terça-feira, 29 de novembro de 2011

Capítulo 77

Daniela profundamente adormecida, apenas com a cara de fora dos lençóis consistia na visão mais enternecedora, na opinião de Susana. E estava sorridente, provavelmente o sonho seria agradável, “É bom que esteja a sonhar comigo”, pensou a loura. Por muito adorável que a respiração leve da rapariga fosse, era altura de acordar, tendo em conta que já lhe andara a prometer aquele dia havia alguns anos, sim, anos, não se tratava de uma hipérbole. O único contratempo que se colocava era a possibilidade de a morena aproveitar a promessa para negociar a probabilidade, impossibilidade na perspectiva de Susana, de trazer a piton lá para casa, “São três metros de cobra nojenta, se ela quisesse antes…um filho, por exemplo, ainda se compreendia, mas nãaao”
Arrepiando-se com a ideia de um réptil rastejante a arrastar-se pela casa, a loura preferiu afastar esses pensamentos e acordar Daniela. Ganhando balanço, atirou-se para cima da rapariga, “Acorda coisa boa!”
“Ai! Que susto!”, gritou a morena, acordando sobressaltada com os sessenta quilos da outra em cima de si. Atirando-a de cima de si, deu-lhe com a almofada várias vezes, “É assim que me acordas, monte de merda?!”
“Adoro quando me dás tau tau”, brincou Susana, habituada ao mau humor matinal da rapariga, “Já está tudo no carro e é hoje e não espero nem mais um dia”
“Ai não!”, assustou-se Daniela, horrorizada, o seu role de desculpas estava a começar a esgotar, “Hoje não dá…é que…dói-me o…o…cabelo?”
“Pois…”, resmungou a loura, revirando os olhos, “O pequeno-almoço está na mesa e as coisas estão no carro, despacha-te”
Antes que a rapariga tivesse tempo de se pronunciar, a outra acrescentou, “O caralho da cobra não vem cá para casa”
Enquanto Susana se afastava, a morena amaldiçoou a sua sorte. Era Março, estava um frio insuportável e Daniela tinha medo de ondas, vistas as coisas, a última coisa que lhe apetecia era abandonar o conforto dos lençóis para acompanhar a loura numa das suas sessões de bodyboard. Reformulando, dita sessão envolvia ela, Daniela Sousa a friorenta, verdadeiramente vestir o fato e enfrentar o briol e as ondas. Lá porque a loura não tinha sido atirada à parte funda da piscina, indo ao fundo, quando tinha três anos, não queria dizer que a rapariga tivesse tido a mesma sorte. Se ao menos tivesse a piton, o seu animal de estimação de sonho que nunca pudera ter, para a consolar, mas não, a outra tinha uma opinião muito formada a esse respeito, “Um filho ainda te faço, anacondas nem penses”
E foi assim que a morena se viu a tiritar de frio agarrada ao volante do carro, ao lado de Susana, que só faltava dançar no banco. Ao chegarem à praia, a loura reparou no ar miserável de Daniela, “Olha mor…”
“Hm?”, murmurou a rapariga, franzindo o sobrolho ao ver o mar agitado, pelo menos estava um dia de sol e não tempestuoso, nem tudo podia ser mau.
“Não tens que fazer nada que não queiras”, respondeu a outra, com uma expressão um pouco cabisbaixa. Gostava tanto de bodyboard que tinha pena que a morena não partilhasse do mesmo gosto. Desde o início do namoro que lhe tinha pedido para só experimentar, mas sem sucesso.
“A sério?”, perguntou Daniela, ficando subitamente mais bem-disposta, tanto que os olhos brilhavam, “Não tenho mesmo?”
“Estava a brincar”, replicou Susana, sorrindo, subitamente, de orelha a orelha, apanhando bem a morena, “Tens sim”
“Ai”, exclamou a rapariga, deitando fumo. Pronto, o que ela não tinha que fazer só para fazer a vontade à outra…
Pegando na antiga prancha da loura e numa das mochilas, caminhou pelo areal, ligeiramente, mas muito ligeiramente, contagiada pela alegria da outra, que já tinha uma toalha estendida na areia e se começava a despir, rejubilante, “Vais ver que vai ser giro!”
O ligeiro bom humor da morena rapidamente se dissipou, ao ouvir as ondas baterem na areia, então era assim o seu fim…
“Despe-te!”, mandou-lhe Susana, que já estava dentro do fato, ansiosa por ir para a água.
Daniela retirou uma mão do bolso, avaliando a temperatura, apenas para se arrepender. Com vontade de chorar, saiu do aconchego do seu casaco, tirando a roupa a passo de lesma. Só de bikini, esticou um braço a tremer para a outra, que lhe entregou o fato. Pelo menos tivera a simpatia de usar ela o fato antigo, com vários rasgões por onde iria entrar água, e de lhe emprestar o novo. Uma vez lá dentro, quase com calor de tanto esforço que fizera, a morena pegou na prancha e começou a caminhar para a água, quanto mais depressa despachasse aquilo, mais depressa iria para o conforto do duche.
“Então os pés de pato?”, advertiu a loura, atirando-lhe com umas barbatanas curtas, “E aquecer? Isto não é assim!”
Rosnando, a rapariga imitou os exercícios de aquecimento que Susana fazia, só aquilo já a estava a cansar. Quando a loura achou que estavam prontas, anunciou, muito alegremente, que estava na altura de irem para o mar. Sentindo o nervosismo borbulhar-lhe no estômago, Daniela tentou não tropeçar enquanto se dirigia para o mar, “Eu não quero morrer aqui”
“Prometo que não te vais parar a far away”, garantiu a outra, pondo o braço à volta da cintura da morena, antes de lhe dar um beijo na testa.
Quando Susana as encaminhou para dentro de água, o nervosismo da rapariga aumentou. Ao tomar o primeiro contacto com o mar, Daniela, agarrou a mão da loura, que se limitou a sorrir e a dar-lhe algumas instruções. Quando já tinha água pela cintura e não sentia as mãos de tão frias que estavam, a morena içou o corpo para cima da prancha, imitando todo o procedimento da outra, que se encontrava no seu elemento natural e já estaria a apanhar as primeiras ondas, caso não tivesse que tomar conta da rapariga, “Estás-te a aguentar?”
“Estou”, respondeu Daniela, lutando para se manter ao lado de Susana, embora se cansasse mais depressa e fosse tão atabalhoada que olhar para uma e depois para outra, parecia burlesco. Passado algum tempo, que pareceu décadas à rapariga, esta acabou por suspirar, depois de recuperar a distância perdida quando uma onda a atirou para trás, “Desculpa Susana”
“Porquê?”, questionou a loura.
“Só te estou a empatar”, disse a morena, sentindo o peso da consciência sobre si. Se Susana não tivesse que verificar se ela ainda não se afogara constantemente, nem perdesse tanto tempo a dar-lhe indicações, o mais certo seria estar a desfrutar muito mais daquela manhã.
“Não mesmo”, replicou a outra, “Só queria que fizemos as duas algo que fosse importante para mim e isto com insistência ia lá, acho eu”
Daniela estremeceu só a ouvir a palavra insistência, no entanto, talvez fosse bom conseguirem fazer algo juntas, uma vez que eram tão diferentes. As tentativas de Susana de lhe ensinar a tocar guitarra revelaram-se infrutíferas, afinal não era que lhe saísse talento musical pelos ouvidos e, com o seu jeito, ainda conseguiu partir uma corda da guitarra da outra. As suas sessões de cinema clássico mudo também não foram do interesse da loura, que acabara por adormecer e por se babar no seu ombro. Desta forma, a rapariga ignorou o cansaço que sentia e aguentou ali, junto a Susana.
Quando a loura achou que chegava para uma primeira vez, disse à morena para aproveitar a onda particularmente grande que vinha na direcção delas. Enquanto a outra aproveitara a onda para dar uma volta 360, Daniela, limitou-se a deixar que esta a impulsionasse para o areal, gostando da sensação que adviera da velocidade que ganhara, “Wow…”
“Agora estavas a gostar”, regozijou-se Susana, sem caber em si de contente por ver a rapariga partilhar, ainda que pouca, a mesma emoção que ela sentia cada vez que estava no mar.
“Admito que agora foi engraçado”, respondeu a morena, apesar de não gostar de dar o braço a torcer. Ao ver o sorriso divertido da outra, acrescentou, “Mas foi só agora!”
“Claro, claro”, brincou a loura, pondo as mãos na cintura de Daniela, puxando-a para si, dando-lhe um beijo.

2 comentários:

  1. "Um filho ainda te faço, anacondas nem penses".
    Estava aqui a pensar como seria a Daniela ter uma anaconda. Ainda para mais, feita pela Susana. (Deveras interessante). E já te disse que deixasses as cobras em paz -.-
    Gostei do capítulo. Deu para ver o quão casmurra a Susana pode ser, face aos amuos da Daniela :p
    Uma viajante dos blogues :) *

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  2. Aaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh, e esqueci-me de te dizer que quero MAIS. E RÁPIDO :c

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