quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Capítulo 69

Enquanto Daniela fora para o Hawai, Pedro, para mal dos seus pecados, ficara no país, enterrado até às unhas num projecto no qual já vinha a trabalhar há bastante tempo. Poder trabalhar na sua área predilecta, design de moda, era uma bênção. No entanto, poder viver disso era um autêntico milagre, a seu ver, mesmo que para tal tivesse que passar muitas noites em claro. Mas o produto final compensava, sentia-se verdadeiramente orgulhoso. Estava, numa bela noite, de caneca com café numa mão e bloco de esboços na outra, quando uma mensagem o fez divergir a sua atenção. Era da rapariga:
“Já me encontro em terras lusas e, mais do que estar cheia de saudades tuas, ainda tenho uma novidade para te contar”
Franzindo o sobrolho, o rapaz respondeu rapidamente, perguntando-se a si próprio o que poderia ser. Com sorte talvez Susana tivesse sido comida por um tubarão…Pedro riu-se com a hipótese. Desde o sarilho que houvera no acampamento que tudo o que se relacionasse com Susana o irritava, ninguém deixava assim Daniela e saía impune. Quando esta lhe dissera que tinham voltado foi preciso toda a sua força de vontade para não sacar duma marreta e desfazer a outra. Foi ainda a rir que se deitou, o que quer que fosse a novidade teria que esperar até que ele terminasse o seu sono de beleza.
De qualquer modo, não teve que esperar muito tempo, pois Daniela, três dias depois convidara-o para ir à praia, convite esse que aceitou prontamente. De creme numa mão e toalha na outra, lá estava ele no local combinado. Para não variar, a rapariga e a outra estavam atrasadas, mas, para seu espanto, Rodrigo e Tiago já lá estavam, “O que é que estão aqui a fazer?”
“A Susana tinha-nos dito que tem algo importante para dizer…”, respondeu Rodrigo, igualmente surpreendido, “E tu?”
“Susana, Susana…”, resmungou Pedro, embora tivesse passado despercebido aos ouvidos dos outros. Antes que pudesse responder, Marta e Guida, seguidas de Susana e Daniela, ao lado, apareceram, por fim. Para variar, Pedro não perdeu tempo e lançou-se à rapariga, arrancando-a da mão da loura e atirando-a ao chão, “Honeeeeeey! Que saudades!”
Revirando os olhos ao ver tanto a morena como o amigo rebolarem na areia, Guida virou-se para a outra e perguntou, “Agora que estamos todos aqui, importas-te de dizer o que é que querias contar?”
“Sim!”, apoiou Pedro, detendo a rapariga, a seu lado, que cuspia areia e cabelo, ofegante, “O que é que tens para contar?”
Empurrando o rapaz, Daniela levantou-se, colocando-se ao lado de Susana, que não cabia em si de alegria. Dando a mão à rapariga, a loura anunciou a boa nova, “Eu e a Daniela casámos”
Enquanto esperavam por uma reacção por parte dos outros, a morena abraçou a outra, que retribuiu com um sorriso enorme. Se tanto Marta como Rodrigo e Tiago ficaram rejubilantes, o mesmo não podia ser dito de Pedro e Guida. Sempre com movimentos involuntariamente sincronizados, cada um engoliu em seco puxou Daniela e Susana para si.
Com o braço por cima dos ombros da morena, o rapaz sussurrou-lhe ao ouvido, “De quanto era a conta bancária dela outra vez? E diz-me que fizeste um pré-nupcial fixe!”
“Olha…maior que a tua e a minha juntas alguma vez seriam”, replicou a rapariga, não conseguindo evitar rir com a expressão corada e aflita do amigo, “Lamento dizer-te mas não fiz pré-nupcial nem conta conjunta nem nada…não lhe toco num cêntimo”
“Foste burra mas paciência…”, cedeu Pedro, dando palmadinhas no ombro de Daniela, “Mas tu é que sabes”
A vinte metros deles, Guida colocara, também, o braço por cima do ombro da loura, “Se me tivesses pedido eu arranjava-te uma coisinha mais em termos…agora estás presa à enjoada da Danyzinha, porra!”
“Não obrigada”, resmungou a outra, torcendo o nariz em resposta à amiga. Já sabia que esta nunca fora muito com a rapariga, sempre lhe dissera que podia arranjar muito melhor se quisesse, mas esperava dela um bocadinho de apoio pelo menos, “Não podes ficar feliz por mim e estar calada?”
“Não quando sei que acabaste de cometer o maior erro possível”, insistiu Guida, enfurecida, a ponto de passar a mão pelos cabelos, várias vezes, até os deixar semelhantes a um arbusto mal cuidado, “Cinco anos, no máximo dos máximos e já estou a esticar um bocadinho, é quanto vai durar esta causa perdida”
“Foda-se Guida, vai à merda”, rosnou Susana, empurrando a amiga, que já se preparava para retaliar caso a loura não lhe tivesse voltado as costas para voltar para junto da rapariga.
“Está tudo bem?”, perguntou a morena, dando a mão à outra, à medida que caminhavam para junto do grupo.
“Está”, respondeu Susana, dando-lhe um beijo na testa, antes de voltar a fulminar Guida com o olhar, “Não te preocupes”
Não querendo insistir mais, a rapariga sentou-se numa toalha que partilhava com a loura. Dobrou as pernas e deixou que a outra deitasse a cabeça sobre estas, enquanto lhe acariciava o cabelo, fazendo com que Susana ronronasse. Entretanto, já todo o grupo se aproximara, sendo Marta a primeira a manifestar-se, “Oh Sousa, eras quem menos queria ficar comprometida e foste a primeira a casar, tens que admitir que é irónico!”
“Quem havia de prever que ia acabar por encontrar a Susy?”, regozijou-se Daniela, baixando-se para dar um beijo rápido à outra, que a agarrou e intensificou o beijo.
Quando as coisas estavam a aquecer, Rodrigo, que já via mais do que gostaria, achou por bem tapar os olhos a Tiago, que se desmanchou a rir, e interrompê-las, a bem do seu almoço, “Eish…oh Suse!”
Separando-se da rapariga, ainda com um fio de saliva entre ambas, a loura interrogou, “Ahm?”
Perante a cena, Rodrigo, que normalmente era até bastante discreto, chegando mesmo a partir o coração de muitas raparigas que desconheciam aquele pormenor em relação a si, não conseguiu evitar deixar vir ao de cima o seu homossexual indiscreto. Levou as costas da mão à testa, “Ai! Que nojo!”
“Fecha a boca!”, respondeu Susana, à letra, “Estás a cuspir esperma por todo o lado”
Foi a vez de todo o grupo, em peso, Guida incluída, gritar, “Que nojo!”, em resposta à loura, que se virou para o lado, amuada. Havia coisas que, por muito que o tempo passasse, nunca iriam mudar e todos estavam gratos por que assim fosse.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Capítulo 68

A semana que se seguiu foi o que ambas consideraram a sua “Lua-de-Mel”. E, vendo bem as coisas, que mais é que podiam pedir? Praias paradisíacas, população hospitaleira, boa comida e, acima de tudo, tempo só de ambas e para ambas, num local completamente novo, livre dos olhares intrometidos de terceiros. Porém, ambas sabiam que quando voltassem, nada seria tão fácil como o fora durante as férias, a boa nova do casamento iria constituir um grande choque para todos os conhecidos mas, acharam por bem não mencionar o assunto, não fosse este causar agitação desnecessária, mesmo que ambas estivessem cientes que apenas estavam a adiar o inevitável.
Como todas as coisas boas, aquela semana passou depressa demais para o agrado de ambas, que se viram na viagem de regresso mais cedo do que gostariam. Apenas quando já deixavam para trás o solo havaiano e o arquipélago já desaparecia de vista é que Daniela se permitiu a, por fim, tocar no assunto que a andava a atormentar desde que acordara na manhã do dia seguinte ao casamento, “Olha Susana…”
Susana já sabia o que é que a rapariga lhe queria dizer, não era nada de transcendente. Procurando consolá-la o melhor possível, colocou um braço em torno dos ombros desta, recostando-a em si, embora nada tivesse dito.
“Vai ser um golpe duro…”, suspirou a morena, olhando para a outra, um tanto a medo, incerta de como se expressar.
“Que importa?”, replicou a outra, ostentando uma expressão séria, “Fizemos a nossa escolha, se os outros não gostarem que se fodam”
“Estou com um certo receio de contar à minha mãe”, admitiu Daniela, pressionando-se mais contra a loura, “Este tempo todo e vocês não se entendem nem por nada”
“Não é por não querer, ela é que põe defeitos em tudo o que faço”, resmungou Susana, revirando os olhos, “Mas não te preocupes, ainda vamos a tempo”
“Tu não estás preocupada?”, perguntou a morena.
“Sei que os meus amigos me apoiam, por isso não é por aí, se a minha avó fosse viva ficava feliz por mim, por isso não tenho ninguém a quem desapontar”, explicou a loura, “O que pode correr pior é a minha carreira, mas é um preço que eu posso pagar”
“A sério…tem cuidado com isso, não te quero a deitar tudo a perder por minha causa”, pediu a rapariga, sentindo-se, simultaneamente tocada, como culpada.
“Não me importo mesmo, não é que fosse a primeira vez que espetavam com a nossa cara numa revista”, disse a outra, dando um beijo na cabeça da morena, “Há coisas mais importantes que a minha carreira e o meu casamento é uma delas”
“Tem cuidado, só isso”, pediu Daniela, embora se tivesse aconchegado melhor sob o braço da outra, antes de a beijar. Se ia estar horas fechada num avião, ao menos que se certificasse que ia permanecer confortável e não havia melhor que o peito da loura. Fechou os olhos e tentou não imaginar nas possíveis reacções dos pais quando lhes contasse, mesmo que fosse uma tarefa difícil de se concretizar: cólera, tristeza, apatia…podia ser tudo menos felicidade. Arrepiada, comprimiu-se contra a outra, que se apressou a sossegá-la, como se adivinhasse os seus pensamentos.
“Ssh…”, murmurou Susana, encostando a cabeça à da morena, “Vai correr tudo bem…prometo”
A rapariga preferiu esquecer tudo aquilo, ainda que fosse só por aquele momento, não o queria estragar. Quando tivesse que ser voltaria a lidar com tudo aquilo, mas por enquanto descansaria. Estava a dormir o sono dos justos quando a voz da assistente de bordo a despertou, avisando os passageiros de que iriam aterrar em breve.
“Ai…e se não se lembram de pôr as rodas?”, lamentou-se a outra, abanando o ombro da morena, de modo nervoso e irrequieto.
“Só tu, Susana Isabel, só tu”, disse Daniela, rindo. Apesar dos seus melhores esforços, a loura estava num pranto, a observar através da janela a aproximação do solo. Só voltou a recuperar a cor quando o aparelho se encontrava imóvel sobre a pista de asfalto, “Como vês, vivemos para contar a história”
Susana nem lhe respondeu, de tão ocupada que estava a mentalizar-se que o avião não tinha explodido. Só se voltou a pronunciar quando sentiu a mão da morena apertar a sua, “Estás-me a espetar as unhas!”
A rapariga faz-lhe orelhas moucas, continuando, completamente nervosa. Ao longe já avistava a mãe, que lhe acenava, entusiasmada. Aí, a loura já não sentia nada do cotovelo para baixo. A distância entre elas e a senhora foi encurtada por esta, que não perdeu tempo a tomar a filha nos braços, eufórica, “Estás tão morena!”
“Ui, calma mãe…estás-me a aleijar”, conseguiu dizer Daniela, sem fôlego. Cada vez que expirava, ao abraço da mãe tornava-se mais forte, como uma piton.
A senhora não largou imediatamente, ainda queria compensar o tempo que passara longe do seu rebento. Susana, por sua vez, nada disse, ficando a ver o desenrolar daquela cena familiar. Quando a senhora soltou a rapariga, voltou-se para a loura, com um sorriso ligeiro, “Boa noite, Susana, gostou da viagem?”
“Adorei”, respondeu a outra, sorrindo honestamente, feliz, “Mas preferia que me tratasse por tu, sogrinha”
“Passo a tratá-la por tu se não me chamar sogrinha, temos negócio?”, propôs a senhora, divertida com a simplicidade alegre da loura, mesmo que nunca o fosse admitir.
“Ora essa, sogri…”, concordou Susana, detendo-se a tempo. Foi a vez de Daniela se rir, antes de afagar o braço da outra, carinhosamente. Uma breve troca de olhares com esta e a rapariga soube que a instigava para que desse a boa nova à mãe. Mas não o queria fazer ali, diante de toda aquela gente, preferia esperar por um local mais propício. Seguiu ao lado da mãe por entre as multidões que ocupavam o aeroporto, com a loura atrás, até se instalarem no carro. Por esta altura os olhares da outra tornavam-se incomodativos, de tão intensos que eram.
Uma vez com o veículo em andamento, a morena ousou falar, “Mãe?”
“Diz, Dani”, encorajou a senhora, transbordando alegria por tudo o que era poro, “Tens fome? Estás cansada?”
“Não…estou bem”, replicou Daniela, mordendo o lábio inferior, ao trocar um esgar com Susana, através do retrovisor, “Queria dizer-te que…”
“Que?”, encorajou a mãe, “Tu não me deixes preocupada!”
“Que…que…”, tartamudeou a rapariga, cujas mãos oscilavam no volante. Os olhos arregalados e os braços cruzados da loura indicavam que esta podia perder a paciência a qualquer momento, “QUE EU E A SUSANA CASÁMOS, PRONTO!”
O silêncio que se abateu dentro do habitáculo do veículo era de cortar à faca. Por um lado, a morena quase hiperventilava, apertando o volante com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos, por outro, a outra parecia aliviada e, por fim, a mãe nada disse, limitando-se a reprová-la com o olhar, antes de o fixar na auto-estrada, diante de si, arrasada. Porém, todas sabiam que era melhor ninguém insistir, pelo menos por enquanto. A viagem até casa da rapariga foi, toda ela, marejada por silêncio por parte de todas, sendo o único ruído audível o do motor do carro. Ao chegarem ao destino, nenhuma ousou sair do veículo.
“Mãe…diz alguma coisa”, implorou Daniela, com os olhos vidrados.
Incapaz de se conter durante mais tempo, a senhora encarou-a. No entanto, em vez da raiva que a morena esperava, apenas encontrou tristeza, expressa nas feições da sua mãe.
“Desculpa se te desapontei…”, tentou a rapariga, engolindo em seco.
“O que me entristece nem é o teres casado com aquela criança grande e desmiolada”, disse a senhora, com um suspiro, totalmente esquecida da presença da loura, atrás de si, “É mesmo o não me teres dito nada…”
“Foi uma decisão momentânea, nenhuma de nós planeou isto”, continuou Daniela, com a fala dificultada pelo nó na garganta.
“AINDA POR CIMA!”, bradou a mãe, batendo com a mão no tablier, “Que tu tenhas casado com aquela atrasada mental inútil, o problema é teu, agora vive com o teu erro! Mas era pedir muito teres-me consultado antes de cometeres essa estupidez?! Não entendes que só queria ter estado a teu lado nesse dia?!”
Daniela, que já apoiava a cabeça nas mãos, nada respondeu. Batendo com a porta atrás de si, desapareceu em direcção a casa, deixando a senhora dentro do veículo com a outra.
“Sabe…”, começou Susana, ainda que a sua voz acusasse, através de um timbre magoado, o quão a reacção da senhora a magoara, “Queria tanto ter conseguido, nestes quatro anos, fazer com que me aceitasse o suficiente para que me visse como a cara-metade da sua filha, sem que torcesse o nariz cada vez que ela falava em mim”
“Mas parece que, fizesse eu o que fizesse, nunca era suficientemente bom para si”, continuou, olhando para a senhora, através do reflexo do retrovisor, “Não sou perfeita…mas desde que comecei a namorar com a Daniela, que mudei muito…tudo por ela”
A mãe da rapariga não soube o que dizer. Sabia, no entanto, que não era preciso manifestar-se, a loura apreciaria, certamente, o seu silêncio e a oportunidade de desabafar. Ainda assim, cada palavra desta teve o peso de uma tonelada em si.
“Antes de a ter conhecido não achava que me voltasse a apaixonar”, prosseguiu a outra, fitando as mãos no seu colo, “Mas viemos a construir algo e sólido e verdadeiro, acredite…”
Talvez Susana não fosse uma escolha assim tão má para nora, se havia algo que a senhora tivesse notado havia algum tempo, era que esta, apesar de tudo, tinha bom coração. Talvez Daniela tivesse podido arranjar bem pior.
“Não queríamos mesmo magoá-la e mesmo que tivesse sido por um impulso, foi algo que eu tinha planeado há algum tempo, só não quisemos adiar mais a nossa decisão”, disse Susana, agora com a voz resumida a um sussurro, “Posso não me exprimir da melhor maneira, mas tudo isto para dizer que amo a Daniela e não quero nada que não a felicidade dela”
A última parte foi quase insusceptível aos ouvidos da senhora, que já tinha a face ruborizada. Não sabia o que dizer, mas tinha que falar, que assegurar à loura que merecia a sua bênção, qualquer coisa. “Desculpe...desculpa Susana…se calhar precipitei-me a julga-la…te”
“Compreendo, não era exactamente o que devia esperar para a sua filha”, disse a outra, sorrindo, “Quer dizer…sou uma mulher, atrasada mental como diz, mas acredite que não sou uma criança grande”
“Não o devia ter posto em causa”, suspirou a mão de Daniela, embaraçada, “Mas temos que admitir que não te conheço assim tão bem e tu estás sempre a fazer aqueles comentários…horríveis”
“’Tão, tenho que quebrar o gelo entre nós”, desculpou-se Susana, coçando a nuca, sem evitar o riso, “Mas já me trata por tu, tá ver?”
“É verdade que não tenho facilitado”, admitiu a senhora, “Mas espero que me dês uma oportunidade para me redimir”
“Tempo não falta, como já lhe disse”, replicou a outra, afagando o ombro da mãe de Daniela, “É claro que dou, sogrinha”
A senhora afagou a mão da loura, em resposta, sorrindo para si. Podia ser o oposto do que sempre desejara para a filha, podia ter comportamentos um tanto duvidosos mas, enfrentara-a em mais do que uma ocasião, algo que muita gente não faria. E, naquele momento dera provas de ser muito mais do que uma pessoa infantil. Ainda tinham um caminho considerável a percorrer, mas a senhora comprometera-se a fazer um esforço verdadeiro para eliminar o fosse entre si e a nora.
“Sogrinha?”, chamou Susana.
“Diz”, pediu a mãe de Daniela.
“Agora que eu e a sua filha somos casadas já podemos fazer o amor à vontade”

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Capítulo 67

Só mesmo Susana para se casar nas suas habituais calças de pano largas e cabelo emaranhado acabado de sair da praia. Foi esse pensamento que proporcionou o primeiro riso do dia a Daniela, enquanto olhava para a aliança de prata que tinha no dedo, aliança essa que suspeitava ter sido comprada na feira da cidade, se a sua memória não falhava, vira lá à venda exemplares que, se não eram iguais eram muito semelhantes. E daí também não podia falar muito, tinha casado ainda com a roupa húmida e casual com que fora à praia e detestava as típicas alianças de ouro, de qualquer forma. Mas não fazia mal, o que importava é que tinha sido à vontade de ambas. O seu riso foi o suficiente para acordar a loura, que lhe sorriu, antes de a aconchegar melhor e perguntar, “O que foi?”
“Tu”, respondeu a rapariga, enterrando a cara no pescoço da outra, tentando abafar o riso, sem grande sucesso.
“O que é que eu fiz?”, insistiu Susana, despenteando o já emaranhado cabelo da morena.
“Pára com isso!”, queixou-se Daniela, mordendo o pescoço da outra, o suficiente para conseguir que esta saltasse. Seguiu-se uma sessão de cócegas mútua, que apenas terminou quando ambas estavam de barriga para cima na cama, ofegantes. Voltando-se de barriga para baixo, com o queixo apoiado nas mãos, a morena acabou por confessar, “Tinhas mesmo que casar com ar de vira latas, não tinhas?”
“Sempre quis fazê-lo assim, descontraída e simples…nunca gostei daquelas coisas todas, dos vestidos, de convidar a tribo toda e o caraças”, respondeu a loura, coçando o cabelo, deixando-o ainda mais despenteado, “Mas incomodou-te?”
“Não, não, de todo”, disse a rapariga, rapidamente, “Para mim desde que fosse algo discreto, podia ser de qualquer maneira…nunca pensei muito em casar, sequer, mas se tivesse posto essa hipótese, teria sido de jeans”
“A sério? Nunca imaginaste nada?”, inquiriu a outra, curiosa. Desde que conhecera a morena que nunca lhe perguntara quais os seus planos a esse nível.
“Quer dizer…uma casa nos subúrbios, um labrador, daqueles gordos, um BMW, M6 de preferência e provavelmente um marido advogado eram o plano principal”, reformulou Daniela, franzindo o sobrolho, “Mas a última parte já foi descartada há muito tempo…e não tenho pena nenhuma”
“A casa, o cão e o carro podes ter…”, tentou Susana, colocando uma madeixa de cabelo por trás da orelha da rapariga, “Mas mais depressa viro gajo do que tiro o curso de Direito”
“Não! Estás óptima assim!”, alarmou-se a rapariga, que, conhecendo o temperamento da loura, não se admirava que um dia esta lhe aparecesse à frente com um instrumento a mais, só para lhe agradar.
“Que alívio…se bem mijar de pé deve dar jeito, por acaso”, disse a outra, agora que ponderava bem, “Mas a sério…”
“O quê?”, questionou a morena, esperando que a conversa não fosse parar ao que tema que mais a desagradava.
“Gostava de ter um ou dois filhos, um dia”, declarou Susana, com um sorriso rasgado.
E pronto, a temática que mais assustava Daniela. Nunca fora grande apreciadora de crianças, aliás, evitava-as tanto quanto possível. Porém, estas gostavam dela, só Deus sabia como. Só previa duas situações que a fariam ser mãe: ou tinha um acidente, o que era difícil por razões óbvias, ou o seu relógio biológico a obrigava, o que não era o caso, tendo em conta que ainda tinha vinte e três anos. “No que é que eu me fui meter”, pensou, assustada, “Pensa depressa…putos…ranhosos, far away de mim”
“Oh Susana”, tentou, fazendo a sua expressão mais angelical e doce, na esperança de distrair a loura, “Não digo que tal não possa vir a acontecer, mas ainda é tão cedo…vamos com calma”
“Sim…”, concordou a outra, embora algo, ou na expressão desta, ou no tom da voz tivesse dado a entender à morena que, no que dependesse da outra, filhos seriam o próximo passo, “Seria tão fofo, com sorte tinham sardinhas e covinhas…e não saíam burrinhos como eu…”
Que Susana adorava crianças era algo que a rapariga já sabia desde que a conhecera. Sempre que interagia com uma o seu tom de voz tornava-se mais doce e a expressão mais suave. Certificava-se sempre que a criança ria e dava-lhe atenção. Já Daniela era o oposto, mas gostava de ver a loura a brincar com miúdos, era sempre uma visão tão enternecedora.
“Ainda há tanta coisa a organizar antes disso”, replicou a rapariga, beijando a outra. Felizmente para si, esta distraia-se com facilidade e sempre da mesma maneira. Nos próximos momentos aquele assunto não podia ter ficado mais longe dos seus pensamentos.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Capítulo 66

Nunca descurando a sua intenção de seguir em frente com o plano, Susana deixou passar um par de dias. Entre sessões de snorkeling no mar e passeios, ora pela cidade, ora pela praia, ia testando as águas. Tanto quanto se apercebera, a relação entre ambas estava estável o suficiente e não seria apressar demasiado as coisas, o que diminuía as hipóteses de levar uma tampa. Porém, a principal razão que a impulsionava a fazer aquilo, nem a própria sabia qual era, o que sabia era que era algo que sentia que devia fazer, que era altura de o fazer. Planeando aquele dia ao pormenor, deu início ao seu plano, com um sorriso rasgado.
Deixou-se ficar um pouco mais com uma Daniela adormecida sobre si, saboreando aquele momento. Esta estava consideravelmente mais bronzeada, o que lhe aumentava a quantidade de sardas, muito para delícia da outra, que não se conteve e beijou-lhe a bochecha, ao de leve. Aproveitando o estado esgotado em que a rapariga ficara depois de uma tarde em alto mar, a loura removeu-a cuidadosamente, tentando não a acordar, de cima do seu peito. Conseguiu, pois a morena só emitira um queixume leve e voltara imediatamente a adormecer, “Hm Suh…”
Sorrindo enternecida, Susana caminhou até à cozinha, em pezinhos de lã, onde preparou o pequeno-almoço para a namorada, certificando-se que incluía tudo o que esta gostava: torradas, café e uma pequena taça de fruta à mistura. Uma vez com o tabuleiro embelezado e a comida pronta a servir, entrou no quarto, onde a primeira coisa que viu foi Daniela espreguiçando-se, acabada de acordar. Cumprimentando-a bem-disposta, a loura deu-lhe um beijo terno, antes de lhe colocar o tabuleiro no colo.
“Que simpatia...obrigada Susana”, agradeceu a morena, com um sorriso demasiado toldado por uma expressão ensonada.
“Tudo para o meu amorzinho lindo!”, brincou a outra, numa voz propositadamente melosa, enquanto apertava as bochechas à rapariga, que fingiu mordê-la, muito para sua diversão.
“Bem me parecia que estavas muito querida”, disse Daniela, abanando a cabeça, mesmo que não ocultasse o riso. O seu telemóvel tocou e, para mal dos seus pecados, estava perto do alcance da loura, que, com um sorriso matreiro, atendeu, “Estou, sogrinha?”
“Não, não, não!”, implorou a morena, tentando chegar à outra, “Não a provoques mais, por favor, coitada!”
“Está descansada”, assegurou Susana, baixinho, “Sim, está tudo bem, acabei agora de lhe preparar o pequeno-almoço…”
Do outro lado, a mãe da rapariga preparava-se para a tirada imprópria que se seguiria, certamente, “Estão ambas bem-dispostas e a divertirem-se?”
“Sim, estivemos a fazer snorkeling ontem e hoje vamos dar um passeio pela cidade, há muito que ainda não vimos”, respondeu Susana, consciente do suspiro de alívio soltado pela senhora, “Por aí também está tudo bem?”
Do seu lado, o alívio de Daniela também era aparente, tanto mais que suspirara indisfarçavelmente, voltando a comer o que ainda sobrava do pequeno-almoço.
“Ainda bem, sim está tudo a correr pelo melhor”, assegurou Susana, novamente, “Eu disse que tratava bem dela…vou-lhe passar, então adeus, beijinhos”
“A Susana tomou uma dose de decência e boa educação?”, foi a primeira coisa que Daniela ouviu, mal encostou o aparelho ao ouvido.
“Ela só dizia aquelas coisas para brincar contigo, ela é muito decente”, garantiu a rapariga, rindo, “Bom dia para ti também”
Mais meia dezena de minutos de conversa que consistiram em, basicamente, muita recomendação por parte da senhora e muitos “sins” por parte da rapariga e deram o telefonema por terminado. Assim que a morena colocou o telemóvel de novo em cima da secretária, a loura disse, regozijada, “Também sei comportar-me quando é preciso”
“Nunca pus isso em causa”, respondeu Daniela, puxando a outra para si, pela camisola, deixando que esta lhe caísse em cima e a beijasse. Quando as coisas estavam prestes a aquecer, Susana separou-as, “Então não querias ir ver a cidade?”
“Hm…sim, mas isso pode esperar”, sugeriu a rapariga, entre beijos. Já teria colocado as pernas em torno da cintura da loura, caso esta não as tivesse separado de novo.
“Ai não pode não”, gozou Susana, muito para frustração da morena, “Veste-te lá e vamos”
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“Tu não podes estar bem”, disse Daniela, enquanto caminhavam por uma rua animada de Honolulu, “Primeiro não dizes à minha mãe que me puseste a comer grelo, ou uma porcaria do género, depois dás-me uma tampa quando eu…”
“Tempo para picar a tua mãe e para te comer é coisa que não falta”, respondeu Susana, afagando a cintura da rapariga, “Vamos deixar isso por agora”
“És tão estranha”, resmungou a morena, embora não tivesse insistido mais, aconchegando-se ao lado da outra.
Descendo a avenida, encontraram um parque simpático, circundado por árvores. Dado que ambas agradeciam sombra, graças ao clima tropical, decidiram procurar um banco. O ambiente era aperfeiçoado, consequência de uma fonte enfeitada com esculturas que expeliam água e do sol que incidia sobre esta, fazendo um arco-íris. Tirando a máquina fotográfica da rapariga, a loura sugeriu que pedissem a alguém para tirar uma foto. A escolha recaiu num senhor de idade de aspecto pacato, que Susana não perdeu tempo a abordar, “You take photo, please?”
O inglês da loura era algo que sempre faria Daniela rir. Porém, o senhor aceitou, sorrindo. A outra colocou-se, encostada sobre a borda da foto, com a morena ligeiramente sentada no seu colo. Pondo os braços em torno da cintura desta e o queixo apoiado no ombro, ao mesmo tempo que a rapariga lhe colocava uma mão ao de leve sobre uma bochecha e outra na sua, ambas sorriram para a foto. Quando viram o resultado ficaram ambas agradadas, o arco-íris servira como pano de fundo a duas expressões igualmente felizes.
Estavam ainda no banco, Daniela ao colo de Susana, numa troca de beijos e carícias, quando o apetite voraz da loura decide que é um bom momento para se fazer ouvir, “Sorry…comer-te a ti não basta”
Com um riso divertido, a rapariga ergueu-se do colo da outra, puxando-a pela mão. Optaram por um restaurante de grelhados à beira-mar, onde se sentaram numa mesa de madeira na esplanada. Depois de feitos os pedidos, Susana toma as mãos da morena nas suas, por cima da mesa, onde ficou a observar o anel restituído no dedo desta. Daniela tinha uma pela tão macia que não resistiu, esfregou a cara sobre as mãos desta, o que resultou numa expressão de horror na cara da rapariga. Quando a loura olhou para cima, viu uma expressão chocada, quase mortificada da morena, que aproveitou para retirar as mãos bruscamente, levantando-se e recuando dos passos, em pânico. Todo o restaurante em peso parou e olhou, sobretudo para a outra, como se ela se tratasse de uma violadora.
“Just kidding”, assegurou Daniela com um sorriso, ao ver os efeitos que a sua brincadeira provocara. Para sossegar a população, que já tirara as forquilhas e as tochas para exterminar a loura, a morena chegou até esta e beijou-a, muito intensamente para o conforto dos espectadores, “See, everything’s fine”
A outra abraçou-a, em resposta, metendo a cabeça na barriga da rapariga, antes de olhar para cima enternecida, “Como as coisas mudaram…ainda te lembras quando eu nem te podia dar um toque em público?”
“Onde é que já vão esses tempos…”, admitiu Daniela, afagando o cabelo à loura, “Nem acredito em tudo o que desperdicei e a chatice que te dava sempre que fazia isso”
“Estão no passado, felizmente”, disse Susana, puxando a morena para o colo, “Mudaste tanto…”
“Para melhor, espero eu”, regozijou-se a rapariga, aninhando-se junto a loura.
“Claro”, confirmou a outra, antes de voltar a beijar a morena. Tiveram que pôr fim às demonstrações afectivas quando chegou a empregada, clareando a garganta, constrangida, que trazia os pratos de cada uma.
Rindo, separaram-se, dirigindo a atenção para a comida. Como seria de esperar, Susana não perdeu tempo a atacar, deixando apenas como vestígio do que outrora lhe enchera o prato, um resto de molho no canto da boca, resto esse que Daniela limpou, com um guardanapo, como nunca se coibia de fazer, “Realmente Susana, não sei como é que consegues ter tão más maneiras e continuar a coisa mais querida ao mesmo tempo”
“Sabes como é…entusiasmo-me facilmente quando estou com fome”, respondeu a loura, simplesmente, deixando uma mão passear pela coxa da rapariga, que se limitou a enxotá-la, revirando os olhos, dizendo, antes de acabar calmamente o seu prato, “Tu não pensas noutra coisa, pensas?”
“Tu é que não sei como é que ainda consegues pensar noutra coisa”, brincou a outra, “Quando se tem uma namorada tão boa como eu…”
“Ahah, tens tanta gracinha”, gozou a morena, fingindo uma expressão de indignação, o que fez a outra soltar um riso, bem-disposto.
Não se ficaram pela esplanada muito tempo, afinal, por insistência de Susana, a praia à tarde estava no seu mais agradável. E não se enganara, apesar da enchente de gente, o areal continuava convidativo, ao mesmo tempo que o sol reluzia no mar límpido, quase transparente, conferindo-lhe a temperatura ideal para um mergulho. Enquanto Daniela apanhava sol, estendida na toalha, a outra observava um grupo de pessoas a jogarem volleyball, uns metros atrás. Adorava aquele desporto, embora já nem se lembrasse da última vez que o jogara, sinceramente sentia-se nostálgica, dos tempos que passara, verões antes, a jogar na praia com uns amigos.
“Hey wanna play?”, convidou um dos rapazes que estava a jogar, aproveitando uma pausa. A loura estava tão perdida nos seus pensamentos que nem dera pela abordagem, até que a rapariga lhe dera um toque, “Convidaram-te para jogar”
Susana sentiu-se dividida por uns instantes, por muito que lhe apetecesse jogar, não queria deixar a morena sozinha. Ia a recusar, quando Daniela lhe disse, “Vai, tu gostas tanto”
“De certeza que não te importas de ficar aqui sozinha?”, insistiu a loura, olhando ora para a rede, ora para a rapariga.
“Por amor de Deus, já me chega a minha mãe”, resmungou a morena, revirando os olhos, como se ela não pudesse ficar sozinha por um bocadinho, “Vai, vai, vai, é uma ordem”
Sorrindo, a outra decidiu-se por ir, mas não sem dar um beijo rápido a Daniela. Já devia estar enferrujada, com o tempo que não jogava. No entanto, ao ver a bola no ar, na sua direcção, todas as técnicas que a prática lhe ensinaram lhe vieram ao de cima na memória. Não perdendo os reflexos de tempos passados, efectuou uma manchete na perfeição. Entretanto, a rapariga não perdia pitada do jogo. Mesmo que nunca o fosse admitir, não se cansava de olhar para a outra, dando graças pela sorte que tivera. E pensar que a considerara uma versão fraquinha de Andreia…como o passar do tempo fizera mudar a sua maneira de pensar, agora era Andreia uma versão imperfeita de Susana.
Uns três quartos de hora mais tarde, a loura volta, visivelmente suada e cansada, “E se fossemos dar um mergulho?”
Concordando, Daniela levantou-se, tirando os óculos de sol e exibindo a marca que estes lhe deixaram no rosto, o que fez com que a outra se desmanchasse a rir, “Pareces um panda!”
Respondendo à loura com um gesto obsceno, a rapariga virou-lhe as costas, correndo até beira-mar, com a outra atrás de si. Talvez devido ao estado estafado de Susana, a morena conseguiu escapar-lhe até já estar com água pelos joelhos, quando a outra lhe conseguiu agarrar a cintura, arrastando as duas para o mar, “Não acredito…que quase…escapavas”
“Fumas que nem uma chaminé industrial e mesmo assim corres muito mais que eu”, replicou Daniela, incrédula, “Como é que é possível?”
“Eu tenho a resposta”, disse Susana, com um sorriso rasgado, agora recuperada, “Eu faço desporto, tu és uma lontra que rasteja da cama para o sofá”
Recebendo outro gesto menos próprio e um virar de costas amuado, a outra não perdeu tempo a consolar a morena, “O que te vale é que eu te dou o work-out muuuuuita vez”
“Continua com essas e vais fazer o work-out sozinha com a tua mão”, rosnou a rapariga, deitando-lhe a língua de fora.
“Nem penses”, replicou a loura, beijando o pescoço à morena, antes de repor o seu sorriso rasgado.
“Se essas tuas covinhas não fossem tão adoráveis”, suspirou Daniela, que cedia sempre que se deparava com as covinhas da outra, em toda a sua glória.
“São, não são?”, regozijou-se Susana, antes de beijar a morena. Mesmo quando se estava a deixar entusiasmar, mais uma vez, a rapariga atacou-a com um ataque de cócegas debaixo das axilas, antes de correr à sua frente, “Vais apanhar!”
E desatou a correr atrás de Daniela, não demorando muito até que a alcançasse e a placasse, para dentro de água outra vez. Eram pequenas brincadeiras como aquela que a faziam sentir-se feliz com o desenrolar dos acontecimentos. E pensar que se ficasse com Mónica o mais provável era ainda continuarem com a relação em segredo…nem tudo fora um mar de rosas com Daniela, mas vira progressos em pouco tempo.
Assim que o sol se pusera, a multidão começara a dispersar, restando só uma ou outra pessoa. O que era estranho, tendo em conta que o pôr-do-sol ali era magnifico, com os contornos negros da vegetação destacada no pano laranja do céu. Por insistência de Susana, não foram imediatamente embora, resolvendo antes, dar um passeio pelo areal. Entrelaçando os dedos nos da loura, que pendiam sobre o seu ombro, a morena encostou-se a esta, enquanto caminhavam.
“Obrigada”, disse a rapariga.
“Hm?”, admirou-se a outra, aquele agradecimento saíra do nada, “Porquê?”
“Por estas férias, por levares comigo e com o meu mau feitio durante quatro anos, por tudo o que já tiveste de aturar…por seres tu”, sussurrou Daniela, falhando-lhe um pouco a voz, preferindo antes, aconchegar-se melhor por baixo do braço da loura.
“Oh…”, comoveu-se Susana, pela segunda vez naquelas férias, tanto que não evitara uma pequena lágrima que se formara no canto do olho. Foi então que soube que, se havia momento certo para o que tencionava fazer, o momento era aquele, “Sobre isso…”
“Sim?”, instigou a rapariga, subitamente nervosa com o tom, também nervoso, presente na voz da loura quando dissera aquelas palavras.
“Eu…ahm…tu…”, gaguejou a outra, que nada mais desejava do que fazer aquilo da melhor maneira possível e já estava a perder a eloquência, se os cabelos molhados e bikinis ensopados já não tivessem tratado disso.
“Está tudo bem?”, perguntou a morena, cuja preocupação aumentava cada vez mais, ao ver o nervosismo da loura.
“Sim…estou óptima”, assegurou Susana, retirando o braço dos ombros da rapariga, para lhe dar as mãos, frente a frente, “Hm…o que eu…casas comigo?”
Dissera-o. Não de forma tão romântica como planeara, mas estava dito. Só faltava ouvir a resposta.
O silêncio que se seguiu seria total caso o som do maxilar de Daniela a embater na areia de tanto que ficara boquiaberta, não se fizesse ouvir. Estava já a temer o pior, que a outra lhe fosse dar com os pés por algum motivo que não sabia qual era, já previra todos os cenários na sua cabeça naqueles escassos segundos…tudo menos aquilo. Estava tão admirada que, o seu modo socialmente inadaptado entrou em funcionamento, “Tu…não te puseste de joelhos”
Não fosse por isso. A loura colocou um joelho na areia e, nunca largando as mãos da rapariga, voltou a reformular o que dissera, grata pela oportunidade de se redimir, “Daniela Rodrigues Sousa, aceitas casar comigo?”
À segunda tentativa, todos os momentos em que ponderara a hipótese de casar um dia vieram-lhe à tona. Desde conversas com o pai em que este lhe dissera “Quero ver-te fora de casa um dia, mas não casada, não te desejo tanto mal”, a idealizações que já tivera, aquela situação nunca lhe passara concretamente nos seus mais ínfimos sonhos. E como é que as pessoas iriam reagir? Voltou a olhar para baixo, para Susana que ainda não se levantara e olhava para si, ora esperançada, ora prestes a chorar e decidiu-se, “Pela primeira vez na vida não me vou matar a pensar, aceito sim!”
A expressão atormentada desapareceu das feições da loura, como se nunca lá tivesse estado. Levantou-se e esticou os braços para a morena, que não perdeu tempo a lançar-se-lhe ao pescoço. Com a euforia, a outra abraçou-a tão entusiasticamente que a levantou uns bons centímetros do chão. Aproveitando a onda de satisfação que sentia, Susana murmurou ao ouvido da rapariga, “Queres tratar disso?”
Se o entusiasmo de Susana a fizeram ganhar coragem para seguir com tudo aquilo para a frente, Daniela partilhava do mesmo sentimento. A última memória que conservaria daquele dia seria o assinar do papel e do beijo partilhado entre ambas.

sábado, 8 de outubro de 2011

Capítulo 65

Susana acordou com o som de passos no corredor, porém, encontrava-se demasiado ensonada para se preocupar com o que quer que fosse. Suspirando, virou-se para o lado, procurando voltar a adormecer, junto a Daniela. Quando deu pela falta de um outro corpo a seu lado, sentou-se subitamente na cama, “Para onde é que ela teria ido…”
A resposta não se fez esperar, já a rapariga surgira à entrada do quarto, segurando um tabuleiro com o pequeno-almoço e ostentando uma expressão divertida, “Desculpa Suse, acordei-te?”
“Não vás embora sem avisar…”, respondeu a loura, indecisa entre manter o beicinho ou atirar-se de cabeça à salada de fruta que olhava de volta para si no tabuleiro.
Muito para sua admiração, a morena sentou-se a seu lado na cama, sem sequer a cumprimentar devidamente, com o tabuleiro no colo, de onde tirou um pedaço de pêssego, que comeu, olhando para a outra, “Quê? Pensavas que era para ti?”
Foi então que Susana se decidiu pelo beicinho, tão intenso que até fez doer o coração de Daniela, o que só foi agravado pelo sonoro ruído do estômago da loura. Aí a rapariga não conseguiu manter a fachada, riu-se e, por fim, lá disse, “Estava a brincar, é para ti sim”
“Ah! Bom!”, regozijou-se a outra, atirando-se primeiro à morena, que quase sufocou com o seu entusiasmo. Deixando Daniela respirar, Susana voltou a sua atenção para a comida, inalando-a sofregamente, enquanto a morena passava a mão pela cara, arrepiada, “Lambuzaste-me toda!”
“Até parece que é a primeira vez que tocas em fluidos meus”, gozou a loura, levando a tigela à boca, para beber o que restava do sumo.
A rapariga ia-lhe a responder à letra, mas fora interrompida pelo som do telemóvel antes que pudesse sequer abrir a boca. Pegou no aparelho e atendeu, “Bom dia, mãe!”
“Olá sogrinha!”, gritou a outra, fazendo questão que fosse bem ouvida pela senhora. Valeu-lhe um caldo por parte de Daniela e um “não a provoques” baixinho. Foi então que teve uma ideia.
“Sim…sim está tudo…bem”, respondeu a rapariga, hesitante, ao ver Susana começar a morder-lhe o pescoço e a apalpar tudo o que conseguisse agarrar. Quando a mão da loura lhe desapareceu por dentro dos calções, não conseguiu conter-se mais, “Hmm!”
“Agora não me parece que seja boa altura para ligar”, apressou-se a mãe a dizer, do outro lado do mundo, visivelmente incomodada, “Até logo!”
“Não se passa…hm…nada”, tentou a morena, embora nada tivesse feito para tirar a mão da outra.
“Adeus sogrinha!”, gritou Susana, apoderando-se do telemóvel, “Eu disse que tomava bem conta da sua filha”
Usando o que restava da sua força de vontade, Daniela tirou-lhe o telemóvel, desligando-o. Mais tarde vingar-se-ia, mais cedo do que a outra esperava. Deixou que a loura acabasse o que estava a fazer, eficaz como sempre e, no final virou-se para esta e sorriu, a tempo de a ver pôr-se a jeito para que lhe retribuísse o favor, “Depois disto nem penses!”
“Mas…mas…”, insistiu Susana, angustiada, “Não me podes deixar assim!”
“Tanto posso como é o que vou fazer”, replicou a morena, deitando-lhe a língua de fora e ignorando as pragas que a outra lhe rogava, “Estou lá fora, despacha-te”
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“Não acredito que tu fizeste mesmo isso”, rosnou Susana pela milésima vez naquela manhã.
Estavam a dar um passeio pela cidade, a pedido de Daniela, que já nem se lembrava do que acontecera antes, embora tivesse a sensação que a mãe nunca esqueceria. Revirando os olhos, a morena tentou entrelaçar os dedos na mão da outra, que pendia do seu ombro, sem reparar no cigarro que já lá estava…resultando num grito e numa queimadura circular na palma da mão, “Aiiii!!”
“Desculpa!”, pediu a loura, deitando a beata fora, para ver melhor os danos. Não tinha muito bom aspecto, a ferida estava cada vez mais avermelhada. Numa tentativa de acalmar um pouco a queimadura, Susana deitou-lhe um pouco de água em cima, antes de olhar para a expressão de dor na cara da rapariga. Pedindo desculpa mais uma vez, a loura deu um beijo terno na ferida, antes de lhe afagar a mão.
“Obrigada Susana, já está melhor, não te preocupes”, agradeceu a morena, abraçando a outra.
A outra puxou Daniela para si, encostando-lhe a cabeça ao peito, antes de prosseguirem o passeio. A cidade apresentava-se animada, com a população sempre activa e impecável para com os turistas. Perto delas, estava a decorrer uma feira com peças de artesanato típicas da região, o que suscitou o interesse da rapariga, “Podemos ir ver?”
“Claro”, anuiu Susana. Passando por entre o aglomerado de multidão, conseguiram aproximar-se das bancas. Estendidas sobre toalhas de algodão estavam pequenas esculturas tribais em madeira, ao lado de peças de adorno, desde colares, pulseiras e brincos a tecidos. A loura rapidamente viu uma peça que, na sua opinião, ficaria bem à sua “sogrinha”, podia ser que amolecesse o coração desta, nem que fosse um pouquinho. Deu uma nota de dólar em troca de um colar metálico que terminava num pendente em madre pérola e rezou para que a senhora não a enforcasse com ele. Enquanto a morena observava as esculturas, a outra escolheu uma pulseira em couro que achou que fosse muito do agrado de Daniela.
Aproveitando o facto de Daniela se ter afastado para ver algo noutra banca, a loura comprou mais duas peças, que guardou rapidamente no bolso, antes que a rapariga voltasse, com o coração a galopar-lhe do peito. A hipótese de que alguma coisa pudesse correr mal não era nada em que já não tivesse pensado, mas, no fundo, sabia que estava a tomar a decisão certa.
Com um sorriso rasgado, voltou para junto da rapariga, quando esta a chamou. Em frente a ela, estavam diversas guitarras havaianas, “Consegues tocar?”
“Já sabes que estes dedos fazem arte onde quer que toquem”, respondeu a outra, sorrindo de modo presunçoso. Juntando o gesto à palavra, estudou o instrumento por uns instantes. Tanto quanto entendeu, teria que ser tocado na horizontal, com uma palheta que o homem lhe emprestou. “Hm 6 cordas? Não há-de ser muito difícil”
Os primeiros acordes saíram-lhe um pouco toscos, o que provocou um risinho por parte do vendedor, “Aí é? Espera só…”. Continuou, por tentativa e erro, até que apanhara a lógica daquela guitarra. Numa questão de minutos, o homem parara de rir, “Hey…not bad at all”
“Yes…the guitarra is…very good”, tentou Susana, num esforço para tentar comunicar, o que valeu risos, desta vez por parte de Daniela. Deitando-lhe a língua de fora, continuou a tocar. Estava a gostar do som do instrumento, talvez o pudesse incluir numas músicas novas…
Adquiriu a guitarra, garantindo a si própria que até ao próximo mês a estaria a tocar na perfeição. Estava ainda a ponderar como a iria utilizar, quando Daniela a fez voltar à realidade, “E se me tocasses mas é na guitarra cá de baixo? Também dá música”
Susana não conseguiu evitar rir. Porém, se não conseguiu evitar rir, ainda menos conseguiu evitar aceitar o convite, quando deu por si, já estava de volta à cabana, com a rapariga a compensar o que não fizera antes naquele dia. O que tencionava fazer teria que esperar por um momento mais propício, mas seria feito, disso tinha a certeza.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Capítulo 64

A claridade advinda da janela acordou Daniela, embora não a tivesse incomodado, como seria de esperar. Fora, até, um despertar bastante aprazível e suave, com uma ligeira brisa matinal e o som da respiração regular de Susana, a seu lado. Aquela pequena cabana onde estavam a ficar era um mimo, tendo em conta que era recente e tinha todos os acabamentos em madeira trabalhados até à perfeição, decorada tradicionalmente conforme o hábito daquela região. Espreguiçando-se, reparou que o braço da loura estava sobre si e esta adormecera de barriga para baixo, com o outro braço debaixo da almofada. Estava tão pacífica, com um ligeiro sorriso…provavelmente estava a ter um sonho agradável. Deveria acordá-la?
Decidiu-se. Passou um dedo pelas costas da outra, pela coluna, raspando apenas a ponta da unha. Continuou até ouvir um queixume, “Hm…”, de resposta. Dando uma risadinha, prosseguiu, mordendo ao de leve no ombro de Susana, “Hm!”. Ao fazer mais força na dentada seguinte, a loura, rápida como um relâmpago, virou-se e, quando deu por si, estava debaixo dela, com os braços presos, “Bom dia para ti também”
“Bom dia!”, cumprimentou a morena, sorrindo de orelha a orelha, perante o ar ensonado e rabugento da outra, “Alguém acordou com os pés de fora?”
“Só mais um bocadinho, não te peço mais nada”, implorou Susana, passando de rabugenta a ensonada.
“Não tinhas dito que a primeira coisa que irias fazer mal acordasses era ir à praia?”, perguntou Daniela, ainda por baixo da loura.
“Isso mesmo!”, disse a outra, num novo tom que transbordava entusiasmo, totalmente esquecida de que fora acordada muito contra sua vontade, “Ainda bem que me lembraste!”
E, juntando o gesto à palavra, levantou-se, mas não sem dar um beijo de bons dias à rapariga, que se limitou a dizer, enquanto abanava a cabeça, “Estás toda frita”. Rindo, a loura não perdeu tempo e começou a escavar dentro da mala, em busca de um bikini e de qualquer coisa mais para vestir. A morena imitou-a, quase em câmara lenta, muito para impaciência de Susana, que entretanto já inalara metade do pequeno-almoço, que consistia em frutos tropicais. Uma vez prontas, atravessaram a curta distância que separava a cabana da areia suave de cor clara da praia. O facto de a paisagem com que se deparavam mal assentavam pé fora da habitação parecer saída de um postal era a cereja no topo de bolo.
Reformulando, um postal não faria justiça àquela praia. Desde o mar cristalino, à areia quase branca, completada com palmeiras frondosas, era mesmo o ideal de uma praia paradisíaca. Sempre com o entusiasmo bem lá em cima, Susana puxou Daniela pela mão, ao avistar um local propício para pousarem as coisas. Assim que colocaram as toalhas no areal e se deitaram, a pele clara da rapariga começou a dar sinal de vida, tornando-se rosada, embora esta nem se tivesse mexido, demasiado satisfeita ao sentir o sol banhar-lhe a pele. Provavelmente iria escamar à cobra caso a loura não tivesse reparado. Olhou para a morena, que continuava no seu estado letárgico e sorriu, de modo travesso. Sem aviso prévio, deu uma palmada na pele avermelhada das costas de Daniela, cujos olhos até se reviraram, “Aiii caralho, foda-se!!”
A outra desmanchou-se a rir de tal maneira que batia com a mão na areia, enquanto a morena se contorcia, praguejando como se não houvesse amanhã. A brincadeira, por muito engraçada que tivesse parecido à loura, irritou profundamente a rapariga que sentiu vontade de a esbofetear. Porém, a última coisa que queria era arranjar problemas no primeiro dia de férias, sobretudo tendo em conta que era graças à outra que estava ali. Engolindo a raiva, optou por dizer só, “A sério, não faças isso”
“Estava a brincar contigo, não era para te enervar”, desculpou-se Susana, cujo sorriso fora murchando lentamente, até dar lugar a um beicinho desolado, “Queres que ponha creme?”
“Pode ser, se faz favor”, concordou Daniela, embora tivesse, rapidamente, acrescentado quando a outra lhe ia a tocar, “Vê lá o que fazes!”
“Prometo que não faço mais”, garantiu a loura. Sorrindo, despejou uma quantidade generosa de protector solar sobre as costas da morena e estalou os dedos antes de começar. Espalhando o creme, foi exercendo uma pressão agradável sobre as costas desta. Partiu dos ombros, acariciando-os e massajando-os, “Hm, Susana…”. Desceu, não deixando um milímetro de pele que fosse a descoberto, aplicando sempre a quantidade de força certa, “Susana…”
“Sim?”, respondeu Susana, quando terminou.
“As tuas mãos são mágicas”, disse a rapariga, deliciada, ainda com o olhar perdido no horizonte. Podia não filosofar com a loura, mas o certo é que esta sabia fazer de tudo com as mãos, cozinhava, desenhava, tocava, enrolava ganzas e fazia massagens, em todos os lugares…todos.
“Todas tuas”, replicou a outra, orgulhosa de si própria. Acabou de colocar creme em toda a extensão de pele de Daniela e deixou que esta retribuísse o favor, que lhe afagasse a pele com a desculpa que era para prevenir escaldões. Quando esta terminou, aproveitou um instante de distracção por parte de Susana, para lhe morder o ombro, na brincadeira, “Aaai! Vais apanhar!”
A rapariga não perdeu tempo a levantar-se, empurrando a outra de mo do a ganhar um avanço e correu pelo areal, mas de nada lhe serviu, a loura já ganhava terreno, até que a placou, atirando-as às duas para a areia. Seguiram-se uns minutos de luta, tendo a morena conseguido, com um golpe baixo, ficar por cima de Susana, mesmo que para isso tivesse ficado exausta, “…já foste…ai”
“Ainda não”, replicou a outra, conseguindo levantar-se, juntamente com a morena, que ficou empoleirada nos seus ombros. Apesar da exibição de força, o esforço que a loura fez foi evidente, “Porra…estás gorda tu”
“Gorda nada!”, ultrajou-se a rapariga, contorcendo-se para sair de cima de Susana, mas sem sucesso. Esta correu até à água, onde mergulhou, ainda com Daniela tipos saca de batatas nas costas. Quando ambas voltaram à tona, a morena retirou o cabelo da cara, cuspindo a água que engolira, antes de se voltar para a outra, subitamente preocupada, “Estou mesmo mais gorda?”
Foi então que Susana se desmanchou a rir, pela segunda vez naquele dia, muito para desespero de Daniela, desolada, “Vá lá, não gozes!”
“Não, estás bem assim”, assegurou a loura quando o riso cessou, antes de beijar a rapariga, que entretanto apaziguou a sua tormenta. Ficaram um bom bocado na água, já de si tão quente quanto a temperatura lá fora, brincando um pouco. O à-vontade da outra nas proximidades de mar e o prazer que sentia dentro dele eram demasiado contagiantes, assim sendo, a morena não teve a menor dificuldade em deixar-se envolver também na brincadeira bem-disposta.
Quando já estavam ambas a ficar cansadas, resolveram sair da água. Muito para admiração de Susana, quando estavam a passar pela areia molhada, Daniela agarrou-a, num abraço. Receando que a rapariga a atirasse para a areia para fazer “croquete”, a loura colocou, também, o braço pelos ombros desta, de modo a impedir um súbito ataque. Porém, chegaram às toalhas sem que houvesse percalços, o que ainda surpreendeu mais a loura, pois sabia que a rapariga não era muito dada a demonstrações afectivas.
“Ok, o que é que vais fazer?”, inquiriu Susana, erguendo uma sobrancelha, “Se é que já não fizeste, claro”
“Hm?”, questionou Daniela, enquanto se deitava de barriga para baixo na toalha, “Como assim?”
“Para que é que foi o abraço?”, insistiu a loura, “Puseste-me alguma coisa nas costas e eu não dei por isso?”
“Desconfiada!”, admirou-se a morena, não evitando rir, o que nada contribuiu para a sua credibilidade, “Não pus nada, mas não consigo evitar rir e assim não vais acreditar!”
“E não acredito mesmo”, continuou a outra, inspeccionando as costas, “Não foi um caranguejo pois não?”
“Só por desconfiares devia meter-te uma alforreca dentro das cuecas”, resmungou a rapariga, que pôs os óculos, na tentativa de parecer mais credível. Era preferível brincar um bocadinho do que admitir a tamanha lamechice que era a verdade.
“Epa…depois o material fica inutilizável, é melhor estares quieta”, assustou-se a loura, “Mas que achei estranho, achei, há alguma coisa que não estás a contar?”
“Chata…”, suspirou Daniela. Mais valia dizer, afinal sempre era um miminho que dava à loura, “Ok, apanhaste-me…lembras-te do ursinho que me deste há colhões atrás?”
“Coisa mais linda, não é?”, regozijou-se Susana, que se apaixonara por aquele peluche felpudo mal o vira.
“E disseste que era algo para eu abraçar quando não estivesses lá…e acredita que o abracei muitas vezes quando sentia a tua falta aquele tempo todo…”, admitiu a rapariga, escondendo a cara, de tão envergonhada que estava, “Agora posso abraçar-te a ti e quero aproveitar”
A loura nada disse, preferindo, em vez disso, abraçar a morena. Ainda com a cara enterrada no cabelo desta disse, “Já que estamos numa de confissões, não estive com mais nenhuma entretanto”
“O quê?!”, espantou-se Daniela, sem conseguir acreditar, “Como é que não aproveitaste?”
“Não me ia sentir bem…”, admitiu a outra, largando a morena, para a poder encarar directamente. Esta, olhou, enternecida, antes de beijar a loura, ternamente, “Não só porque foi por causa disso que tivemos aquela discussão toda…mas se não te fosse fiel não me sentia bem”
“Por esta não esperava eu”, disse a rapariga, olhando para baixo, ainda a sorrir, “Mas fiz o mesmo”
“Então e a Sofia, ou lá como é que se chama?”, questionou Susana, embora nada fizesse para esconder a sua satisfação.
“Admito que pensei em fazer”, reconheceu Daniela, embaraçada, condição essa agravada pela expressão que dor que surgira na face da outra, ainda que por pouco tempo, “Mas não me iria sentir em paz se seguisse com isso para a frente…e parecia tão…desapropriada, quando comparada contigo…elevaste demasiado a fasquia”
“Oh…”, sussurrou a loura, não sabendo bem que mais dizer. Não esperara, definitivamente, uma declaração daquelas, tanto mais que sentiu um nó na garganta, “Agora tocaste-me…”
“Ficaste comovida, foi?”, gozou a rapariga, de modo a aligeirar o ambiente.
“Fiquei! Porquê?”, resmungou a loura, na brincadeira. Vingando-se, atirou a morena para fora da toalha, enchendo-a de areia, mesmo que para isso tivesse rolado também, “Amo-te”