniela reparou pela primeira vez que tinha um piercing na sobrancelha.
Apesar de ter ficado deslumbrada perante a beleza simples de Susana, a rapariga não pôde evitar estabelecer comparações entre esta e Andreia. A versão morena de Susana vestia-se sempre impecavelmente, não que a loura não o fizesse, mas Andreia apenas usava a ultima moda e o melhor que o dinheiro podia pagar. Por um lado a sua antiga paixão apresentava-se sempre com uma imponência espantosa, sendo impossível não exigir respeito, apesar de saber ser doce sempre que necessário. Por outro, Susana limitava-se a transmitir uma paz contagiante, decerto que podia acalmar a pessoa mais exaltada só com a sua presença, além de que era como uma criança feliz, com o seu sorriso feliz e bem-disposto.
“Hm, já estas aqui há muito tempo?”, perguntou a morena tentando não ficar especada a olhar mais do que o necessário.
“Desde as 11 em ponto”, disse com uma expressão de indignação brincalhona, “Ao contrário de alguém que eu cá sei”
“D-Desculpa, o autocarro empanou”, balbuciou a rapariga a desfazer-se em desculpas, se havia coisa que não gostava era de causar logo má impressão, não que fosse o primeiro encontro, mas afinal tinha ido para esclarecer umas coisas, “Depois tive que vir a pé…”
“Shh, é na boa, estava só a brincar”, riu-se, mas sem gozar, estava a penas divertida, “Queres ficar aqui o dia todo ou vamos entrar?”
“Vamos claro”, apressou-se a rapariga a dizer, conseguindo mais uns risos da outra, “Oh, não gozes!”
“Eu? Lá agora”, brincou Susana, dirigindo-se à morena, “Nem direito a cumprimento tenho, anda cá”
Inclinou-se e deu dois beijinhos na cara da morena, que estremeceu devido à proximidade, embora não ao ponto de não retribuir o cumprimento. Mais uma vez Daniela pensou em Andreia, que a teria cumprimentado apenas com um beijo. Desde sempre que sentir o cheiro das outras pessoas era um hábito seu, então o facto de ter aproveitado para encostar o nariz aos cabelos da loura não era espanto nenhum. “Hm, cheira bem, talvez a…coco com uma mistura de baunilha”, pensou, admirada por não se ter apercebido disto antes. O toque da mão de Susana na sua cintura despertou-a dos seus pensamentos de volta à realidade, valendo mais uns risos da loura, “Pronto, já estou a fazer figura de parva”
Sentaram-se numa mesa razoavelmente reservada num canto do café junto à janela e cada uma fez o seu pedido, Daniela o seu café e Susana um sumo de laranja. A rapariga ficou a mexer o café enquanto procurava a melhor maneira de iniciar a conversa, propriamente dita. Quando a mão da loura pousou na sua, levantou bruscamente o olhar da chávena.
“Calma, eu não mordo”, disse a outra desta vez sem o seu sorriso bem-disposto, parecia mais séria, embora não ao ponto de deixar a rapariga pouco à vontade.
Daniela não se sentiu capaz de ir logo directa ao assunto, ainda estava a ganhar coragem e a preparar o discurso, em vez disso levou um par de minutos para observar quem se encontrava diante dela. Pela maneira como estava a olhar parecia estar também a estudá-la, no entanto parecia quase enternecida, fazendo com que a morena sentisse uma onda de confiança que a encorajou. Tocou ao de leve com a unha nas costas da mão da outra, que a segurou, nunca movendo o olhar da morena. Susana começou a fazer festinhas na mão da rapariga e de repente olha para baixo.
“Tens aqui uma cicatriz, o que aconteceu?” perguntou ela.
“Queimei-me no ferro de engomar quando tinha três anos”, respondeu Daniela, surpreendida com a pergunta, “Foi chato na altura, mas já ninguém repara nela”
“Então na altura já eras um pouco aluada como agora”, riu-se a loura sem nunca largar a mão da rapariga, “Sim, porque já reparei que estás sempre no teu mundo e quando te chamo à Terra tu ficas à nora”
“Oh, não goza, não?”, defendeu-se Daniela na brincadeira, acrescentando, “Tu fazes surf ou mergulho, não fazes?
“Bodyboard, como é que sabes?”, perguntou a outra, surpreendida.
“É que tens as marcas do fato no pescoço e nos pulsos”, riu-se a morena, “Também sei ser observadora quando é preciso”
Foi quanto bastou para desencadear um longo discurso sobre a sua paixão pelo desporto, o que fez com que a rapariga sentisse a sua atenção dividida entre ouvir todos e cada um dos relatos e experiencias de Susana e observar a forma como os seus olhos azuis brilhavam e as covinhas no seu rosto se acentuavam à medida que falava. “O entusiasmo dela é tão querido”, pensou Daniela, já enternecida. Ganhou mais coragem e passou os dedos pelo antebraço da outra, que fechou os olhos ao sentir o contacto. Daniela observou melhor a mão da outra, tinha os dedos bastante compridos e pareciam calejados, como se tocasse guitarra, contrastando com os pequenos e pouco elegantes de Andreia.
“Se continuares a fazer isso, eu adormeço aqui”, murmurou a loura ainda de olhos fechados, “Ainda te quero mostrar uma coisa”
A rapariga limitou-se a responder “Não seja por isso” e a agarrar nas coisas, fazendo intenções de tirar a carteira, quando a outra a impediu, insistindo para ser ela a pagar. Daniela ainda pensou em retorquir, mas a outra silenciou-a com um dedo nos lábios. Pouco tempo depois estavam cá fora, ao pé da praia. A loura esticou a mão para a puder entrelaçar com a da morena, que aceitou prontamente, depois pediu-lhe que fechasse os olhos.
Esta assim fez e sentiu-se encaminhar em silêncio durante uma distância considerável. Durante todo este tempo não proferiram uma única palavra para além do ocasional “cuidado”, embora aquele silêncio desconfortável de quem não tem nada a dizer nunca se tivesse manifestado. A morena esteve o período de tempo todo sem se aperceber minimamente para onde estava a ser levada, porem sentiu-se confiar plenamente na outra. Entretanto Susana colocou a mão em frente dos olhos da rapariga, que se deixou guiar, limitando-se a sentir o calor da pele da outra. Tinha que admitir, nem nos seus melhores sonhos alguma vez a Andreia teria admitido aquela proximidade toda.
“Chegámos”, disse Susana, interrompendo os pensamentos de Daniela. Quando removeu a mão que a estava a vendar, a rapariga ficou novamente sem reacção, o cenário que se apresentava diante dos seus olhos era lindo. Estavam numa pequena praia isolada e reservada, rodeada por rochas que a resguardavam. Os raios solares incidiam sobre a água fazendo com que esta resplandecesse como milhares de cristais, não havia ondas e a areia tinha uma tonalidade clara.
“Susana…é lindo”, disse Daniela a custo, a outra não cessava de s surpreender.
“Ainda bem que gostas”, respondeu a outra, sentando-se no areal e puxando a morena para o pé de si, “Senta-te, gostava de falar melhor contigo”
A rapariga assim o fez e esperou que a outra prosseguisse. Começou a sentir-se um tanto nervosa, talvez por já saber o que se seguia e por não saber como o dizer. Vasculhou na mala em busca do maço, lembrando-se que tinha acabado. “Assim não consigo fazer isto, preciso de estar zen!”, pensou já desesperada.
“Olha, eu digo-te tudo o que quiseres”, pediu ela, “Mas será que me podias dar um cigarro, se faz favor?”
“Claro mas depois também tenho direito a pedir-te algo”, brincou a outra, enquanto tirava o maço da mala e passava um à rapariga, que se apressou a acende-lo. Daniela não deixou de reparar que, tal como a Andreia, Susana também fumava. Ficaram as duas uns instantes apenas a fumar enquanto observavam o mar a bater no areal, até que a loura quebrou o silêncio, enquanto atirava a beata para longe:
“Então diz-me”, começou ela, como se a questão a estivesse a incomodar há muito tempo, “Porque é que fugiste? Fiz algo que não tivesses gostado?
Daniela respirou fundo e brincou com o cigarro, pensando na melhor forma de responder sem dar a entender a grande parva que era, levou-o aos lábios e inalou a nicotina, só falou depois de a expirar, “É uma longa historia, se tiveres paciência para ouvir eu conto”. A outra acenou que sim com a cabeça e disse-lhe para prosseguir.
“Isto pode parecer fora do contexto, mas eu tive durante muito tempo uma paixão forte por uma rapariga, rapariga essa que me rejeitou e que nunca consegui esquecer por completo”, relatou, fez uma pausa para verificar se Susana estava a seguir com atenção, esta limitou-se a dizer-lhe para prosseguir, por isso continuou, “Ok, então digamos que essa rapariga era extremamente parecida contigo, fora a cor dos olhos e do cabelo”
“Então só esteve comigo porque pareço a tal…”, murmurou Susana sem se aperceber que fora ouvida.
“Não foi só isso…embora essa tenha sido a razão pela qual vim embora”, continuou a morena, passando uma mão pelo cabelo, deixando-o desgrenhado, “Estava-se a tornar demasiado para mim e desculpa por te ter feito isso”
“Gostei imenso de ti…”, suspirou a loura, “Posso ser parecida com ela mas não sou ela e não acho justo que não me tivesses dado uma oportunidade apenas por isso, quem sabe eu podia ter-te feito bem”
Ao ouvir estas palavras Daniela ficou a matutar no assunto, mas não conseguiu chegar a nenhuma conclusão, por um lado Susana podia até ter razão, mas por outro a rapariga não tinha a certeza se aquilo era exactamente o que queria. Apesar de só conhecer a outra há apenas dois dias, sentia-se no seu melhor cada vez que estava na presença dela. E mesmo em relação às parecenças com Andreia, era caso para se perguntar como é que duas pessoas tão iguais podiam ser tão diferentes.
A rapariga foi bruscamente trazida de volta à Terra pela visão da loura a despir a roupa. “O que estás a fazer?”, perguntou.
“A água deve estar óptima”, respondeu Susana, enquanto puxava o top por cima da cabeça e tirava as calças. Começou a correr para a beira-mar mas virou-se para trás, “Tu não vens?”
“’Tá bem…”, disse a morena reticente, se a outra não tinha problemas em exibir-se em apenas roupa interior branca, então a rapariga também não teria. Tirou a camisola e as calças lentamente, tentando fazer com que o rubor da sua face dispersasse, provavelmente sem grande sucesso porque ainda sentia a cara a ferver. Timidamente caminhou para junto da loura tendo só o seu conjunto azul-marinho a impedir que estivesse como veio ao mundo. Susana limitou-se a colocar-lhe um braço em volta dos ombros de Daniela e a sussurrar-lhe ao ouvido, “Que amor”.
As ondas ligeiras manifestavam-se molhando o areal, juntas, as raparigas dirigiram-se para o mar. Quando a água tocou nos pés de Daniela, esta gemeu um pouco devido às diferenças de temperatura. Susana sorriu-lhe e beijou-lhe a testa, o que fez com que a temperatura aumentasse para cerca de quarenta graus para a morena. Colocou o braço em volta da cintura da loura e encostou a cabeça ao pescoço. De repente, sem qualquer tipo de aviso prévio, Daniela empurra Susana para o mar, fazendo com que esta engolisse água devido ao susto que apanhou.
A rapariga riu-se ao ver a expressão de espanto na cara da outra, dizendo-lhe apenas “Que amor!” e obtendo um “Vais apanhar!”, de resposta. A morena mergulhou para junto da outra antes que esta tivesse tempo de lhe atirar com água, ainda assim a loura agarrou-lhe nos ombros e puxou-a para dentro de água, o que fez com que esta também engolisse água. “Parva”, disse-lhe Daniela, enquanto tossia.
Entretanto Susana já tinha começado a dirigir-se para o areal, alcançando-o antes que a rapariga tivesse tempo de chegar até ela. Saíram ambas da água e, como vingança por aquilo de há pouco, a loura atirou a morena para a areia, fazendo “croquete”. Claro que Daniela não podia deixar de retaliar, por isso agarrou o braço da outra, que caiu imediatamente em cima de si. Rebolaram ambas na areia até que, sendo Susana maior, conseguiu ficar por cima da rapariga, prendendo-lhe os braços por cima da cabeça.
“E agora?”, picou ela, vendo a morena a tentar soltar-se mas sem sucesso.
“E agora?”, repetiu Daniela, “Agora isto”
Juntando o gesto à palavra, aproximou a cara da de Susana e beijou-a. Foi apenas um beijo suave, quase como se lhe apenas estivesse a segurar nos lábios. Não tardou muito para que a loura correspondesse, intensificando-o. Estiveram assim uns momentos até que se separaram, ficando só com as testas encostadas.
“Por favor desta vez não fujas de mim”, pediu a outra, num tom suplicante.
“Não te preocupes, não fujo”, assegurou-lhe a morena, “Prometo”
A loura sorriu e voltou a beijá-la, a rapariga não podia negar que se sentia bastante bem com a outra, excluindo os flashbacks ocasionais que surgiam na sua mente. Simplesmente tinha uma descontracção e boa-disposição contagiantes. Assim permaneceram durante um bocado até que ambas tiveram de voltar aos deveres do dia-a-dia, Daniela tinha horas para estar em casa e Susana tinha a playlist para preparar para essa noite.
Despediram-se com um abraço, foi terno e sem constrangimentos, depois cada uma seguiu o seu caminho, tendo a outra no pensamento.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Capítulo 3


Daniela acordou com uma dor de cabeça irritante, a princípio não se apercebe de onde está, devagar foi-se lembrando dos acontecimentos do dia anterior…lembrou-se de ter ido ao cinema com o Pedro, o seu melhor amigo, depois escolheram a roupa, jantaram, foram sair e, ao lembrar-se do resto da noite, cerrou os olhos envergonhada. Pelo menos o facto de saber que na melhor das hipóteses não tornava a ver Susana servia de consolo para a sua dignidade, ainda que tivesse uma sensação amarga esse pensamento, apesar de tudo não tinha sido de todo sua intenção aborrecer a outra.
A porta do quarto foi aberta com brusquidão, interrompendo a sua reflexão e Pedro entrou, bem-disposto e com uma travessa com o pequeno-almoço em equilíbrio precário nos braços.
“Olá amor, então, sabes que te poupei ontem à noite, mas agora não escapas, vá chiba-te lá, o que é que fizeste com aquela gaja?”, perguntou no seu tom de voz eternamente alegre e descontraído.
“Pronto está bem, eu conto”, disse a rapariga já de melhor disposição, o bom humor de Pedro era absolutamente contagiante, além de que conhecia o rapaz desde a primária e confiar-lhe-ia a sua vida sem pensar duas vezes, para quê adiar o inevitável? “Olha acho melhor sentares-te primeiro”
“Ui! O que é que daí vem…”, suspirou ele à medida que se sentava na borda da cama com o pequeno-almoço no colo, “Já sabes que se a pega abusou, eu vou-lhe à cara”
“Beeem, então foi assim, meti conversa, uma coisa levou a outra e quando dei por mim já estava na casa-de…”, relatou depressa a morena, enquanto sentia a cara a ferver de vergonha. Podia confiar tudo ao rapaz, mas aquilo era algo que nunca tinha feito nem esperava vir a fazer. Ainda assim, as memórias da noite passada eram, de certa forma, dolorosas, nem sabia ao certo porquê.
“Caralho! Ela o quê?!”, interrompeu Pedro já com a face escarlate de raiva, “Ela que se fosse divertir com a mãe dela que em ti não toca, aquela filha da puta!”
“Calma…deixa-me acabar”, prosseguiu Daniela, mantendo a postura tranquila, “Anyway, quando a situação estava a ficar um pouco extrema eu empurrei-a e dei quel baza dali, não te preocupes”
“Ah! Linda menina!”, sorriu ele de orelha a orelha, “Assim é que eu gosto, mas agora diz-me lá porque é que fizeste isso”
“Ora bem, tu reparaste que ela era super gira, certo?”, perguntou ela enquanto ele acenava afirmativamente com a cabeça, “O que não deves ter reparado é que ela é a cara chapada da Andreia, tipo, fora a cor do cabelo e dos olhos é igual, igual, igual!”
“O quê? Mas tu ainda pensas nessa gaja?”, desesperou ele lançando os braços ao ar, enquanto revirava os olhos ao ver Daniela acenar que sim, “Olha, vou tomar banho, recuso-me a ficar aqui e ouvir coisas sem nexo, ate já!”
E com isto deixou a rapariga para trás, batendo com a porta do quarto. Ela acabou o pequeno-almoço com calma e levantou-se, convinha ver se tinha alguma chamada não atendida da mãe no telemóvel, afinal até podia estar na cama com a Diana Chaves que isso não era justificação plausível para a sua mãe…Pegou no telemóvel e deu rapidamente notícias à mãe, garantindo que não tinha sido violada. Mas quando o fez reparou que tinha um número novo gravado, era de Susana.
A morena engoliu em seco e sentiu uma sensação estranha no estômago, mas não podia negar que de certa forma estava feliz. A sua personalidade calma e amigável não a permitia deixar alguém com ressentimentos em relação a ela, ou pelo menos, foi o que disse a si própria para ganhar coragem e dizer qualquer coisa, nem que fosse um pedido de desculpas patético. Desde que aliviasse a consciência já era bom sinal. Demorou um bocado a escrever o texto, visto que o escreveu e reescreveu diversas vezes, mas o resultado final era simples e directo:
“Susana, só te queria pedir desculpa pelo que aconteceu ontem, não queria que guardasses ressentimentos pelo que se passou, desculpa mais uma vez, Dani”
Depois, pousou o telemóvel e foi até à casa de banho, onde bateu com força na porta para avisar Pedro que ela também tinha um duche para tomar. Ele saiu de lá com má disposição por ter sido forçado a pôr fim ao seu ritual “desodorizante-aftershave-perfume”, muito para gozo de Daniela.
A água do duche teve um efeito relaxante sobre a rapariga, esta limitou-se a ficar um bocado apenas a sentir a água passar-lhe pelas costas, peito e pernas, deixando-a mais descontraída. Terminou o duche e despediu-se do Pedro, afinal tinha horas marcadas para chegar a casa, para sua infelicidade. Tinha sido a primeira vez que tinha saído para um bar menos próprio e arranjou logo problemas…à parte disso, as dificuldades que tivera que ultrapassar para mentir convincentemente aos pais foram uma obra de génio.
Dirigiu-se à paragem do autocarro enquanto maldizia para si própria o facto de viver “no cu de Judas”. Felizmente para ela, este não demorou a chegar e pouco depois estava na estação de comboios. Estes não se atrasaram, fazendo com que rapidamente estivesse na sua linha. Entretanto decide ver se teve resposta, embora se tivesse que apostar, dissesse que muito provavelmente tinha sido ignorada. Tirou o telemóvel do bolso a medo e verificou que já tinha uma mensagem há algum tempo, sentiu o estômago dar um mortal e, com as mãos a tremer, leu a mensagem:
“Acho que te precipitaste, mas é na boa, não guardo ressentimentos, mas se insistires sei como me podes compensar ;)”
Daniela não pôde evitar senão sorrir, o remorso que sentia desapareceu naquele momento, dando lugar a uma boa disposição que há muito não sentia. Tanto que pensou para com os seus botões, “Tudo o que quiseres!”. Apressou-se a responder:
“Sinto que tenho mesmo que te compensar de alguma maneira, se quiseres explico-te tudo. Mas diz-me o que tens em mente”
A resposta foi quase instantânea, muito para contentamento da rapariga:
“Vem encontrar-te comigo, assim podes contar-me tudo. Ou será pedir muito?”
A morena fechou os olhos por um instante e ponderou o que seria o mais acertado a fazer. Por um lado, a sua racionalidade prevenia-a que o mais provável seria estragar o que lentamente concertou. Por outro, o seu instinto, 6º sentido ou o que quer que seja que lhe chamam, dizia-lhe que tinha que fazer isto. Porque não confiar? Afinal apenas se devia arrepender do que não fazia. Foi assim que lhe disse:
“Está bem pode ser. Onde te queres encontrar?”
A próxima meia hora foi passada a combinar os pormenores do encontro, a rapariga não deixou de notar que, apesar de tudo, Susana aparentava ser uma pessoa relativamente descontraída e com quem é fácil falar. Tendo em conta que Daniela sempre tinha sido bastante tímida a vida toda, estes dois aspectos eram indicativos de que podia vir a dar-se bem com Susana. Ficou combinado que se encontrariam no dia seguinte, de manhã.
Daniela sorriu para si mesma, saindo do comboio, teria que contar aquilo a Pedro, mas naquele momento não era boa altura, estava na hora de ir para casa e assegurar aos pais de que vivia para contar a história. Claro que não se podia esquecer da versão oficial: tinha ido a uma discoteca popular, a uma festa e depois tinha ido dormir a casa de uma amiga. Quando se tem pais controladores e conservadores, mentir parte e ocultar o resto era um requisito.
Mal chegou a casa notou que os pais tinham saído. “Melhor”, pensou. Assim podia falar com Pedro à vontade. Pegou no telemóvel outra vez e notou que a Susana lhe tinha perguntado se estava tudo bem. Respondeu que sim e meteu conversa o melhor que pôde. Lembrou-se do que ia fazer inicialmente e ligou ao rapaz, que demorou um pouco a atender.
“Oi oi! Sabes com quem vou estar amanha?”, picou a rapariga, saltando o cumprimento.
“Quem?!”, perguntou ele, já a enumerar uma série de nomes que seriam possíveis hipóteses.
“Com a Susana”, respondeu ela, mal escondendo o seu entusiasmo, “Sabes, aquela loura do bar”
“Dani, Dani, sabes que te adoro MUITO, mas por favor, diz-me que não aceitaste”, pediu ele desesperado e a falar atabalhoadamente. Não tinha ido com a pinta da outra e, acima de tudo ele era extremamente protector da sua menina, se alguém se atrevesse a magoa-la, ele perseguiria essa pessoa com um taco de basebol.
“Porque não?”, questionou ela, como se não tivesse percebido, “Afinal tratei-a pior que mal sem razão, tenho que resolver isto”
“Ai Dani! Eu conheço esse tipo de gaja, ela só te vai querer ir ao pipi!”, gritou ele perdendo o controlo, como já havia acontecido tanta vez, “Se gostas de mim por favor não vás”
“Tu sabes que te adoro como a Lindsay Lohan adora cocaína, mas estou mais que decidida. Eu vou.”
Decidiu que, se calhar, seria melhor terminar a conversa por ali antes que as coisas ficassem amargas. A sua maior preocupação de momento era pensar muito bem no que iria dizer no dia seguinte à loura…afinal a verdade parecia-lhe deveras patética. Ainda assim, sentiu que mentir não era opção, pois só ia esclarecer a outra, devia-lhe a verdade depois de tudo o que se passou. Amanhã seria um dia em cheio.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Capítulo 2


Daniela parou de correr apenas quando ficou sem fôlego e sentiu as pernas a fraquejar. Olhou à sua volta e reparou que já se encontrava razoavelmente longe do bar e perto de um parque. Precisava mesmo de se sentar e recuperar a compostura, bem como a dignidade, aqueles bancos de madeira vieram mesmo em bom momento. Começou, antes de mais, por disfarçar os vestígios do que quase fez, compôs a roupa e alisou os cabelos. A rapariga sentou-se com a cabeça apoiada nas mãos, o desenrolar dos acontecimentos não eram de todo o que tinha previsto inicialmente…
De repente lembrou-se, o seu melhor amigo tinha ficado lá, com certeza que a esta hora estaria preocupado! O seu primeiro impulso foi ligar-lhe mas, para sua frustração, apercebeu-se que se esqueceu da mala com os seus pertences. Respirou fundo e tentou controlar-se…ponderou as opções: podia voltar ao bar e, quase de certeza, dar de caras com a Susana, ou podia ficar sozinha e vulnerável longe de casa. Apesar de tudo, a primeira hipótese era mais agradável do que ser assaltada ou raptada.
Demorou uns instantes a recompor-se. Partilhar “momentos de intimidade” com alguém que tinha apenas conhecido há minutos, não era de todo seu hábito, muito menos imaginar outra pessoa durante o dito acto…quer dizer, já tinha imaginado aquela mesma pessoa noutra ocasião, embora não tão “extrema”mas isso fora há anos atrás, quando ainda a rejeição era fresca. Tinha coisas para fazer e não podia demorar mais, levantou-se do banco. Mesmo sentindo a cabeça pesada, caminhou a passo rápido para lá, enquanto pedia por tudo que não se fosse dar de caras com a loura. Ao chegar ao bar avançou aos encontrões por entre a multidão até que, muitos “Desculpe” depois, pareceu avistar o seu amigo. “Que sorte!”, pensou já mais tranquila. Subitamente sentiu alguém a apertar-lhe a cintura e, virou-se para trás enquanto implorava que não fosse quem ela tão desesperadamente queria evitar…
“Não te esqueceste de nada?”, perguntou precisamente a pessoa cuja presença não era bem-vinda naquelas circunstancias, com um sorriso brincalhão. Fez agitar no seu braço a mala de Daniela de forma provocadora.
“Foda-se caralho, que puta de sorte”, pensou a morena, embora as palavras que lhe tivessem saído dos lábios fossem, “Sim, obrigada. Dá cá, se faz favor”. E com isto esticou o braço, sentindo a face ruborizar com embaraço.
“Ai tão querida que ela é”, a loura riu-se da rapariga e afastou a mala do braço dela, “Não te preocupes, não roubei nada e sim, tenciono dar-te a mala, em troca de uma coisa, claro”
“Por favor, Susana, deixa-me em paz”, implorou a morena já exasperada, só queria estar longe da presença da outra e rápido. Deitou um olhar por cima do ombro em direcção ao amigo, que se encontrava com a atenção fixada noutra coisa, não lhe podendo servir de auxílio.
A loura revirou os olhos e disse desdenhosamente, à medida que se irritava cada vez mais, perante o ar de arrependimento e receio da rapariga, “Tu gostaste que eu vi…para que é que agora estás assim?”
“Dá-me só o que é meu e vou-me embora”, limitou-se a dizer a rapariga, já bastava estar envergonhada, não tinha que ouvir aquilo, “Vamos esquecer que aquilo aconteceu”
Ao ouvir estas palavras, Susana soltou um suspiro de derrota e devolveu a mala a Daniela, dizendo apenas “Não te incomodo mais, adeus”. E com isto virou as costas. A morena podia jurar que lhe viu uma expressão magoada no rosto perfeito. A rapariga sentiu-se culpada por um momento e pergunta-se se terá feito bem, ao vê-la desaparecer no meio da multidão. Suspira e dirige-se ao amigo, que decerto lhe vai pedir inúmeras justificações…pelo menos vai puder descansar depois de uma noite daquelas.
O seu último pensamento coerente naquela noite foi o facto de não se sentir em paz depois do que se passou e desejar puder refazer determinadas partes daquela saída. E com isto adormeceu.