quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Capítulo 49

O som da campainha antiga ecoou pela casa, acordando Daniela do seu leve sono. Ainda assim, nem chegou para fazer, sequer, Susana mexer um músculo. Vestiu apressadamente uma das sweaters da outra, cobrindo a nudez com que saíra da cama e foi ver de quem se tratava. Ao espreitar pela janela da sala, verificou que se tratavam dos seus “sogros”. Palavra essa que lhe custava tanto a dizer como a palavra “namorada”, no inicio da relação. Torceu o nariz mas ainda cumpriu com a sua obrigação. Acordou a loura, a muito custo e aprontou-se para ir cumprimentar os pais desta.
Deixou-se ficar no quarto, a escutar os cumprimentos calorosos trocados entre Susana e os pais. Não era necessário grande tacto para comprovar que a outra estava rejubilante de alegria. Com um grunhido, achou que seria melhor pôr de lado a sua desconfiança e dar primazia à cortesia. Verificou se estava apresentável, sim. Entrou na divisão onde os outros se encontravam, a sala e, com o seu melhor sorriso, falou a ambos com a maior das simpatias. Forçadas mas educadas, que era o principal.
O seu desagrado em relação aos “sogros” não era unilateral. Estes também retribuíram os cumprimentos de forma artificial, como se a sua mera presença fosse digna de ser exorcizada água benta. Nunca diferindo das expectativas, a loura manteve-se alienada das expressões de todos os que a rodeavam na sala. Apanhando fragmentos da conversa aqui e ali, o seu interesse foi despertado, mais que não fosse porque parecia alicerçar as suas suspeitas das intenções do casal.
Queixavam-se e lamentavam-se muito, isso era inegável. Desde a exorbitante renda da casa, à escola dos três irmãos, davam a entender que viviam quase na miséria. Mas curiosamente tinham pago a viagem até ali...A expressão de pena e preocupação que se desenhou na cara de Susana não deixava margem para dúvida, estava tocada pelas condições em que os pais viviam. Se já assim estava mais ficou ao ver uma foto dos irmãos. Num jardim num dia solarengo estavam duas crianças e um adolescente. Uma rapariga loura com os seus quatro anos e feições angelicais assentava às cavalitas de um rapaz com os seus dezasseis anos, também ele louro. Sorrindo de orelha a orelha, estava um outro rapaz com cerca de oito anos, olhando para os irmãos.
A felicidade dos três jovens transparecia através dos sorrisos idênticos que dirigiam à objectiva. A loura parecia enternecida como a rapariga nunca a vira. Talvez pelas parecenças que partilhava com cada um deles, ou por apenas aperfeiçoarem o quadro já perfeito de família na sua ideia. Olhando para a fotografia, Daniela notou que dos quatro irmãos, apenas Susana e o irmão mais velho tinham olhos azuis, mas as semelhanças acabavam no cabelo. Arrasando a outra na totalidade, a mãe abriu a carteira, onde tirou uma foto antiga da loura. Aqui esta devia ter cerca de seis anos e estava com a avó num parque. Apontava para quem lhe estivesse a fotografar, eufórica. Foi então que o pai perguntou pela idosa, esmorecendo um tanto os ânimos das pessoas na sala.
Susana relatou o sucedido com a avó, num tom abatido, enquanto Daniela a encorajava, afagando-lhe a mão. Os pais deram as suas condolências até que notaram que já era tempo de irem embora, visto que tinham assuntos a tratar. Assim que a loura tomou conhecimento de que estavam a dormir numa pensão barata, ofereceu-lhes a hipótese de dormirem lá em casa. Hipótese essa que aceitaram sem ponderar duas vezes.
Susana tinha algo preparado para aquele dia, como já vinha, desde há algum tempo, a falar a Daniela. Antes de saírem de casa, foram ambas tomar um banho, sob o pretexto da loura de terem que tomar juntas para poupar água. Quando ambas concluíram o duche, já havia passado uma hora. “Como o tempo passa quando nos estamos a divertir”, disse a outra, num tom alegre, como uma criança a quem dão um chocolate. Uma vez prontas, saíram, finalmente, de casa.
Uma rápida viagem no carro da morena e estavam junto a um estúdio de tatuagens que não ficava muito longe da antiga secundária desta. Só o som das agulhas foram quanto bastou para arrepiar os cabelos do pescoço da rapariga, que adorava tatuagens mas sempre fora muito medricas para superar a sua fobia a agulhas. Era isso e cobras, mas isso é uma outra história. Enquanto Susana explicava o que queria à empregada, Daniela ficou a observar a variedade possível. Não importava o que era ao certo, a loura iria ficar ainda mais sexy com uma, na opinião da rapariga.
Quando chegaram a um consenso e o esboço estava feito, deram início ao trabalho. A morena achou melhor virar a cara para não ver nada que a fosse assustar, no entanto, voltou a dizer a piadinha de “segurar a mãozinha”. A brincadeira valeu-lhe um gesto obsceno por parte da outra. Tendo em conta que era uma tatuagem muito simples, em dez minutos e os olhos de ambas, cerrados até doer, o resultado estava finalizado: Helena Marques 1923 – 2010. A dita homenagem que Susana gostara de fazer à avó desde que esta falecera. Fizera-a na parte anterior do antebraço, na sua própria letra.
No último momento, a rapariga decidiu, também, fazer uma. Pequena e simples como a da loura, embora a sua não tivesse nenhum significado em particular, era apenas um desenho que vira enquanto a outra estava a tratar da sua. Achando graça à situação, a outra repetiu a piadinha de há bocado, obtendo, também, o mesmo gesto por parte de Daniela. A sua já levara mais algum tempo, tempo esse preenchido com gritos mentais das obscenidades mais porcas, que ecoavam na mente da rapariga. Meia hora depois, o seu martírio terminou e já tinha um padrão tribal abstracto tatuado na anca.

6 comentários:

  1. ( Eu a babar-me por teres sido simpática *.* )
    Ahah, estou a brincar :)
    Gostei muito! Mas nem as fotos me convenceram ... Eles não são pais dela -.-
    Tatuagens ! ( Mais um ponto para que eu goste da história. )
    Entendo o que queres dizer. Falta-te encontrar aquela "magia".

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  2. Aproveita que não estou tão simpática todos os dias :c
    Calma, a vida da Susana é trágica mas não tanto!
    Tens alguma? *.*

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  3. Eu aproveito , aproveito :b
    Pronto, podem ser pais dela, mas ali há gato :x
    (Ainda) não. Mas vou ter em breve. Já sei o que vou fazer e onde vou fazer. Daqui a uns dias vou falar com uma rapariga a um centro de estética em que vai lá um profissional fazer as tatuagens e vou começar a tratar disso ! *-*
    Eu estou a gostar mesmo muito da conversa , mas começa a fazer-se horas de desligar isto. :/

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  4. Desculpa! Não vi que tinhas respondido!
    Tens assim tão pouca fé nos papis dela? Podem ser gente bem intencionada *.*
    Uii isso vai doer, é muito grande? Eu adorava fazer uma mas tenho um nadinha pavor a agulhas.

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  5. Eu fiquei à espera da resposta :c
    "Podem ser" , mas não são :c
    Não .. É só uma letra. Quero fazer algo pequeno para ver como vai ser.
    " Eu adorava fazer uma mas tenho um nadinha pavor a agulhas. " - Daniela. :b

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  6. My bad, I'm sorry :x
    Isso é bom, assim daqui por 50 anos a tua tatuagem não vai parecer um borrão horrivel.
    Proonto, fui apanhada

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