domingo, 11 de setembro de 2011

Capítulo 58

“Tu e a Susana o quê?!”, gritou Marta. Tinha ido ter com Daniela a uma esplanada nas imediações e a amiga parecera-lhe tão calma, assustadoramente calma que tinha que haver sucedido alguma coisa. E a amiga não podia estar a ouvir bem, a rapariga e a loura eram uma visão tão adorável que a ideia de estarem cada uma para seu lado era difícil de aceitar.
“Eu e a Susana não temos nada a ver uma com a outra”, repetiu Daniela, retirando alguma da espuma que sobrara na chávena do café com a colher, “Ainda tenho é uma camisola dela que faço tenções de queimar”
“Mas…mas…”, tartamudeou Marta, que ainda não se refizera do choque, “Vocês eram tão…perfeitas que até enjoava”
“Éramos, dizes bem”, replicou a morena, deliciando-se com a espuma. Sem dúvida que café era a bebida de Deus e ela, na sua condição de comum mortal estava a ter o privilégio de a beber.
“Porquê?! Podiam ter resolvido as coisas…”, tentou a amiga, sentindo-se, em parte, culpada pelo sucedido.
“E arriscar-me a ter uns cornos daqui até ao Algarve?”, replicou a rapariga, franzindo o sobrolho num trejeito de “Elementar, meu caro Watson”. Achou preferível deixar de fora a parte em que a loura lhe torcera o braço, até às marcas dissiparem iria ter que aguentar com calor e cingir-se a camisolas de manga comprida. E, já que estava a ocultar coisas, o facto de não ter resistido e ter dormido com o peluche que Susana lhe dera também iria permanecer segredo.
“Foi só desta vez!”, insistiu Marta, a quem a atitude de indiferença gélida de Daniela estava a começar a enervar. Mas aquela criatura não dava importância a um namoro de dois anos? “Se visses como é que ela ficou quando acordou…”
“O que me chateia é que não posso pôr a culpa toda na Guida, a Susana ao pé de uma gaja é como um tubarão ao pé de sangue, tem logo que ir morder”, zombou a rapariga, enquanto se divertia a fazer anéis de fumo com o cigarro que acabara de acender, “Olha este, tão perfeito que ficou”
“A Guida e eu temos uma mente muito aberta”, regozijou-se Marta, “ E tu pára com isso”
“Se fosse só a mente…”, gozou a morena, revirando os olhos. O comentário valera-lhe um soco no braço por parte da outra, precisamente no que estava magoado. Foi necessária toda a sua concentração para se manter inexpressiva e não levantar suspeitas, “Au…”
“Porcalhona…”, rosnou a amiga, antes de ficar séria de novo, “Agora a sério, como é que tu estás e o que é que vais fazer daqui para a frente?”
“Tu madre”, replicou Daniela, rindo-se a bandeiras despregadas, antes de ostentar um olhar maroto, “A Sofia está de volta por estes lados, lembras-te dela?”
“Aquela que te andou a comer há séculos atrás?”, disse Marta, torcendo o nariz. Nunca fora com a cara de Sofia, mas admitia que esta até era razoavelmente bem-parecida, “Pff, passar da Susana para ela, oh por favor…”
“Se formos por aí digo-te que a Sofia tem melhor rabo que a Susana”, retorquiu a morena, revirando os olhos. No fundo, tinha que admitir que a amiga tinha razão, qualquer pessoa lhe parecia insatisfatória quando comparados com a loura e a ideia de arranjar outra tão depressa não lhe agradava minimamente, mas sabia que o que quer que dissesse a Marta ia passar por Guida, até chegar a Susana. E a última coisa que queria era que queria era que esta pensasse que ia ficar a chorar a um canto por causa dela.
“E a Suse tem o resto todo muito melhor!”, insistiu a ruiva, já a chispar, “Vá lá, se eu e a Guida soubéssemos…”
“A Susana insistiu para fazeres de diplomata?”, resmungou a rapariga, “Até agradeço, assim ao menos fiquei a saber com o que é que estava a lidar”
“Ai Sousa, grr”, grunhiu Marta. Não havia nada a fazer, quando Daniela punha uma coisa na cabeça não havia quem lha tirasse, “Um dia vais perceber o que estás a deixar escapar”
“Sim…”, anuiu a rapariga, desinteressadamente. Sabia que a amiga tinha razão e que era provável que um dia voltasse atrás e pensasse no quão casmurra estava a ser, mas não queria saber. Dar parte fraca e ceder não era para si.
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“Foda-se Susana, deixa-me entrar, caralho!”, praguejou Guida, enquanto submetia o botão da campainha a tortura, “Preciso de falar contigo, minha puta!”
Não havia como evitar, a amiga tinha um poder vocal invejável e ficaria ali o dia inteiro a dizer obscenidades se fosse preciso. Abrindo a porta, por fim, Susana advertiu-a, mesmo sabendo que estava a fazer o mesmo, “Fala baixo, caralho, ouvi-te à primeira…estás a levar um selo nesse focinho não tarda!”
“Epa, finalmente”, resmungou Guida. Avançou até à loura e fechou a porta atrás de ambas, antes de disparar, “Tu e a Daniela acabaram, foi?! O que é que te deu, oh minha burra?!”
“Pára lá com os insultos e fala baixo, estás-me a fazer dores de cabeça”, pediu Susana, franzindo o sobrolho, “E sim acabámos, aliás, ela acabou comigo”
“Mas…a miúda passou-se?!”, guinchou Guida, alto o suficiente para fazer a loura tapar os ouvidos, “Até parece que ela também não se divertiu!”
“Parece que não”, replicou a outra, com o crescente mau humor a disparar. Não passara bem aqueles últimos dias, tivera imenso trabalho com a promoção do CD e não estava particularmente feliz com a amiga, dadas as circunstâncias, “Obrigada Guida”
“Calma aí que a culpa não foi só minha…”, apressou-se Guida a afirmar, “Eu não te obriguei a nada, tinhas a escolha de me mandar à merda e não me lamberes a rata, não era?”
“Epa, ok, mas podias ter ficado quieta…eu bebi demais e qualquer coisa ia, podias ter sido uma querida e não me teres tentado…”, tentou a loura, esforçando-se por tirar as culpas de cima de si. Toda a situação de Guida a confundia, afinal tanto quanto sabia esta nunca estivera interessada na sua pessoa. De repente lembrou-se de uma conversa que tiveram um pouco antes, sobre a possibilidade de Daniela não se importar caso ela desse umas voltas por fora. E tudo fazia sentido, a amiga já tinha aquela planeada havia algum tempo, “E qual foi a tua ideia?! Nunca me ligaste nenhuma e quando me vês feliz queres estragar-me isso, é?”
Guida deteve-se, por uns instantes, incerta do que haveria de responder. Teria que explicar toda a situação no seu ponto de vista à loura, mas agora fazê-lo com o tacto necessário era mais complicado, “Acredita que não te queria arranjar problemas, mas olha…opa, como é que hei de dizer isto…”
Susana achou melhor levá-la para a sala, onde poderiam falar mais à vontade. Uma vez instaladas no novo sofá, incomparavelmente mais confortável que o anterior, a amiga voltou a tentar, “Ok…sabes que nunca te vi como mais do que uma amiga…mas desde que te tornaste A Susana Marques, que ficaste mais…atraente, para mim”
“Só o que me faltava…”, resmungou a loura, revirando os olhos. Agora a amiga tinha uma paixoneta por ela? Só o que mais faltava, mesmo, “A Marta ficou na boa com isso?”
“Cala-te, convencida”, rosnou Guida, irritada pela atitude presunçosa de Susana, tratava-se de um vestígio da Susana que vigorava nos tempos em que passara no bar, “Só para que saibas, foste só fogo-de-vista e uma grande desilusão, quanto à Marta…bem, achámos que seria interessante, eu comia-te a ti e ela à Daniela, claro que não contávamos que aquela parva fosse…”
“Ou tu paras com isso…”, ameaçou Susana. Apesar de tudo, não tolerava que a amiga fosse falar assim da sua namorada…agora ex namorada. Interrompeu-se, sem saber como abordar o que a incomodava realmente, porém, acabou por tentar, “Mas ela não acabou comigo só por isso…”
“Pronto, a miúda acaba contigo por uma ninharia dessas e tu ainda a defendes”, zombou Guida, “Mas conta lá tu o resto”
Respirando fundo como que para ganhar coragem, a loura acabou por confessar, “Quando vocês foram embora, eu e ela discutimos…ela disse umas coisas que eu não gostei e tu sabes como é que fico quando me irrito…”
“Sim e…?”, encorajou Guida, consciente de que o que viria aí era grave, tanto mais que a outra estava a perder a cor. Apertou a mão de Susana na sua, dando-lhe forças para continuar.
“Não me contive…torci-lhe um braço…não sei se não lho parti”, terminou a loura, agora completamente pálida, “Oh meu Deus Guida…porque é que eu tenho sempre que reagir assim…”
“Calma Suse…”, disse a amiga, puxando-a para si. Aninhou Susana nos seus braços e afagou-lhe o cabelo. Não havia melhor para tranquilizar a loura e para si também era muito bom, esta tinha um cabelo tão macio, “Perdeste a cabeça e foste longe demais, pronto…ela também te provocou, nenhuma agiu bem e se ela não vê isso problema o dela”
“Eu já lhe bati antes, lembras-te daquela vez do Sumol?”, lamentou-se a loura, deixando cair um par de lágrimas. Quando estas lhe percorriam a face, Guida limpou-as, antes de apertar mais Susana e lhe beijar a testa.
“Não digo agora, mas tu consegues arranjar uma namorada nova sempre que quiseres”, tentou reconfortar a amiga, embalando ao de leve a outra.
“Não…não me vejo com outra”, sussurrou Susana.
“Dizias o mesmo da Mónica até que apareceu a Daniela, desta vez não vai ser diferente”, consolou Guida, fazendo com que a loura a olhasse nos olhos, “Eu ajudo-te a voltar para ela se for preciso, mas por favor não deprimas outra vez por causa de uma miúda”
“Obrigada…”, murmurou a outra. Pelo menos consolava-a o facto de não ter perdido a sua melhor amiga, nem havia ficado um ambiente de constrangimento entre ambas, tanto mais que não se coibiu de brincar um pouco, “Olha lá Guida, és apertada tu”
Aquele comentário aleatório fora tão inesperado que a amiga corou até à raiz dos cabelos, antes de atirar com uma almofada à cabeça de Susana.

1 comentário:

  1. Gostei imenso. Foi dos capítulos que mais gostei de ler até agora. Acho que fizeste um bom trabalho ao mostrar as várias "vertentes" das sensações de cada uma delas. É um capítulo importante. :)
    Parabéns!
    Uma viajante dos blogues :) *

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