domingo, 12 de fevereiro de 2012

Capítulo 92


Passada o que pareceu a Susana uma vida inteira, a repórter incansável pareceu-lhe saciada. A loura não podia estar mais grata por isso, havia bastante tempo que aquilo tinha deixado de lhe ser agradável. Partilhando um beijo com a jornalista, acabou por se deitar a seu lado, acabando por se abstrair da sua existência quando se embrenhou nos seus próprios pensamentos. Na teoria, deveria ter sido fantástico e, do ponto de vista físico, fora, afinal a repórter devia ser das mulheres mais atraentes que já vira. Mas o sentimento de culpa e o tormento que dele adveio não lhe deram tréguas. Não tinha feito nada de errado, já não estava com Daniela, porém, sentia a sua falta, mais que qualquer coisa e esta não lhe dava oportunidade de sequer ter uma conversa que não fosse unilateral. Observando a aliança que ainda usava, ponderou até que ponto ainda poderia ter esperanças.

A jornalista, ao reparar no silêncio pensativo da loura, deitou a cabeça no peito desta e, percebendo que olhava para a aliança, sorriu-lhe e confessou, “A tua mulher tem sorte”

A outra sorriu, embora não tivesse parecido genuíno, nada mais que um erguer de lábios. “A sua mulher”…apenas no papel e aos olhos de tudo e todos menos delas, não passava de uma farsa para as manter a ambas fora de problemas e questões constrangedoras. Que satisfação é que isso lhe dava? Vendo que não obteria grande reacção de Susana e que a expressão melancólica desta persistia, a repórter insistiu, “No que depender de mim ela não vai saber, se é que é isso que te preocupa”

Se a loura estivesse menos atenta ao brilho da aliança e mais ao que iluminara os olhos da jornalista, as suas defesas estariam alerta. No entanto, naquele momento a única coisa que a afligia era a possibilidade da rapariga vir a tomar conhecimento do que se passou e então eliminar de vez as suas hipóteses já tão reduzidas. Disse, “Não contes mesmo”

Acenando negativamente com a cabeça, a repórter esclareceu, honestamente, “Tenho namorado, estar contigo foi mais para concretizar uma fantasia que outra coisa qualquer”

Fossem as circunstâncias diferentes, a outra teria ficado zangada. Era precisamente pessoas assim que a tiravam do sério, desde os tempos em que trabalhara no bar e, uma vez por outra, encontrava uma que vinha com o mesmo tipo de conversa. Como na altura estava solteira e, naquele momento, embora estivesse na mesma situação, tinha uma e apenas uma no seu coração, tal facto não lhe fez diferença. Encolhendo os ombros, retirou a mão da jornalista que lhe passeava pelo peito e levantou-se, “Tenho que ir andando”

“Adeusinho”, replicou a repórter, acenando. Não estivesse Susana tão preocupada, a imagem da jornalista com os cabelinhos desalinhados, nua, teria sido digna de se apreciar. Porém, não era mesmo o toque dela por que ansiava. Ao recordar como fora estar com a jornalista, o quão estranha a sensação lhe parecera, por contraposto a como era com a morena, a loura prometeu a si mesma que, só precisava de uma oportunidade, só uma, mas que não iria desistir de Daniela. Foi com a promessa de que faria tudo ao seu alcance que foi para casa, com uma nova determinação.

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Quando Daniela pensava que nada a teria feito sentir-se mais realizada em adolescente que aquilo que tinha acabado de fazer, tinha vontade de rir. Em defesa de Sofia, a secretária desta não era o local mais confortável, mas os seus modos bruscos e impacientes, isto para não falar na sua pouca vontade de retribuir, não deviam constituir surpresa para a morena, afinal a outra sempre fora egoísta. Tinha que lhe dar algum mérito, conseguira tirar alguma da tensão que sentia. Porém, mais do que tensão, servira para lhe tirar as dúvidas, se é que tivera algumas. Num extremo estava o toque meigo mas seguro de Susana, no outro extremo antagónico, o impessoal e descuidado de Sofia. No entanto, mais importante que a vertente física…

“Isso foi tudo a Marques que te ensinou?”, brincou a outra, interrompendo a reflexão de Daniela, enquanto vestia a camisa.

A Marques…que forma tão distante de falar da loura. A rapariga limitou-se a sorrir-lhe, ao invés de vocalizar uma resposta. O reluzir da aliança que ainda usava incidiu-lhe nos olhos no momento em que um raio de sol proveniente da janela lhe tocou. Sentindo uma pressão no peito, retraiu-se um pouco. Caso obedecesse à sua vontade, teria saído disparara de casa de Sofia, mas não sem parar para provar os cozinhados da mãe desta, diga-se, e atirar-se ia aos braços de Susana. Se esta a aceitasse, claro estava. Depois do tratamento que lhe dera nos últimos tempos, a loura já não iria querer nada com ela. Foi então que começou a ficar nervosa.

“Daniela, Daniela…”, chamou a outra, estalando-lhe os dedos em frente à cara mas a morena não se apercebeu. Sob o receio de perder de vez a loura, o que ela tinha feito no passado nem lhe pareceu tão grave. Não era que a desculpasse, mas ela tinha feito tantos progressos para superar a dependência. Tinha que fazer alguma coisa.

“Bem, Sofia, tenho que ir andando, foi um prazer ver-te”, despediu-se Daniela, dando-lhe um beijo na bochecha, “Continuas linda como os amores e eu adoro você”

Correndo para o carro, perante uma Sofia embasbacada, mas divertida, acelerou como se a sua vida dependesse disso, não dando atenção aos semáforos em que não parava nem às apitadelas que recebia. Num instante chegou a casa, onde percorreu todas as divisões até que deu com Susana na varanda, encostada ao gradeamento. Ao ouvir o passo apressado e a respiração ofegante da rapariga, a loura encarou-a. A morena, agindo por impulso, lançou os braços ao pescoço da outra, que ficou demasiado surpreendida para reagir. Lentamente, acabou por cair em si, apertando a cintura de Daniela. Passando-lhe a mão nas costas, consolando-a, perguntou, “Então?”

Invocando toda a coragem, a rapariga, pela primeira vez, despiu o seu orgulho, teimosia e cobardia, levando atrás a camada de gelo que costumava manter e, levantando a cabeça do ombro de Susana, num só fôlego disse, “É assim, não me esqueci de muita coisa que tu fizeste, mas estou disposta a perdoar-te porque eu também não sou perfeita…não me interrompas se faz favor!...se ainda me aceitares, coisa que eu duvido porque tenho sido muito desagradável para ti nos últimos tempos…”

A loura abriu a boca para tentar dizer alguma coisa, mas a morena fez-lhe sinal para que não a interrompesse e, ainda sem parar para respirar, continuou, “Mas ficas a saber que tenho muito em conta tudo o que fizeste para superar o problema e fico orgulhosa e que se perdoo é porque te amo!”

Dissera-o. Ainda ia a tempo de respirar antes de desmaiar. A outra, sorrindo, puxou-a para si, murmurando-lhe ao ouvido, “Hoje percebi que não posso nem quero desistir de ti”

Sentindo uma felicidade enorme, tanta que julgou que lhe fosse dar um AVC, Daniela correspondeu ao abraço, não querendo, nem por nada, mover um músculo que fosse para longe de Susana. Não passava de um abraço, nem era um beijo, mas ambas puseram nele toda a emoção que guardavam para si havia todos aqueles meses.

1 comentário:

  1. Surpreendeste-me! Com esta não contava eu. :)
    Mas, foi bom. Foi bom ver como conseguiste resolver as coisas sem soar a forçado nem a "falso". É uma situação perfeitamente real.
    E foi ainda melhor ver que todo o sentimento de culpa prevaleceu ao orgulho e aos problemas, fazendo-as "quebrar" a separação.
    Gostei de ver a Daniela deixar-se levar pelo coração e não pela razão. E gostei de ver a Susana mostrar que cresceu.
    Foi um óptimo capítulo. Parabéns.
    Uma viajante dos blogues. :)*

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