sábado, 13 de agosto de 2011

Capítulo 38

Simple and sweet

No decorrer de três meses poucas coisas mudaram, ainda assim, as poucas mudanças que se fizeram notar foram significativas. Num ponto de vista superficial, Susana tivera que cortar o cabelo atrás para cozer a ferida feita pela camionista, o que resultou na morte de duas das suas rastas. A loura podia não ligar particularmente ao cabelo, mas as suas rastas eram preciosas e o ter que usar um boné para disfarçar a parte rapada era algo que ia contra os seus princípios, embora Daniela achasse que lhe dava piada. Susana já se propusera a fazer o corte “à Foda-se”, mas a morena nunca o permitiria.
Mais profundamente, Mariana fora despedida do bar e Susana estivera para o ser, também, sendo salva apenas por ser a melhor Dj que o bar já tivera. Nunca mais se ouviu falar da outra e da sua amiga desde então, para alívio das raparigas, talvez tivessem visto que foram longe demais, ainda para mais bem que poderiam considerar-se vingadas, nem a loura nem a rapariga saíram propriamente nas melhores condições daquela noite. Daniela aprendera a conciliar na perfeição os estudos com a relação que tinha, conseguindo até que os pais a aceitassem com melhores olhos. Chegando mesmo ao ponto de a mãe considerar Susana um amor.
O telemóvel de Daniela deu sinal de vida, prevenindo-a de que naquele dia se comemorava o aniversário de Susana, como se ela não soubesse, mas era melhor prevenir. Sabia que a loura iria passar o dia com Guida e mais uns amigos, portanto só lhe daria a prenda à noite que era quando a viria. Passou a manhã e parte da tarde em aulas, desejando ardentemente que estas passassem depressa. O dia de aulas acabou, após muita espera e muito trabalho. Atirou com os livros para o banco traseiro do carro e dirigiu-se a casa, para trocar de roupa e ir buscar a prenda para Susana, antes de ir a casa desta. Após se ter certificado que tinha tudo o que era essencial, foi até à casa da outra, encontrando-a a estacionar a mota.
Susana avistou Daniela, mal esta chegou perto do portão. A rapariga deu uma corrida até à loura, saltando até lhe ficar com as pernas em volta da cintura, “Parabéns!”
“Obrigada amor”, disse a outra, ainda a segurar a morena, apenas para que esta lhe desse um caldo, “Au, má”
“Amor nada, olha que não levas prenda”, preveniu a rapariga, em tom de brincadeira, soltando-se da cintura da outra. Não teve oportunidade de dizer ou fazer mais nada, pois os lábios de Susana chocaram contra os seus, silenciando-a. Tardou um pouco até que esta as separasse, aguardando o que quer que a namorada tivesse para dar com um sorriso que transmitia uma alegria quase infantil.
“Desculpa não ter dado nada mais material”, disse Daniela, franzindo o sobrolho, à medida que passava um envelope para as mãos da outra, “Mas como disseste que gostavas do que eu escrevia…”
A loura abriu o envelope, tentando não o destruir, mas como este estava fechado, acabou por o rasgar toscamente. Olhou para a morena, fazendo beicinho, até que esta encolheu os ombros e lhe disse para ver o que era. O conteúdo escapou ileso e Susana deu de caras com um poema, escrito a preto em papel amarelecido, na melhor caligrafia da rapariga.
“Eu sei que não percebes bem inglês, mas eu não consigo rimar em português…”, desculpou-se Daniela, enquanto ambas caminhavam para o banco do jardim. Sentaram-se e só então continuou, “Se quiseres traduzo…”
Susana ainda fez um esforço para tentar compreender, mas estava a sair tudo ao lado. Esfregando a cabeça, a loura acabou por pedir à rapariga que lesse. Esta assim o fez, embora corada e visivelmente embaraçada. Mas a tarefa tortuosa de ter que ler aquilo em voz alta compensou, a outra amou. E para o provar beijou Daniela com tal intensidade, que esta ia caindo do banco abaixo, se não tivesse sido salva a tempo por Susana. Entretanto a avó desta apareceu à soleira da porta, observando-as com um sorriso enternecido. A loura foi num instante buscar o capacete extra para a namorada, deixando esta com a idosa.
“Vão sair?”, perguntou, logo após cumprimentar a rapariga.
“Sim, desta vez escolho eu o sítio”, respondeu a morena, atando a camisola no pescoço.
“Ainda parece que foi ontem que ela riscava as paredes com os lápis de cor…”, relembrou a avó, sorrindo com a recordação, “Custa a querer que ela já faz vinte e dois”
“Com aquela disposição ninguém diria que já tem aquela idade”, brincou Daniela, cujo sorriso permanente sempre estampado nas feições da outra e atitude descontraída e despreocupada sempre a surpreendia, “Se não lhe conhecesse a faceta trabalhadora…”
“É estranho como alguém pode ser quase tão infantil quando nem infância teve…”, divagou a senhora, com um sorriso triste. Se havia algo de que se lamentava por nunca ter podido fazer e de já não ter tempo para se redimir esse algo seria nunca ter podido dar uma vida melhor à neta, privando-a de uma infância e adolescência, “Tenho tido cada vez mais vezes aqueles ataques de tosse”
“Tenciona fazer o quê?”, perguntou a morena, embora estivesse consciente de que a idosa não iria fazer nada.
“Tenho algum dinheiro de parte mais esta casa…acho que a Susana vai aguentar”, disse a avó, “Não me parece que consiga durar muito mais”
Tiveram que interromper a conversa uma vez que a loura já se aproximava, sempre com o seu sorriso, trazendo o capacete, que passou a Daniela. Despediram-se da avó e arrancaram, até ao destino escolhido pela rapariga. Efectuaram o percurso em razoavelmente pouco tempo e estacionaram num pequeno espaço perto do parque. Era um dos locais preferidos da morena, costumava ir para lá desde que se lembrava e este permanecia sempre intocado. Ao fundo viu um ligeiro degrau onde tropeçara e caíra, aleijando o joelho quando era criança.
“Acho que já cá vim uma vez ou outra”, disse Susana, fazendo um esforço de memória, “Há muito tempo”
“Venho para aqui sempre que quero reflectir”, disse Daniela, sentindo-se nostálgica, “A esta hora o pôr-do-sol é lindo, olha”
Apontou em frente, onde era possível observar as tonalidades alaranjadas do sol, naquele fim de tarde ameno. Por norma, aquele local costumava estar povoado de pombos, mas àquela hora eram poucos os que sobravam. Escolheram um banco que proporcionava uma boa vista para a serra, cujos contornos recortavam-se no pano de fundo laranja do céu. Daniela encostou-se ao braço de Susana, que o colocou sobre os seus ombros, brincando-lhe com os dedos.
“Pita”, gozou a outra, devido aos ainda vinte anos da namorada, em comparação com os seus vinte e dois.
“Cala-te”, retaliou a morena, dando-lhe uma dentadinha ao de leve na mão, o suficiente para a loura se assustar, “Tu é que és um fóssil”
“Não faz mal”, disse Susana, aproximando a rapariga de si, “Eu gosto de mais novas, são tão queridas”
“És tão ursa”, brincou Daniela, antes de beijar a loura. Ficaram mais um pouco no parque, até que ficou um tanto frio. A outra já se queixava, num tom infantil com um misto de beicinho, que estava a ficar com fome, o que obrigou a morena, a levantar-se e a encaminhá-las para um restaurante que ainda ficava a um bom quarto de hora de caminhada, numa vila nas proximidades. A rapariga ainda olhou com pena para um restaurante indiano nas imediações, mas naquele dia o importante era agradar à loura e esta considerava aquele tipo de comida demasiado exótica.
Depressa fizeram os pedidos, Daniela ainda quis pedir um prato simples, mas tal não havia, visto que era uma tasca, mesmo ao gosto da outra. Caso não conseguisse acabar o prato a loura conseguia comer o seu e o dela. A morena já tinha formulado os seus próprios planos para o final da noite e ia consegui-los muito facilmente, se bem conhecia a outra. Manteve o contacto físico ao mínimo, por cima da mesa, embora por baixo desta, passasse o pé na perna da loura. Mas sempre que esta lhe tentava tocar, levava um estalo leve na mão. Resumindo, Daniela vivia para picar Susana.
Muito para alívio desta última, a comida chegou e pôde dirigir a sua atenção aos escalopes de vitela que tinha diante de si, nem dizendo uma única palavra, enquanto se empanturrava. A rapariga foi comendo, comedidamente mas, ao chegar a meio do prato já se sentia saciada. Ao chegar a três quartos deste, já estava que mal se mexia.
“’ais quewer isso?”, perguntou a outra, com a boca cheia, olhando para o prato que se encontrava diante da morena com um olhar guloso.
“Já nem me mexo, podes acabar isto”, replicou Daniela, dando uns golos no seu copo de água, enquanto via a loura pegar no seu prato e praticamente aspirar o resto. Quando acabou, pouso o prato no sítio e bateu na barriga, deixando escapar um arroto mais sonoro do que as teria deixado à vontade. Ao ver o olhar acusador tanto da namorada como das restantes pessoas que a rodeavam, corou, olhando para baixo como se pedisse desculpa. A morena apertou-lhe ao de leve a bochecha, sorrindo.
“E se fossemos andando?”, sugeriu a rapariga, puxando a mão de Susana, que anuiu, tirando a carteira do bolso. Daniela já sabia que esta ia insistir para pagar, tal como sempre fizera, mas já tinha uma ideia para a distrair. Mordiscou a parte de baixo da orelha da loura e disse, “Estás tão apetecível hoje, que olhei para aquela casa de banho e imaginei-nos…”
Susana arregalou o olhou, agradada pelo que ouviu, mas no momento em que sentiu a morena a passar-lhe um braço por trás das costas percebeu. Agarrou-lhe a mão, que segurava uma nota e deu a que tinha na sua mão ao empregado. “Boa tentativa”
A rapariga foi a resmungar qualquer coisa que soou a “são os teus anos…ao menos desta vez…” o tempo todo até à saída, mas nada a que a outra fosse fazer caso. Ao chegarem cá fora, Susana, farta de ouvir a morena, agarrou-lhe os braços e prendeu-a contra a parede, beijando-lhe o pescoço, “Só por teres feito aquela sugestão e não me teres dado nada devias apanhar e eu estou apetecível hoje e sempre”
Daniela passou-lhe uma perna pela cintura, puxando a loura mais para si, antes de dizer, “Os meus pais não vão estar em casa hoje à noite”
“Estás fodida”, respondeu a loura, lambendo os lábios. Num ápice estavam à entrada da casa da morena, que mal conseguiu colocar a chave na fechadura pois a outra não cessava de a agarrar e prender contra as paredes. Ao conseguir abrir a porta, Susana correu com Daniela pelas escadas, não querendo perder tempo, uma vez que já não estavam juntas há mais tempo do que qualquer uma gostaria. Quando a morena deu por isso, já a outra lhe tinha pegado e atirado para a cama, deitando-se por cima desta e beijando-a.
“Autocolantes do Tweety?”, perguntou a loura, ao observar a barra da cama. A rapariga nunca conseguira descolar os autocolantes, contentando-se com vê-los ali.
“Cala-te e come-me”, resmungou Daniela, puxando outra pela t-shirt e beijando-a.
“Adoro a minha vida”, disse Susana, antes de satisfazer aquilo que ambas tanto desejavam.
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“Dani, não te esqueças que ao meio-dia a avó passa por cá!”, fez-se ouvir a voz da mãe da morena, ecoando nas paredes, elevando-se acima do som de dois pares de passadas a subirem as escadas, “Estás-me a ouvir?”
A senhora abriu a porta do quarto, já pronta a ensurdecer a filha com outro grito mal a visse profundamente adormecida àquelas horas. Mas o certo é que não tinha nenhuma reacção pronta para o que viu. Apesar de o quarto se encontrar mergulhado na penumbra, a luz que entrava pelas janelas do corredor permitiram-lhe ver uma imensidão de roupa espalhada pelo chão, (“ai, ela está mais desmazelada a cada dia que passa, mas já vai ver como elas lhe mordem”) e a cabeça do seu rebento a erguer-se de onde estava, junto a uma cabeça loura.
“DANIELA!!”

1 comentário:

  1. As raparigas vão ser decapitadas :|
    Logo agora que iam ter uma noite de comemoração e que tudo estava a correr bem, vai dar azar.
    Agora que a mãe já tinha guardado as facas!
    E continuo a ter "receio" pela avó da Susana ...
    Ah, é verdade. Na minha opinião estás a melhorar em termos de escrita :)
    PS: Quero mais !
    Uma viajante dos blogues :) *

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