sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Capítulo 31

Muito, muito obrigada pelo feedback, motiva-me imenso saber que o trabalho é reconhecido e teve uma recepção positiva :)
Apesar de não achar que a história tem estado nos padrões iniciais, decidi fazer um novo post como forma de agradecimento para quem a segue.

Era véspera de Natal.
Susana havia tirado o dia para o passar na companhia da avó. Não queria deixar que a sensação de que este, muito provavelmente, seria o último Natal da idosa, a esmorecesse. Ainda assim, não a iria deixar sozinha nem por nada, nem mesmo por Daniela. Por sorte, esta também valorizava imenso a família e não queria deixar de passar o evento com os pais e avós.
Trabalhar noite após noite, sobretudo em épocas festivas, começava a deixá-la exausta. Depois dos acontecimentos recentes, jurara a si mesma que não iria recorrer a ecstasy para aguentar aquelas noites. E o resultado estava à vista. Não se conseguiu levantar nessa manhã, o que lhe deixou com o tempo contado. Durante a tarde ajudaria a avó com o jantar, mas ainda gostaria de puder dar uns retoques na prenda para a namorada.
Após ter recheado o peru e de ter despachado tudo quanto havia para fazer, dedicou-se finalmente à prenda. Estava a dar-lhe os últimos retoques, quando sentiu a respiração irregular da avó por cima do seu ombro, assustando-a. Assim que recuperou, sorriu e mostrou o que havia estado a fazer à senhora, pedindo-lhe opinião.
“Oh Susana…”, disse a idosa, de tal maneira enternecida que tinha o olhar vidrado, “Sempre tiveste tanto jeito…está perfeito”
“Acha mesmo?”, insistiu a jovem, que não via o seu trabalho como algo digno de ser considerado sequer bom, “Há que tempos que não fazia nada do género”
“Podes estar descansada, se já em menina tinhas tanto talento, só vieste a melhorar”, garantiu a avó, dando-lhe um beijo na testa antes de abandonar a divisão.
Mesmo não considerando o que acabara de elaborar algo de que se devesse orgulhar, a loura não pôde deixar de se sentir bem com o elogio. Desenhar sempre fora algo que gostava de fazer nos tempos livres, exprimia-se melhor desta maneira do que através de textos ou qualquer outra forma. Tinha imensa pena de não ter seguido nada relacionado com artes, mas se já no secundário mal pudera concluir o 12º, quanto mais seguir um curso. Bem dizia Guida que ela era ursa…
Depois de ter concluído o desenho, embrulhou-o, desmazeladamente, em papel azul com um laço branco e depositou-o dentro da gaveta. Mesmo quando estava a acabar de arrumar as coisas, a senhora chamou-a para jantar. Ao ouvi-la, apercebeu-se que estava com mais fome do que pensava, não tardou a correr para a cozinha, ajudando a avó a tirar o peru do forno. Salivou só de observar o aspecto tostado e dourado da ave, o que só lhe aumentou a fome. Sentou-se na mesa e aguardou pela idosa, cujo estado dos ossos não lhe permitiam movimentos muito bruscos.
Não perdeu tempo a começou a cortar um bocado generoso do peru, abastecendo o prato de batatas, batatas essas que começou a enfardar, valendo-lhe alguns risos por parte da avó, “Ainda gostava de saber o que é que a Dani te faz para vires sempre com tanto apetite”
“Oh, nem queira saber”, respondeu Susana, com a maior das descontracções. A idosa sabia desses aspectos da sua vida…Ahm, pessoal, com tantos pormenores quanto Guida. Se bem que a loura desconfiasse que a amiga ia buscar muita inspiração ao que lhe contava.
“Também acho que é preferível ficar na ignorância”, concordou a idosa, cortando, comedidamente, os pedaços de carne que tinha no prato, “E de muitas outras coisas…”
“Oh ‘vó, já lhe expliquei que a culpa da namorada do Francisco lhe ter posto os patins não foi minha”, replicou Susana, não desejando, naquele momento, lembrar-se do drama que foi uma das suas raparigas ter ficado apanhadinha por ela, depois da loura se ter oferecido para lhe mostrar o outro lado da vida, “Que parte de só foda é que ela não percebeu”
“Oh Suse, temos que admitir que também tiveste culpa…”, respondeu a avó, antes de dar um grande trago no copo de água, para tomar os medicamentos.
“Aquele gajo é um conas e ela uma pega”, resmungou Susana, torcendo o nariz, “E era bem boa, eu não ia dizer que não a fazer-lhe esse favor…”
“Suse! Isso não se diz!”, ralhou a idosa, dando um toque no braço da neta, “Não sei como é que consegues, mas de uma maneira ou de outra arranjas sempre lenha para te queimares”
“Os sarilhos é que vêm atrás de mim”, esclareceu a loura, encolhendo os ombros, “O Francisco depois ficou fodido e ainda me tentou arrancar o alargador…o que vale é que tenho mais caparro que ele”
“Olha, não fizesses tu essa porcaria às orelhas”, repreendeu a avó, que sempre se arrepiava cada vez que olhava para os túneis de dois centímetros da jovem, “E já agora esse prego horrível quase em cima do olho”
“Diga mal o quanto quiser”, disse a jovem, revirando os olhos, “Mas fica tudo onde está. Aliás, a Dani adora, acha que fico com um ar mau”
“Isso lembra-me que amanhã tenho uma coisa para lhe mostrar”, declarou a idosa, com um brilho brincalhão no olhar, “Ela vai logo deixar de te achar má”
“Agora sou eu que não quero saber o que é”, riu-se a loura, a quem não ocorria mesmo nada.
“Isso agora é comigo”, brincou a avó, antes de voltar a falar, desta vez com muita seriedade, “Agora a sério Susana, mesmo que estiques as orelhas até ao chão, andes a fumar não sei o quê, por muita asneira que faças, por muitos sarilhos que arranjes, hás-de ser sempre a minha menina”
Susana reduziu-se a ficar em silêncio e a escutar só, observando os padrões festivos tão apropriados àquela quadra, da toalha da mesa, até que a senhora continuou, “Sempre me orgulhei de ti, da forma como sempre deste o máximo e te dedicaste até mais não, mesmo quando os resultados eram menos bons. Pouco depois de o avô ter falecido começaste logo a tentar dar algum contributo, por mais pequeno que fosse, para nos ajudar…és uma boa menina, Susana”
“Está-me a dizer isso porquê?”, questionou a jovem, seriamente confusa. Apesar de dar alguma paz à sua consciência saber que, apesar de tudo, sempre conseguira deixar a avó orgulhosa.
“Lembras-te daquela tosse que eu tive há mais ou menos pouco tempo?”, pronunciou-se a idosa, após alguma hesitação. Ao ver a neta anuir, prosseguiu, “Já sabia há algum tempo…mas não te quis preocupar enquanto não fosse mesmo necessário”
Susana escutou cada sílaba daquelas palavras com um aperto interior, temendo o que dali viria. Deveria ter insistido mais com a avó no momento em que teve um mau pressentimento em relação àquele ataque.
“Tenho uma embolia pulmonar crónica…”, declarou, finalmente, a avó, com uma expressão abatida. Foi nesse momento que o mundo da loura entrou em colapso. Mesmo não sabendo o significado daquelas palavras, a entoação por que foram proferidas foi todo o entendimento que necessitou. “Não posso adiar mais tempo…só queria passar este Natal contigo porque receio que seja o último”
A loura, cujos piores pressentimentos acabaram de se revelar verdadeiros, não soube o que dizer. Nem tampouco soube como arranjou força para conter o choro que teimava em lhe escapar da garganta. Só soube que não que queria senão fazer daquele Natal o quão aprazível possível para a idosa. Levantou-se da cadeira e abraçou a avó com toda a ternura e gratidão que sentia por esta nunca a ter deixado à sua sorte, desde que os pais o fizeram.


1 comentário:

  1. Devo dizer que vim aqui já tardiamente na esperança de ter um capítulo novo. E ainda bem que vim!
    Entro e saio do blogue da mesma maneira : deliciada. :)
    Quanto à história, estou a prever tempos difíceis para a Susana. E será interessante ver como é que a Daniela vai conseguir apoia-la o máximo que puder, tendo em conta os estudos aos quais tem que se dedicar.
    Já para não falar que (pelo menos desde a última referência feita na história) a mãe e a namorada não são propriamente as melhores amigas.
    Aguardo ansiosamente por novidades.
    Uma viajante dos blogues :) *

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