sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Capítulo 67

Só mesmo Susana para se casar nas suas habituais calças de pano largas e cabelo emaranhado acabado de sair da praia. Foi esse pensamento que proporcionou o primeiro riso do dia a Daniela, enquanto olhava para a aliança de prata que tinha no dedo, aliança essa que suspeitava ter sido comprada na feira da cidade, se a sua memória não falhava, vira lá à venda exemplares que, se não eram iguais eram muito semelhantes. E daí também não podia falar muito, tinha casado ainda com a roupa húmida e casual com que fora à praia e detestava as típicas alianças de ouro, de qualquer forma. Mas não fazia mal, o que importava é que tinha sido à vontade de ambas. O seu riso foi o suficiente para acordar a loura, que lhe sorriu, antes de a aconchegar melhor e perguntar, “O que foi?”
“Tu”, respondeu a rapariga, enterrando a cara no pescoço da outra, tentando abafar o riso, sem grande sucesso.
“O que é que eu fiz?”, insistiu Susana, despenteando o já emaranhado cabelo da morena.
“Pára com isso!”, queixou-se Daniela, mordendo o pescoço da outra, o suficiente para conseguir que esta saltasse. Seguiu-se uma sessão de cócegas mútua, que apenas terminou quando ambas estavam de barriga para cima na cama, ofegantes. Voltando-se de barriga para baixo, com o queixo apoiado nas mãos, a morena acabou por confessar, “Tinhas mesmo que casar com ar de vira latas, não tinhas?”
“Sempre quis fazê-lo assim, descontraída e simples…nunca gostei daquelas coisas todas, dos vestidos, de convidar a tribo toda e o caraças”, respondeu a loura, coçando o cabelo, deixando-o ainda mais despenteado, “Mas incomodou-te?”
“Não, não, de todo”, disse a rapariga, rapidamente, “Para mim desde que fosse algo discreto, podia ser de qualquer maneira…nunca pensei muito em casar, sequer, mas se tivesse posto essa hipótese, teria sido de jeans”
“A sério? Nunca imaginaste nada?”, inquiriu a outra, curiosa. Desde que conhecera a morena que nunca lhe perguntara quais os seus planos a esse nível.
“Quer dizer…uma casa nos subúrbios, um labrador, daqueles gordos, um BMW, M6 de preferência e provavelmente um marido advogado eram o plano principal”, reformulou Daniela, franzindo o sobrolho, “Mas a última parte já foi descartada há muito tempo…e não tenho pena nenhuma”
“A casa, o cão e o carro podes ter…”, tentou Susana, colocando uma madeixa de cabelo por trás da orelha da rapariga, “Mas mais depressa viro gajo do que tiro o curso de Direito”
“Não! Estás óptima assim!”, alarmou-se a rapariga, que, conhecendo o temperamento da loura, não se admirava que um dia esta lhe aparecesse à frente com um instrumento a mais, só para lhe agradar.
“Que alívio…se bem mijar de pé deve dar jeito, por acaso”, disse a outra, agora que ponderava bem, “Mas a sério…”
“O quê?”, questionou a morena, esperando que a conversa não fosse parar ao que tema que mais a desagradava.
“Gostava de ter um ou dois filhos, um dia”, declarou Susana, com um sorriso rasgado.
E pronto, a temática que mais assustava Daniela. Nunca fora grande apreciadora de crianças, aliás, evitava-as tanto quanto possível. Porém, estas gostavam dela, só Deus sabia como. Só previa duas situações que a fariam ser mãe: ou tinha um acidente, o que era difícil por razões óbvias, ou o seu relógio biológico a obrigava, o que não era o caso, tendo em conta que ainda tinha vinte e três anos. “No que é que eu me fui meter”, pensou, assustada, “Pensa depressa…putos…ranhosos, far away de mim”
“Oh Susana”, tentou, fazendo a sua expressão mais angelical e doce, na esperança de distrair a loura, “Não digo que tal não possa vir a acontecer, mas ainda é tão cedo…vamos com calma”
“Sim…”, concordou a outra, embora algo, ou na expressão desta, ou no tom da voz tivesse dado a entender à morena que, no que dependesse da outra, filhos seriam o próximo passo, “Seria tão fofo, com sorte tinham sardinhas e covinhas…e não saíam burrinhos como eu…”
Que Susana adorava crianças era algo que a rapariga já sabia desde que a conhecera. Sempre que interagia com uma o seu tom de voz tornava-se mais doce e a expressão mais suave. Certificava-se sempre que a criança ria e dava-lhe atenção. Já Daniela era o oposto, mas gostava de ver a loura a brincar com miúdos, era sempre uma visão tão enternecedora.
“Ainda há tanta coisa a organizar antes disso”, replicou a rapariga, beijando a outra. Felizmente para si, esta distraia-se com facilidade e sempre da mesma maneira. Nos próximos momentos aquele assunto não podia ter ficado mais longe dos seus pensamentos.

2 comentários:

  1. Achei ... Super acolhedor. Uma escrita terna e aconchegante. :) Gostei mesmo. Foi um capítulo que não trás grandes avanços na história mas revela uma pouco mais de cada uma, o que é muito importante.
    A cada capítulo que passa, a minha afirmação de "Parabéns" , mantém-se.
    Uma viajante dos blogues :) *

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