sábado, 31 de março de 2012

Capítulo 95


Quando Tiago apareceu à porta da sua casa, sorridente como alguém a quem fora concedido um milagre e com um brilho curioso no olhar, Susana estava longe de imaginar o que poderia ter causado tal coisa. Ou talvez não estivesse tão longe assim, mais que não fosse porque Rodrigo apareceu por trás dele, com um sorriso em tudo semelhante, mas o amigo já estava havia tanto tempo para o fazer que a notícia a apanhou de surpresa.

“Vocês vão quê?!”, gritou a loura, com o maxilar quase a tocar no chão. Se era para largar uma bomba daquelas, ao menos que a tivesse preparado antes e que não dissesse daquela maneira tão repentina.

Tiago não foi a tempo de responder, pois foi interrompido pelo som dos pneus do Mercedes de Guida a chiarem no cimo da rua. Guida deveria ser a única pessoa que conseguia bater Daniela em termos de condução duvidosa mas, sabia Deus como, nunca nenhuma tivera um acidente. Deixando um rasto de borracha junto à entrada, Guida e Marta saíram do veículo, ambas ostentando sorrisos igualmente grandes. O alarido fez com que a rapariga se dirigisse até à porta, onde se questionou, ao ver a multidão, sobre o que teria perdido. Quando apareceu na soleira da porta, Susana aproveitou para lhe passar um braço por cima dos ombros e lhe dar um beijo na têmpora.

“O que se passou?”, perguntou a morena, encostando a cabeça ao ombro da loura, cada vez mais curiosa. As expressões entusiasmadas a tender para o rejubilante dos presentes eram contagiantes, quando Daniela deu por isso estava também, ela própria, a rir, embora não soubesse porquê.

“Eu e o Rodrigo vamos…”, começou Tiago, a gesticular com as mãos e com a voz a assumir um timbre muito característico, antes de ser interrompido por Guida. A subtileza nunca fora o ponto forte desta.

“Cala-te, pandula!”, rosnou ela, a revirar os olhos. Por muito que simpatizasse com Tiago não o queria a tirar-lhe a ribalta. O pobre coitado não teve opção senão permanecer em silêncio, já sabia que se não obedecesse os seus ouvidos iriam sofrer. Novamente eloquente, Guida, erguendo uma sobrancelha disse, “É meu prazer anunciar-vos que eu e a Marta vamos casar”

Levantando a cabeça num ápice de tão surpreendida que ficou, acabou por acertar no nariz da outra. A rapariga ficou dividida entre manifestar a sua surpresa perante a notícia e consolar Susana, que ficou agarrada ao nariz. Olhando ora para um lado, ora para outro, acabou por se decidir por ajudar a loura. Dando-lhe um beijinho no nariz, sussurrou, “Pronto, Susy já passou…mas conta lá melhor isso, Marta”

Ignorando os queixumes da outra, que entretanto aproveitara a oportunidade para enterrar a cara no pescoço da morena e deixar um chupão a marcar a sua passagem, Marta, num tom que deixava transparecer o quão derretida estava, disse, “Ai Sousa, tu nem sabes, a Guida decidiu ser uma querida por uma vez na vida e até se pôs de joelhos! Vê só este anel”

A custo, Daniela retirou Susana do seu pescoço, mas não sem que esta se certificasse que tinha conseguido deixar a sua marquinha, muito para sua satisfação. Não perdendo uma oportunidade para troçar, a loura replicou, “Ela gosta muito de estar de joelhos!”

A resposta veio sob a forma de um soco no estômago que a deixou curvada sobre si mesma. A amiga podia aparentar ser a típica “senhora”, mas era bruta. A rapariga revirou os olhos a Guida, antes de mimar Susana, “Pronto, já passou, para a próxima estás calada”

Ignorando novamente os queixumes da loura, Marta continuou, entusiasmada, agarrando-se à noiva, que continuou a fulminar a outra com o olhar, “E como se não chegasse, ela deu-me a tal cobra! Aos anos que eu queria o bichinho!”

Largando Susana, que ainda foi a tempo de se lamentar, “O meu beijinho?”, a morena guinchou, “Puta, tens cá uma sorte…esta aqui nem me deixa trazer a cobra cá para casa, quanto mais dar-ma!”

“Cala-te com a porra da cobra, já não te posso ouvir!”, resmungou a loura, erguendo-se com visível esforço, ainda agarrada à barriga. A ideia de répteis rastejantes e escamosos arrepiava-a e nem a segunda proposta de animal de estimação de Daniela, uma iguana, à qual chamaria Igor, lhe agradava.

Clareando a garganta, Rodrigo chamou a atenção sobre si. Ao ver o olhar perfurante de Guida em si, sentiu a coragem desvanecer-se, porém, respirou fundo e prosseguiu, enquanto Tiago, menos valente, se escondeu por trás de si, “Bah, mulheres…Agora que me estão a ligar alguma, é meu prazer dar a notícia de que eu e o meu Titi vamos casar!”

Foi a vez das restantes perderem o fôlego. Duas notícias daquela envergadura no espaço de cinco minutos era obra. Se Guida, Marta e Daniela ficaram sem reacção, os rapazes não se coibiram de expressar seu afecto, seguindo-se uma sessão que a pouca distância ficou de necessitar de bolinha vermelha. Entre repulsa perante toda a acção de língua que estava a decorrer e entusiasmo com a ideia que lhe acabara de ocorrer, Guida interrompeu-os, “Oh paneleiros! Então e…despedidas de solteiros?”

“Despedidas de solteiros?”, perguntou Rodrigo, limpando a boca à manga da camisola, sem esconder um sorriso enternecido, tão hiperactivo que não parava de gesticular. Já a outra riu, lembrando-se dos tempos de liceu de ambos, mais particularmente da quantidade de raparigas que ficaria destroçada se o tivessem visto ou ouvido naquele instante.

“Claro, achas que ias dispensar strippers?”, replicou Guida, esfregando as mãos de contente com a ideia, “Aliás…”

Aproximou-se do rapaz e segredou-lhe qualquer coisa que o fez sorrir de modo travesso, ao ouvido. Soltando uma gargalhada que soou a algo de bastante maquiavélico, Rodrigo ergueu uma sobrancelha ao observar Tiago e concordou, “Agora é que tiveste uma grande ideia”

Tiago ainda teve a intenção de perguntar ao noivo de que se tratava aquela grande ideia mas Daniela, consciente do grau de depravação tanto de Rodrigo como de Guida, acenou-lhe negativamente com a cabeça, “É provável que seja melhor ficares na ignorância”

Ambos demasiado ansiosos por acabar de retocar os últimos pormenores para o evento, Guida e Rodrigo pegaram nas suas caras-metades e, tão depressa como apareceram, sumiram, deixando apenas as marcas de borracha dos pneus na estrada. Massajando o abdómen magoado, Susana suspirou, “Ainda bem que estávamos fora…por muito que me agrade uma despedida de solteira com droga, álcool e meninas à descrição”

“A da Guida deve ser bonita, deve”, comentou a rapariga, dando a mão à loura, que aproveitou para a puxar para si, pondo-lhe os braços em torno da cintura.

“Estás a falar da pessoa que quando fez dezoito anos apanhou uma buba tão grande que apareceu dois dias depois com metade da roupa, dinheiro nas cuecas e não se lembra de nada”, informou a outra, sentindo um calafrio pela coluna abaixo.

“Ok…não quero viver mais neste planeta”, disse a morena, engolindo em seco. Antes de ouvir mais o que quer que fosse, precaveu-se, escondendo a cara no pescoço de Susana.

“Deixa lá que o Rodrigo também…”, replicou a loura, revirando os olhos, “Ao pé desses dois porcalhões sou uma menina”

“Não sei se quero ver isso”, disse Daniela, antes de mudar o rumo à conversa para algo que a deixasse mais à vontade e começou por dar um beijinho à esquimó no nariz da outra.

“Nem eu”, respondeu Susana, correspondendo, com um sorriso.

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Uma vez fora do quilómetro quadrado de Daniela e Susana, Rodrigo parou o veículo no parque de estacionamento da praia mais próxima, desfrutando da privacidade proporcionada pela vegetação seca, tão própria do Verão. No banco do pendura, Tiago colocou a mão por cima da de Rodrigo que estava sobre a manete, acariciando-a. Este, sorrindo, encarou o rapaz e perguntou, “Nunca te imaginaste aqui, pois não?”

“Hm…prestes a casar com o gato da faculdade por quem todas as gajas andavam doidas?”, brincou Tiago, passando um dedo pelo braço da Rodrigo. Em boa verdade, sempre adorara os braços deste, musculados. Se fosse totalmente honesto, diria que adorava tudo em Rodrigo, desde a personalidade amigável e brincalhona deste, ao seu lado mais ternurento, passando pelo aspecto. Sorrindo, continuou, “Não, nunca imaginei”

“Credo, mamas…”, arrepiou-se Rodrigo ao recordar o dia em que uma das suas admiradoras abriu a camisa à sua frente e o forçou a esfregar a cara no material. Voltando a sua atenção para domínios que lhe agradassem mais, esqueceu a anatomia feminina e concentrou-se no noivo. Em vez de ser mais um armário depilado a cheirar a perfume intenso como era o seu gosto, Tiago fugia ao seu tipo, sendo franzino e discreto. Mas não se arrependia, de todo. Ainda com isto em mente, disse, “Engraçado como a vida nos prega partidas, antes de te conhecer só pensava em saltar de gajo em gajo, agora estou tão bem com um e só um”

“A última coisa que esperava era acabar com um gostosão assim…”, confessou Tiago, sentindo as habituais borboletas no estômago, mordiscando o lóbulo da orelha do outro, “Ainda por cima é um amor de pessoa! Tive mesmo sorte”

“Hm”, gemeu Rodrigo, ao de leve. Quando o noivo começava assim deixava-o incapaz de seguir uma linha de raciocínio coesa. Pondo uma mão na coxa de Tiago, “Digo o mesmo, ainda por cima és porquinho, mesmo como eu gosto”

“Só para ti”, concluiu Tiago, deixando-se levar quando a mão de Rodrigo lhe subiu um pouco pela anca.

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Depois de atarem umas quantas pontas soltas no que dizia respeito ao casamento, Guida certificou-se que tinha a casa só para si e Marta. Aproveitando o clima ameno da noite, acomodaram-se no jardim, junto ao jacuzzi, sem uma única preocupação que fosse naquele momento. A única coisa que remotamente perturbava Guida era o facto de Susana lhe ter contado com pormenores o que tinha feito naquele jacuzzi. De copo de champanhe numa mão, Guida, tentando esquecer esse assunto, encostou-se ao ombro de Marta, dentro da água morna e borbulhante e, com a outra, entrelaçou os dedos nos dela. Quebrando o silêncio, Marta provocou, “Estás a fazer publicidade à lixívia outra vez”

“Oh, olha-me esta”, indignou-se Guida, mais que não fosse por a sua tonalidade branca ser um ponto sensível. Ao menos Susana podia regozijar-se por ser loura e ter pele morena, ela competia com Daniela em termos de pele clara em cabelo escuro. Não dando parte fraca, atacou Marta com cócegas, “Quem te ouvir falar pensa que és preta!”

Vingando-se, Marta puxou Guida para dentro de água, só a deixando vir à superfície quando ficou satisfeita. A escorrer água e com o cabelo na cara, Guida rosnou, “Repete a graça e fico viúva antes de casar sequer”

“Oh, não diz isso não, linda”, mimou Marta, agarrando-se ao pescoço de Guida e beijando-a, com ternura, “Sabes que te adoro, mesmo quando és uma besta”

Com uma expressão de durona, Guida não sucumbiu, cruzando os braços diante de si e fulminando Marta com o olhar. No entanto, esta não desistiu, continuando a mimá-la, “Ficas tão linda quando fazes cara de má”

Por muito que resistisse, um sorriso começou a formar-se nos cantos da boca de Guida, até que esta lá acabou por sucumbir. Abraçando Marta, acabou por dizer, “Opa, sabes sempre como me dar a volta! És sempre assim”

Não contendo o seu contentamento, Marta sorriu. Desde sempre que tivera o dom da fazer Guida, a eterna teimosa, barulhenta e irreverente, acalmar. Sempre que esta se encontrava mais exaltada ou prestes a desencadear uma das suas explosões, Marta conseguia sempre impedir. Aquilo tinha que significar alguma coisa. Chegara mesmo a fazer uma suposta heterossexual, não só experimentar, como gostar ao ponto de querer casar! Consciente disso, Marta não se coibiu de comentar, “Só comias gajos, depois apareci eu e não queres outra coisa”

“É verdade”, cedeu Guida, deitando a cabeça sobre o ombro de Marta, “Amo você, meu bem”

Apertando o abraço, Marta não coube em si de contente. Já duravam há mais do que tempo suficiente para saber que o que tinham era verdadeiro. De tão distraída que estava, não notou quando Guida a empurrou para a água, deixando-a encharcada. Com a franja colada à testa, ouviu a outra rir, “E agora estamos quites!”

Guida seria sempre Guida. Episódios assim seriam constantes mas sabia o que depois se seguiria, portanto ambas acabavam sempre contentes.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Capítulo 94

Daniela acordou com um sorriso rasgado. Podia dizer-se que tivera um sonho agradável mas, para ela, a realidade era bem melhor. Só de pensar no que estivera prestes a desperdiçar ficava nauseada, tanto que era com grande alívio que se recordava a si mesma de que tudo correra pelo melhor. Felizmente para si que ainda fora a tempo de remediar a situação e, por essa oportunidade, estava muitíssimo grata. Mas não ia pôr em causa a sua sorte. Virando-se na cama, rejubilante, não apertou um corpo quente mas sim um amarfanhado de lençóis, o que a fez soltar um resmungo de desapontamento, desapontamento esse que ainda aumentou quando verificou, ao sentir os lençóis frios, que Susana já se tinha ido embora havia algum tempo. E ela que esperava tornar aquela manhã ainda melhor…
O som do rodar da chave no trinco da fechadura voltou a enchê-la de esperança. Sorrindo de modo travesso, levantou-se da cama tão depressa como um boneco de mola e, correndo até À entrada, deparou-se com a loura, acabada de chegar do ginásio, suada e ainda com o equipamento vestido. Entusiasmada, a rapariga não perdeu tempo a dar-lhe as boas vindas a casa. Num salto, atirou-se-lhe ao pescoço, quase que as arrastando às duas para o chão. Rindo, a outra abraçou-a, dizendo-lhe ao ouvido, “Estou toda suada”
“Não me importo”, replicou a morena, beijando Susana. Resolveu aproveitar um momento de fraqueza desta para lhe tirar a mochila da mão, deixando-a algures pelo chão, antes de lhe sussurrar ao ouvido, “Os teus calções vão a seguir”
A loura sorriu, deixando-se encaminhar por Daniela, pela mão, até ao duche. Já tinha saudades de momentos assim. Realmente devia ter feito algo de muito bom noutra vida se era assim que a recompensavam nesta.
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Depois do almoço, Daniela deparou-se com Susana deitada na cama com um livro aberto diante de si. A imagem não tinha nada de peculiar, não fosse o facto de a leitura não constituir uma das actividades de eleição da loura. Cedendo à curiosidade, a rapariga espreitou por cima do ombro desta, com cuidado para que não se apercebesse da sua presença e viu que se tratava do álbum de fotografias que lhe dera havia uns bons Natais atrás, onde fora acrescentando imagens ao longo do tempo. Na página em que estava aberto, estavam várias fotografias de ambas tiradas na praia, presumivelmente nos inícios do namoro.
Espreitando por cima do ombro da loura, tentando que esta não desse pela sua presença, viu-a folhear mais um pouco o álbum, passando por fotografias nas quais se encontravam num parque ou no antigo bar onde se tinham conhecido. Quando a outra virou a cabeça, deu com a morena a olhar por cima do seu ombro, muito próxima de si, o que a apanhou de surpresa e assustou, “Ai! Foda-se tu não faças isto outra vez!”
“Tadinha”, gozou Daniela, embora a expressão de troça tivesse sido rapidamente substituída por um sorriso derretido. Afagando o cabelo a Susana, sentou-se na borda da cama e perguntou, “Deu-te um acesso de nostalgia, foi?”
“Por acaso”, replicou a loura, fechando os olhos. Sempre que a rapariga lhe mexia no cabelo sentia-se tão bem que por pouco não adormeceu ali mesmo. Para impedir que tal acontecesse, propôs, “Queres ver comigo?”
Erguendo uma sobrancelha, gesto esse acompanhado de um sorriso, Daniela concordou. Desde que o oferecera que tinha vindo a acrescentar-lhe fotografias à medida que o tempo passava, no entanto, havia algum tempo que este permanecia intocado, sobretudo devido aos tempos conturbados que se seguiram ao primeiro ano de casamento. Permitiu que Susana a puxasse para o seu lado, fazendo com que se deitasse junto a si. Uma vez acomodada debaixo do braço da loura, voltou a observar as fotografias.
Numa delas, estavam ambas no bar, a outra encostada ao balcão com os braços em torno da rapariga. Provavelmente a fotografia tinha sido tirada nos primeiros tempos de namoro, visto que a morena aparentava estar pouco à-vontade com a proximidade, mesmo que sorrisse. Susana reparou nisso, até porque comentou, “Que amor, estavas toda envergonhada aqui”
“Não admira, já viste onde é que tinhas as mãos?”, resmungou Daniela, revirando os olhos ao notar que a loura, na fotografia, tinha as mãos estrategicamente posicionadas sobre as suas nádegas. Susana havia de ser sempre a mesma e ser discreta era-lhe uma missão impossível.
Virando a página, estava outra fotografia, tirada, se a memória da rapariga não falhava, depois da festa de Carnaval, quando se envolvera numa briga com a camionista. Na fotografia, o péssimo corte de cabelo que usara para tentar disfarçar a zona do golpe encontrava-se destacado. Ao ver meia dúzia de rastas a sobressaírem por baixo de um cabelo curto, um tanto acima dos ombros, Susana torceu o nariz, “Não sei como é que me gramaste mesmo assim…”
“Estavas mal…”, admitiu a morena, contendo o riso, já a sentir os músculos faciais a queixarem-se do esforço, “Depois voltou a crescer, mesmo como eu gosto”
Mostrando as covinhas num sorriso, a loura trocou um beijo rápido com Daniela, antes de a sua atenção se ter prendido a uma fotografia da rapariga com um corte, também ele, muito pouco favorecedor. Ali tinha cortado o cabelo e este encaracolara, dando-lhe um ar ainda mais angelical e tirando-lhe uns anos ao aspecto. Não deixando escapar a oportunidade para picar, a outra disse, “Ah! Coisa mais linda! Ainda me lembro que a Joana lá do bar me perguntou se eu era pedófila!”
“Não deixa de ser verdade, tu preferes mais novas…”, replicou a morena, preferindo deixar os seus caracóis fora da conversa, afinal ainda não recalcara a memória daquele corte. Passando mais umas páginas, tanto ela como Susana nunca perdendo uma oportunidade para se provocarem, encontraram uma em que estavam ambas com a avó da loura.
Séria, Daniela abriu a boca com a intenção de perguntar algo, mas a outra não a deixou falar, respondendo mesmo sem que fosse necessário ouvir a questão, “Sinto muito a falta dela, sempre senti…mas a vida continua”
A rapariga nada disse, apenas abraçou Susana. Esta aceitou o carinho de bom grado, dando um beijo na testa da morena, antes de tentar, “Agora só penso no futuro e no que trará”
“Tranquilidade, espero eu”, replicou Daniela, com um suspiro. Detestava que a felicidade aparentasse ser tão efémera e não desejava mais do que paz e sossego dali em diante, já m os problemas por que já haviam passado. Mereciam a bonança depois da tempestade.
“A minha carreira vai de vento em poupa, a tua também, estamos estáveis em termos de dinheiro, já estamos juntas há tanto tempo…”, insistiu a loura. Na sua perspectiva, já estava na altura e parecia-lhe o próximo passo a dar, o que de mais natural podia haver, sem obedecer a lógica nem a nada que não o desejo de ambas.
A rapariga sabia qual o rumo da conversa e, ela própria, sentia que não havia nada que a impedisse naquele momento. Adorava sempre que Pedro lhe pedia para tomar conta dos filhos e achava sempre graça a tudo o que eles faziam, passar uma tarde com eles era um prazer. Não havia de ser diferente se fossem os seus. Porque não? Encarando a outra, esperou que ela continuasse, deixando o que tinha a dizer para depois.
“Larguei o vício…”, disse Susana, deixando de encarar a morena, para se focar nas mãos dadas de ambas, “Tu não queres? Quer dizer, não te parece a coisa mais…não sei, certa?”
Daniela ponderou durante uns instantes, deixando a loura no que lhe pareceu ser um estado de ansiedade, já a conhecia suficientemente bem para saber como se sentia e no que pensava sem que esta tivesse que o dizer, o que era uma grande conquista para alguém como ela, rapariga, que tinha a sensibilidade de um bloco de cimento. Tal como não era dada a grandes emoções, também fazia questão de planear tudo o que fazia, sendo a única excepção a decisão de se casar, que fizera no fogo do momento e não se arrependera. De todo. Mas tratava-se de pôr um ser no mundo, era diferente e exigia atenção, paciência e educação, três coisas que não estava certa de conseguir dar.
Se a morena pensava que conhecia bem a outra, esta pensava o mesmo. Levando um dedo aos lábios de Daniela, Susana silenciou-se, antes de a apaziguar, “Sei que te preocupa isso de não te achares maternal e de não saberes lidar com chavalada, mas sais-te tão bem com os putos do Pedro, de certeza que seria ainda melhor com os nossos”
A rapariga não conseguiu deixar de soltar uma gargalhada, o que serviu para a soltar um pouco. Se calhar mais tarde iria intimidar-se mais com a decisão mas de momento não. Quando acalmou, pronunciou-se, “Até que não parece tão má ideia…quando penso bem nisso”
A loura soltou um gritinho entusiasmado, antes de se atirar para cima da morena, beijando-a com tanta força que a sufocava. Um grande sonho seu concretizar-se-ia e nada a deixava mais feliz.