terça-feira, 1 de novembro de 2011

Capítulo 70

“Hm…”, murmurou Daniela, agarrando-se ao braço de Susana, impedindo que esta saísse da cama. O despertador soara muito mais cedo do que ambas gostariam, tão cedo que, através das persianas de madeira antiga das janelas pouco mais passava do que os primeiros raios de sol da manhã. Na parte que lhe tocava, a rapariga não desejava nada mais do que aconchegar-se na outra e voltar a adormecer, tal como faziam todos os fins-de-semana, nos últimos dois meses. Porém, teria que aguardar por um dia mais propício., afinal a loura tinha onde estar cedo.
“Também não quero…”, suspirou Susana, beijando a cabeça da morena, que continuava enterrada no seu pescoço. Servindo-se de toda a sua força de vontade, lá se afastou de Daniela. Tinha uma entrevista para aquele dia, juntamente com uma sessão de fotos e não havia como escapar, muito para seu horror. Concertos divertiam-na, encontros com fãs enterneciam-na, mas fotos não a deixavam nada à vontade e entrevistas pressionavam-na demais a dizer a coisa certa. “Mas tem que ser…”
A algum custo, a rapariga acabou por soltar a loura, decidindo levantar-se, ela própria, também, o que surpreendeu a outra, pois sabia o quanto a morena gostava de aproveitar o máximo tempo possível entre os lençóis. Mas não se queixou, adorava que a rapariga lhe fizesse companhia. Se antes não se queixava, ainda menos o passou a fazer quando reparou que a morena as estava a encaminhar para a casa de banho, não perdendo tempo a empurrá-la contra a parede. Agarrando a coxa de Daniela com uma mão e abrindo a torneira do duche com a outra, Susana puxou-as a ambas para debaixo de água, satisfeita por não ter de se preocupar com as roupas, afinal já se tinham desfeito delas na noite anterior.
“Hm…Susy…”, gemeu a rapariga, cravando as unhas nas costas da loura, se não estivesse tão fortemente comprimida entre o corpo desta e a parede decerto que as pernas lhe cederiam e iria abaixo, “Ainda ontem à noite…”
“Ssh…”, replicou a outra, antes de a calar com um beijo. E quem lhe disse que no casamento o sexo perderia e muito o interesse devia calar-se também. Rindo para si, continuou, satisfeita cada vez que sentia ou as unhas da morena nas suas costas, ou os dentes desta no seu ombro.
Recuperando mais depressa do que se julgaria possível, Daniela não se deteve e inverteu posições, retribuindo o favor. A prática levava à perfeição e, como tal, se havia coisa de que não se podia queixar, era de lhe faltarem oportunidades para praticar. Cada vez que pensava no quão desastrada era a início e no que a loura tivera que aguentar…mas já não era o caso.
“Ah…fónix…”, gemeu Susana, de olhos cerrados. Pelo menos a rapariga sabia que tinha aperfeiçoado aquela arte, tanto mais que a outra lhe agarrara uma mão cheia de cabelos. Quando esta acalmara, puderam terminar o duche como se nada se tivesse passado, apesar do risinho ocasional de cada uma. Quando se estavam a vestir, Susana voltou-se para a morena, em tom de brincadeira, “Se acordamos assim todas as manhãs nem sei porque é que precisas de café”
“Deve ser porque mesmo assim não me tiras o sono”, picou Daniela, bocejando de forma exagerada, apenas para provocar a outra ainda mais. O certo foi que conseguiu, visto que a loura já a atirara para cima da cama. Já ia a redobrar os esforços da ronda anterior, se a rapariga não a empurrasse de cima de si, “Não vais ter tempo!!”
“Pronto…mas logo à noite não te livras”, cedeu Susana, com um beicinho, que foi imediatamente consolado pela rapariga, que a beijou num ápice, antes de se continuar a vestir. Quando já estavam ambas compostas e apresentáveis, a loura preparou o pequeno-almoço para ambas. Divertia-se a cozinhar e mais ainda a comer, mas não se importava de preparar as refeições para ambas, sobretudo se tivesse a morena agarrada à sua cintura enquanto o fazia. Enquanto esperava que as torradas de ambas estivessem prontas, encostou-se à mesa e puxou Daniela para si, beijando-a. Já esta colocara os braços em torno do seu pescoço, eliminando a distância entre ambas, quando a torradeira disparou as torradas. Relutantemente, largaram-se para ir tomar o pequeno-almoço.
“Hoje…hm…não sei a que horas…hm…chego”, disse a outra, por entre dentadas enormes na torrada. Empurrando com um copo de leite, engoliu tudo, deixando escapar um arroto nada discreto.
“Por amor de Deus, essas tuas maneiras…”, suspirou a morena, revirando os olhos, “Ficavas tão querida se os teus arrotos não se ouvissem no Bangladesh”
“Para a próxima é por baixo”, zombou Susana, com um sorriso matreiro, que só aumentou perante o ar enojado da rapariga, “Mas estava a dizer que hoje como tenho a merda daquela sessão de fotos não sei se chego a horas de jantar”
“Já sabes que às oito estou despachada, ainda posso esperar por ti”, propôs Daniela, “Ou dizes qualquer coisa e eu deixo-te o jantar pronto”
“Obrigada, mas acho que é mesmo melhor não esperares”, replicou a loura, que subitamente tivera uma ideia para uma surpresa agradável. Mas teria que atirar areia para os olhos da morena.
“Oh…”, limitou-se a exclamar esta, um tanto aborrecida, o que incentivou a outra ainda mais a seguir para a frente com o seu plano.
Acabaram de arrumar a loiça do pequeno-almoço, quando Susana olhou para o relógio, reparando que o tempo já escasseava, “Ai, tenho que ir, depois digo alguma coisa, até logo amor”
Teve ainda tempo para dar um beijo rápido à rapariga, antes que esta lhe desse um pontapé ao de leve nas nádegas, em jeito de gozo. Agarrando no capacete, saltou para a mota, agradecendo nunca ter gostado muito de carros. Assim, conseguia meter o motociclo por entre os outros veículos encalhados no engarrafamento, chegando ao seu destino a horas.
“Marques!”, bradou o produtor, “Seja bem aparecida, agora põe-te a mexer que a entrevistadora já cá está!”
Revirando os olhos, a loura apenas teve tempo para pousar as coisas antes de seguir para a sala propositadamente preparada para o efeito. Todas aquelas formalidades incomodavam-na, porque é que não podiam simplesmente sentar-se na esplanada lá fora? Até estava bom tempo. Ficar encafuada entre quatro paredes não constituía exactamente uma boa maneira de descontrair. Ainda por cima tudo o que dizia tinha que ser pensado duas vezes, já que ia parar à revista no próximo dia. Felizmente para si, tinha preparado o que ia dizer de antemão e que perguntas evitar.
Ao entrar na sala, deparou-se com a visão de uma mulher bastante atraente, de saia curta que não escondia as pernas longas traçadas numa postura elegante. Olhando para cima, viu um cabelo claro, atado num rabo-de-cavalo que lhe deixava a descoberto o pescoço. Rematava a imagem com um decote indiscreto e uns óculos que contribuíam para o ar provocante, “Porra…”. Engolindo em seco, Susana caminhou para junto da entrevistadora, mal mantendo os olhos longe do decote desta, “Bom dia…”
“Bom dia”, retribuiu ela, pondo-se de pé, dando uma perspectiva ainda melhor à loura do seu peito. Parecendo não reparar em nada, estendeu a mão para cumprimentar a outra, que a apertou, desconfortável, “Comecemos”
“Ai se eu pudesse…”, pensou Susana, já quase a salivar. Aquele era o único contratempo de estar casada, não se conseguia lembrar de mais nenhum. Passando os olhos pelas pernas da entrevistadora, a loura foi respondendo às perguntas, olhando para cima sempre que achava que estava a dar demasiada cana, tentando não imaginar como seria passar ali a mão. O que lhe valia era que as perguntas não eram nada que já não esperasse, tudo em relação ao seu trabalho.
Divergindo a atenção das pernas da mulher, Susana brincou um pouco com a aliança que tinha no dedo, não se apercebendo que o gesto não escapara à outra, que olhou como um gato para um canário, “Devo perguntar-lhe…o público está desejoso de saber, qual é o seu estado civil de momento?”
“Ahm?”, balbuciou a loura, corando. Não estava à espera daquela pergunta e tinha medo de que, caso fosse honesta, se seguisse uma série de questões desconfortáveis.
“Desde as fotos que surgiram no ano passado com outra mulher que nunca comentou nada e o público precisa de ser saciado”, insistiu a entrevistadora, esfregando as mãos, “Mas parece que tem uma aliança, o que tem a dizer sobre isso?”
Susana engoliu em seco e daquela vez já não era por causa do aspecto da outra. O que responder àquilo. Deu voltas e voltas à cabeça, consciente de que aquele silêncio constrangedor nada contribuía para escapar às suspeitas quando, coçando a cabeça, acabou por dizer, “Ahm…Pah…estou feliz e mais não digo”
A resposta pareceu silenciar a mulher, cuja disposição mudou drasticamente. Não tinha importância, pelo menos evitara uma crise. Tanto quanto lhe dizia respeito, podia confessar, mas o seu produtor decapitá-la-ia e Daniela não iria, certamente, sentir-se à vontade com a atenção indesejada que aquilo lhe iria trazer.
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Daniela não ficou por casa muito tempo depois da saída de Susana, afinal previa um trânsito imenso e um estacionamento a anos-luz do local para onde se dirigiria. Agora que terminara a faculdade, a sua vida revelara-se muito menos preenchida, já não carregava vários volumes de códigos consigo nem fazia noitadas a estudar. O estágio fora uma lufada de ar fresco e mais não pedia. Isso e a vida em conjunto com a loura provara correr melhor do que esperava a início, corria tão naturalmente que não havia nada que pudesse mudar para a melhorar.
O som de buzinas irritavam-na profundamente, mas quanto a isso não havia nada que pudesse fazer, para chegar ao escritório onde trabalhava ainda demorava, desde casa. Mas, naquele dia, a sorte estava do seu lado: um lugar para estacionar o carro apresentava-se mesmo diante da entrada, tão perfeito e adequado que iria jurar que se encontrava iluminado por uma luz divina e tinha um coro do anjos a fazer de banda sonora, “Oooooh”. Foi quase a chorar de comoção que estacionou, feliz por não ter de percorrer meia dúzia de quarteirões de saltos e saia.
Mal pôs o pé no interior do escritório, um advogado mais velho passou-lhe um molho de folhas para as mãos, ordenando-lhe que as enviasse para o tribunal o quanto antes. Pronto, algum hálito matinal era perfeitamente normal, porém, aquele ancião abusava nesse departamento, tanto mais que a rapariga murmurou, “Nossa, assim você me mata”
“Sempre um amor de pessoa, não é Daniela?”, gozaram dois colegas, tanto ele como ela estagiários. Estremecendo dos pés à cabeça, Daniela torceu o nariz, o hálito daquele homem não havia de ser só a sua morte, “Não me digam nada…e para vocês é Dra. Sousa”
E eram assim os seus dias, navegando na burocracia e tentando aprender o mais que conseguia. Se Deus quisesse, dali por vinte anos estaria ela a explorar os seus estagiários. Não era que o tempo passasse muito depressa, mas entre um almoço com os colegas e a maior quantidade de trabalho que conseguisse despachar, o tempo lá passava. E não havia nada melhor que a sensação de realização ao fim do dia.
3, 2, 1…Oito horas! Atirando com as coisas para dentro da mala, Daniela levantou-se, visivelmente aliviada. Em condições normais em casa teria Susana à sua espera com o jantar pronto e seguir-se-ia uma sessão de mimos no sofá. Mas como esta já lhe mandara uma mensagem a prevenir que não estaria em casa tão cedo, o serão não se adivinhava muito promissor. Um tanto cabisbaixa, despediu-se dos colegas, indo para o carro sem grande pressa. Estava, ainda a decidir se iria enroscar-se no cobertor ou numa almofada em vez da loura, quando se depara com esta encostada ao seu carro, sorrindo de orelha a orelha.
“Olha…que te traz por cá?”, questiona Daniela, de sobrolho erguido. Mas aquele ser não lhe dissera que ia ficar no estúdio o resto da noite?
“Quis fazer-te uma surpresa”, respondeu Susana, levantando a mão, onde tinha uma rosa.
“Oh!”, disse a rapariga, correndo a abraçar a loura, “Não era preciso…”
“Claro que era”, replicou a outra, pondo o braço por cima da morena, antes de lhe dar um beijo rápido, “Tudo para a minha mulher”
“És tão…epa nem sei”, resmungou Daniela, rindo.
“Hoje vamos jantar fora”, clarificou Susana, voltando a beijar a rapariga, desta vez mais demoradamente.
Tudo aconteceu sem que nenhuma desse conta da figura esbelta que tudo observou, sem caber em si de satisfação.

1 comentário:

  1. Ora bem ...
    Antes de comentar o capítulo em si, tenho que te dizer outra coisa que aprecio muito.
    Adoro o facto de me contares pequenos factos da história e, mesmo assim, quando venho ler o capítulo, conseguires surpreender-me na mesma :)
    Quanto ao capítulo ...
    Gostei, obviamente! :p
    Gostei do facto da Susana se ter contido e de ter dado uma resposta "à altura" para não pôr em questão a privacidade da Daniela.
    E quanto a este final .. Aquela jornalista é uma cusca ! E tenho dito -.-
    Uma viajante dos blogues :) *

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