domingo, 6 de março de 2011

Capítulo 12


Um mês passou e, durante esse curto espaço de tempo as raparigas foram falando cada vez menos e menos. De certa forma as circunstâncias assim o obrigaram. Daniela fora duas semanas para fora com os pais, não tendo qualquer contacto com ninguém e sem notícias de nada nem ninguém que não da família. Susana, por sua vez, parecia determinada em evitar a namorada ao máximo. Ora dizia que estava a cuidar da avó, ora dizia que tinha que trabalhar. De cada vez que ia para o bar, a morena ficava com o coração nas mãos, receosa de que a outra a fosse trair, não que não confiasse nela, mas ultimamente as coisas estavam pior que mal.
Durante o pouco tempo em que não esteve no estrangeiro, a rapariga aproveitou para estar com Pedro, visto que não o via há bastante tempo. Afinal, se a outra não se dignava sequer a dar sinal de vida, para quê insistir mais do que já havia tentado? Se precisava de espaço, então a morena dar-lho-ia. O que não era razão para que não se pudesse divertir e aligeirar os sentimentos de culpa/obrigação. Além de que, de certa forma estava a adorar não estar constantemente a preocupar-se com a situação em que estavam, de tal forma que já tinha considerado acabar.
Numa manhã excruciantemente quente, tudo mudou. Daniela foi acordada pelo barulho proveniente da vibração do telemóvel. Alguém lhe estava a ligar e com alguma urgência. Os pais estavam em casa e a rapariga estava com sono, fosse quem fosse podia esperar. À terceira tentativa viu que convinha não ignorar, pegou no aparelho e viu no visor que era Marta que lhe estava a ligar. Era mais habitual comunicarem por mensagens, é porque desta vez devia ser mesmo importante. Atendeu e, antes que tivesse tempo de dizer o seu cumprimento, a outra disse, num tom alarmado:
“Tu nem sabes o que aconteceu!”, num tom assustado, que lhe tornava a voz mais aguda.
“Elucida-me”, respondeu a morena, total e completamente confusa.
“A Susana teve um acidente de mota!”, continuou Marta, sempre nervosa, “A Guida disse-me que ela acabou de vir agora do hospital”
“Oh meu Deus…”, limitou-se a rapariga a dizer, sem puder acreditar, “Ela está bem?”
“Passou ainda uma semana no hospital”, respondeu, “Quem viu disse que foi uma sorte ter escapado só com um fémur e umas costelas partidas”
A morena sentiu-se fustigada por uma maré de alívio. Pelo menos Susana estava bem, apesar de tudo. O que explicava o seu súbito desaparecimento, ao lembrar-se disto Daniela sentiu-se culpada por ter assumido logo que era desinteresse da parte da outra.
“Dani, estás aí?”, perguntou, visto que a rapariga não emitiu qualquer ruído.
“Hm, estou sim”, respondeu, ainda emersa nos seus pensamentos.
“Estava a dizer-te que a devias ir ver, ainda é tua namorada”, afirmou Marta, como se se tratasse de algo muito óbvio.
“Não por muito mais tempo, Marta”, suspirou a morena. Apesar da notícia e da sua vontade de estar lá para ajudar a outra, já não desejava ter nada que não amizade e só amizade com a loura.
“Cala-te, vai vê-la e não te precipites estupidamente”, concluiu Marta, “Sabes onde vive, certo?”
“Epa não, quer dizer, sei o local mas não sei exactamente a morada”, admitiu a rapariga, com algum embaraço.
“Então eu pergunto à Guida e já te digo qualquer coisa”, limitou-se a outra a dizer, “Até já”
Desligou a chamada, deixando Daniela entregue aos seus pensamentos. Se pudesse iria visitar a loura ainda naquele dia, mesmo que de certeza que a apanharia a dormir, devido à quantidade de sedativos que devia estar a tomar. Ainda assim iria tentar. Não demorou a receber uma mensagem de Marta com a morada, juntamente com um “ela quer muito ver-te”. Foi assim que se decidiu. Uma hora depois já tinha pegado no carro e estava a caminho.
Ao chegar ao destino, ficou a observar o exterior da casa por uns momentos. Esta aparentava ser bastante pequena, e antiga, apesar de o jardim se encontrar cuidado. As paredes brancas de pedra estavam a necessitar de ser novamente pintada e as janelas tinham cortinados a desfazerem-se. Se tivesse que atribuir uma idade àquela casa diria que esta devia ter sido construída nos anos trinta, na melhor das hipóteses. Finalmente arranjou coragem para tocar à campainha. Assim o fez e aguardou.
Quando já estava a considerar desistir, uma idosa rechonchuda abriu a porta. Esta movia-se muito lentamente, como se lhe custasse muito. O seu aspecto condizia com o da casa. O cabelo era de um branco neve apanhado atrás, estava vestida de preto e tinha um tom de pele moreno, ainda que tivesse imensas rugas. Devia ter a idade da casa, mas nem isso lhe tirava o seu aspecto doce.
“Daniela?”, perguntou numa voz rouca e frágil, como se só o acto de falar lhe fosse penoso.
“Sim sou eu”, respondeu a morena, hesitante. Pelos vistos Susana já tinha falado sobre ela à avó.
“Podes entrar, filha”, disse, dirigindo-se ao portão, num andar lento, que encheu a rapariga de pena, “A Susana adormeceu mas se não te importares de esperar ela não deve demorar muito a acordar”
Daniela concordou e baixou-se para cumprimentar a senhora. Entraram dentro de casa e a rapariga pôde verificar que o interior era tão antigo como o exterior, os móveis, apesar de estarem em condições, eram antiquíssimos, tal como o soalho de madeira, que rangia quando caminhavam sobre este. A avó encaminhou-as para a cozinha, também esta com electrodomésticos pré-históricos, e convidou a morena a sentar-se.
“Está aos bocados”, sussurrou, como se estivesse a tentar conter o choro.
“Desculpe?”, questionou esta.
“A minha menina, a única coisa que me dá força para me levantar todos os dias”, prosseguiu, ainda a custo, “Desculpa estar a dizer-te isto, mas és quem melhor me pode perceber”
“Então…sabe?”, arriscou a rapariga, rezando para que não estivesse a revelar mais do que gostaria.
“De vocês? Desde o dia em que te conheceu”, esclareceu com um sorriso, “Voltou para casa tão diferente…”
“Pois, não correu da melhor maneira, infelizmente”, admitiu Daniela, timidamente.
“Depois foi melhor, quando começaram a namorar, ela estava feliz como já não me lembrava de a ver”, continuou, com um ar encantado, que tocou a morena, fazendo-a sentir-se ainda pior consigo própria, não só pelo que fez, mas também por tencionar acabar com Susana.
“Tenho saudades desses tempos”, suspirou a rapariga, com sinceridade.
“Ela contou-me o que se passou…”, prosseguiu a avó, segurando nas mãos de Daniela, “Tens aí uma excelente rapariga, sem a menor ponta de maldade e sempre pronta a ajudar os outros, trata-a bem que não arranjas outra assim de certeza”
“Eu sei e acredite que lamento imenso o que lhe fiz”, confessou agora a morena, olhando para baixo, “Mas acho que não lhe consigo dar tanto como ela merece, já ponderei acabar”
“Não digas isso, basta estares lá para ela, que ela não pede mais”, assegurou a senhora, ainda a segurar as mãos da jovem.
“Não lido bem com relações…convencionais, quanto mais com estas”, lamentou-se Daniela.
“Deixa-te levar nisto com ela, não estás sozinha”, reconfortou a avó.
“Obrigada”, disse a rapariga, do fundo do coração, “Esperemos que melhore”
“Ela é forte”, disse a idosa com um ar confiante, “Posso pedir-te um grande favor?”
“Claro que sim, diga”, disse Daniela, apertando as mãos da avó.
“Pode ser uma grande chatice para ti, mas não consigo tratar da Suse sozinha, costuma ser ela a ajudar-me a mim”, sussurrou, com embaraço, “Podias vir cá e ajudar no que for necessário?”
“Com certeza”, garantiu a rapariga, sorrindo.
Nesse momento ouviu-se Susana chamar pela avó, ainda com a voz entaramelada. A senhora dirigiu-se ao quarto o mais depressa que o estado em que se encontrava lhe permitiu e disse algo à neta, que a morena não conseguiu ouvir. Pouco depois, a idosa voltou para junto de Daniela, para lhe dizer que podia entrar. A morena assim o fez e, ao entrar no quarto não pôde senão ficar abismada ao ver o estado em que a sua namorada estava. Nunca tinha sequer imaginado que a chegaria e ver com um ar tão frágil e partido, mesmo que este não lhe tirasse a beleza. A loura sorriu ao ver a rapariga, esticando o braço para esta, que lhe deu a mão e cumprimentou com um beijo na testa.
“Como te sentes?”, perguntou Daniela gentilmente, acariciando a mão da outra.
“Tenho algumas dores mas aguento”, respondeu, bocejando, “Só custa é ter que ficar este tempo todo deitada…”
“Em princípio vais ter que ficar quanto tempo em repouso?”, perguntou a rapariga, sentando-se na cama, ao lado da outra, ainda com a mão desta entrelaçada com a sua.
“Um mês…”, disse a loura, suspirando enfastiada, “Pelo menos fico feliz por me teres vindo ver”
“Contaram-me hoje de manhã e vim mal pude…”, continuou a morena, “Preocupaste-me mesmo”
“Não tive oportunidade de te dizer nada mais cedo, desculpa”, disse a outra, apertando a mão da rapariga, ”Estou a ver que não te lembraste…”
“Não me lembrei de quê?”, perguntou Daniela, confusa, por muitas voltas que desse à cabeça não lhe ocorria nada de que se pudesse ter esquecido.
“Hoje fazemos dois meses”, limitou-se Susana a informar, visivelmente desapontada por a sua namorada se ter esquecido.
“Oh desculpa…”, pediu a morena, a sentir-se péssima consigo própria, mesmo que não fizesse por mal não conseguia deixar de desiludir a outra vezes e vezes sem conta, “Deixo-te sempre ficar mal”
“Não faz mal, espero é que te lembres para o próximo mês”, riu-se Susana. Por muito aborrecida que tivesse ficado, cumpriria com a sua palavra e daria as oportunidades que a rapariga precisasse, pois sabia que esta não fazia mesmo por mal.
Daniela debruçou-se sobre Susana e beijou-a, com cuidado para que não lhe caísse em cima sem querer nem a fizesse esforçar-se. Esta correspondeu, ainda de mão dada com a rapariga. Quando o beijo se ia a intensificar, a avó aparece à porta, chamando a morena, que se separou relutantemente da outra, dirigindo-se, embaraçada, à senhora.
“Peço desculpa”, murmurou a rapariga, incapaz de a encarar.
“Oh filha, não faz mal, vocês são tão amorosas”, riu-se a idosa, bem-disposta, “Tenho o almoço dela pronto, podes levar, se faz favor?”
A morena prontamente se disponibilizou, indo buscar o tabuleiro à cozinha. Tinha que admitir que tinha bom aspecto, apesar de ser comida de “doente”. Ajeitou as almofadas, ajudou a loura a recostar-se confortavelmente e, só então é que lhe colocou o tabuleiro no colo. Só após ter feito isto, é que teve uma ideia. Mexeu a sopa com a colher, de modo a arrefecê-la e depois de se certificar que estava a uma temperatura tolerável, levou à boca da outra. Repetiu o processo até que a taça estivesse vazia.
“Estava a gostar”, sorriu a loura. Daniela reparou que esta tinha um pouco de sopa ainda no canto da boca, instintivamente aproximou a mão e limpou a outra com o polegar. Ambas se riram com a situação.
“Ainda há mais”, preveniu ela. A rapariga colocou a taça na mesa-de-cabeceira e pegou no prato, observando que a comida já se encontrava cortada. Pegou no garfo e levou a comida à boca de Susana, tal como fez com a sopa. A loura não estava a gostar, estava a adorar o tratamento. Quando o prato ficou limpo, Susana começou a ficar sonolenta, mal conseguindo manter os olhos abertos.
“Acho que os medicamentos estão a começar a fazer efeitos, mas estava a gostar tanto de ser mimada”, disse, já a esforçar-se por não adormecer naquele preciso momento.
“Descansa um pouco, sim?”, disse Daniela, dando um beijo nos lábios da outra. A loura fechou os olhos, finalmente, e pouco depois estava a dormir. A morena deu-lhe outro beijo na testa e levou as coisas para a cozinha, lavando e secando a louça depois.
“Não posso ficar muito mais tempo, embora volte amanhã”, disse a rapariga, dirigindo-se à idosa, “Não é necessário mais nada?”
“Está tudo, obrigada por estares a fazer isto”, respondeu ela, abraçando a jovem, “Fico feliz por saber que és boa menina o suficiente para a Susana”
“Só estou a tentar estar à altura do quão boa ela é para mim”, sussurrou Daniela, antes de se despedir. Veio embora, com a sensação de trabalho bem feito. Se houve decisão que tivesse tomado com o decorrer do dia, sem duvida que foi que ainda daria mais uma oportunidade à relação.

Sem comentários:

Enviar um comentário