Tinham,
entretanto, decorrido largas horas desde que Tomás e os seus dilemas que,
ninguém a não ser o próprio, os entendia, lhe tinham estragado o que prometia
ter sido uma tarde saída dos seus melhores sonhos e Afonso ainda não tinha esquecido
o ressentimento que sentia para com o rapaz. Primeiro ele lia demasiados livros
do Nicholas Sparks e fazia uma declaração de amor à sua irmã, de todas as pessoas.
Depois fazia birra e deixava a sua namorada preocupada, conseguindo fazer com
que ela tivesse que acudir à crise em vez de trocar miminhos com ele, Afonso,
sequioso pela atenção de Leonor. Era humano e as hormonas não lhe davam
tréguas! De qualquer forma não ajudava ter a namorada mais linda do planeta!
Era também querida, atenciosa, inteligente, tinha uma pele tão macia, a sério,
parecia que Deus, o próprio, a tinha feito e ele, na sua condição de mero
mortal, sempre que encontrava um novo pormenor nela, não conseguia evitar ficar
maravilhado.
Bem,
voltando ao quanto Tomás o desagradava, uma vez que estava visto que, sempre
que se lembrava de Leonor, não conseguia manter a concentração: Ele era pior
que aquele bocado de pastilha elástica que se cola à sola do sapato e agarra
tudo quanto é desagradável, apenas para, no fim do dia, se ver uma bola de
matéria repelente agarrada ao sapato. Se Leonor era a encarnação da perfeição,
Tomás devia ter sido feito com os restos defeituosos. Só de pensar que, se ele
tivesse levado a sua avante, teria feito à sua irmã o que ele fazia à dele,
sentia a necessidade de tomar banho. Contudo, sentia que tinha sido feita
justiça quando Sara lhe tinha dado uma tampa, o que, vistas bem as coisas, era
ridículo da sua parte, afinal, onde é que já se vira sentir-se tão vulnerável
às provocações de um miúdo de doze anos?
Tinha
esperança que, o que quer que apoquentasse aquela alminha, tivesse passado para
que ele pudesse ter a tal tarde com Leonor. A ideia de a ver na escola fez com
que passasse por todas as partes da sua rotina matinal tipo Speedy Gonzalez,
tendo que quase forçar o pequeno-almoço pela garganta de Sara, para que se
despachasse. Já encontrara carcaças de animais na beira da estrada com mais
energia do que ela, o que o deixava exasperado, mas nada que não fosse
compensado pelo seu entusiasmo. Até o autocarro barulhento, sempre com uma
concentração de cheiros que iam desde virilha suada a perfume de dona de casa,
se tornava tolerável quando sabia que iria ver Leonor.
Quando
o autocarro chegou à paragem que ficava a poucos metros da escola, Afonso mal
teve tempo de assentar um pé no solo e encher os pulmões de ar puro, sem que o Rúben
prendesse com uma chave de braços por cima da cabeça, embalada por um grunhido
animalesco que soava a “mô puto”. Contacto físico era a sua maneira de mostrar
felicidade, chegando ao ponto de, na opinião modesta de Afonso, parecer
homo-erótico, se bem que isso era um pensamento em que ele preferia não
insistir, sobretudo porque os genitais do amigo estavam em contacto com os seus
glúteos, glúteos esses a que Rodrigo chamara de “coisa mais linda”. Conseguindo
descolar Rúben, senão ainda corria o risco de não sair dali virgem, Afonso
perguntou, “Pára com isso, foda-se! O que é que te deixou assim?”
Dando
provas de que não tinha esquecido as noções básicas de decência após sair do
jardim-de-infância e que ainda tinha um pouco de pudor, o amigo esperou até que
tivessem um bocadinho de privacidade para dar a boa nova. Quase a salivar,
Rúben, em voz baixa, disse, “Tás a ver a Soraia? Aquela ruiva que conheci na
festa do Lima? Nem tens noção, a gaja faz tudo!”
Levando
em consideração o facto de passarem tantas raparigas por Rúben como traseiros
por sanitas de casas de banho públicas, chegava a ser difícil manter-se a par
do seu historial. Afonso bem que sabia, até porque as raparigas, depois de
serem descartadas pelo amigo, gostavam de se ir lamentar para junto dele e, se
acabava a consolá-las, ficava-se por aí, o que, em tempos, o frustrava como se
não houvesse amanhã mas, agora, não evitava olhar para trás e sentir-se em
eterna gratidão para com o destino por lhe ter dado Leonor em vez dos restos de
Rúben. Se conseguisse silenciar a vozinha que lhe dizia que, se não estava com
alguma das rejeitadas do amigo, estava com os restos de um desconhecido
qualquer, seria bom. Como não queria que essa conclusão o perturbasse, voltou a
sua atenção para Rúben, “Hm, ainda bem”
Entretanto
apareceram David, Paulo e Gonçalo, todos eles amigos próximos de Rúben mas não
tanto de Afonso, que considerava ter mais conhecidos que amigos e que só falava
com aqueles porque estavam sempre com o seu melhor amigo. Independentemente do
género dos seus interlocutores, tendia a ficar inibido se os conhecesse há
pouco tempo. Uma vez que se acabaram por envolver com a conversa de Rúben
acerca da sua nova conquista, o que estava a deixar Afonso pouco à vontade,
este acabou por ficar um tanto esquecido. A bem da sua paciência, Leonor
apareceu passados uns minutos. Conseguia continuar a sentir nervosismo cada vez
que a via, mesmo depois de todo aquele tempo, mas isso não o impediu de a puxar
para si pela mão e de a beijar, algo por que ansiava desde que acordara.
“Quem
te viu e quem te vê”, brincou a rapariga, referindo-se à forma como o rapaz
agia junto de si. Antes era tão tímido, chegando mesmo a não a conseguir
encarar sem corar e começar a suar. Agora não fazia cerimónia em recebê-la com
um cumprimento daqueles. Mas ela gostava, afinal se ele estivesse à beira de
ter um ataque cardíaco cada vez que ela estava a menos de um metro dele, então
ele estaria numa arca frigorífica com uma etiqueta em torno do dedo do pé desde
que conseguiram trocar um beijo pela primeira vez. E ver que, de vez em quando,
ele conseguia assumir o controlo, era extremamente sexy.
“Estás-te
a queixar, é?”, disse Afonso, colocando-lhe os braços à volta da cintura, com o
intuito de a puxar mais para junto de si. Se ele tivesse voto na matéria, ela
nunca mais usaria nada que não sapatos rasos, caso contrário, como é que ele se
podia dar ao luxo de lhe conseguir dar um beijo na testa sem ter que passar
pela humilhação de ter que se colocar em bicos de pés? E foi o que fez, já que
queria mesmo aproveitar essa circunstância e convinha apressar-se, afinal não
faltava muito para ter que ir para a aula da Dona Adelaide e as partículas de
saliva que saltariam na sua direcção quando ela falava precisariam de um alvo
onde acertar. Bem, não queria estragar o momento com Leonor a pensar na sua
professora.
“Não,
de todo”, respondeu a rapariga, puxando-o para si pelo colarinho da camisola,
antes de o beijar. Decidindo aproveitar a boleia de Adriana para a sala de
aula, despediu-se de Afonso, sempre sem ligar à presença de Rúben e dos amigos
deste. Conseguia sentir o olhar deles colado ao seu traseiro enquanto andava e
não era uma situação que lhe agradasse. Se era aquele o tipo de pessoas com
quem o namorado se dava, o que é que lhe garantia que ele não era como eles e
só estava a fazer melhor trabalho a ocultá-lo? Era aquela constante
desconfiança que a deixava um tanto de pé atrás em relação a Afonso mas o que
podia ela fazer?
“Andas
com uma gaja daquelas?”, perguntou David, ainda a apanhar os estilhaços do seu
queixo que, entretanto, tinha caído ao chão quando avistara a rapariga. De
Rúben, que tinha um batalhão de raparigas, cada uma mais jeitosa do que a
outra, disposta a fazer de tudo pela sua atenção atrás dele, ainda esperava tal
proeza, mas Afonso? Ele não conseguia falar com uma rapariga nem que a sua vida
dependesse disso! Ok, ele era filho de uma famosa e ele, David, tinha que
admitir que admirava muito o talento dele para jogar rugby, mas mesmo assim. Não
era que desse alguma coisa por aquilo, mas ela acabaria por lhe pôr os patins
em breve e, quem sabe, podia ser que ele tivesse sorte.
“Boas…”,
comentou Gonçalo, com um sorriso sugestivo, fazendo um certo gesto com as mãos
em frente do peito. Estava só a dizer o que era bem verdade, a seu ver Afonso
devia sentir-se orgulhoso em vez de ficar todo envergonhado. Se ele tivesse uma
namorada assim iria exibi-la como se não houvesse amanhã! Isso claro, depois de
fazer o test-drive ao veículo, mas estava certo de que, quando pusesse a primeira,
até iria fazer peões.
“Assim
que te fartares dela, dá-ma”, disse Paulo, sorrindo de modo idêntico. Leonor
parecera-lhe tão atraente que, se ele estivesse no lugar do Afonso só parava
quando já tivesse uma queimadura indiana nas zonas baixas.
“Sim,
ela é jeitosa mas não é vossa”, disse Rúben tentando deitar água na fervura.
Normalmente ter-se-ia juntado aos amigos, mais que não fosse porque tinha piada
ver Afonso prestes a rebentar, mas, apesar de saber que devia ter em
consideração os interesses do seu melhor amigo, havia coisas que falavam mais
alto e o seu narcisismo era uma delas. Leonor tinha tido a ousadia de o mandar
passear quando ele a conhecera no Verão e ele não era pessoa para dizer não a
um desafio. Era a namorada do seu melhor amigo mas havia de lhe passar. Afonso
acabaria a chorar agarrado aos lenços, como o rapaz sensível que era, mas acabaria
por esquecer. A longo prazo, ele devia era ficar muito grato, Leonor era o estereótipo
da “rapariga solta” e ia magoá-lo mais cedo do que tarde, enquanto ele, enfim,
raparigas porquinhas eram as suas musas.
“Podiam
parar?”, pediu Afonso, incapaz de se lembrar de uma resposta à altura. Adorava
o facto de reconhecerem que a sua namorada era bonita mas estavam a faltar-lhe
ao respeito e isso ele não tolerava. Preparando-se para se retirar dali antes
que começassem a perguntar pela sua vida sexual inexistente, continuou, “Tenho
que ir andando”
Agora
que se tinha afastado e arrefecido a cabeça o suficiente, apercebeu-se da
imagem mariquinhas que tinha acabado de dar. Não gostava de ser confrontado
mas, ainda assim, devia ter-se lembrado de algo mais para dizer do que um
“podiam parar?” e uma retirada estratégica cobarde. Às vezes, gostaria de ser
mais como Rúben que, posto numa situação parecida, teria distribuído murros
como uma testemunha de Jeová distribui panfletos. Ele também tinha caparro
suficiente para fazer boa figura numa luta, mas sempre preferia ceder e evitar
problemas. Como não podia voltar atrás no tempo e mostrar o quão “homem”
conseguia ser, o que quer que isso quisesse dizer, ao menos sempre se sentia
melhor por saber que Leonor não tinha estado lá para ver que ele não a
defendera.
Como
a sua auto-confiança não podia passar a sua existência a ser atirada abaixo,
espezinhada e cuspida em cima, depois de hora e meia a sentir o cheiro a comida
de gato proveniente da camisola da Dona Adelaide, veio a aula de educação
física, aula essa que, quando o mapa da ocupação de instalações o permitia,
fazia junto da turma de Leonor e, como, por coincidência, estavam no campo ao
ar livre, o prato do dia era rugby, sempre pôde exibir-se um bocadinho. Se
fosse danças de salão ou ginástica e a rapariga estivesse a ver, teria sido um
dia negro, afinal parecia um pato a ter espasmos quando dançava. Claro que teve
de aligeirar os seus modos quando estavam a jogar para não magoar ninguém, daí
a sua maior vontade ser Leonor ir assistir a um jogo sério dele. Porque é que
não podia ser tão másculo e confiante fora do campo como era lá dentro?
Quando
ia a entrar para o balneário, depois do que lhe pareceu uma aula produtiva em
que conseguira ensinar uma lição a Rúben, que, mais uma vez, estava mais
preocupado em exibir os peitorais do que em limar as arestas da sua técnica
rudimentar, Leonor deteve-o, agarrando-lhe a camisola, “Espera, tens planos
para depois das aulas?”
“Não,
porquê? Vais-me fazer um convite?”, perguntou o rapaz, implorando a todos os
santos para que a sua camisola não estivesse demasiado suada e desagradável,
pois não queria de forma alguma que a rapariga tivesse contacto com o seu suor
viscoso. A não ser que as circunstâncias fossem outras, claro estava, aí
quaisquer trocas de fluidos corporais eram bem-vindas.
“Hm,
tenho a casa por minha conta, se quiseres aparecer por lá, podíamos ter uma
tarde só para nós”, disse Leonor, sugestivamente, enquanto deixava a mão
passear pelo peito de Afonso, sentindo-lhe a definição. Realmente, estava
explicado o belíssimo desempenho dele no jogo da aula. No entanto, não havia
rapariga que ela conhecesse que alguma vez tivesse olhado para o rapaz com
olhos de ver, o que, por um lado, não tinha mal, era da maneira que não tinha
concorrência, por outro, como era possível? Com os seus caracóis negros e olhos
azuis, tinha um ar um tanto angelical, mas isso era só do pescoço para cima,
tinha ombros largos e era bem constituído. Em suma, ele era atraente, pouco
vistoso, mas ela não se importaria de descobrir o que é que aquela t-shirt
escondia.
Engolindo
em seco, o rapaz que, perante aquela atenção, se sentia inacreditavelmente bem,
não conseguiu formular uma resposta, preferindo regozijar-se por aquele
momento. Nunca esperou que acontecesse, mas ela fazia-o sentir-se desejado,
algo que lhe parecia um conceito alienígena, já que, mesmo com Beatriz, estava
mais habituado a sentir-se o ursinho de peluche que ela apertava quando queria
conforto. Por muito que a diferença o tivesse apanhado de surpresa, era algo a
que se via a habituar-se. E logo Leonor, de todas as raparigas! Como é que ele
tivera tanta sorte? Levou tanto tempo a responder que a rapariga, vendo-o com o
olhar vidrado e com um fio de saliva prestes a cair do canto da boca, o tentou
fazer reagir, dando-lhe uma palmadinha de leve na face, “Afonso?”
“Quero,
quero, quero!”, conseguiu Afonso, finalmente, responder, já a ruborizar. E daí
talvez o problema não estivesse na falta de definição dos seus abdominais mas
sim nos seus modos atadinhos. Inclusive, Leonor tinha acabado por retirar a mão.
Não tinha importância, mais tarde teria oportunidade de ver que não eram só os
peitorais que eram rijos. Depois de lhe passar o momento Rúben, deixou a
rapariga ir à sua vida, mas não sem que antes a detivesse por mais um pouco só
para um último beijinho. Se momentos céleres como aquele o faziam sentir-se nas
nuvens, só de pensar em passar uma tarde inteira com Leonor, sentia-se no mais
puro dos paraísos.
Ao
sentir o cheiro a meias suadas no balneário lembrou-se que, se o seu plano não
passava por intoxicar a rapariga com o odor das suas axilas, o melhor era tomar
banho. Tendo como objectivo deixar-se tão imaculado que conseguiria ver-se
reflectido na própria pele, estava a passar o gel de banho no corpo quando
Rúben, tal como veio ao mundo, lhe deu uma palmada nos glúteos, “Coisa boa!”
“Mas
não é para ti”, ripostou Afonso, que, em momentos daqueles, considerava se não
faria melhor em voltar-se para os rapazes, já que parecia que eles gostavam
muito do seu traseiro. Lembrando-se da cena nas férias em que Leonor lhe
apalpara o pacote, constatou que também ela gostava, o que fez maravilhas para
o animar. Não conseguindo guardar as boas notícias para si, disse, tendo a voz
toldada por um misto de satisfação e embaraço, pois, apesar de parecer algo de
parca relevância, não era que fosse a coisa mais mundana para ele, “Hoje vou a
casa dela”
“O
que ela quer, sei eu!”, exclamou Rúben, demasiado alto para que o rapaz não
ficasse ainda mais envergonhado do que já estava. Ainda assim, parecia-lhe
previsível, porque era mesmo o tipo de coisa que imaginava Leonor e todas as da
sua laia a fazerem, não era preciso dar mais do que um mínimo de atenção que
elas estariam a abrir as pernas num ápice. Ela não era propriamente menina que
se apresentasse aos pais e que desse uma óptima dona de casa e mãe de filhos. Só
queria que Afonso aproveitasse enquanto podia pois Leonor descartá-lo-ia mais
cedo do que tarde. Claro que não lhe podia dizer isso, tanto que, preferindo
distraí-lo, continuou, “A sério, ela não te quer lá para irem jogar às cartas”
“Ainda
é cedo para isso, não achas?”, perguntou o rapaz, baixando a voz, uma vez que
não se sentia à vontade o suficiente para ter aquela conversa ali, no chuveiro,
rodeado de gente nua, alguns deles a bisbilhotar a conversa. Estava assente que
não iria criar expectativas para aquela parte, o que quer que tivesse que
acontecer, que acontecesse, mas o amigo, com aquela conversa, não estava a
ajudá-lo a sentir-se mais calmo. Tudo o que ele desejava era passar uma tarde
aprazível com a sua namorada sem ter sempre algo a intrometer-se entre eles. Se
havia algo que não precisava era de pressão para fazer algo que, por muito que
quisesse, não achava que fosse a altura certa para o fazer.
“Não
te vou responder a isso”, disse Rúben, abanando a cabeça. O rapaz conseguia ser
tão inocente que, se não estivesse ali para o ouvir, duvidaria que alguém podia
ser assim, mas até era por isso que gostava dele, não havia um pouco de maldade
que fosse nele. A julgar pelo juízo de prognose que estava a fazer acerca do
andar de Afonso, ou não esquecia a sua maneira de ser insegura e tímida e
assumia uma postura mais proactiva, ou bem que podia dizer adeus a Leonor que,
na sua breve estadia, o iria trair dia sim, dia não. Não que ele se queixasse, não
duvidava que a rapariga lhe fosse cair no colo em breve, mas gostava que o seu
amigo pudesse aproveitar um pouco.
Com
pouca vontade de continuar ouvir Rúben, Afonso passou o cabelo por água e
apressou-se a sair dali. Por muito que a conversa o tivesse incomodado, saber
que teria a rapariga só para si, deixava-o feliz. Fosse como fosse, só sentia a
insegurança a vir ao de cima quando Rúben falava das suas proezas e do seu
entendimento dos mais profundos desejos femininos, nessas alturas era-lhe
impossível evitar comparar-se ao amigo, que emanava confiança e com motivos
para a ter. Quando estava com Leonor, a conversa de Rúben e dos outros não
podia estar mais longe da sua cabeça, ainda que assim que se visse sozinho, se
perguntasse se a rapariga não quereria que ele fosse mais como eles. Podia
sempre falar com Adriana, talvez ela o elucidasse, mas a ideia de lhe falar de
tal coisa enchia-o de vergonha.
De
tão absorto que ficou nos seus pensamentos, nem deu pela aula passar, o que
normalmente o teria incomodado porque gostava de seguir as aulas, sobretudo
aquela, psicologia, por ser uma das áreas que já ponderara seguir, mas, naquele
caso, tinha a matéria toda explicada no livro e perder as explicações do
professor não tinha importância. Ao sair da sala, deparou-se com Leonor à sua
espera, o que era uma mudança agradável, dado que, por circunstâncias em que
ele não podia interferir, tais como os professores dela reterem a sua turma durante
uma porção do intervalo por todos e mais alguns motivos, costumava ser ele a
esperar por ela. Como ainda tinha o cabelo molhado, entendeu saudá-la
sacudindo-lhe o cabelo junto à cara, de modo a salpicá-la.
“Pára!”,
pediu Leonor, embora o riso a tivesse traído. Numa tentativa de o fazer parar,
agarrou-lhe a cara e beijou-o. Com o susto, Afonso, não só não abanou mais a
cabeça, como sentiu os joelhos enfraquecerem. Sim, definitivamente foi eficaz e
ela sentia-se sempre divertida e enternecida quando surtia aquele efeito no
rapaz. Não convinha era exagerar, se ele desmaiasse lá se iam os planos e ela
estava à espera de uma tarde daquelas há algum tempo. Esperava que fosse apenas
uma tarde simples, passada na companhia do namorado, sem ter de ceder a desejos
mais carnais, como estava habituada. Era pedir muito que quisessem estar com
ela se não estivesse como veio ao mundo?
“Ahm…desculpa,
sinto-me sempre assim quando, ahm”, balbuciou Afonso, ciente de que coerência
era algo de que, às vezes, não era capaz de ter quando tinha algum contacto
mais íntimo com a rapariga. Ainda assim, não tinha dúvidas de que, com o hábito
e, por sua vontade, muita insistência, conseguisse mudar. Tanto quanto via, a
sua faceta mais insegura e acanhada não era atraente e gostava de poder mostrar
a Leonor que era muito mais do que isso. No que foi uma tentativa algo
frustrada de se redimir, disse, “Ahm, o que eu estava a tentar dizer era que,
hm, és tão, nem sei, xuxu?”
Mesmo
quando pensava que ele não podia ser mais adorável, arranjava maneira de
redefinir a própria noção de “adorável”. Quer dizer, não sabia o significado
daquela palavra e, em virtude do tempo que passara fora do país, havia
neologismos que não conhecia, mas gostava de acreditar que se tratava de um
elogio. Fosse como fosse, aqueles modos desajeitados, sobretudo quando eram
evidenciados pelo rubor que era presença constante nas suas bochechas, jamais
lhe seriam indiferentes. Mas, como não podia passar o resto do dia a conter os
guinchinhos que reservava para aquelas ocasiões em que via algo tão
enternecedor que a derretia até mais não, decidiu-se a agarrar o braço de Afonso
e a levá-lo dali, para irem almoçar.
Agora
que se deparava com o contraste, ao sentir o braço do rapaz, ficou indecisa
entre levá-lo a ele, Afonso, para casa e fazer-lhe festinhas como faria a um
cachorrinho, se levá-lo para casa e, bem, o resto seria história. Rindo com o
dilema interior, não partilhou o que lhe ia na mente quando o rapaz lhe perguntou
do que é que se estava a rir. Perante aquela incógnita, Afonso pareceu-lhe
preocupado e, se ela bem o conhecia, naquela cabeça já estaria a imaginar mil e
um cenários, cada um pior que o outro. Não o querendo ver transtornado,
lançou-lhe os braços ao pescoço e, depois de o beijar, garantiu-lhe, “Está tudo
bem”
Foi
assim que o estado de espírito do rapaz deu uma volta de cento e oitenta graus
para melhor. Como ela o conseguia fazer esquecer o que quer que ele estivesse a
matutar, era mesmo algo de louvável. O facto de, uma quantidade generosa de
almoços mais tarde, ela conseguir não ter uma crise nervosa quando ele expunha
as agulhas para medir os níveis de glicemia, era um comprovativo de peso dos progressos
que, ao longo de todo aquele tempo, tinham conseguido fazer e ele sentia-se
extremamente comovido pela dedicação que ela tinha vindo a demonstrar,
insistindo sempre para que o fizesse à frente dela. Assim, achou por bem
dizer-lhe, “A sério, fico muito tocado por não me recambiares para a casa de
banho para ir injectar insulina, sobretudo porque não gostas de agulhas”
“Até
não me faz muita impressão”, mentiu Leonor, com sérias dúvidas se não teria
manchado as calças. No fundo, sentia alguma pena do rapaz que já lhe dissera
que gostava muito de bolos e massas mas que se tinha de privar de comidas com
muito açúcar por causa da diabetes. Como lhe fora diagnosticada quando tinha
oito anos, já não tocava em doces há tanto tempo que mal se lembrava de como
sabiam, mas ela não conseguia evitar sentir compaixão para com ele. Parecia-lhe
ingrato da sua parte que, não tendo nenhuma doença que não fosse a sua obsessão
com a sua cintura, se abstivesse de ingerir calorias por um motivo tão
superficial como a sua vaidade. Daí não conseguir ir a casa de Adriana, cuja
mãe fazia o melhor bolo de bolacha que ela alguma vez tivera a oportunidade de
saborear, não conseguia dizer que não, a sua disciplina não chegava para tal
proeza.
O
que Afonso não sabia era que, para não ter uma coisinha má, ela concentrara-se na
zona abdominal bem definida dele. Podia não ter abdominais perfeitamente
definidos como Ryan mas não estava nada mal a seu ver, aliás, se a distraía das
agulhas era porque tinha o seu mérito. Talvez admitisse que estava um bocadinho
frustrada, mas nada que a demovesse da sua intenção de se manter celibatária
durante os próximos tempos. Para se recompor, canalizou a sua atenção para a
sua salada, desejando, durante todo o almoço, de que a alface se transformasse
numa bifana mal passada. Assim que terminou a sua refeição pouco satisfatória,
prosseguiram com o plano.
Outro
aspecto aparentemente pouco importante por que ela ficava muito sentida era o
facto de Afonso fazer questão de lhe dar a mão sempre que a situação o permitia
e nem era ela que tinha que tomar a iniciativa. O tratamento que, regra geral,
recebia era ser exibida aos amigos quando o rapaz com que estava queria fazer
boa figura, o que fazia com que aquela mudança lhe soubesse mesmo bem. De novo,
teve de se abstrair dos pensamentos mais pessimistas que lhe vinham à mente
cada vez que o rapaz tomava a liberdade de fazer um gesto fofo. Até lhe dava
pena que o caminho desde o café onde tinham almoçado até sua casa não fosse
maior, mas se houvesse mais oportunidades, dar-se-ia por muito contente.
Ao
que tudo indicava, o momento tinha chegado, assim como todas as inseguranças de
Afonso. Estavam com a casa à inteira disposição deles e ele não sabia o que é
que ela esperava que ele fizesse. Relaxa Afonso, vais só passar uma tarde com
Leonor a ver um filme, foi o cântico que ele repetiu para si. Quando ela o
levou para a sala, pela mão, sentiu-se aliviado, por não irem para um quarto ou
outra divisão mais propícia a que o clima aquecesse. Enquanto Leonor se dobrava
para escolher um DVD, o rapaz não conseguiu evitar que o olhar lhe escapasse
para os atributos dela. Não vai acontecer nada de especial, Afonso, mas, wow,
que cu tão perfeito. Por muito que quisesse, não havia maneira de conseguir
silenciar aquela vozinha que lhe aparecia como trilha sonora de fundo.
Encostando-se a um móvel, foi obrigado a acordar quando ecoou:
“Now jump up on that dick and do a full split!”
Deixando
a sua indecisão sobre que comédia romântica haveria de ser a melhor por um
pouco, Leonor, visivelmente desconfortável, apressou-se a desligar o aparelho,
que continuava a passar uma música que expelia profanidades como se não
houvesse amanhã. Quando as descrições de posições sexuais cessaram, a rapariga
disse, “É o ipod do Tomás, deve-se ter ligado quando te encostaste”
“É
na boa”, assegurou Afonso, fazendo um esforço para esconder a sua indisposição.
Não se admirava que aquele fosse o tipo de música que Tomás gostava, não
esperava, sequer, algo diferente vindo dele. Só de pensar que aquele rebarbado fantasiava
com a sua irmã enquanto ouvia pérolas musicais daquelas, fazia-lhe borbulhar o
sangue. Se calhar até pensava em fazer-lhe o que aquela letra dizia! Sabia que
Sara não queria nada com Tomás mas, por via das dúvidas, considerou arranjar um
cinto de castidade e uma burca para a irmã e castrar o rapaz.
Assim
que a rapariga lhe deu a mão e o levou para o sofá, todas e quaisquer ideias
para se assegurar que Tomás jamais veria um centímetro de pele que fosse de
Sara, se desvaneceram. Se lhe perguntassem havia alguns meses atrás qual seria
o cenário mais improvável e perfeito que conseguia imaginar, estar com Leonor
aninhada nele, enquanto viam um filme e tinham o som do vento lá fora como
ruído de fundo, não andaria muito longe. No entanto, era como estavam. Só de
pensar que tinha estado a ligar à conversa absurda de Rúben pasmava como é que
tinha perdido tempo a preocupar-se com aquilo. Distribuindo a sua atenção, ora
pelo filme, ora pela rapariga, pediu mentalmente a uma entidade que o ouvisse,
que aquele momento durasse para sempre. Colocando um braço em torno da cintura
de Leonor, aproximou-a mais de si.
Finalmente,
depois de ter esperado mais tempo do que gostaria, a rapariga, ao que tudo
levava a crer, conseguira ter a tarde que tanto queria. Parecia-lhe uma ideia
algo intangível poder passar um bom bocado com um namorado, quer oficial, quer
não, só na companhia um do outro, sem que o feliz contemplado esperasse que ela
retribuísse de forma generosa. Depois de um bocado, já conseguira descontrair o
suficiente para ver que Afonso não se iria esticar e que, tanto quanto pudesse
ver, parecia gostar da sua companhia e que só isso lhe chagava. Havia a
ocasional mão que lhe acariciava uma zona na cintura que ficara a descoberto
quando a camisola se soltara das calças, mas até era bem-vinda.
Quando
Leonor resolvera deitar a cabeça sobre o seu peito, Afonso viu que observá-la
era mais interessante do que assistir ao filme. Desde o erguer do peito dela
quando respirava, à mão que ela lhe colocara sobre a barriga e que ia
deambulando por lá e que, sinceramente, lhe estava a fazer cócegas mas ele iria
aguentar só para prolongar o momento, parecia-lhe um sonho. Dando-lhe um beijo
na testa, foi o suficiente para que ela levantasse a cabeça. Por um momento,
levou o seu tempo para contemplar o quão bonita ela lhe parecia. Fosse a cor de
olhos exótica que sempre o fascinara, fossem as maçãs do rosto bem definidas,
fosse todo o conjunto, não se cansava de olhar para ela, tanto que sussurrou, “És
perfeita”
Desde
que ostentasse aquela expressão da mais completa adoração, Afonso até poderia
ter cantado o “Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha”, que Leonor
ter-se-ia derretido na mesma. Entre uma enorme euforia e um nervoso miudinho no
estômago que a própria nem soube explicar, visto não ser algo que sentisse
muitas vezes, pôde considerar-se muito feliz naquele momento. Pondo-lhe uma mão
na cara, afagou-lhe a face, antes de o beijar, ao de leve a início, até que,
quando se permitiu a aligeirar o seu auto-controlo, deu por si no colo dele.
Incorrendo contra todas as expectativas, quem se aventurara mais até havia sido
ela e as marcas no pescoço do rapaz provavam-no. Ele, por seu turno, parecia acanhado,
como se tivesse decidido que era crucial manter uma distância de segurança das
partes da rapariga que tanto gostava de apreciar.
“Passa-se
alguma coisa?”, perguntou Leonor. Por vezes esquecia-se que ele era tímido e
que se intimidava com facilidade, por muito melhor que estivesse nesse
departamento. Podia ser até que ela o tivesse constrangido, como estava mais
habituada a ser agressiva, mas essa sua faceta era, invariavelmente, bem
recebida. A possibilidade de ele não se sentir tão atraído por ela como pensava
era de excluir, afinal ele já lhe dera motivos de peso para a fazer acreditar
de que gostava e muito.
“Não!”,
garantiu Afonso. Ter a rapariga ali, tão próxima dele e tão pouco inibida era
demasiado para ele. Estava a adorar cada segundo, isso era certo, mas toda
aquela situação era muito nova e, dada a posição em que estavam, ele tinha que
se concentrar em imaginar uma velhinha a usar roupa interior reduzida, para que
aquele momento não se tornasse embaraçoso para ambos. Assim que se apercebeu de
que a imagem mental da Dona Adelaide em posições sugestivas não estava a ter o
efeito pretendido, já era tarde demais. Em sua defesa, o que é que Leonor
esperava, a montar nele e a fazer-lhe chupões?!
“Estou
a ver”, disse a rapariga. A ideia de que ele não se sentia atraído por ela estava
totalmente descartada. Mas não se sentia incomodada, antes pelo contrário,
ficava lisonjeada. Encarando Afonso, viu-o absolutamente horrorizado, a ponto
de ela poder dizer que nunca antes o vira tão envergonhado, o que, dada a
maneira de ser dele, era de facto um feito. Ver o rapaz tão embaraçado, tanto
que se sentia incapaz de a encarar era hilariante, sobretudo tendo em conta o
quão caricata era a situação. Esforçando-se para que o riso não tomasse conta
de si, Leonor, sentindo os cantos da boca a erguerem-se, disse, “Não faz mal, a
sério, mas também não te vou ajudar com isso”
“Não!
Isto é…ahm, não é que eu não queira, ou melhor…tenho a certeza de que seria
muito bom!”, disse Afonso, passando as mãos pelo cabelo, que ficou semelhante a
um ninho de andorinhas. Porque é que a sua natureza humana fora levar a melhor
sobre a sua mente? Assim vira-se numa situação desconfortável! Tudo o que
estava a conseguir era que a rapariga se fartasse de rir. Respirando fundo,
retomou o que estava a tentar dizer, “Não te ia pedir uma coisa dessas”
“Eu
sei, estava só a meter-me contigo”, assegurou Leonor, afectuosamente, antes de
o voltar a beijar. Mesmo que a situação a fizesse rir a bandeiras despregadas,
era ponto assente que o rapaz não ia ter direito a mais do que beijinhos e, a
brincar, ela queria deixar isso bem definido. Talvez tivesse sido cruel da sua
parte voltar para o colo de Afonso, mas pareceu-lhe que seria ainda mais
constrangedor para ele se ela criasse uma distância de segurança entre os dois.
E
assim continuaram. O embaraço advindo do único percalço que tinham tido durante
toda a tarde há muito que passara para segundo plano e, tanto não deram pelo
tempo passar, que a troca de carícias apenas teve fim quando Guida chegou a
casa. Atirando com a mala e com as chaves do carro para cima do balcão, Guida,
que nada mais queria do que sentar-se no sofá com uma cerveja na mão, viu essa
ideia frustrada quando a primeira coisa que viu quando entrou na sala foi
Leonor, o seu rebento, erguer a cabeça que repousava sobre o peito de Afonso, o
filho da sua melhor amiga. Se a ocasião em que os apanhara demasiado próximos
não lhe dera provas concretas de que se passava alguma coisa entre ambos, o
facto de ela estar em cima dele sempre era menos susceptível de dúvidas.
“Olá,
então não devias estar a caminho da Califórnia?”, perguntou Leonor, admirada.
Parecia que afinal não ia ter a casa só para si. Ao consultar o relógio viu que
já eram quase horas de jantar, o que indicava que não se podia queixar, pois
pudera desfrutar de uma tarde na companhia do rapaz.
“Estava
mau tempo e tiveram que cancelar os voos”, disse Guida, ainda a digerir aquela
informação. Folgava, no entanto, em verificar que estavam os dois vestidos,
caso contrário tudo aquilo seria ainda mais perturbante. Era certo que Susana,
há muito tempo atrás, tinha feito umas previsões descabidas quando Afonso e
Leonor ainda andavam a assoar-se às mangas das camisolas, mas ter de lhe dar
razão era surreal. Podia jurar que o rapaz era mais apreciador de meninos,
contudo. De qualquer maneira, podia ser pior, Leonor podia ter escolhido pior
partido, aquele sempre era bem comportado e atinado.
“Bem,
eu tenho que ir andando, ainda queria estudar um pouco”, disse Afonso,
envergonhado. Por muito que quisesse continuar alapado à rapariga, Guida
deixava-o intimidado ao ponto de ele só querer esconder-se. Talvez fosse a
parecença com Tomás, talvez fosse o seu medo de que ela o estivesse a julgar
por andar com a filha dela, mas sentia-se assustadiço ao pé dela. E se ela não
o achasse bom o suficiente para namorar com Leonor? A mera possibilidade
fazia-lhe o estômago fazer piruetas. Era mesmo a melhor opção escapar enquanto
podia dali. O facto de não puder continuar a afagar o cabelo de Leonor também
alicerçou a sua decisão.
“Eu
levo-te à porta”, ofereceu a rapariga, dando-lhe a mão. Fazendo o que conseguiu
para não tropeçar em nada, Afonso seguiu-a, ainda a sentir o olhar de Guida na
sua nuca, o que não o estava a deixar mais reconfortado. Antes de o deixar
ir-se embora, Leonor, disse, “Obrigada, a sério, gostei muito”
“Eu
adorei”, respondeu o rapaz, puxando-a para um abraço. Definitivamente que podia
dizer que tivera muita sorte.