quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Capítulo 59

Um mês passou, dois também. Graças a Guida e Marta, tinha-se vindo a manter informada sobre a vida da rapariga, embora houvesse dias em que preferia ter ficado na ignorância, ela parecia estar a aguentar tão bem e já ter partido para outra, tão depressa que era como se tudo aquilo não tivesse significado nada. Mais do que a possibilidade da morena já ter uma nova candidata em mente, o que verdadeiramente incomodava a loura era a indiferença com que lidava com toda aquela situação. Ao menos podia mostrar que se importava, nem que fosse um bocadinho…
Quando Susana deu por isso, já se aproximava o aniversário de Daniela. O que lhe valia era ter um concerto marcado para esse dia, assim sempre evitava ficar o tempo inteiro a matutar. E Guida depois apuraria os pormenores, já sabia que não iria conseguir resistir. Após algum tempo de reflexão, presumiu que não faria mal dar os parabéns à rapariga. Por sua vontade, fá-lo-ia pessoalmente, caso não houvesse o risco de ser corrida à pedrada. Assim sendo, ficou-se por mandar mensagem:
Apesar de tudo o que aconteceu espero que tenhas um bom dia, tu mereces. Parabéns.
Sabia que não valia a pena esperar por resposta, mas ainda podia conservar alguma esperança, esta era a última a morrer. Quando o telemóvel não deu sinal de vida nas três horas seguintes achou melhor não aguardar muito mais, sabia que Daniela só não respondia porque não queria. Já tinha passado a fase da irritação, agora era só desespero…como se devesse esperar outra coisa.
Não valia a pena continuar a lamentar-se, se estivessem destinadas a acabar juntas, iria acontecer de uma maneira ou de outra. Até lá, tinha que se fazer à vida, afinal era verdade o que diziam sobre não haver um bem que contrabalançasse um mal, o seu CD fora um sucesso estrondoso e não parava de crescer. Facturara o suficiente para viver os próximos anos de modo muito confortável, tanto que não sabia em que havia de gastar. Em bom rigor, até sabia, mas não passava de uma fantasia que agora parecia inalcançável.
Despediu-se dos pais calorosamente, como sempre o fazia, mais que não fosse porque, por muitas vezes que o fizesse tinha sempre tanto afecto para lhes dar. E tão pouca gente para quem canalizar esse afecto, não tendo nem a namorada nem a avó. Os últimos meses atingiram-na bastante, acordar numa cama vazia era um balde de água fria e ter que cortar a música que escrevera para a rapariga de todas as suas actuações era como que um soco no estômago. Porém, naquele dia iria terminar o concerto com essa mesma, mesmo que a morena não estivesse lá para assistir, era propício à data. Parte de si queria acreditar que Daniela lá estava, mas sabia que era improvável, se não mesmo impossível.
“Vá Marques, tens estado muito bem ultimamente”, encorajou o produtor, dando-lhe um toque nas costas, “O público adora-te, não os desiludas”
“Vou lá e faço o meu melhor”, assegurou Susana, sem levantar os olhos da viola, enquanto lhe mudava umas cordas. Aquela era a que Daniela lhe tinha oferecido.
Com a confiança bem no seu apogeu, entrou em palco, sorridente e ansiosa. O contacto e a interacção com o público eram o que mais gostava, saber que os podia fazer identificarem-se com o que tocava, entretê-los…nascera para aquilo. Saudou-os e deu início à actuação, segura de que tudo correria pelo melhor. E correu, até chegar ao tema final, o de Daniela. Todo o tempo que deixara correr sem tocar aquela de nada serviu para a enferrujar, sabia todos os acordes como a palma da sua mão. Mesmo assim, o sentimento de nostalgia e saudade foram fortes o suficiente para lhe fazerem a voz fraquejar um pouco.
Interrompeu-se um pouco, como que para ganhar balanço e deambulou com o olhar pelo público. De Daniela nem sinais, mas o que é que esperava? Deambulou mais um pouco e deparou-se com duas caras suas conhecidas na primeira fila, Inês e João Marques, os pais. Sorrindo-lhes, ganhou um novo incentivo para seguir com a música. E o público estava ao rubro. Quando terminou, a ovação era estrondosa. Levou a mão à testa e sorriu ao público, antes de se despedir.
Uma vez cá fora reuniu-se com os pais, abraçando-os, “Gostaram?”
“Muito”, responderam ambos, desfazendo-se em mimos. Se o pai lhe afagava o cabelo e fazia festas nas costas, a mãe beijava-lhe repetidamente a bochecha.
A sugestão da loura de irem jantar fora foi acolhida pelos pais. Porém, Susana lembrou-se que tinha pouco dinheiro consigo e lembrou-os que iriam ter que passar por uma caixa multibanco primeiro.
“Não tem importância”, apressou-se a mãe a dizer, com um vestígio de nervosismo na voz, “Nós pagamos desta vez”
“Oh eu convidei, eu pago”, garantiu a loura, sorridente. Apesar dos protestos de ambos os pais, encaminhou-os para o multibanco mais próximo que encontrou. Inseriu o cartão e preencheu os dados, quase mecanicamente. No entanto, daquela vez foi transtornada por um pressentimento. Não soube explicar porquê, mas sentiu que devia conferir algo. Sabia ao certo a quantidade que tinha depositado, mas devia verificar para se sentir mais sossegada. Aguardou enquanto o número aparecia e quando este apareceu, empalideceu, “Que é isto…”
Tanto o pai como a mãe se tornaram cada vez mais irrequietos, “Então?”
“Faltam-me vinte mil euros…praticamente todo o dinheiro que fiz neste mês”, esclareceu Susana, fulminando o ecrã com tanta intensidade que poderia queimá-lo. Ninguém que não ela conhecia a combinação do cartão, nem tinha por hábito levantar dinheiro na companhia de alguém, embora já o tivesse feito. Os pais? Que ideia absurda. Guida? Essa já por si nadava em dinheiro, demasiado para se preocupar em conseguir mais. Daniela? Fazia sentido, para se vingar. Ia ter uma conversa com ela quer ela quisesse quer não. A loura nem queria acreditar no quão baixo a ex podia descer.
“De certeza que estás enganada”, assegurou a mãe, com a respiração irregular, “Amanhã pensas melhor no assunto”
“Eu sei o que tinha!”, insistiu Susana, sentindo a irritação a aumentar, “Agora falta!”
“Tu não sabes nada, esquece lá isso!”, grunhiu o pai, de olhos arregalados e ligeiramente suado. A mãe, que perdera os últimos vestígios de cor no rosto, apressou-se a dizer algo ao marido, que não passou de um mover de lábios frenético. Desta vez o gesto não passou despercebido à loura
“O que é que se passa?”, perguntou, de sobrolho franzido. Passava-se algo e ela certamente estava a ser mantida na ignorância. Poderia ser que…? Não, eram os seus pais, nunca fariam isso sem o seu consentimento, apesar de necessitarem do dinheiro, pois não? “Vocês…têm alguma coisa a ver com isto?”
“Já te disse que não, achas…”, rosnou o pai, ignorando o olhar assustado da mulher, “Agora agradecíamos que fosses pôr as culpas noutra pessoa”
E os sinais continuavam. Mais que nunca, Susana teve a garantia de que havia algo que não lhe estavam a contar. Mais valia certificar-se do que deixar que a tomassem por parva. Num movimento brusco, arrancou a mala à mãe, abrindo-a. Lá dentro encontrou um envelope espesso entreaberto. Pela pequena abertura pode ver um maço de notas, antes que o pai lhe arrancasse a mala da mão. Aquilo não podia estar a acontecer…
“O que é que te deu?!”, gritou a mãe, agora também ela encolerizada.
“Este tempo todo e o dinheiro desaparecido…eram vocês?”, perguntou a loura, que mal se conseguia aguentar de pé. Como é que era possível ter tanto azar…primeiro a namorada, depois descobria que os pais a andavam a enganar, que existência miserável a sua, “Foi por isto que voltaram?”
“Isto podia ter sido tão mais fácil…”, suspirou o pai. De súbito, empurrou Susana contra a parede. O som seco do embate e o grito da mãe foram as últimas coisas que a loura ouviu antes de perder os sentidos.
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“Se ela não me disser nada vou ficar cá com um melão…”, pensou Daniela, rangendo os dentes. Claro que não esperava que Susana engolisse o orgulho e lhe desse os parabéns, sobretudo depois da rapariga ter rejeitado todas as tentativas de comunicação da loura. Mal sentiu o telemóvel vibrar, pensou repetidamente, “Por favor que seja a Susana”
Mesmo aparecendo apenas o número desconhecido, a morena soube identificar o remetente da mensagem. Sentindo uma felicidade imensa, o seu primeiro instinto foi responder. Foi necessária toda a sua força de vontade para carregar no botão vermelho e voltar a colocar o aparelho no bolso, antes de dirigir de novo a sua atenção para os amigos com quem tinha ido sair. Deixou que passasse algum tempo, afinal estava a par de todas as actividades de Susana, concertos, sessões de fotografias e afins e sabia que a loura tinha uma actuação agendada para aquele dia.
No final da noite, quando calculou que a outra estivesse livre, cedeu à tentação, “Porra, sou humana, ok?”. Mesmo que tivesse lutado o dia todo contra o impulso, não aguentou:
“Obrigada”
Simples, seco, mas tendo em conta a sua teimosia e orgulho, já foi um grande passo.
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Gemendo de dor, Susana conseguiu recuperar a consciência. Onde é que estava? Lentamente, foi distinguindo os contornos da rua. Levou a mão à zona magoada e verificou que não havia cortes, só mesmo a dor da pancada. Não podia ser verdade tudo aquilo…Em pânico, levou a mão ao telemóvel, não se encontrava em condições de guiar e teria que chamar alguém. Quando olhou para o visor viu que tinha uma mensagem nova, que decidiu espreitar rapidamente. Ao ver o remetente, arranjou ainda forças para sorrir apesar de tudo.

1 comentário:

  1. Eu sabia ! Eu tinha razão ! Eu disse ! Aqueles pais dela são uns gatunos !
    Quanto a elas ... Eu quero ver isto daqui para a frente. Quero quero :)
    Uma viajante dos blogues :) *

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