sábado, 24 de dezembro de 2011

Capítulo 83

A respiração quente de Susana na testa de Daniela acordou-a. Na verdade, aquela noite havia sido bem mais agradável do que esperava, tendo dormido o sono dos justos, extremamente confortável, recostada na loura e sentindo-se fresca e descansada. Levantando a cabeça, deparou-se com a mais aperfeiçoada personificação da tranquilidade e inocência. A outra, cuja face pendia para o lado da rapariga, de lábios entreabertos e expressão de contentamento, nunca deixaria de a enternecer. Quem as observasse diria que os acontecimentos anteriores tinham sido muito do agrado de ambas, a julgar pela forma como a morena sorria ao olhar para Susana, ainda adormecida.
“Dani…”, sussurrou a loura, num tom infantil, ainda toldado pelo sono.
“Hm?”, disse Daniela, só então percebendo que a outra ainda estava a dormir e que devia estar a sonhar. Não conseguindo conter um sorriso deliciado, a rapariga afagou-lhe a bochecha, conseguindo um risinho por parte de Susana. Eram momentos como aquele que a faziam esquecer quaisquer incidentes mais violentos passados com a loura. Mesmo que esta tivesse andado bastante irritadiça nos últimos tempos e a morena sem saber o motivo, tinha, também, ocasiões em que era a antiga Susana adorável, sempre com um sorriso no rosto. E era precisamente nesses instantes que Daniela se sentia incapaz de se afastar.
“Dani…hm…”, balbuciou a outra, daquela vez acordando quando a morena lhe acariciou a face no local onde esta fazia covinha. Olhando para o lado, um tanto embaraçada por ter sido apanhada, a rapariga abafou o riso, antes de enterrar a cara no pescoço da loura. Fazendo com que Daniela a encarasse, Susana disse, “Alguém acordou feliz, estou a ver”
“Dormi bem, não me posso queixar”, admitiu a rapariga, desejando que a loura não puxasse o assunto que ficara pendente na noite anterior. Quando mais pudesse adiar, melhor.
“A conversa com a polícia, como correu?”, interrogou a outra, não deixando que a morena tivesse a sorte de escapar àquele diálogo constrangedor.
Tomando consciência de que não havia como sair daquela, Daniela, pausando para ponderar a escolha de palavras, acabou por responder, “Perguntaram-me se queria apresentar queixa contra ti, eu disse que não e deixaram-me ir em paz”
“Só isso?”, insistiu Susana, perfurando a rapariga com o olhar. Por muito que a morena adorasse aqueles olhos azuis, era em momentos como aquele que se tornavam arrepiantes, tanto que sentiu um calafrio. Nervosamente, acenou que sim, o que não sossegou a loura, que voltou a tentar, “Tens a certeza?”
“Absoluta”, respondeu Daniela, pretendendo encerrar o assunto, mas mais uma vez, a outra tinha outros planos. Por muitas perguntas que fizesse, dizia tudo menos o que a rapariga queria ouvir, o que afinal era o mínimo que Susana podia fazer, que era um pedido de desculpas.
“Bom”, disse a loura, puxando a morena para si, “Só me perguntaram se te tinha batido e do que eram aquelas marcas, disse que não e depois disse a verdade em relação às marcas”
Decidindo correr o risco, Daniela perguntou, numa voz arrastada, “Olha…porque é que tens estado tão irritável ultimamente? Fiz ou disse alguma coisa que não tivesses gostado?”
“Ahm? Não se passa nada”, respondeu a outra, parecendo voltar ao seu eu dito normal, sorrindo e mimando a rapariga, “Tenho andado com muito trabalho só isso”
“Pronto”, disse a morena, correspondendo aos beijos de Susana, por breves instantes, antes de questionar, “Se tens andado sob imensa pressão eu compreendo, mas não voltes a fazer aquilo, pode ser?”
“Sim, desculpa”, pediu a loura, por fim, antes de se voltar a inclinar para beijar Daniela. Subitamente, teve uma ideia que, na sua mente, seria a reconciliação certa. Pediu à rapariga que esperasse e, correu ao seu stock da festa, enrolando duas enquanto o diabo esfrega um olho e voltou para junto da morena, passando-lhe uma para a mão. Se dependesse de si, teria atacado as reservas de heroína, no entanto, queria guardar essas para qualquer festa a que fosse. Não era que não tivesse aprendido a lição da última vez, mas comprara aquela por impulso havia algum tempo atrás e suponha que muito esporadicamente não fosse fazer mal.
Daniela, um pouco desapontada com o gesto, esperava que Susana fosse tentar redimir-se como o fazia anteriormente, através de alguns actos simpáticos e atenciosos, mas parecia que tinha que se contentar com erva. Voltando a aninhar-se na loura, lá acendeu o canhão, não partilhando a mesma satisfação da outra. Uma cabeça pesada e um corpo dormente mais tarde, levantou-se de junto de Susana, que pareceu triste, “Já vais embora?”
“Convém despachar-me, prometi ao Pedro que tomava conta dos miúdos enquanto ele passa o dia com a Cláudia”, explicou a rapariga, esperando que o duche a acordasse daquele torpor em que se encontrava, “Não te importas?”
“Não! Eu adoro aqueles miúdos”, replicou a loura, entusiasmada. Num instante, levantou-se da cama e encaminhou-as às duas para o duche, mostrando plenamente o seu entusiasmo à morena, que não estava com grande disposição para tal, mas que preferiu alinhar para não a aborrecer.
A pontaria de Pedro desde sempre que se mostrara eficaz. Assim que tanto Daniela, como Susana se encontravam vestidas e apresentáveis, tocou à campainha, trazendo João e Maria João adormecidos, um em cada braço, “Bom dia fofa, obrigada por fazeres isto por mim”
“É sempre um prazer”, respondeu a rapariga, pegando nas duas crianças com tanto cuidado como se fossem quebrar a qualquer momento, para que não acordassem, “Susana, chega aqui, se faz favor”
Dizer que a loura apareceu depressa seria um eufemismo, dizer que se tinha materializado era mais próximo da realidade. Pegando na mochila que Pedro trouxera com o que os filhos pudessem precisar e em João Pedro, não perdeu tempo a embalar o bebé, ternamente. Quando se afastou para levar as coisas para dentro, Pedro comentou, “Há algo nela…”
“Está pedrada”, replicou a morena, acomodando melhor a bebé contra si, derretendo-se com a expressão desta, profundamente adormecida.
“Está sempre”, insistiu o amigo, revirando os olhos, “Mas não é isso, ela parece…não sei, mas não me agrada…”
Daniela preferiu dar por encerrada a conversa, mesmo que conseguisse ver porque é que Pedro dissera o que dissera. A expressão alegre e viva da outra desaparecera e apenas vinha ao de cima ocasionalmente, parecia carregada e, basicamente o oposto do seu eu habitual. Tal visão magoava a rapariga cada vez que se lembrava da Susana que amava. Agora que pensava bem, aquela versão perturbante da loura já se começara a manifestar há algum tempo, mas nada como naquele momento. A morena só esperava que se devesse ao cansaço e à horrível noite anterior.
Despediu-se do amigo, prometendo que iria ter todo o cuidado do mundo e mais algum com as crianças e voltou para dentro, até porque Maria João já estava a dar sinais de vir a acordar. Os sons abafados da bebé, juntamente com os seus movimentos lentos, tudo colmatado com um fatinho branco macio, faziam da criança algo impossível de não achar adorável, aos olhos de Daniela. Uma vez junto à outra, cada uma com uma criança no colo, a rapariga deu consigo a pensar o que seria um ser assim, mas com uns olhinhos azuis e sardinhas. Ao visualizar a possível criança, rapidamente afastou essa imagem, preferindo não pensar naqueles olhos que tanto a assustaram naquela manhã.
No entanto, Susana parecia ter-lhe lido os pensamentos. Sorridente, mimou João, muito para alegria da criança que se ria e disse, “Agora imagina se fossem os nossos”
A morena anuiu, com um sorriso ligeiro que prontamente desapareceu. Por muito que essa utopia lhe agradasse, aquele não era o momento para pensar em tal, pelo menos enquanto aquela disposição da outra durasse. Mas não invalidava a hipótese de que, no futuro, tal coisa viesse a tornar-se realidade.

1 comentário:

  1. Não sei bem o que achar deste capítulo. Não é que o ache mau. Está bem escrito e forte. Acho que é um capítulo que poderias usar para dar uma volta de 180º graus na história e dares-lhe um novo rumo (muito mais "negro").
    Espero que não o faças, é claro.
    A personagem da Susana está a começar a modificar-se. Ou então está apenas numa fase que será ultrapassada.
    Por outro lado, a Daniela está cada vez mais derretida com as crianças. Os "sobrinhos" fizeram-lhe bem.
    Vamos ver como é que tu desenrolas isto.
    Espero por mais. E desculpa o comentário ser tão tardio.
    Uma viajante dos blogues :) *

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