segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Capítulo 75

O Ano Novo não podia vir em melhor altura para todos, ainda que por diferentes motivos: por um lado, Pedro iria aproveitar a ocasião para apresentar, finalmente, Cláudia, afinal que ocasião mais propícia para o fazer, sob o pretexto de estarem todos reunidos? Por outro Rodrigo tinha algo planeado que apenas contara a Susana e esta não havia partilhado com ninguém, nem mesmo com Daniela, que também não insistira. Desejando que tudo corresse na perfeição, Rodrigo sugeriu que jantassem num restaurante simpático, razoavelmente pouco frequentado, e que depois passassem o resto da festividade numa marina das proximidades. O programa foi facilmente acolhido por todos, que nada mais desejavam que um serão tranquilo e sem grandes contratempos.
Foi assim que a rapariga se viu, juntamente com a loura, loura essa muito entusiasmada, guiando por entre as ruas estreitas da localidade, cuja arquitectura nada mudara ao longo do século, desde a típica calçada portuguesa às paredes caiadas de branco, até encontrar um espaço onde estacionar. Ao ver a outra assobiar ao ritmo de uma música que passava na rádio, a morena não se conseguiu conter, “Há alguma coisa que eu deva saber?”
“Não, quando chegar à altura vais saber”, replicou Susana, espreguiçando-se, antes de reparar que estavam num beco bastante discreto. Olhou para um lado e não viu ninguém, olhou para o outro e também não viu vivalma. Sorrindo de maneira travessa, “E se déssemos a última queca do ano já aqui no banco de trás?”
“Sim Susana, até porque já nem estamos vinte minutos atrasadas nem nada”, respondeu Daniela, aproveitando o momento de vulnerabilidade da loura para lhe fazer cócegas debaixo dos braços.
“Importa-se de estar quieta, Sra. Marques?”, brincou a outra, mal conseguindo respirar de tanto rir. Se todos os seus esforços para que a morena parasse foram em vão, então aquele era o seu último recurso.
“Sra. Marques?”, ultrajou-se a rapariga, pondo as mãos nas ancas, abismada, “Sra. Marques?!”
“Podias ter ficado com o meu apelido, era fofo”, respondeu Susana, com um sorriso de orelha a orelha, o que só serviu para indignar ainda mais a morena, que lhe agarrou o piercing da sobrancelha, “Au! Au, au, au, au, au! Eu calo-me!”
Largando a loura, Daniela abraçou-a, apenas porque podia. Quando já se encontravam fora do carro, a outra dobrou o braço, de modo a poder tomar o da morena no seu, sem nunca se aperceberem de um flash que as apanhou. Uma vez à entrada do restaurante, depararam-se com Tiago, Rodrigo, Guida, Marta, Pedro e uma mulher desconhecida que afagava a própria barriga, um tanto proeminente, gesto que não escapou a Susana, que franziu o sobrolho. Pedro, correu a abraçar a rapariga, com tanto entusiasmo que a conseguiu mesmo colocar por cima do ombro, “O prometido é devido, querida!”
Ao ver a calçada demasiado perto de si para o seu gosto, Daniela deu com os punhos nas costas do rapaz, que lá acabou por pôr no chão. Apesar do cabelo fora do lugar e da face ruborizada, a rapariga, compondo-se tanto quanto possível, aproximou-se de Cláudia, sorrindo, “Boa noite, muito prazer”
“Boa noite, deves ser a Daniela”, retribuiu ela, sorrindo. Parecia ser bastante afável, a julgar pelo seu sorriso dócil e voz terna, “O Pedro já me falou muito de ti”
“Imagino”, replicou a morena, ligeiramente constrangida, tal como ficava sempre que alguém era mais querido do que aquilo a que estava habituada, “É pena que tenha levado este tempo todo para nos apresentar”
“Oh ele tem estado tão ocupado”, disse Cláudia, afagando a barriga carinhosamente, “Entre o trabalho e os nossos dois meninos, o Pedrocas não tem muito tempo, coitado”
“Dois?!”, sussurrou Daniela, num sussurro quase inaudível. Pelo canto do olho viu a loura arregalar o olhar e pôr-se em sentido, tipo cão que fareja comida. Voltando a encarar a namorada de Pedro tentou mandar-lhe uma mensagem telepática, “Por favor não digas isso muito alto, por favor, por favor, por favor”
“O Pedro não te contou?”, exclamou Cláudia, visivelmente admirada por a rapariga ainda não estar a par da boa nova, “Vamos ter gémeos, um menino e uma menina”
Ao ouvir a palavra gémeos, Susana começou a salivar, que nem o Cão de Pavlov. Aproximando-se, foi a primeira a congratular a futura mãe, com os olhos vidrados e um sorriso embevecido, ligeiramente corada, “Oh parabéns!”
“Cláudia! Queria ser eu a contar!”, intrometeu-se Pedro, fazendo beicinho. Porém, quando a namorada lhe afagou a barba, antes de lhe dar um beijo rápido, conseguiu, desta forma, consolá-lo. O rapaz colocou-se por trás dela, abraçando-a. A felicidade de ambos transcendia com cada pequeno gesto.
O olhar mortificado da morena, perante todo o entusiasmo demonstrado pela outra passou despercebido ao grupo, que partilhava da mesma alegria, menos Guida que afagou o cabelo de Daniela, suspirando, “O que te vale é que a Susy não tem pila, senão andava a espetar agulhas nos preservativos, não é?”
“Não me fala de outra coisa…”, resmungou a rapariga, que em condições normais teria ficado incomodada com a proximidade de Guida.
“Eu compreendo…também não quero chavalada”, desabafou a outra, torcendo o nariz. Voltou a observar o resto do grupo, em torno de Cláudia, e estremeceu, “O trabalho que eu tenho para manter este corpo iria todo por água abaixo”
“Ela já largou as indirectas subtis, agora pergunta-me, sabendo que eu não quero, para quando é que estou a pensar meter Susaninhas no mundo!”, lamentou-se Daniela, fazendo beicinho, ao imaginar um miúdo louro a correr pela casa e a fazer barulho. Observou a outra pelo canto do olho e comentou, “E sim, eu no teu lugar também não ia querer estragar o corpo…”
“Chateia-te a ti, chateia-me a mim…”, queixou-se Guida, fazendo uma imitação satírica da voz de Susana, “Oh Guida, a Daniela não quer meter os meus bebés no mundo! Ela é má!”
“E se fôssemos entrando?”, propôs Rodrigo, em voz alta, fazendo o grupo voltar a lembrar-se de que ainda não tinham jantado.
Mais uma vez a sugestão foi bem acolhida, mais que não fosse porque a temperatura em finais de Dezembro não era a mais agradável e o restaurante rústico parecia um mimo. Já dentro do estabelecimento, Susana voltou a juntar-se à rapariga, repousando o braço sobre os ombros desta, que picou, “Alguém se esqueceu do desodorizante, não é, Susana?”
“S-Susana…Marques?”, gaguejou Cláudia, com os olhos muito abertos.
“A própria”, esclareceu a loura, antes de se voltar para a morena e perguntar, “Esqueci não! Não cheiro, pois não?”
“B-bem me parecia que não me era estranha…”, continuou a futura mãe, visivelmente envergonhada, olhando para o chão, “Oh Pedro, porque é que nunca me contaste?”
“Eu contei”, disse Pedro, enquanto puxava a cadeira para a namorada se sentar, “Lembras-te de te ter dito que a Daniela era casada com uma piolhosa com a mania que canta?”
“Não sejas assim”, replicou Cláudia, sentando-se, ainda constrangida.
Franzindo o sobrolho perante a amostra de cavalheirismo do rapaz, Susana achou que só lhe ficaria bem fazer o mesmo à rapariga. Assim, puxou-lhe a cadeira, sem avisar e calculando mal a distância, o que resultou numa queda particularmente dolorosa para a morena, “UPS…”
“Mas tu…qual é a tua ideia?!”, rosnou Daniela, temendo pelo estado do seu cóccix. O riso da multidão à mesa não melhorava a situação, sobretudo de Guida, que gritou, “És tão estúpida, Susy!”
“Desculpa…”, disse a loura, baixando o olhar, incomodada. Tão boas intenções depois era aquilo que acontecia. Esticando a mão, ajudou a rapariga a levantar-se, “Magoaste-te muito?”
“Não faz mal”, garantiu a morena, sorrindo, enquanto afagava o braço à outra, que permaneceu em silêncio o resto do jantar, embaraçada. Ao chegarem à sobremesa e nem ai nem ui vir da loura já começava a preocupar Daniela, “O que é que se passa?”
“Só faço asneira”, lamentou-se Susana, raspando o dedo na jarra com flores que enfeitava a mesa, tristonha.
“Ainda estás a pensar naquilo da cadeira?”, consolou a rapariga, dando mão à outra, afagando-lhe as costas da mão com o polegar. Ao reparar que a loura não parecia reagir ao que dizia, acrescentou, “Má altura do mês?”
“Sim…”, respondeu Susana, com voz de quem ia começar a chorar a qualquer momento. Naquelas alturas tendia a ficar extremamente sensível.
“Não acredito que tu querias mesmo pinar há bocado nesse estado!”, indignou-se a morena, torcendo o nariz, “A nossa regra de ouro é nada de sexo quando o Benfica joga em casa!”
“A tua regra”, replicou a loura, colocando ênfase no possessivo, “Eu não me importo nem quando és tu”
Daniela ia a responder, manifestando o seu horror perante a ideia de enfrentar a “maré vermelha”, como lhe chamava, quando a voz de Pedro as interrompeu, “Calem-se, fufas, o Rodrigo quer falar”
Fazendo silêncio, deram a palavra a Rodrigo, que apanhara parte da conversa e ganhara uma tonalidade esverdeada. Clareando a garganta, tentou retirar a mente de pensamentos que tivessem a ver com úteros em decomposição e virou-se para Tiago, “Queria aproveitar a ocasião para te dizer algo que já ando para dizer há algum tempo…”
“Sei que não tenho o melhor historial e que isso te deixa inseguro…”, continuou, “Mas acredita que seria incapaz de me ver com alguém que não contigo”
Perante o olhar estupefacto de Tiago, Rodrigo fez uma pausa, para deixar o rapaz digerir a informação. Ao lado, ouviu Susana murmurar, “Eu devia ter dito uma coisa assim…”
Respirando fundo, prosseguiu, sorrindo, com um brilho no olhar, “Tiago, aceitas casar comigo?”
Tiago quedou-se boquiaberto, gaguejando qualquer coisa antes de conseguir, finalmente, responder, “Sim!”. Como se fosse um boneco de mola, Rodrigo atirou-se ao namorado, seguindo-se uma troca de saliva que só não arrepiou os restantes porque estavam demasiado enternecidos com a situação. Virando-se para Guida, a loura, cujas alterações de humor acabaram por estabilizar, disse, “Só faltas tu!”
Rindo-se, Guida levantou o copo de champanhe, propondo, “E se fizéssemos um brinde?”
Toda a gente levantou os copos, brindando, primeiro aos futuros pais, depois aos noivos. A felicidade de ambos os casais era impossível de deixar quem quer que fosse indiferente. Uma vez fora do restaurante, junto ao cais, enquanto aguardavam pela meia-noite, Susana, puxou Daniela para o seu colo e, encostando a cara ao ouvido desta, murmurou, “Desculpa se te estou a pressionar com isto dos filhos…”
“Eu compreendo, sei o quanto os queres”, respondeu a rapariga, encostando a cara à da loura, roçando, “Não digo que não os possamos vir a ter um dia, é provável que sim, mas por enquanto é cedo”
A outra acenou em sinal de aprovação com a cabeça, antes de se inclinar para beijar a morena, puxando-a mais para si, antes de ser interrompida por Guida, que lhes abriu uma garrafa de champanhe em cima, “Feliz Ano Novo!!”

1 comentário:

  1. 1º - A Susana não perde uma oportunidade para "work out", como disseste à uns cap's atrás.
    2º - Ainda bem que a Daniela teve a capacidade de (por incrível que pareça) ser cuidadosa com as horas e dizer-lhe que não. Sim, porque aqueles flash's já andam a enervar -.-
    3º - A Susana por muito que tente, vai ter sempre momentos de "fail's". E por incrível que pareça é sempre nos piores momentos. Lá se vai o cóccix da Daniela...
    4º - A sério que elas têm aquela regra? xD ahah.
    5º - Eu sabia que tu ias casar os rapazes!
    6º - Foi bom ver a Susana a pôr de lado um pouco o seu desejo de ser mãe e entender a parte da Daniela. Não que desista, mas sim que compreenda e aceite o ponto de vista da mulher :)
    Gostei muitooo! E, como óbvio, quero é que mexas essas mãos e escrevas já tudo e postes tudo. (a)
    Uma viajante dos blogues :) *

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