sábado, 5 de março de 2011

Capítulo 11


Daniela acordou com a claridade da manhã a passar através das paredes de pano da tenda. Doía-lhe a cabeça e sentia algo pesado sobre a cintura, já para não falar que não reconheceu imediatamente onde estava após ter acordado. Pouco a pouco foi juntando os fragmentos de memórias do dia anterior…os pais, as bandas, Susana, Fábio…SUSANA! Ergueu-se nesse mesmo instante, ficando sentada. O que outrora lhe estava a fazer peso em cima da cintura revelou-se, nada mais, nada menos, que o braço da loura. Esta acordou com o movimento brusco que a morena fez ao levantar-se.
“Hm, ainda é tão cedo…”, murmurou ela, ainda de olhos fechados, “Não podemos ficar só mais um pouquinho?”
A rapariga sentiu o coração apertado ao lembrar-se da situação por que passaram na noite anterior, se dependesse de si limitar-se-iam a ignorar e a esquecer o que se passou. Mas fora demasiado grave para ser deixado passar em branco. Talvez por ainda estar mais na Terra dos Sonhos do que na Terra propriamente dita, a outra não parecia recordar-se. Limitar-se-ia a não tocar no assunto e a agir com a maior naturalidade possível. Consultou as horas e viu que sim, podiam ficar mais algum tempo. Após dar notícias aos pais de que estava bem, deitou-se, virando-se para Susana.
“Bom dia, dormiste bem?”, perguntou a morena, pondo já o seu plano de acção, que basicamente se resumia a ausência de acção, em prática.
Só então a loura se pareceu aperceber da posição em que ambas estavam e não fez o mínimo esforço para não parecer incomodada. Retirou prontamente o braço e limitou-se a responder à pergunta com um murmúrio incompreensível. A rapariga preferiu não insistir nem forçar conversa, começando a procurar a roupa. Não ia mendigar o perdão da outra, quando chegasse a altura de se provar, fá-lo-ia, se viesse a ter oportunidade, é claro…
“Olha vou comer qualquer coisa, ficas aqui?”, perguntou um pouco a medo. Quando a loura estava de mau humor podia ser deveras inconstante, como a morena veio a saber por experiencia própria na noite anterior.
“Ainda quero dormir mais”, respondeu com a cara enterrada na almofada.
Com um “até já”, Daniela abandonou a tenda. Caminhou um pouco cabisbaixa em direcção a um café improvisado, ainda a tentar acreditar na reviravolta 180 graus que a sua relação com Susana deu. Ainda há vinte e quatro horas parecia tudo perfeito, agora estavam por um fio. Com um abanar de cabeça decidiu não se deprimir mais e tratar de se alimentar. Má vida amorosa não era desculpa para virar anoréctica. Pediu um café e uma sandes, que comeu sem vontade e levou outra para a loura, juntamente com uma garrafa de leite com chocolate. Fez o caminho de volta para a tenda com um aperto no peito, apenas para dar de caras com a outra ainda a dormir.
Tendo em conta que as coisas estavam tremidas o suficiente sem ter que irritar mais Susana acordando-a, Daniela optou por esperar à entrada da tenda. Tirou o seu maço da mala e acendeu um, talvez aquilo a acalmasse. Pouco depois a outra acordou, com o cabelo louro em desalinho e os olhos azuis semi-abertos. Apesar da tensão que se fazia sentir, a rapariga não pôde evitar notar no quão adorável Susana estava, o que a fez sorrir.
“Trouxe-te o pequeno-almoço”, tentou a morena, com alguma hesitação. Por muito que não tencionasse “dar graxa” à outra, um gesto simpático seria inofensivo.
A loura pareceu surpreendida, mas agradeceu com um sorriso pequeno mas honesto. Comeu em silêncio, sempre de olhos postos no vazio. Apenas falou após ter acabado:
“Depois queres boleia para casa?”, perguntou, sempre com o mesmo ar melancólico, brincando com um graveto que se encontrava no chão ao pé de si.
“Não quero causar-te transtorno, mas se ofereces aceito”, respondeu a rapariga. Todos os momentos que podia partilhar com a outra eram poucos, sobretudo depois do sucedido.
“Então eu levo-te depois”, concluiu ela, largando o graveto para dar um toque no braço da morena.
O segundo e último dia do festival ia ter lugar dentro de pouco tempo. As raparigas caminharam sempre lado a lado, mantendo um diálogo descontraído e amigável, na medida do possível, sobre as bandas. Pelo menos descobriram que tinham mais gosto musical em comum do que à primeira vista aparentava, apenas o de Daniela era mais abrangente e variado, enquanto que o de Susana era basicamente aquilo e acústica. Encontraram um lugar simpático no qual podiam estar sentadas, embora estivessem a uma distância considerável do palco. Nenhuma parecia capaz de enfrentar grandes turbulências.
Desta vez estiveram razoavelmente isoladas e afastadas, de tal modo que não tiveram que lidar com empurrões nem encontrões. Cada uma ia, muito lentamente, tentando reduzir a falta de contacto entre ambas. Primeiro Daniela sentou-se à mínima distância possível sem que parecesse mal, depois Susana ia aproximando a mão da da rapariga, devagar. A certo ponto estavam de mãos dadas, mesmo que só se limitassem a segurar.
A última banda tinha acabado de tocar e as raparigas ainda se encontravam no mesmo local, de mãos dadas, ambas incapazes de arranjar presença de espírito suficiente para avançar mais. À medida que a multidão dispersava, a morena ganhava coragem para fazer algo. Mal viu que estavam praticamente sozinhas, beijou a loura ao de leve. Apesar de tudo não podia abusar. Não houve razões para ter tido medo, a outra correspondeu prontamente, apressando-se a aproximá-la de si. Separaram-se momentos depois, o beijo não tinha ostentado uma atmosfera pesada, tinha sido apenas normal em todos os sentidos.
Abandonaram o recinto, desta vez de mãos dadas e em silêncio. Trataram de arrumar as coisas e de vir embora. O festival não tinha de todo sido tão aprazível como ambas gostariam. Na parte que lhe tocava, Daniela faria de tudo ao seu alcance para se redimir, só pedia uma oportunidade.

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