terça-feira, 27 de setembro de 2011

Capítulo 63

O grande dia chegou. Não só estava Daniela oficialmente livre da faculdade, como Susana conseguira uma pausa bem merecida no seu trabalho. Ficara acordado que a rapariga iria apanhar a loura a sua casa, de onde seguiriam para o aeroporto. Assim o fizeram, com o pormenor de que a mãe de Daniela as acompanharia até ao aeroporto, para depois poder levar o carro. Isso e a mãe da rapariga já se sentia definhar, ainda a filha não tinha embarcado. Nem mesmo com a presença da outra a senhora se coibiu de fazer mil e uma recomendações embaraçosas, desde referências à muda de roupa interior, como usar protector solar. A morena enterrou a cabeça no volante e amaldiçoou a sua sorte, em resposta. O riso da loura não cessou o tempo todo, “Acredite que a vou fazer mudar de roupa interior muuuuita vez”
O que impediu Daniela de chutar Susana borda fora foi o facto de que a iria castigar até a fazer implorar logo à noite. Por enquanto, beliscar-lhe a perna discretamente teria que bastar. Ao chegarem ao aeroporto, a mãe não parava de revirar os olhos cada vez que a loura mostrava o seu entusiasmo por andar, pela primeira vez, de avião, “Quantos anos é que ela tem outra vez, Daniela?”
“Fez vinte e cinco no mês passado”, esclareceu a rapariga, ao ouvido da mãe, “E tu pára com isso, coitadinha”
“Já tinha idade para ter juízo, olha para aquilo!”, resmungou a senhora, ao ver a outra sorrir de orelha a orelha ao ver os aviões aterrarem e descolarem através da janela.
“Ela nunca saiu do país, é normal que esteja entusiasmada”, defendeu a morena, cuja euforia da loura nunca deixava de enternecer, “É tão adorável, não é?”
“Brr…”, teimou a mãe, que sempre considerara Susana tão enternecedora quanto um ninho de anacondas.
Enquanto Daniela foi conferir a hora do embarque a um ecrã um tanto mais afastado, a senhora ficou, juntamente com a loura sentada nuns bancos metálicos nas imediações. Por um lado, a mãe abancou mantendo uma distância de segurança considerável, como se a proximidade lhe fosse trazer bactérias. Por outro, Susana aproximou-se de propósito, deixando um espaço de cinco centímetros entre ambas, espaço esse que a senhora voltou a aumentar. Quando deu por si, estava em vias de cair do banco, com a outra colada a si.
“Devia começar a ir mais com a minha cara, sogrinha”, disse a loura, quebrando o silêncio constrangedor entre ambas, “Acredite que quero ficar por cá durante muito tempo”
“Sogrinha…brr”, arrepiou-se a mãe, que fez uma promessa mental de ir até Fátima ao pé-coxinho se isso impedisse tal coisa de acontecer, “Ela que faça o que quiser, já não sei que argumentos usar para meter juízo naquela cabeça”
“Vai ver que ainda passa a gostar de mim, dê-me tempo, se é que três anos ainda não chegaram”, replicou Susana, certa de si, “Vim para ficar”
“Para mal dos meus pecados…” resmungou a senhora, enquanto procurava algo na mala.
“Não faça essa cara, quando sorri fica tão bonita”, tentou a loura, apesar de só ter agravado a expressão mortal na cara da senhora, “Vê, tem as mesmas sardinhas que a Dani tem”
“Foi você que abriu o pacote?”, questionou a mãe, ao constatar que das bolachas já só sobravam migalhas e pequenos pedaços.
“Abri sim…”, respondeu a outra, embora tivesse acrescentado num tom que julgava ser inaudível, “O pacote e a sua filha…”
Porém, aquela última parte não passara despercebida ao ouvido apurado da senhora, que se engasgou, a ponto de ficar tão vermelha quanto um anúncio em néon. Tossiu tanto que julgou que fosse ter uma apoplexia, “Você…”
“Calma…não fique assim que eu só desentupo o cano à sua filha”, continuou Susana, que às tantas já se divertia com as provocações que fazia, enquanto dava palmadinhas nas costas da outra.
Entretanto, Daniela chegou, a tempo de ver a mãe recomposta, tanto quanto possível. A visão com que se deparou não deixava de ser cómica: a sua progenitora despenteada e tão vermelha que tinha os olhos injectados de sangue e a loura com um sorriso matreiro, “Passa-se alguma coisa?”
“Não, não!”, disseram as outras, em uníssono.
A conversa teve que ser interrompida, para alívio da mãe, visto que uma voz no comunicador anunciou a partida do avião com destino a Honolulu. A senhora saltou meio metro no ar, perante a ideia de ver a sua menina separar-se de si e não se coibiu de se agarrar a ela, implorando-lhe que tivesse cuidado.
“Não se preocupe que eu tomo conta dela”, assegurou Susana, piscando o olho à senhora.
“Pois…é disso que tenho medo”, rosnou a mãe, arrepiando-se pela enésima vez naquele dia.
“Pára com isso”, repreendeu a rapariga, olhando para a mãe com uma expressão séria, “Não te preocupes, eu ligo diariamente”
“Espero bem, Danizinha”, grasnou a senhora, apertando o braço à filha com a força de vinte tenazes. Felizmente para esta, tiveram que se separar, pois ainda tinham que fazer o check in. Abraçando a mãe, a morena assegurou que eram só duas semanas, passavam depressa. Quando se afastou, Susana abraçou a senhora. Mesmo que esta tivesse estremecido dos pés à cabeça, foi, lentamente, acalmando, chegando até a afagar as costas da loura, muito a medo.
-----------------------------------------------------------oOo-------------------------------------------------------------
“Susana, deixa a assistente em paz e põe o cinto”, ordenou Daniela, revirando os olhos cada vez que a outra apreciava as pernas da hospedeira que dava instruções sobre o que fazer em caso de emergência.
“Não estava a olhar!”, queixou-se Susana, antes de colocar o cinto e voltar a sua atenção para a morena, “Sabes que só tenho olhos para ti, amor!”
“Pois, pois”, zombou a morena. De súbito, o avião mudou de direcção na pista, posicionando-se de modo a descolar, muito para inquietação da loura, que começou a cravar as unhas nas costas da mão da rapariga, que permaneceu impassível, “Calma, vai ser giro, vais ver”
“Oh…e se cai ou explode?”, enervou-se a outra, simultaneamente roendo as unhas de uma mão e espetando as da outra nas costas da mãe de Daniela, que nem pestanejou. O aparelho começou a ganhar velocidade, fazendo-se sentir uma pressão na barriga, que se agravou quando este descolou, “Aiiii!”
“Acalma-te!”, sossegou-a a rapariga, ignorando a pressão que sentia nas têmporas, “Olha, já estabilizou, vês?”
“Olha…parece que está parado”, admirou-se Susana, ao espreitar pela janela do avião.
“Sim…”, concordou Daniela, embora se tivesse apressado a acrescentar, mal viu a expressão de alarme da loura, “Isso acontece porque não tens pontos de referência para além das nuvens, não te preocupes”
A outra passou a meia hora seguinte a olhar para o exterior através da pequena janela, como uma criança que ia pela primeira vez ao zoo, no entanto, acabou por se fartar, quando deixou de ser possível observar o que quer que fosse para além de uma espessa camada de nuvens. Entretanto a rapariga colocou um par de fones, pondo-se confortável, encostada ao ombro da outra. Susana optou por retirar um fone à morena, colocando-o em si, antes de deitar a cabeça em cima da de Daniela, escutando também um pouco de música.
“Drum & Bass? Estamos a evoluir nós”, admirou-se a outra, que esperava ouvir rock.
“Presta atenção à letra”, pediu a morena.
He, blinds the sun
And he, breaks the dawn
And she, she's the one
To him, she is drawn
He, rides the wind
And he, steals the breeze
For him, she's living
And she, calms his sea
Water and fire, love and desire
Water and fire, and she takes him higher


 
“Adoro a voz da gaja”, comentou a loura, “E a letra é gira…tanto quanto percebi, onde é que queres chegar?”
“É sobre um casal, ele tem um temperamento volátil, de cabeça quente”, explicou Daniela, “Ela é o contrário, mais calma e consegue acalmá-lo…no fundo é como opostos se completam”
“Hm…tipo nós?”, interrogou Susana, “Eu o gajo, de cabeça quente, tu a gaja que tem um autocontrolo do caraças?”
“Sim…pode dizer-se que sim”, concordou a rapariga, rindo-se, antes se voltar para beijar a loura, ternamente.
A outra colocou o braço em torno da morena, aconchegando-a, antes de adormecer, também, junto a esta. Foram despertadas pelo anúncio no comunicador de que iriam aterrar em breve no seu destino.

1 comentário:

  1. Ahah, coitadinha da mãe da Daniela. Eu imagino as imagens de "pesadelos" que lhe passaram pela cabeça.
    Duas semanas sem ninguém, num sítio completamente novo? Eu quero ver isto, ai quero quero. :D
    Gostei imenso, a sério. Só de imaginar a cara da "sogrinha", ahah.
    Uma viajante dos blogues :) *

    ResponderEliminar