Era o dia do aniversário de Daniela, que acordou com o som de um tabuleiro a ser colocado em cima da sua mesa-de-cabeceira. Lentamente, abriu os olhos a tempo de ver os pais, um de cada lado, sentarem-se na cama, ao seu lado. Pouco a pouco foi-se lembrando do que tinha para fazer neste dia, mais concretamente a parte que dizia respeito a Susana e aos seus pais.
“Parabéns, linda!”, disseram em uníssono, cobrindo a rapariga de beijinhos e abraços. Pelo menos estavam de bom humor, só esperava não lhes estragar a boa disposição.
“Hm…bigada”, murmurou a morena, ainda com a voz entaramelada do sono e com o estômago a dar mortais.
Enquanto os pais faziam um discurso que tinha algo a ver com a última vez que lhe mudaram as fraldas e a primeira palavra, Daniela fingia estar a ouvir, quando na verdade estava a ganhar coragem para falar no assunto aos pais. Não lhe apetecia nada mais que deixar aquilo cair no esquecimento e deixar o dia decorrer com normalidade, mas havia prometido a Susana, não podia voltar atrás com a sua palavra.
“Mãe, pai…Hm…enfim…olhem, quero muito apresentar-vos uma pessoa especial”, disse, muito a custo, a rapariga, com a face escarlate. Pronto, já não havia volta a dar.
Ambos interromperam o que estavam a dizer para ficarem petrificados a olhar para a filha. “Quem é?”, foi a pergunta rápida.
“Alguém que não conheci há tanto tempo assim nem estamos numa relação há muito tempo, mas é importante e sério o suficiente para eu vos querer apresentar”, respondeu a morena. O que custava era ganhar coragem, o resto ia bem.
“Então traz lá o rapazinho, menina”, disse, por fim, a mãe, num tom que causou arrepios pela coluna de Daniela. Se bem que ver o sorriso genuíno que se desenhou no rosto do pai, a rapariga sentiu alguma esperança.
Já se fazia tarde, portanto os pais não insistiram mais no assunto e foram para o trabalho, dando apenas as recomendações do costume (“a avó quer-te em casa para almoçares”). A morena também não se demorou muito tempo na cama, indo logo tomar banho e vestir-se. Depois de almoço iria ter com Marta, afinal devia-lhe uma tarde desde há três anos atrás, por muito que Pedro se fosse chatear. Além de que precisava da companhia de alguém que a conseguisse acalmar e impedir de se acobardar à ultima da hora.
Saiu de casa e foi até à avó, que durante o almoço não deixou de se desfazer em simpatias. Afinal era a sua única neta, a rapariga onde depositava as maiores esperanças e por quem fazia tudo sem pensar duas vezes. Mas antes da neta ainda vinham as mentalidades e os costumes a que estava habituada e Daniela já estava a ver isso tudo a ir por água abaixo no momento em que a mãe lhe fosse contar de Susana.
Despediu-se da avó com um aperto no peito, aquele podia ser o último dia em que esta a considerava sua neta. Talvez devesse ter sido honesta com a família desde o princípio, mas ficar com uma rapariga não estivera nos planos. Realmente Susana tivera imensa sorte com a avó. Estava ainda a matutar no assunto quando se dirigiu para o carro, arrancando depressa. Em tempos de ansiedade ou stress, guiar era das poucas coisas que a acalmava. Foi um tempo recorde que chegou ao parque que ficava perto da antiga escola, local onde se encontraria com Marta.
Quando finalmente a avistou, ergueu o braço no ar, de modo a chamar-lhe à atenção. Esta veio na sua direcção, com um ar animado. Daniela encurtou a distância com uma corrida rápida e atirou-se ao pescoço da amiga com um abraço.
“Parabéns, Sousa!”, disse Marta, com um sorriso de orelha a orelha, sabendo que a rapariga detestava que a tratassem pelo apelido.
A morena, ainda com a cara no pescoço da outra, limitou-se a levantar-lhe o dedo do meio. É que depois daquele tempo todo já nem se dava ao trabalho de insistir. Naquele momento estava a precisar de todo o conforto que conseguisse, nem lhe apeteceu largar Marta.
“Marta…tens noção que não vivo até amanhã?”, murmurou Daniela, aterrorizada.
“Ai cala-te”, respondeu a outra com um revirar de olhos, “Pelo que vi, a Suse é um amor, claro que vão gostar dela”
Nesse momento a rapariga agarra a gola da t-shirt de Marta, levantando-a um bocadinho, à medida que dizia atabalhoadamente, “A minha mãe já não aprova uma relação séria com um rapaz tendo em conta que ainda acha cedo para me prender a alguém, quanto mais uma rapariga!”
No instante seguinte a morena só tem tempo de tapar os ouvidos à medida que Marta gritava, “DANIELA! Essa t-shirt era nova!”. Olhou para a mão e viu que tinha lá um bocado de tecido, agarrado com toda a força nos dedos, “UPS!”
Marta podia ser realmente assustadora quando estava zangada. A rapariga engoliu em seco e recuou dois passos, “Eu juro que te dou uma nova!”
“Se não estivesses com a Suse eu só te perdoava se me desses um beijo”, replicou a outra, escarlate. Se o olhar matasse, a morena estaria reduzida a cinzas. “Mas sendo assim acho que aceito outra!”
De assustado o olhar de Daniela passou a estupefacto, fixando-se em algo por cima do ombro de Marta. A amiga estranhou a súbita mudança de atitude da rapariga e vira-se para trás. Uma rapariga um pouco mais alta que ambas, de cabelo castanho claro e pele bronzeada encontrava-se a passar. Quando esta se aproximou, ambas puderam verificar que era bem avantajada e bonita, apesar do ar presunçoso que tinha. A morena reconheceu-a de uma foto que Susana lhe tinha mostrado, tratava-se de Mónica.
Mónica passou pelas raparigas, trocando um olhar duvidoso com Daniela, como se soubesse. Esta optou por virar a cara, apesar de se encontrar tentada a atirar-lhe uma pedra da calçada à cabeça. Quando a sensação de assombro se desvaneceu, deu lugar a minimização. Como é que Susana tinha olhado para ela quando já tinha namorado com alguém como Mónica? Aguardou que esta se afastasse antes de falar.
“Esta é que é a tal Mónica…”, disse num tom amargo, “Andou com a Susana uns três anos, acho”
“Mesmo boa”, disse Marta, num pensamento alto que depressa corrigiu, “Andou, passado. Agora anda é contigo”
“Sim…mas como é que eu compito com aquilo?”, lamentou-se Daniela, mordendo o lábio inferior, “Isto parece um erro tão grande”
Foi então que a mão de Marta colidiu em cheio com a face de Daniela, deixando-a agarrada a esta. A rapariga olhou para a outra com uma expressão de surpresa mas visivelmente mais calma, “Para que foi isso?”
“Espero que tenhas acordado”, disse Marta rispidamente, “Ela gosta mesmo de ti”
“Gosta agora, enquanto não lhe passar a panca”, sussurrou a morena, agarrando-se à outra, “Não sei onde ando com a cabeça, devia era procurar uma mais ao meu nível”
“Tu queres outra chapada?”, ameaçou Marta novamente com o olhar ameaçador.
“Não, não!”, apressou-a morena a dizer, pois ainda tinha a cara dorida, era preferível mudar de assunto, “Olha lá, não me contaste, então aquela amiga da Suse, Guida, ou lá como era, que é feito dela?”
Marta, com um sorriso cúmplice, contou o desenrolar dos acontecimentos, apesar de Guida ser hetero não dizia não a alguma acção lésbica, mesmo que não fosse admitir a Susana. Daniela tinha que admitir que, se não tivesse Susana, não se teria nada importado nada de se virar para Guida, que tinha uns lábios mesmo apetecíveis. No entanto, só podia pedir pormenores e invejar ligeiramente Marta, coisa que nunca lhe iria admitir.
“Olha lá, já são sete e meia, não tens que te despachar?”, disse Marta, “Não é que esteja a correr contigo, sabes que adoro a tua companhia, mas a Guida pediu-me ajuda lá por casa e tal…”
“Ai! Eu não quero fazer isto!”, queixou-se a rapariga, cravando as unhas no braço da outra, “A minha mãe vai-me castrar!”
“Sousa! Larga-me já”, rosnou Marta, “Vai correr tudo bem!”
E assim, cada uma seguiu o seu caminho, Daniela foi para casa, com o coração nas mãos e Marta até casa de Guida.
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