segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Capítulo 66

Nunca descurando a sua intenção de seguir em frente com o plano, Susana deixou passar um par de dias. Entre sessões de snorkeling no mar e passeios, ora pela cidade, ora pela praia, ia testando as águas. Tanto quanto se apercebera, a relação entre ambas estava estável o suficiente e não seria apressar demasiado as coisas, o que diminuía as hipóteses de levar uma tampa. Porém, a principal razão que a impulsionava a fazer aquilo, nem a própria sabia qual era, o que sabia era que era algo que sentia que devia fazer, que era altura de o fazer. Planeando aquele dia ao pormenor, deu início ao seu plano, com um sorriso rasgado.
Deixou-se ficar um pouco mais com uma Daniela adormecida sobre si, saboreando aquele momento. Esta estava consideravelmente mais bronzeada, o que lhe aumentava a quantidade de sardas, muito para delícia da outra, que não se conteve e beijou-lhe a bochecha, ao de leve. Aproveitando o estado esgotado em que a rapariga ficara depois de uma tarde em alto mar, a loura removeu-a cuidadosamente, tentando não a acordar, de cima do seu peito. Conseguiu, pois a morena só emitira um queixume leve e voltara imediatamente a adormecer, “Hm Suh…”
Sorrindo enternecida, Susana caminhou até à cozinha, em pezinhos de lã, onde preparou o pequeno-almoço para a namorada, certificando-se que incluía tudo o que esta gostava: torradas, café e uma pequena taça de fruta à mistura. Uma vez com o tabuleiro embelezado e a comida pronta a servir, entrou no quarto, onde a primeira coisa que viu foi Daniela espreguiçando-se, acabada de acordar. Cumprimentando-a bem-disposta, a loura deu-lhe um beijo terno, antes de lhe colocar o tabuleiro no colo.
“Que simpatia...obrigada Susana”, agradeceu a morena, com um sorriso demasiado toldado por uma expressão ensonada.
“Tudo para o meu amorzinho lindo!”, brincou a outra, numa voz propositadamente melosa, enquanto apertava as bochechas à rapariga, que fingiu mordê-la, muito para sua diversão.
“Bem me parecia que estavas muito querida”, disse Daniela, abanando a cabeça, mesmo que não ocultasse o riso. O seu telemóvel tocou e, para mal dos seus pecados, estava perto do alcance da loura, que, com um sorriso matreiro, atendeu, “Estou, sogrinha?”
“Não, não, não!”, implorou a morena, tentando chegar à outra, “Não a provoques mais, por favor, coitada!”
“Está descansada”, assegurou Susana, baixinho, “Sim, está tudo bem, acabei agora de lhe preparar o pequeno-almoço…”
Do outro lado, a mãe da rapariga preparava-se para a tirada imprópria que se seguiria, certamente, “Estão ambas bem-dispostas e a divertirem-se?”
“Sim, estivemos a fazer snorkeling ontem e hoje vamos dar um passeio pela cidade, há muito que ainda não vimos”, respondeu Susana, consciente do suspiro de alívio soltado pela senhora, “Por aí também está tudo bem?”
Do seu lado, o alívio de Daniela também era aparente, tanto mais que suspirara indisfarçavelmente, voltando a comer o que ainda sobrava do pequeno-almoço.
“Ainda bem, sim está tudo a correr pelo melhor”, assegurou Susana, novamente, “Eu disse que tratava bem dela…vou-lhe passar, então adeus, beijinhos”
“A Susana tomou uma dose de decência e boa educação?”, foi a primeira coisa que Daniela ouviu, mal encostou o aparelho ao ouvido.
“Ela só dizia aquelas coisas para brincar contigo, ela é muito decente”, garantiu a rapariga, rindo, “Bom dia para ti também”
Mais meia dezena de minutos de conversa que consistiram em, basicamente, muita recomendação por parte da senhora e muitos “sins” por parte da rapariga e deram o telefonema por terminado. Assim que a morena colocou o telemóvel de novo em cima da secretária, a loura disse, regozijada, “Também sei comportar-me quando é preciso”
“Nunca pus isso em causa”, respondeu Daniela, puxando a outra para si, pela camisola, deixando que esta lhe caísse em cima e a beijasse. Quando as coisas estavam prestes a aquecer, Susana separou-as, “Então não querias ir ver a cidade?”
“Hm…sim, mas isso pode esperar”, sugeriu a rapariga, entre beijos. Já teria colocado as pernas em torno da cintura da loura, caso esta não as tivesse separado de novo.
“Ai não pode não”, gozou Susana, muito para frustração da morena, “Veste-te lá e vamos”
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“Tu não podes estar bem”, disse Daniela, enquanto caminhavam por uma rua animada de Honolulu, “Primeiro não dizes à minha mãe que me puseste a comer grelo, ou uma porcaria do género, depois dás-me uma tampa quando eu…”
“Tempo para picar a tua mãe e para te comer é coisa que não falta”, respondeu Susana, afagando a cintura da rapariga, “Vamos deixar isso por agora”
“És tão estranha”, resmungou a morena, embora não tivesse insistido mais, aconchegando-se ao lado da outra.
Descendo a avenida, encontraram um parque simpático, circundado por árvores. Dado que ambas agradeciam sombra, graças ao clima tropical, decidiram procurar um banco. O ambiente era aperfeiçoado, consequência de uma fonte enfeitada com esculturas que expeliam água e do sol que incidia sobre esta, fazendo um arco-íris. Tirando a máquina fotográfica da rapariga, a loura sugeriu que pedissem a alguém para tirar uma foto. A escolha recaiu num senhor de idade de aspecto pacato, que Susana não perdeu tempo a abordar, “You take photo, please?”
O inglês da loura era algo que sempre faria Daniela rir. Porém, o senhor aceitou, sorrindo. A outra colocou-se, encostada sobre a borda da foto, com a morena ligeiramente sentada no seu colo. Pondo os braços em torno da cintura desta e o queixo apoiado no ombro, ao mesmo tempo que a rapariga lhe colocava uma mão ao de leve sobre uma bochecha e outra na sua, ambas sorriram para a foto. Quando viram o resultado ficaram ambas agradadas, o arco-íris servira como pano de fundo a duas expressões igualmente felizes.
Estavam ainda no banco, Daniela ao colo de Susana, numa troca de beijos e carícias, quando o apetite voraz da loura decide que é um bom momento para se fazer ouvir, “Sorry…comer-te a ti não basta”
Com um riso divertido, a rapariga ergueu-se do colo da outra, puxando-a pela mão. Optaram por um restaurante de grelhados à beira-mar, onde se sentaram numa mesa de madeira na esplanada. Depois de feitos os pedidos, Susana toma as mãos da morena nas suas, por cima da mesa, onde ficou a observar o anel restituído no dedo desta. Daniela tinha uma pela tão macia que não resistiu, esfregou a cara sobre as mãos desta, o que resultou numa expressão de horror na cara da rapariga. Quando a loura olhou para cima, viu uma expressão chocada, quase mortificada da morena, que aproveitou para retirar as mãos bruscamente, levantando-se e recuando dos passos, em pânico. Todo o restaurante em peso parou e olhou, sobretudo para a outra, como se ela se tratasse de uma violadora.
“Just kidding”, assegurou Daniela com um sorriso, ao ver os efeitos que a sua brincadeira provocara. Para sossegar a população, que já tirara as forquilhas e as tochas para exterminar a loura, a morena chegou até esta e beijou-a, muito intensamente para o conforto dos espectadores, “See, everything’s fine”
A outra abraçou-a, em resposta, metendo a cabeça na barriga da rapariga, antes de olhar para cima enternecida, “Como as coisas mudaram…ainda te lembras quando eu nem te podia dar um toque em público?”
“Onde é que já vão esses tempos…”, admitiu Daniela, afagando o cabelo à loura, “Nem acredito em tudo o que desperdicei e a chatice que te dava sempre que fazia isso”
“Estão no passado, felizmente”, disse Susana, puxando a morena para o colo, “Mudaste tanto…”
“Para melhor, espero eu”, regozijou-se a rapariga, aninhando-se junto a loura.
“Claro”, confirmou a outra, antes de voltar a beijar a morena. Tiveram que pôr fim às demonstrações afectivas quando chegou a empregada, clareando a garganta, constrangida, que trazia os pratos de cada uma.
Rindo, separaram-se, dirigindo a atenção para a comida. Como seria de esperar, Susana não perdeu tempo a atacar, deixando apenas como vestígio do que outrora lhe enchera o prato, um resto de molho no canto da boca, resto esse que Daniela limpou, com um guardanapo, como nunca se coibia de fazer, “Realmente Susana, não sei como é que consegues ter tão más maneiras e continuar a coisa mais querida ao mesmo tempo”
“Sabes como é…entusiasmo-me facilmente quando estou com fome”, respondeu a loura, simplesmente, deixando uma mão passear pela coxa da rapariga, que se limitou a enxotá-la, revirando os olhos, dizendo, antes de acabar calmamente o seu prato, “Tu não pensas noutra coisa, pensas?”
“Tu é que não sei como é que ainda consegues pensar noutra coisa”, brincou a outra, “Quando se tem uma namorada tão boa como eu…”
“Ahah, tens tanta gracinha”, gozou a morena, fingindo uma expressão de indignação, o que fez a outra soltar um riso, bem-disposto.
Não se ficaram pela esplanada muito tempo, afinal, por insistência de Susana, a praia à tarde estava no seu mais agradável. E não se enganara, apesar da enchente de gente, o areal continuava convidativo, ao mesmo tempo que o sol reluzia no mar límpido, quase transparente, conferindo-lhe a temperatura ideal para um mergulho. Enquanto Daniela apanhava sol, estendida na toalha, a outra observava um grupo de pessoas a jogarem volleyball, uns metros atrás. Adorava aquele desporto, embora já nem se lembrasse da última vez que o jogara, sinceramente sentia-se nostálgica, dos tempos que passara, verões antes, a jogar na praia com uns amigos.
“Hey wanna play?”, convidou um dos rapazes que estava a jogar, aproveitando uma pausa. A loura estava tão perdida nos seus pensamentos que nem dera pela abordagem, até que a rapariga lhe dera um toque, “Convidaram-te para jogar”
Susana sentiu-se dividida por uns instantes, por muito que lhe apetecesse jogar, não queria deixar a morena sozinha. Ia a recusar, quando Daniela lhe disse, “Vai, tu gostas tanto”
“De certeza que não te importas de ficar aqui sozinha?”, insistiu a loura, olhando ora para a rede, ora para a rapariga.
“Por amor de Deus, já me chega a minha mãe”, resmungou a morena, revirando os olhos, como se ela não pudesse ficar sozinha por um bocadinho, “Vai, vai, vai, é uma ordem”
Sorrindo, a outra decidiu-se por ir, mas não sem dar um beijo rápido a Daniela. Já devia estar enferrujada, com o tempo que não jogava. No entanto, ao ver a bola no ar, na sua direcção, todas as técnicas que a prática lhe ensinaram lhe vieram ao de cima na memória. Não perdendo os reflexos de tempos passados, efectuou uma manchete na perfeição. Entretanto, a rapariga não perdia pitada do jogo. Mesmo que nunca o fosse admitir, não se cansava de olhar para a outra, dando graças pela sorte que tivera. E pensar que a considerara uma versão fraquinha de Andreia…como o passar do tempo fizera mudar a sua maneira de pensar, agora era Andreia uma versão imperfeita de Susana.
Uns três quartos de hora mais tarde, a loura volta, visivelmente suada e cansada, “E se fossemos dar um mergulho?”
Concordando, Daniela levantou-se, tirando os óculos de sol e exibindo a marca que estes lhe deixaram no rosto, o que fez com que a outra se desmanchasse a rir, “Pareces um panda!”
Respondendo à loura com um gesto obsceno, a rapariga virou-lhe as costas, correndo até beira-mar, com a outra atrás de si. Talvez devido ao estado estafado de Susana, a morena conseguiu escapar-lhe até já estar com água pelos joelhos, quando a outra lhe conseguiu agarrar a cintura, arrastando as duas para o mar, “Não acredito…que quase…escapavas”
“Fumas que nem uma chaminé industrial e mesmo assim corres muito mais que eu”, replicou Daniela, incrédula, “Como é que é possível?”
“Eu tenho a resposta”, disse Susana, com um sorriso rasgado, agora recuperada, “Eu faço desporto, tu és uma lontra que rasteja da cama para o sofá”
Recebendo outro gesto menos próprio e um virar de costas amuado, a outra não perdeu tempo a consolar a morena, “O que te vale é que eu te dou o work-out muuuuuita vez”
“Continua com essas e vais fazer o work-out sozinha com a tua mão”, rosnou a rapariga, deitando-lhe a língua de fora.
“Nem penses”, replicou a loura, beijando o pescoço à morena, antes de repor o seu sorriso rasgado.
“Se essas tuas covinhas não fossem tão adoráveis”, suspirou Daniela, que cedia sempre que se deparava com as covinhas da outra, em toda a sua glória.
“São, não são?”, regozijou-se Susana, antes de beijar a morena. Mesmo quando se estava a deixar entusiasmar, mais uma vez, a rapariga atacou-a com um ataque de cócegas debaixo das axilas, antes de correr à sua frente, “Vais apanhar!”
E desatou a correr atrás de Daniela, não demorando muito até que a alcançasse e a placasse, para dentro de água outra vez. Eram pequenas brincadeiras como aquela que a faziam sentir-se feliz com o desenrolar dos acontecimentos. E pensar que se ficasse com Mónica o mais provável era ainda continuarem com a relação em segredo…nem tudo fora um mar de rosas com Daniela, mas vira progressos em pouco tempo.
Assim que o sol se pusera, a multidão começara a dispersar, restando só uma ou outra pessoa. O que era estranho, tendo em conta que o pôr-do-sol ali era magnifico, com os contornos negros da vegetação destacada no pano laranja do céu. Por insistência de Susana, não foram imediatamente embora, resolvendo antes, dar um passeio pelo areal. Entrelaçando os dedos nos da loura, que pendiam sobre o seu ombro, a morena encostou-se a esta, enquanto caminhavam.
“Obrigada”, disse a rapariga.
“Hm?”, admirou-se a outra, aquele agradecimento saíra do nada, “Porquê?”
“Por estas férias, por levares comigo e com o meu mau feitio durante quatro anos, por tudo o que já tiveste de aturar…por seres tu”, sussurrou Daniela, falhando-lhe um pouco a voz, preferindo antes, aconchegar-se melhor por baixo do braço da loura.
“Oh…”, comoveu-se Susana, pela segunda vez naquelas férias, tanto que não evitara uma pequena lágrima que se formara no canto do olho. Foi então que soube que, se havia momento certo para o que tencionava fazer, o momento era aquele, “Sobre isso…”
“Sim?”, instigou a rapariga, subitamente nervosa com o tom, também nervoso, presente na voz da loura quando dissera aquelas palavras.
“Eu…ahm…tu…”, gaguejou a outra, que nada mais desejava do que fazer aquilo da melhor maneira possível e já estava a perder a eloquência, se os cabelos molhados e bikinis ensopados já não tivessem tratado disso.
“Está tudo bem?”, perguntou a morena, cuja preocupação aumentava cada vez mais, ao ver o nervosismo da loura.
“Sim…estou óptima”, assegurou Susana, retirando o braço dos ombros da rapariga, para lhe dar as mãos, frente a frente, “Hm…o que eu…casas comigo?”
Dissera-o. Não de forma tão romântica como planeara, mas estava dito. Só faltava ouvir a resposta.
O silêncio que se seguiu seria total caso o som do maxilar de Daniela a embater na areia de tanto que ficara boquiaberta, não se fizesse ouvir. Estava já a temer o pior, que a outra lhe fosse dar com os pés por algum motivo que não sabia qual era, já previra todos os cenários na sua cabeça naqueles escassos segundos…tudo menos aquilo. Estava tão admirada que, o seu modo socialmente inadaptado entrou em funcionamento, “Tu…não te puseste de joelhos”
Não fosse por isso. A loura colocou um joelho na areia e, nunca largando as mãos da rapariga, voltou a reformular o que dissera, grata pela oportunidade de se redimir, “Daniela Rodrigues Sousa, aceitas casar comigo?”
À segunda tentativa, todos os momentos em que ponderara a hipótese de casar um dia vieram-lhe à tona. Desde conversas com o pai em que este lhe dissera “Quero ver-te fora de casa um dia, mas não casada, não te desejo tanto mal”, a idealizações que já tivera, aquela situação nunca lhe passara concretamente nos seus mais ínfimos sonhos. E como é que as pessoas iriam reagir? Voltou a olhar para baixo, para Susana que ainda não se levantara e olhava para si, ora esperançada, ora prestes a chorar e decidiu-se, “Pela primeira vez na vida não me vou matar a pensar, aceito sim!”
A expressão atormentada desapareceu das feições da loura, como se nunca lá tivesse estado. Levantou-se e esticou os braços para a morena, que não perdeu tempo a lançar-se-lhe ao pescoço. Com a euforia, a outra abraçou-a tão entusiasticamente que a levantou uns bons centímetros do chão. Aproveitando a onda de satisfação que sentia, Susana murmurou ao ouvido da rapariga, “Queres tratar disso?”
Se o entusiasmo de Susana a fizeram ganhar coragem para seguir com tudo aquilo para a frente, Daniela partilhava do mesmo sentimento. A última memória que conservaria daquele dia seria o assinar do papel e do beijo partilhado entre ambas.

2 comentários:

  1. A M E I ! :D
    " E pensar que a considerara uma versão fraquinha de Andreia…como o passar do tempo fizera mudar a sua maneira de pensar, agora era Andreia uma versão imperfeita de Susana. " - Adorei esta parte.
    Mas, no geral, adorei todo o capítulo em si. Acho que tens uma escrita muito (mas muito) mais melhorada. E desde o início que criaste uma história com todo o sentido. Tens escrito algo com "pés e cabeça". Estou a gostar mesmo muito.
    Ao fim de 66 capítulos não me cansei uma única vez de ler!
    Sei que ainda não chegou ao fim, mas estás mesmo de parabéns por tudo aquilo que criaste até aqui :)
    É uma história que merece, sem dúvida, ser lida.
    Uma viajante dos blogues :) *

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  2. és a maior!
    parabéns, :)
    Q

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