segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Capítulo 74

Chegou o Natal e, com ele, o derradeiro teste à integração de Susana na família. Fiel à sua palavra, a mãe de Daniela fazia esforços visíveis para conter os comentários mais desagradáveis, bem como para tratar a loura tal como a trataria se esta tivesse genitais diferentes. Claro que havia pequenas grandes coisas que não aprovava mas que tinha que ignorar por não lhe dizerem respeito, como, por exemplo, aquele dia em que fora fazer uma visita à filha e fora recebida por uma Susana de olhos quase fechados que a levara para a sala onde se encontrava, em cima da mesa, um bongo e um saco de erva. Para cúmulo do seu horror, a loura rematara, com toda a seriedade, “É servida, sogrinha?”
Ainda com a memória desse incidente presente, Susana certificou-se que ia o mais composta possível para o jantar de Véspera de Natal em casa dos pais de Daniela. Mais do que substituir as suas calças largas e rasgadas por umas justas e impecáveis, levou, também, umas prendas, de modo a causar a melhor impressão que conseguisse. Penteada e perfumada, apareceu, com o braço sobre os ombros da rapariga, ambas sorridentes, à porta de casa da senhora. A mãe da morena parecia aprovar a indumentária da outra, pois não torceu o nariz.
“Boa tarde”, saudou Susana, feliz, enquanto dava dois beijinhos à senhora, “Está boa, sogrinha?”
“Sim e tu, norinha?”, respondeu a mãe de Daniela, à letra. Meses a aguentar o tratamento irritante da loura já a faziam ganhar algum calo.
Na parte que lhe tocava, Daniela não podia estar mais grata pelo esforço da parte de ambas para, mais do que se tolerarem mutuamente, se dessem até bastante bem. Já sabia que o seu pai desde sempre que gostara muito da loura, na sua simplicidade descomplicada. No entanto, apesar de tudo, nada a fizera prever que a mãe e a senhora viessem a ultrapassar as suas diferenças. E o resultado estava diante dos seus olhos, Susana e a sua mãe, a falarem alegremente sobre o que seria o jantar e a loura a oferecer-se para dar uma ajuda no que fosse necessário.
Deixando-as na cozinha, a morena dirigiu-se ao seu quarto, feliz por verificar que os seus pais o deixaram tal como se encontrava quando ainda lá vivia. Desde a sua televisão, passando por alguma da sua roupa, até chegar à decoração que se mantivera desde os seus tempos de criança, estava tudo igual. Segundo o seu pai, era para o caso de algum dia se chatear com a “mula”. Desconhecendo o termo, a rapariga perguntou porque é que lhe chamava “mula”, ao qual o seu progenitor respondeu, “Porque também a montas”. Só o seu pai para lhe ir contar uma dessas…
Rindo ao lembrar-se desse momento, a rapariga deambulou pelo quarto, absorta de tudo, até que o som de passos a fez assentar de novo os pés na Terra. Antes que tivesse tempo de se voltar, Susana colocou os braços em torno da sua cintura, desviando-lhe algum cabelo para que pudesse chegar-lhe ao pescoço. Entre beijos e dentadas, disse, “Estão entretidos lá em baixo…hm…”
Daniela virou-se para a loura, beijando-a à medida que esta a encostava à parede. Enquanto sentia as mãos da loura acariciarem-lhe cintura, removeu-lhe a camisola, antes de a fazer morder-lhe o pescoço. Mal se viu livre da sua camisola, sentiu a outra descer-lhe, mordendo cada centímetro de pele que encontrava. De olhos fechados, agarrou tufos de cabelo louro, enquanto Susana, de cócoras, fazia a sua arte, “Hm Susy…”
Puxando mais a cara da loura para si, a rapariga, que se esforçou por fazer o menor ruído possível, não conseguiu evitar soltar um gemido um pouco alto, o que fez com que a outra levantasse a cabeça, parando o que estava a fazer, replicando, “Nada de gemidos, nem Susana és uma deusa, nem nada”
Voltando a puxar Susana, a morena, que estando tão perto não ia permitir que a loura parasse, rosnou, “Não te disse para parares!”
A outra não precisou de muitos mais esforços, pouco depois já a rapariga se tinha que segurar à parede, evitando cair para cima da loura, afogueada. Susana, sorrindo, presunçosa, puxou Daniela para baixo, dizendo, “E retribuir?”
Em vez de se limitar a inverter posições com a outra, a morena levantou-se a empurrou a loura até à cama, fazendo-a deitar-se de costas. Estava já Susana a agarrar uma macheia de cabelo seu, quando a voz da sua mãe se fez ouvir, “Daniela! Vem falar à avó!”
“Nem penses em deixar-me pendurada”, replicou a loura, agarrando a rapariga com ambas as mãos, obrigando-a a acabar o que começara, o que também não levou muito tempo. Uns minutos mais tarde estavam já a vestir-se, indo para baixo, como se não se tivesse passado nada.
“A avó está na sala”, disse a senhora, embora tivesse observado tanto Daniela como Susana dos pés à cabeça e não tivesse gostado do que viu, “Dani, o que é isso aí?”
“O quê?”, questionou a rapariga, dirigindo-se ao espelho mais próximo, seguida pela loura. Assim que viu o seu reflexo, um chupão enorme, enfatizado pela sua pele clara, parecia olhar de volta para si. Se a morena tinha os cabelos num desalinho, a outra não estava diferente e a sua camisola vestida ao contrário não ajudava, “Desculpa, mãe!”
“Não tem mal…mas componham-se, se faz favor”, implorou a senhora, corada.
Fizeram como lhes foi dito e foram cumprimentar a avó, cada vez mais senil, da rapariga. A família já sabia da existência de Susana, porém, uma coisa era ter ouvido falar, outra era ver em pessoa. Assim sendo, Daniela, de mão dada com a loura, com o seu sorriso mais gentil, apresentou, “Boa noite avó, esta é que é a Susana, a minha mulher”
A anciã, com quase um século de vida, ajeitou os seus óculos fundo de garrafa e pigarreou, “A tua quê? A tua empada? Oh Dalila, não brinques comigo que eu não tenho a tua idade!”
“Daniela, avó”, corrigiu a rapariga, sempre paciente, “É a minha m-u-l-h-e-r, mulher”
A idosa fez ouvidos de mercador à morena, de tão vidrada que ficou nas rastas de Susana. Ignorando a expressão perplexa desta, a avó, com o auxílio da bengala, levantou-se do sofá e, ajeitando os óculos fundo de garrafa, tomou uma das rastas nas mãos, “Mas porque é que ela tem cachos de banana…”. Com uma força impressionante para alguém daquela idade, puxou a dita rasta e puxou…”Aaaah!”
“Oh, afinal era cabelo…quem havia de dizer”, concluiu a avó, no seu momento de epifania, observando a rasta nas suas mãos, sem dar a menor importância a Susana, que continuava agarrada à cabeça, cheia de dores.
“Desculpa, desculpa, desculpa”, implorou Daniela, agarrando o braço da loura e retirando-a do alcance da idosa, que se quedou a brincar com a rasta, toda contente, “Ela já não sabe o que faz”
A outra limitou-se a gemer, desconsolada. Desde esse momento que as coisas só melhoraram, à medida que era apresentada ao resto da família. A outra avó não parecia ter entendido bem, porém não se manifestou. Em suma, parecia ser aceite, não fora banhada em simpatias, mas, tampouco a receberam com sete pedras na mão, mais que isso não pedia. Depois das apresentações, seguiu-se a sua altura preferida do dia, o jantar. E parecia haver imensa comida, o que a fez esquecer a rasta morta, rasta essa que continuava na mão da matriarca, que continuava a brincar com ela à mesa.
“Oh mãe, largue isso, deve ter piolhos”, advertiu o pai,               que nunca fora fã do penteado da nora, em bom rigor, sempre o achara propício ao surgimento de um império de parasitas, parasitas esses que queria bem longe da sua casa.
“Não tem não!”, queixou-se Susana, ultrajada. Ela, que tomava banho diariamente…
As suas atenções depressa foram distraídas, quando Daniela lhe colocou uma dose de bacalhau com natas, ainda fumegante, no prato, “Pronto, afoga as mágoas na comida”
A loura agradeceu dando um beijo na bochecha da rapariga, que ficou enternecida. Torturada por ter de esperar que todos estivessem servidos, a outra pousou uma mão sobre a perna da morena, deixando-a deslizar…o suficiente para que Daniela entornasse o copo por onde estava a tentar beber e lhe desse um estalo na mão, por baixo da mesa, “A sério, Susana?”
Susana sorriu, de orelha a orelha, antes de voltar a dar um beijo na face da morena, que a empurrava, em tom de brincadeira. Os restantes ocupantes da mesa estavam demasiado concentrados na refeição para se preocuparem com elas, mas não evitaram trocar um sorriso entre si. Enchendo o garfo ao máximo e empanturrando a boca ao limite, a loura descurou completamente as maneiras, quando estava com fome não havia nada que se colocasse no seu caminho ou a fizesse inibir-se, tanto mais que a rapariga revirou os olhos e gozou, “Não queres uma pá?”
“Ão, ‘ou ‘em achim”, respondeu a outra, empurrando todo o entulho que tinha na boca com metade do conteúdo de uma mini, que tão graciosamente bebeu. Ao menos dignara-se a despejar a cerveja para um copo em vez de a beber directamente da garrafa, como teria feito em condições habituais. A seu ver sabia melhor assim. Terminou o jantar em tempo recorde, mesmo havendo repetido e foi, juntamente com Daniela, buscar as sobremesas à cozinha, a pedido da mãe da rapariga.
Uma vez longe dos convidados, Susana deixou escapar um sonoro arroto que tinha estado a aguentar desde que acabara de comer, satisfeita. Olhou para a rapariga que abanava a cabeça em tom de desaprovação, “Que é?”
A morena não respondeu, limitando-se a torcer o nariz, antes de soltar o maior arroto que a loura alguma vez ouvira, ofuscando o seu, “Isto é um arroto”
“Fiquei molhada…”, disse a outra, boquiaberta, observando a rapariga a abandonar a cozinha, levando consigo a torta de laranja.
Voltando para a mesa, Susana provou os bolos, como se lhe fosse custar muito, de qualquer maneira. Vendo as horas, constatou que faltava pouco para a meia-noite, portanto pediu as chaves do carro a Daniela, para ir buscar as prendas. Trazendo o saco, colocou-o por baixo da árvore, sem que ninguém visse e voltou para junto da morena, em frente à lareira. Se dependesse de si, preferiria que a rapariga estivesse no seu colo, mas seria preferível deixar as demonstrações de afecto para mais tarde. Assim, ficou ao lado desta, colocando-lhe o braço por cima dos ombros.
No momento em que Susana ia a aproximar-se para um beijo, Daniela olhou para as horas e disse, “Meia-noite, prendas!”. Ao ver o ar desconsolado da loura, voltou atrás apenas para lhe dar um beijo rápido e voltou para baixo da árvore, agarrando o primeiro embrulho com o seu nome. Era da tia Alberta, abrindo, um par de cuecas “saco do pão”, tão grandes que poderia atirar-se da janela com elas que iria aterrar bem, foi-lhe parar à mão. Sorrindo, exibiu-as à outra, que abanou a cabeça, horrorizada, “Não tenhas ideias tristes!”
Pegando noutro embrulho, este da sua avó não senil, visto que a outra já lhe dera um Pai Natal de chocolate, rasgou-o. Diversos fios dentais, ora com renda, ora transparentes, ora de cetim, caíram-lhe no colo. De olhos arregalados, Susana disse, “Me gusta!”
Continuando a vasculhar prendas, encontrou uma caixa pequena que dizia “Norinha”. Rindo, atirou-a à outra que, ao ver o que estava escrito, riu também. Ao abrir, viu um grinder, decorado com a imagem de uma mulher em trajos menores, coisa que já estava para comprar desde há algum tempo, tendo em conta que desfazer erva com as mãos era chato e pouco eficaz, “Oh obrigada, sogrinha!”
“Não deixes a Danyzinha fumar, por amor de Deus!”, pediu a senhora, com um olhar austero. Na verdade a prenda tinha sido uma sugestão da morena.
Passando uma prenda, tanto de Daniela, como de Susana, para os pais da rapariga, disseram, “É de ambas!”. Para a mãe era uma mala nova, mesmo ao gosto dela e, para o pai um cachimbo novo. Escusado seria dizer que foram distribuídos abraços com fartura. Vendo bem as coisas, aquele fora um serão bem agradável, a prova que tanto Susana como a família de Daniela tiveram eu ultrapassar fora superada com nota máxima. Quando ambas já se encontravam no carro a caminho de casa, a rapariga perguntou, “Sentiste-te bem?”
“Melhor do que estava à espera, a sério”, replicou a loura, sorridente, afagando a mão da rapariga que repousava sobre a manete das mudanças, “A tua prenda está em casa”
Ignorando os “não te devias ter dado ao trabalho” da morena, a outra vendou-a, assim que chegaram a casa. Quando Daniela deu por si, estava algemada à cama. Lambeu os lábios e disse, “Fui uma boa menina este ano, não me queres descer a chaminé?”
“Ho, ho, ho”, respondeu Susana, provocantemente.

1 comentário:

  1. Ok! Primeira reacção : RISO.
    Parei de ler para me rir, ahah. Estou a tentar imaginar as cenas e acho o capítulo hilariante.
    Claro que no meio de tanto riso, mostraste algo importante. A aceitação "completa" da Susana na família. A brincar, a brincar, soubeste demonstrar algo importante na história. O que valorizo imenso :)
    Sabes bem que gosto da história e da tua escrita.
    Uma viajante dos blogues :) *

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