domingo, 27 de março de 2011

Capítulo 15

(Vá láaa...nem que seja um "Vai masé apanhar uvas")

“Hm Dani…”, Susana acordou depois do que aparentava ter sido um sono longo e profundo. Sentia-se bem como não se sentia havia já algum tempo, completa, realizada…enfim, feliz. Ao tentar virar-se na cama, de modo a ficar de lado, sentiu uma dor forte na coxa, lembrando-a da condição em que estava. Esboçando uma expressão de dor, conseguiu, por fim, posicionar-se, colocando o braço sobre o que julgava ser outro corpo. Quando não sentiu nada além de um espaço vazio, uma sensação de pânico irrompeu-lhe do peito.
“Oh meu Deus, só espero não ter feito nada que a tenha feito arrepender-se”, pensou ela, fechando os olhos. A situação era uma para a qual nada por que tivesse passado antes a tinha preparado. Todo o seu historial se resumia a uma relação complicada mas duradoura de três anos e aventuras de uma noite, com raparigas que nunca mais tornara a ver. Nunca antes tinha sentido a responsabilidade de ter de dar o seu melhor para que a outra pessoa tivesse uma primeira experiência agradável.
Arrastou-se o melhor que pôde e alcançou o telemóvel que se encontrava na mesa-de-cabeceira. Ligou-o, com as mãos a tremerem de ansiedade, apenas para o voltar a pousar ao pé de si. Tinha tanto receio de que a namorada lhe dissesse que aquilo tinha sido um erro, que elas eram um erro…Respirou fundo, mas nem assim se viu com coragem para falar com Daniela.
A sua avó entrou no quarto, trazendo o jantar. Susana não pôde evitar sentir-se frustrada ao observar a expressão pesarosa da senhora ao caminhar carregada com o peso do tabuleiro e não a puder ajudar.
“Aqui tens a comida”, declarou a idosa, mantendo a boa disposição apesar do esforço que fazia, “Dormiste bem, Suse?”
“Sim, avó”, limitou-se a loura a responder, o tom abatido com que pronunciou aquelas simples palavras não passou despercebido aos ouvidos da avó, “Gostou do teatro?”
“Foi engraçado, foi…”, respondeu a senhora, sentando-se na cama, perto da neta, sentindo-se preocupada, “Depois do que me parece que se passou esta tarde não acredito que tenhas motivos para estares tão triste”
Qualquer outra pessoa ter-se-ia sentido pouco à vontade com aquele comentário, mas tendo em conta que Susana nunca escondeu à avó a sua orientação sexual nem o facto de namorar, nem pestanejou. Quando teve a primeira experiência com a primeira namorada, a idosa foi a primeira a saber, quando começaram a ter problemas na relação, virou-se imediatamente para a senhora para desabafar. Resumindo, a loura sabia que podia contar com a avó para os bons e maus momentos. Como tal, não foi de admirar que nem tivesse hesitado em partilhar com a senhora o que a preocupava.
“Fui a primeira dela…”, confessou Susana, num sussurro pouco audível, “Não sei se lidei bem com a situação, mas quando acordei e vi que a Dani não estava aqui…”
“Quanto a isso não te preocupes, fui eu que a acordei porque já era tarde”, assegurou a idosa, passando a mão enrugada pela face da jovem preocupada, “Mas espera…foste a primeira rapariga com quem esteve?”
“Primeira pessoa…”, respondeu a loura, agora menos aflita, pelo menos sabia que a namorada não tinha ido embora por se ter sentido mal, ainda assim receava que a rapariga não tivesse gostado ou que achasse que podia ter melhor com rapazes.
“Oh, estou a ver…”, disse a senhora, arregalando os olhos, visivelmente surpreendida, “Pelo que pude reparar, ela parecia feliz quando acordou”
“Espero que sim”, suspirou a loura, sentindo-se como se tivesse tirado um grande peso de cima, não havia nada mais que desejasse naquele momento do que ouvir Daniela garantir-lhe que lhe tinha conseguido proporcionar um bem bocado, “Tenho medo que se repita o que se passou com a Mónica”
A avó estremeceu de raiva ao ouvir aquele nome. Quem observasse as duas naquele momento facilmente perceberia de quem a jovem tinha herdado a sua faceta protectora. Para a idosa uma das recordações que mais a torturava lembrar era, sem sombra de dúvida, o quanto a neta sofreu quando a namorada a traiu. De certa forma nunca tinha ido com a cara de Mónica, não suportava a má educação da rapariga nem os seus modos pretensiosos. Desagrado virou ódio quando a dita traiu Susana. Cada vez que recordava o dia em que a neta chegou a casa completamente lívida e se lhe desfez em lágrimas nos braços…
“Isso não vai acontecer”, apressou-se a avó a dizer, afagando os cabelos dourados de Susana, “A Dani parece ser muito melhor rapariga que essa, tenho a certeza que seria incapaz de te enganar”
“Nesse aspecto ela é impecável”, continuou a loura, sorrindo levemente, “Só tenho medo de que a primeira vez dela tenha sido uma desilusão ou de a ter magoado…”
“Confio que tenhas sabido fazê-lo com cuidado, disso não duvido”, disse a senhora, de modo a consolar a rapariga.
“A longo prazo tenha medo que ache que possa ter melhor com um homem do que comigo”, admitiu Susana, com uma expressão sombria, “Como aconteceu com a Mónica”
“Oh Suse…”, reconfortou a avó, passando-lhe os dedos pelo couro cabeludo, “Pelo que já falei com ela, a Dani não liga muito a sexos, no fundo acha mais importante a pessoa em si. E acredita que ela gosta de ti a sério”
“Obrigada avó”, disse a loura honestamente. Apesar da imagem que se esforçava por transmitir, o que se passou com a ex tinha-lhe abalado severamente a confiança. Decidiu que no dia seguinte falaria com Daniela, mas por enquanto não queria ficar sozinha, entregue às suas preocupações, “Podia ficar só mais um bocadinho? Só até eu adormecer”
A idosa acedeu ao pedido, ficando a brincar com o ondulado dos cabelos da jovem, daquela maneira que sempre a tinha acalmado. Quando a loura finalmente adormeceu, a avó despediu-se desta com um beijo na testa.
A meio da noite, Susana acordou sobressaltada, a ponto de se encontrar suada, o que não era nada normal visto que estava sob o efeito de inúmeros comprimidos. Virou-se com demasiada brusquidão, magoando a perna ainda em recuperação. Com um esgar de dor conseguiu colocar-se de modo a ficar de novo confortável. Fechando os olhos tentou recordar-se com que é que tinha estado a sonhar…só se lembrava de fragmentos e imagens paradas mas, com uma dor forte no peito, constatou que tinha sonhado com Mónica.
Já tinha prometido a si própria que não voltaria sequer a tocar naquelas memórias, a sua ex não merecia nem ficar na memória, quanto mais permanecer como uma. Mas naquele momento não conseguiu evitar recordar tudo quanto se tinha passado, desde o dia em que conheceu Mónica até aos dias em que tinha que se tinha que cruzar com esta e com o namorado da mesma. Talvez recordar lhe fosse fazer bem, depois de tanto tempo…
Ignorando o aperto aflitivo que começava a sentir, pensou no dia em que se tinha conhecido. Tinha sido a caminho da escola e era o primeiro dia de ambas no secundário, tinham quinze anos. Susana estava atrasada e dobrou uma esquina a correr, sem ter o cuidado de ver se estava alguém do outro lado, indo chocar com uma rapariga, que se desequilibrou e caiu, ficando com as coisas todas espalhadas no chão. Os seus bons modos não a deixaram continuar o seu caminho sem ajudar a pessoa, portanto apanhou os livros e estendeu a mão para ajudar a rapariga a levantar-se. No momento em que os seus olhares se cruzaram, o mundo de Susana mudou.
No dia seguinte, voltaram a passar uma pela outra, trocando um sorriso. Logo após ter sorrido, a loura desviou o olhar, sentindo uma sensação estranha no estômago. Os sorrisos continuaram durante uns tempos, até que Mónica veio falar pessoalmente com Susana. Deram-se imediatamente bem, falando sempre, evoluindo até boas amigas. Por vezes encontravam-se, embora quase sempre em casa de Mónica, visto que a loura tinha uma certa vergonha das condições pouco exuberantes, em comparação com a outra, em que vivia.
O aperto aumentou para o dobro, no momento em que Susana relembrou os acontecimentos seguintes. Mónica tinha-a convidado para ir lá a casa e a loura aceitou prontamente, como era seu hábito. Na altura já se tinha apercebido que sentia algo forte pela outra, tendo já pensado em contar-lhe, mas faltava coragem. Como nesse dia estava bastante calor, combinaram que dariam um mergulho na piscina de casa da outra.
A primeira parte decorreu com normalidade, limitaram-se a conversar e a nadar um pouco, tudo estava casual até ao momento em que Susana mergulhou, emergindo pertíssimo de Mónica, encurralando esta entre o seu corpo e a parede da piscina. Colocou os braços na borda, em torno do corpo da outra, de modo a aproximar-se e, simplesmente não se conseguiu conter. Mónica estava tão bonita, com o cabelo molhado e gotas de água a deslizarem-lhe pela face. Beijou-a. Tão ternamente como conseguia, apesar de nunca ter feito isso antes. Uns momentos depois, afastou-se, assustada com a ideia de ter feito algo errado. A outra limitou-se a sorrir e a assegurar-lhe que estava tudo bem, antes de lhe pegar na cara e prolongar o beijo. Foi esse o dia em que começaram a namorar.
Se recordar os acontecimentos até aqui estava a magoar Susana, então os seguintes seriam excruciantemente dolorosos. Um ano decorreu com normalidade, a loura estava cada vez mais apaixonada por Mónica, mesmo tendo já sido alertada por amigos de que esta não era de todo uma pessoa sincera. No dia em que comemoraram um ano, decidiram encontrar-se para celebrar. Susana levou uma rosa vermelha, pois sabia que era a flor preferida de Mónica, bem como a sua. Foram para o quarto, de modo a poderem namorar à vontade. Desta vez parecia diferente, o ambiente estava mais erótico, cada toque desencadeava uma série de reacções em ambas.
Mónica não se coibiu de colocar uma mão no peito de Susana e de empurrar esta até a cama, mantendo sempre contacto visual. Quando os joelhos da loura tocaram na borda da cama, esta deixou-se cair para trás, ficando deitada. A outra sentou-se-lhe em cima, beijando-a intensamente. Susana sentiu uma ponta de nervosismo atravessar-lhe o corpo mas estava com Mónica, sabia que a outra nada faria para a magoar.
Mónica não perdeu tempo, tinha a loura mesmo onde queria. Continuou o prolongado beijo, desta vez, passando-lhe a mão pelo peito, apertando ao de leve. Susana estremeceu devido ao contacto súbito, o que deu à outra a ideia de que não estava à vontade. Mónica parou, pois pensou que esse seria o desejo de Susana, quando esta a segurou, puxando-a mais para si, retomando o que estavam a fazer. A outra, visivelmente agradada pela tomada de iniciativa por parte da loura, colocou-lhe a mão por baixo da camisola, acariciando-lhe o peito directamente, o que fez com que a rapariga por baixo de si gemesse.
Susana posicionou-se de modo a facilitar a Mónica a tarefa de lhe tirar a camisola, deixando que a outra fizesse o que bem lhe apetecesse. Esta beijou-lhe o pescoço, deixando um chupão de modo a “marcar território”, continuando a descer. Durante todo este tempo, as mãos da loura contornaram cada centímetro do corpo da outra, parando na cintura desta, apenas para lhe puxar a camisola. Mónica não se deteve muito tempo, começou-lhe a puxar as calças, até que as conseguiu tirar com alguma facilidade. Quando ia a fazer o mesmo à roupa interior desta, Susana deteve-a. A outra olhou para a loura, com um ar de espanto/aborrecimento.
A loura, com um suspiro, admitiu que era virgem, apenas não queria desapontar a namorada. Mónica se se importou, disfarçou muito bem, pois limitou-se a sorrir e a prometer a Susana que teria cuidado. Os acontecimentos seguintes encontravam-se nublados ou fragmentados na mente da loura. Apenas conseguia recordar de sentir o peso do corpo quente de Mónica em contacto contra o seu, enquanto esta lhe murmurava palavras e promessas que nunca chegaria a cumprir ao ouvido. Se na altura tivera mesmo intenção de as cumprir, nunca saberia, mas no momento tinha-a conseguido fazer sentir verdadeiramente a pessoa mais especial.
Por esta altura, Susana tinha uma lágrima a escorrer-lhe pela face. Finalmente permitira-se pensar sobre o que se tinha passado, só não julgou vir a sentir-se tão mal. Parte de si sentiu-se culpada por ter provocado aquela dor própria da primeira vez a Daniela. Engolindo um soluço prosseguiu com as recordações…onde ia? Ah sim, o segundo ano decorreu normalmente, foi a continuação de um conto de fadas perfeito. Estavam juntas bastantes vezes, até porque eram da mesma escola. A loura não se fartava da companhia da outra, quando muito não conseguia evitar sentir-se cada vez mais apaixonada. Ora encontravam-se em casa de Mónica, onde ficavam a ver um filme e a trocar miminhos, ora iam ao centro comercial ou à praia. Susana detestava compras mas adorava a companhia de Mónica.
Só no terceiro ano é que as coisas começaram a deteriorar-se. Por sua vez Susana estava certa de ter encontrado a mulher da sua vida. Já Mónica parecia estar a distanciar-se. Preferia passar tempo com amigos, nunca querendo que a loura estivesse presente. Quando estavam juntas era quase sempre para partilharem momentos íntimos. Até a maneira como Mónica a tratava era diferente, estava fria e facilmente irritável. Cada vez que a loura propunha apenas saírem, era recusada e cada vez que perguntava se se passava algo, a outra limitava-se a negar. Susana tentava ser o mais querida e paciente possível mas nada conseguia, desejando apenas que fosse uma fase.
A última e final memória magoou Susana mais do que todas as outras juntas, se a loura já tinha diversas lágrimas a caírem-lhe pelo rosto, não foi nada que se comparasse ao que viria a seguir. Um dia cansou-se de ficar sempre em segundo plano na vida da namorada, portanto decidiu fazer-lhe uma surpresa e levar uma rosa vermelha, idêntica à que lhe tinha dado quando fizeram um ano. Ao chegar a casa de Mónica começou a hesitar, não tinha a certeza se a outra, no estado em que tinha andado nos últimos tempos, iria gostar. Quando alcançou a estrada viu algo que congelou a entranhas mais ínfimas do seu corpo. Mónica estava agarrada a um rapaz, beijando-o intensamente. Já vira o miúdo em algum lado…conhecia-o de vista, andava na mesma escola. E estava com a sua namorada. Custou-lhe tanto ver como Mónica se entregava daquela maneira a alguém que não ela.
Só se lembrou de ouvir o grito esganiçado da namorada, um grito que nos tempos que correm ainda lhe ecoa nos ouvidos, paralisando-a, e de correr para longe. Não soube quanto tempo correu, mas quando deu em si, estava num parque, sem conseguir respirar e com dores, mas nada disso importava. Pouco tempo depois, Mónica apareceu, visivelmente cansada, mas não dizia nada para além de “desculpa, não queria que tivesse sido assim”. Susana não se lembrou do que lhe disse, estava demasiado perturbada para conseguir sequer chorar. Gostaria de o ter feito mas estava demasiado sufocada. Acabou com Mónica, embora parte dela quisesse abraçá-la e esquecer que aquilo aconteceu…amava-a a esse ponto.
Voltou para casa, nem sabendo como se orientou até lá, simplesmente não fazia ideia do que a rodeava, nem lhe interessava. A sua avó perguntou-lhe o que se passou e porque é que estava com aquela cara. Foi nesse momento que Susana não aguentou mais, caiu aos pés da idosa, chorando até mais não. Os meses que se seguiram foram infernais, mesmo quando não via a ex namorada, era como se se encontrasse permanentemente na presença desta, via-a mesmo quando ela não estava por perto. Mas quando a via então não conseguia aguentar, chorava baba e ranho e nem tinha problemas com quem a via naquele estado. O que só era intensificado pelo facto de Mónica não se coibir de demonstrar afecto para com o namorado à frente da loura.
A vida de Susana resumia-a a casa e escola, não falava com ninguém, já nem se conseguia alimentar em condições, perdendo bastante peso. A situação só se alterou quando Guida a obrigou à força toda a ir sair a um bar gay, onde Susana não se sentiria deslocada, certificando-se que a loura consumia bastante álcool. Foi nessa noite que se envolveu com uma desconhecida e percebeu que estava a tornar-se uma concha do que anteriormente era e isso não podia permitir.
Talvez fosse ao jeito de “vingança”, talvez fosse só para se sentir desejada, ou talvez fosse só para se divertir, mas o certo foi que depois daquela noite, seguiram-se muitas iguais. Uma rapariga, duas, talvez um grupo por noite…Susana não sabia ao certo quantas já lhe tinham passado pelas mãos. O importante era que não estava um caco. De certa forma nunca tinha largado essa atitude, agora que pensava nisso. Então o que mudara quando conheceu Daniela? Se bem se lembrava, tinha começado como não mais que uma aposta. Como é que se tornara mais? Não soube bem como responder à pergunta, provavelmente o facto de a rapariga ter tido uma atitude oposta à das outras que conhecera, juntamente com os acontecimentos daquela noite, que despertaram interesse de Susana.
Não sabia…a única certeza que tinha era o facto de se ter sentido verdadeiramente feliz pela primeira vez junto da morena. Era quanto lhe bastava. No dia seguinte falar-lhe-ia sem falta, por muito medo que tivesse. Foi com esta decisão que voltou a adormecer, desta vez dormindo o sono dos justos.

Sem comentários:

Enviar um comentário