“Foda-se…”, murmurou Susana, ainda a tentar registar todos os acontecimentos do dia anterior. Acabara de acordar e doía-lhe tanto a cabeça como o lábio, mas nenhum desses contratempos a impedia de sorrir à medida que se ia recordando dos aspectos positivos. A felicidade que sentia foi depressa substituída por preocupação, quando se lembrou que Daniela teria que enfrentar a mãe mal acordasse. Virou-se na cama e foi tacteando na mesa-de-cabeceira até encontrar o telemóvel. Mal o fez verificou que a namorada ainda não tinha dito nada, o que fez com que resolvesse dizer ela.
Assim que acabou de escrever a mensagem, levantou-se da cama, mal se aguentando nas pernas. A muito custo chegou à casa de banho e observou-se ao espelho. Tinha a cara numa lástima, desde pontos no lábio a face inchada e avermelhada. Resmungou enquanto se preparava para tomar banho, quando a avó apareceu à entrada e lhe disse que tinha o pequeno-almoço quase pronto. Esta limitou-se a dar os bons dias à idosa e a arrastar-se para o duche, deixando que a água quente lhe relaxasse os músculos contraídos. Mal se despachou sentou-se à mesa, atirando-se à comida.
“Então Suse, como correu o encontro ontem?”, perguntou a senhora, com um sorriso bem-disposto, “Não guardes para ti”
“Acho que o pai até gostou de mim, pelo menos aceitou na boa”, informou a loura, com a boca cheia de cereais, “A mãe é que ficou a achar que estou a deseducar a sua bebé”
“Oh Susana…é normal que, sendo conservadora, a mãe não tivesse planeado ver a filha com uma mulher”, reconfortou a avó, massajando os ombros da loura, “Minha nossa, o que é que te aconteceu à cara?”
“Oh, fomos sair depois e uma puta qualquer nojenta de fazer doer mandou-se à Dani e eu metia no lugar”, disse Susana, revirando os olhos, teve o cuidado de ocultar a parte em que o seu salvamento heróico deu para o torto, “Nada de especial”
“Tens a cara num bolo e não é nada de especial…”, suspirou a idosa, “Sempre lhe deste o anel?”
“Deixei essa parte para o fim, não tinha a certeza se ela conseguia mesmo contar aos pais”, relatou a loura, enquanto acabava o pequeno-almoço, “Ela estava cheia de medo mas mesmo assim não voltou atrás…”
“Eu disse-te que ela não era pessoa para faltar à sua palavra”, regozijou-se a senhora, “Já não era sem tempo que arranjasses uma decente para assentar, esta aprovo”
“Sim tive sorte”, concordou a jovem, com um olhar sonhador, “Tenho é medo do que a mãe lhe vai dizer agora…”
“Vai ser difícil nos primeiros tempos, mas tenho a certeza que ultrapassam isto”, assegurou a avó, abraçando a neta, que se deixou ficar, apenas desejando ardentemente que a idosa tivesse razão.
De repente, a senhora foi assaltada por um violento ataque de tosse que a fez estremecer. Durou uns minutos ainda, para horror de Susana que teve que observar, impotente, a avó a chegar ao ponto de mal conseguir respirar. Por fim, quando os espasmos cessaram, a senhora sentou-se numa cadeira, ainda a tentar recuperar o fôlego. Após ter recuperado, acalmou a neta e garantiu-lhe que estava bem, o que de nada serviu para tranquilizar esta.
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Nesse preciso momento, Daniela acorda, no seu quarto e sem a mínima noção de espaço ou de tempo. Lentamente, foi recordando todos os acontecimentos por que passara nas últimas vinte e quatro horas, um a um. Com um suspiro, levantou-se da cama, ignorando a sensação de ter cortiça na garganta e uma garra a comprimir-lhe as entranhas e pegou no telemóvel, antes de mais nada, para dar notícias a Susana. Ao olhar para o visor do aparelho, reparou que já tinha uma mensagem desta:
“Bom dia amor! Olha, depois diz como correram as coisas com a tua mãe, ly”
A rapariga atirou com o telemóvel para a cama, suspirando. A última coisa que queria era enfrentar a mãe, mas não havia como escapar. Respirando fundo, dirigiu-se à casa de banho, tomando um duche rápido. Quaisquer sensações de desconforto físico externo que pudesse sentir foram apagadas ao sabor da água que deixou que lhe escorresse pelo corpo. Despachou-se e foi até à cozinha, sempre repetindo o mesmo discurso de encorajamento, “Tu não fizeste nada ilegal, não roubaste nem mataste ninguém. A culpa não é tua por ela ser choninhas”
Ao entrar na divisão notou que os pais já lá se encontravam. Como se nada se tivesse passado, deu os bons dias a cada um e começou a preparar o seu pequeno-almoço. A tensão estava de cortar à faca. Por um lado, o pai parecia estar a fazer os possíveis para ser agradável para com ela, notava-se que a sua raiva era dirigida à mulher. Por outro, a mãe nem retribuiu o cumprimento nem olhou para ela. Engoliu a refeição à pressa, desejosa por sair dali. Estava a meio da última dentada no pão quando a mãe lhe agarrou o braço. Engoliu o bocado de comida como se fosse uma rolha que lhe passava pela garganta e ergueu o olhar.
“O…que…é…isso…aí?”, questionou a mãe, como se estivesse a tentar não explodir nem torcer o pescoço à morena. Tinha o olhar dirigido ao pescoço desta, com uma expressão de raiva pura.
Engolindo em seco, Daniela lembrou-se que na noite anterior Susana lhe tinha feito um chupão. Como se não bastasse o ódio profundo da mãe àquele tipo de marcas, saber que tinha sido “aquela desavergonhada” a fazê-la não ajudava. De tão paralisada de medo que estava nem conseguiu articular resposta.
“Se aquela cabra se atreveu a tocar-te eu…”, ameaçou a mãe, com os olhos a chisparem de raiva. Foi interrompida pelo pai, o que resultou em mais uma discussão entre ambos e na rapariga a pôr-se longe de casa, antes que sobrasse mais para si.
Encostou a testa ao volante do carro e pediu aos santos que as coisas voltassem ao normal, antes de acelerar sem rumo definido, apenas queria sentir a sensação de velocidade e deixar para trás os problemas.
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