terça-feira, 4 de outubro de 2011

Capítulo 64

A claridade advinda da janela acordou Daniela, embora não a tivesse incomodado, como seria de esperar. Fora, até, um despertar bastante aprazível e suave, com uma ligeira brisa matinal e o som da respiração regular de Susana, a seu lado. Aquela pequena cabana onde estavam a ficar era um mimo, tendo em conta que era recente e tinha todos os acabamentos em madeira trabalhados até à perfeição, decorada tradicionalmente conforme o hábito daquela região. Espreguiçando-se, reparou que o braço da loura estava sobre si e esta adormecera de barriga para baixo, com o outro braço debaixo da almofada. Estava tão pacífica, com um ligeiro sorriso…provavelmente estava a ter um sonho agradável. Deveria acordá-la?
Decidiu-se. Passou um dedo pelas costas da outra, pela coluna, raspando apenas a ponta da unha. Continuou até ouvir um queixume, “Hm…”, de resposta. Dando uma risadinha, prosseguiu, mordendo ao de leve no ombro de Susana, “Hm!”. Ao fazer mais força na dentada seguinte, a loura, rápida como um relâmpago, virou-se e, quando deu por si, estava debaixo dela, com os braços presos, “Bom dia para ti também”
“Bom dia!”, cumprimentou a morena, sorrindo de orelha a orelha, perante o ar ensonado e rabugento da outra, “Alguém acordou com os pés de fora?”
“Só mais um bocadinho, não te peço mais nada”, implorou Susana, passando de rabugenta a ensonada.
“Não tinhas dito que a primeira coisa que irias fazer mal acordasses era ir à praia?”, perguntou Daniela, ainda por baixo da loura.
“Isso mesmo!”, disse a outra, num novo tom que transbordava entusiasmo, totalmente esquecida de que fora acordada muito contra sua vontade, “Ainda bem que me lembraste!”
E, juntando o gesto à palavra, levantou-se, mas não sem dar um beijo de bons dias à rapariga, que se limitou a dizer, enquanto abanava a cabeça, “Estás toda frita”. Rindo, a loura não perdeu tempo e começou a escavar dentro da mala, em busca de um bikini e de qualquer coisa mais para vestir. A morena imitou-a, quase em câmara lenta, muito para impaciência de Susana, que entretanto já inalara metade do pequeno-almoço, que consistia em frutos tropicais. Uma vez prontas, atravessaram a curta distância que separava a cabana da areia suave de cor clara da praia. O facto de a paisagem com que se deparavam mal assentavam pé fora da habitação parecer saída de um postal era a cereja no topo de bolo.
Reformulando, um postal não faria justiça àquela praia. Desde o mar cristalino, à areia quase branca, completada com palmeiras frondosas, era mesmo o ideal de uma praia paradisíaca. Sempre com o entusiasmo bem lá em cima, Susana puxou Daniela pela mão, ao avistar um local propício para pousarem as coisas. Assim que colocaram as toalhas no areal e se deitaram, a pele clara da rapariga começou a dar sinal de vida, tornando-se rosada, embora esta nem se tivesse mexido, demasiado satisfeita ao sentir o sol banhar-lhe a pele. Provavelmente iria escamar à cobra caso a loura não tivesse reparado. Olhou para a morena, que continuava no seu estado letárgico e sorriu, de modo travesso. Sem aviso prévio, deu uma palmada na pele avermelhada das costas de Daniela, cujos olhos até se reviraram, “Aiii caralho, foda-se!!”
A outra desmanchou-se a rir de tal maneira que batia com a mão na areia, enquanto a morena se contorcia, praguejando como se não houvesse amanhã. A brincadeira, por muito engraçada que tivesse parecido à loura, irritou profundamente a rapariga que sentiu vontade de a esbofetear. Porém, a última coisa que queria era arranjar problemas no primeiro dia de férias, sobretudo tendo em conta que era graças à outra que estava ali. Engolindo a raiva, optou por dizer só, “A sério, não faças isso”
“Estava a brincar contigo, não era para te enervar”, desculpou-se Susana, cujo sorriso fora murchando lentamente, até dar lugar a um beicinho desolado, “Queres que ponha creme?”
“Pode ser, se faz favor”, concordou Daniela, embora tivesse, rapidamente, acrescentado quando a outra lhe ia a tocar, “Vê lá o que fazes!”
“Prometo que não faço mais”, garantiu a loura. Sorrindo, despejou uma quantidade generosa de protector solar sobre as costas da morena e estalou os dedos antes de começar. Espalhando o creme, foi exercendo uma pressão agradável sobre as costas desta. Partiu dos ombros, acariciando-os e massajando-os, “Hm, Susana…”. Desceu, não deixando um milímetro de pele que fosse a descoberto, aplicando sempre a quantidade de força certa, “Susana…”
“Sim?”, respondeu Susana, quando terminou.
“As tuas mãos são mágicas”, disse a rapariga, deliciada, ainda com o olhar perdido no horizonte. Podia não filosofar com a loura, mas o certo é que esta sabia fazer de tudo com as mãos, cozinhava, desenhava, tocava, enrolava ganzas e fazia massagens, em todos os lugares…todos.
“Todas tuas”, replicou a outra, orgulhosa de si própria. Acabou de colocar creme em toda a extensão de pele de Daniela e deixou que esta retribuísse o favor, que lhe afagasse a pele com a desculpa que era para prevenir escaldões. Quando esta terminou, aproveitou um instante de distracção por parte de Susana, para lhe morder o ombro, na brincadeira, “Aaai! Vais apanhar!”
A rapariga não perdeu tempo a levantar-se, empurrando a outra de mo do a ganhar um avanço e correu pelo areal, mas de nada lhe serviu, a loura já ganhava terreno, até que a placou, atirando-as às duas para a areia. Seguiram-se uns minutos de luta, tendo a morena conseguido, com um golpe baixo, ficar por cima de Susana, mesmo que para isso tivesse ficado exausta, “…já foste…ai”
“Ainda não”, replicou a outra, conseguindo levantar-se, juntamente com a morena, que ficou empoleirada nos seus ombros. Apesar da exibição de força, o esforço que a loura fez foi evidente, “Porra…estás gorda tu”
“Gorda nada!”, ultrajou-se a rapariga, contorcendo-se para sair de cima de Susana, mas sem sucesso. Esta correu até à água, onde mergulhou, ainda com Daniela tipos saca de batatas nas costas. Quando ambas voltaram à tona, a morena retirou o cabelo da cara, cuspindo a água que engolira, antes de se voltar para a outra, subitamente preocupada, “Estou mesmo mais gorda?”
Foi então que Susana se desmanchou a rir, pela segunda vez naquele dia, muito para desespero de Daniela, desolada, “Vá lá, não gozes!”
“Não, estás bem assim”, assegurou a loura quando o riso cessou, antes de beijar a rapariga, que entretanto apaziguou a sua tormenta. Ficaram um bom bocado na água, já de si tão quente quanto a temperatura lá fora, brincando um pouco. O à-vontade da outra nas proximidades de mar e o prazer que sentia dentro dele eram demasiado contagiantes, assim sendo, a morena não teve a menor dificuldade em deixar-se envolver também na brincadeira bem-disposta.
Quando já estavam ambas a ficar cansadas, resolveram sair da água. Muito para admiração de Susana, quando estavam a passar pela areia molhada, Daniela agarrou-a, num abraço. Receando que a rapariga a atirasse para a areia para fazer “croquete”, a loura colocou, também, o braço pelos ombros desta, de modo a impedir um súbito ataque. Porém, chegaram às toalhas sem que houvesse percalços, o que ainda surpreendeu mais a loura, pois sabia que a rapariga não era muito dada a demonstrações afectivas.
“Ok, o que é que vais fazer?”, inquiriu Susana, erguendo uma sobrancelha, “Se é que já não fizeste, claro”
“Hm?”, questionou Daniela, enquanto se deitava de barriga para baixo na toalha, “Como assim?”
“Para que é que foi o abraço?”, insistiu a loura, “Puseste-me alguma coisa nas costas e eu não dei por isso?”
“Desconfiada!”, admirou-se a morena, não evitando rir, o que nada contribuiu para a sua credibilidade, “Não pus nada, mas não consigo evitar rir e assim não vais acreditar!”
“E não acredito mesmo”, continuou a outra, inspeccionando as costas, “Não foi um caranguejo pois não?”
“Só por desconfiares devia meter-te uma alforreca dentro das cuecas”, resmungou a rapariga, que pôs os óculos, na tentativa de parecer mais credível. Era preferível brincar um bocadinho do que admitir a tamanha lamechice que era a verdade.
“Epa…depois o material fica inutilizável, é melhor estares quieta”, assustou-se a loura, “Mas que achei estranho, achei, há alguma coisa que não estás a contar?”
“Chata…”, suspirou Daniela. Mais valia dizer, afinal sempre era um miminho que dava à loura, “Ok, apanhaste-me…lembras-te do ursinho que me deste há colhões atrás?”
“Coisa mais linda, não é?”, regozijou-se Susana, que se apaixonara por aquele peluche felpudo mal o vira.
“E disseste que era algo para eu abraçar quando não estivesses lá…e acredita que o abracei muitas vezes quando sentia a tua falta aquele tempo todo…”, admitiu a rapariga, escondendo a cara, de tão envergonhada que estava, “Agora posso abraçar-te a ti e quero aproveitar”
A loura nada disse, preferindo, em vez disso, abraçar a morena. Ainda com a cara enterrada no cabelo desta disse, “Já que estamos numa de confissões, não estive com mais nenhuma entretanto”
“O quê?!”, espantou-se Daniela, sem conseguir acreditar, “Como é que não aproveitaste?”
“Não me ia sentir bem…”, admitiu a outra, largando a morena, para a poder encarar directamente. Esta, olhou, enternecida, antes de beijar a loura, ternamente, “Não só porque foi por causa disso que tivemos aquela discussão toda…mas se não te fosse fiel não me sentia bem”
“Por esta não esperava eu”, disse a rapariga, olhando para baixo, ainda a sorrir, “Mas fiz o mesmo”
“Então e a Sofia, ou lá como é que se chama?”, questionou Susana, embora nada fizesse para esconder a sua satisfação.
“Admito que pensei em fazer”, reconheceu Daniela, embaraçada, condição essa agravada pela expressão que dor que surgira na face da outra, ainda que por pouco tempo, “Mas não me iria sentir em paz se seguisse com isso para a frente…e parecia tão…desapropriada, quando comparada contigo…elevaste demasiado a fasquia”
“Oh…”, sussurrou a loura, não sabendo bem que mais dizer. Não esperara, definitivamente, uma declaração daquelas, tanto mais que sentiu um nó na garganta, “Agora tocaste-me…”
“Ficaste comovida, foi?”, gozou a rapariga, de modo a aligeirar o ambiente.
“Fiquei! Porquê?”, resmungou a loura, na brincadeira. Vingando-se, atirou a morena para fora da toalha, enchendo-a de areia, mesmo que para isso tivesse rolado também, “Amo-te”

2 comentários:

  1. Pieguice e confissões no seu melhor! Gostei gostei gostei :)
    Foi bom ver a Daniela mostrar carinho à Susana. (Não é que não o sentisse antes.)
    É para continuar assim!
    Uma viajante dos blogues :) *

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  2. estou a gostar sim. melhor do que o que tinhamos feito.
    Q

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