segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Capítulo 80

O aniversário do primeiro ano de casamento de ambas estava à porta e Susana já tinha umas ideias na manga, até porque não queria desleixar os momentos e as surpresas românticas que fazia a Daniela desde o início do namoro. Até à data do aniversário ainda tinha uns dias, dias esses que usaria para acabar todos os preparativos. Sorrindo de satisfação, espreguiçou-se na sua cadeira, já devia ser quase horas de almoço e a morena tinha-lhe preparado a refeição. Pegando na lancheira, dirigiu-se à esplanada do estúdio, onde poderia comer em paz descansada.
Desapertando o nó elaborado que Daniela dera ao pano violeta que cobria o recipiente, caiu-lhe aos pés um postal com dois cãezinhos peludos. No verso, na caligrafia redonda e grande da rapariga, estava escrito, “Para a melhor mulher do mundo”. Sorrindo, enternecida, a loura guardou o postal, mais tarde colocá-lo-ia afixado sobre o seu local de trabalho. Abrindo a caixa, deparou-se com a sua sandes predilecta, cuidadosamente ornamentada e cortada. Tinha, também, uma bebida muito do seu agrado, para dar aquele último retoque. Derretida, a outra comeu com gosto, sentindo o sol quente de Junho bater-lhe na face. Estava a dar os últimos tragos no sumo, quando apareceu o produtor, pálido como uma figura de cera.
Avistando-a, caminhou a passos largos na sua direcção, com uma revista enrolada na mão. Ao chegar até junto de Susana, atirou com a revista para cima da mesa, com um som seco. Lívido, questionou, num tom angustiado, “Agora deu-te para isto?”
A loura revirou os olhos, já tinha visto cada pormenor da sua vida privada publicado em revistas, exposto para todo o mundo ver. Mais um não a faria, sequer, levantar o sobrolho. Aborrecida, deu uma mirada à revista, onde estava na capa uma foto sua com Daniela à saída do hospital. Na imagem, as diversas marcas das suas mãos estavam, bem visíveis, na pele clara da rapariga e o facto de, nessa foto, Susana estar a agarrar o braço da morena e esta estar com uma expressão de dor, não contribuía para que tudo aquilo parecesse melhor. O título gritava aos quatro ventos, “MAUS TRATOS”.
Sentindo um calafrio, abriu na página em questão: “No passado dia…foram vistas a sair do hospital, o ambiente parecia tenso…a mulher apresentava marcas distintas das mãos de Susana nos braços e pescoço, bem como várias feridas na cara…conhecida pelo seu temperamento instável é provável que Susana tenha perdido o controlo”. Levantando o olhar da revista, dirigiu-se ao produtor, sem qualquer cor no rosto, “Não acredita mesmo que eu fosse…eu não…é a Daniela, porra, eu nunca lhe iria bater”
Mal aquelas palavras lhe saíram da boca, mordeu o lábio, consciente que acabara de mentir. Mas aquelas acções pertenciam ao passado, quando perdera mesmo a cabeça e, este tempo depois, nunca se perdoara. Ainda sem deixar de fitar o produtor, tentou, “É um mal entendido…”
“Ela está toda marcada!”, explodiu ele, levando as mãos à cabeça, deixando os cabelos, outrora perfeitamente penteados, num ninho, “Para que é que fizeste isso?! E AGORA O QUE É QUE AS PESSOAS VÃO PENSAR?!”
“Eu…ela…”, gaguejou a loura, perdendo qualquer fio de raciocínio que ainda conseguisse, porventura, ter, “Ok fui eu que a deixei negra…mas não foi por isso!”
“Então tu espancaste-a mesmo!”, grunhiu o produtor, colérico, decerto que já estaria a criar uma úlcera no estômago, “Agora como é que justificamos isto?!”
“Nós…”, justificou-se a outra, sabendo que estava a enterrar-se cada vez mais. Mais valia dizer a verdade, por muito íntima que fosse, “Sexo bruto…fizemos”
“Hm?!”, grasnou o outro, num som que aparentava um coelho a ser estrangulado. Agora já tinha ouvido tudo…
“Ela gosta à bruta e eu deixei-me levar”, admitiu Susana, suspirando, com a cara escondida nas mãos, “Por isso é que está assim, acha mesmo que eu lhe ia fazer isso de propósito para a magoar?”
“Eu sei lá, tens um feitio desgraçado e bebes que nem uma esponja”, guinchou o outro, embora o alívio que sentisse fosse notório, “Se a tua imagem se deteriorar, tu pedes à tua mulher que fale, até então, tu não dizes nem fazes nada”
Concordando, a loura esperou que o produtor, tão nervoso que o andar parecia descoordenado, se fosse embora para ligar a Daniela. Chamou, chamou e chamou, mas não obteve resposta, a rapariga deveria estar ocupada. Fechando os olhos em frustração, a outra deixou-lhe uma mensagem para que lhe ligasse o quanto antes. Até lá, teria que acalmar a sua ansiedade com toda a nicotina que conseguisse inspirar. Quando o quarto cigarro não surtiu efeito, ponderou ir dar um passeio, podia ser que conseguisse descontrair.
Assim o fez, deambulando pelas ruas da cidade, em busca da paz interior. Estava a observar a água de uma fonte, quando uma rapariguinha cuja idade não devia estar muito longe dos doze a abordou, com as bochechas ruborizadas, “S-Susana?”
“A própria, diz linda”, disse Susana, sorrindo, aquela era, sem dúvida, a parte mais gratificante do seu trabalho.
“Só lhe queria dizer olá…”, murmurou a menina, envergonhada, olhando para os pés, “Gosto muito de si”
“Obrigada”, agradeceu a loura, afagando a face à criança, nervosa mais nervosa seria impossível.
“Matilde!”, chamou quem seria, em princípio, a mãe, preocupada. Quando avistou a rapariga, a sua inquietação deu lugar a um alívio imenso, tanto mais que até correu para junto desta. Quando viu Susana, desfez-se em agradecimentos, “Ai…obrigada por a ter encontrado! Esta miúda dá cabo de mim…”
“Não tem importância”, retribuiu a loura, levantando a cabeça para encarar a senhora, sorridente. No entanto, quando esta viu de quem se tratava, afastou a menina e advertiu, “Você…sua…como se atreve! Já não lhe basta o que fez à sua…afaste-se!”
Não desejando mais do que não levantar ondas, Susana limitou-se a erguer as mãos em sinal de derrota, antes de se virar costas, desanimada. Quando se ia embora, a voz da criança fez-se ouvir, “Muito prazer em conhecê-la! Gosto muito de si”

1 comentário:

  1. "Pegando na lancheira", não consegui evitar rir. Sei que não é nada fora do comum, mas quando li isto deparei-me com uma imagem da Susana toda contente com uma lancheira cor de rosa na mão, tipo uma criança. Ahah.
    Eu sabia que aquele final do outro capítulo ia dar problemas... Até quero ver como vais resolver esta.
    Achei normal a atitude da mãe daquela criança. No entanto, achei também muito bom teres incorporado a admiração da criança pela Susana.
    Tenho-te a dizer que me estás a surpreender. Como se tivesses dado um novo "ar fresco" à história. Os capítulos têm-me cativado imenso. :) Talvez devido ao avanço com novas situações, não sei bem, mas tenho gostado imenso.
    Parabéns !
    Uma viajante dos blogues :) *

    ResponderEliminar