terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Capítulo 91


Mesmo não tendo esquecido por completo o convite de Sofia, Daniela não lhe deu muita importância, não ligando nem mandando mensagem. Não era que não tivesse saudades, apesar de tudo gostava da companhia da outra e considerava-a uma amiga de quem se tinha vindo a afastar, ainda que nunca tivesse sido essa a sua intenção. Porém, a sua prioridade era o trabalho e, quanto mais trabalhasse, menos tempo passava em casa. Assim sendo, apenas voltou a pensar no assunto, vários dias depois, quando o telemóvel vibrou em cima da mesa, interrompendo o seu pequeno-almoço:

“Ser desaparecido, hoje estás livre?”

Franzindo o sobrolho, a rapariga pousou o aparelho, voltando a mordiscar a sua torrada, pensativamente. Em bom rigor, estava disponível, mas não tinha a certeza se queria passar a tarde com Sofia, nem a própria sabia porquê. Se calhar no fundo, bem lá no fundo, tinha esperança que Susana não estivesse muito tempo fora de casa naquele dia e que ela, Daniela pudesse passar o serão a observá-la, derretida, como uma adolescente com uma paixoneta de liceu, como já o tinha vindo a fazer, sobretudo nos últimos tempos. Não que alguma vez o fosse admitir, mas estar na presença da loura dava-lhe uma sensação reconfortante, como um chocolate quente num dia frio. Sorrindo para si ao pensar na outra, a morena achou que já chegava. Afastando esses pensamentos, voltou a sua atenção desta vez para o café, quando foi interrompida por Susana.

Apenas uma t-shirt de algodão larga branca impedia a loura de aparecer como veio ao mundo, t-shirt essa que pouco cobria, deixando a descoberto a pele bronzeada das pernas da outra. Embasbacada, Daniela levantou a cabeça, deixando o olhar deambular pelo corpo de Susana, passando pela cintura fina, detendo-se por uns momentos no peito, cujos contornos eram impossíveis de se ignorar, até que parou definitivamente na face desta. A loura vinha com o seu ar ensonado, com o cabelo num remoinho, que ficou ainda pior quando passou a mão, tirando-o da cara, mas para a rapariga, apenas a tornava mais sexy. Era altura de colocar a sua melhor poker face e esperar que a tortura não durasse muito.

“Bom dia”, disse a outra, sorrindo tanto quanto o sono e a letargia lhe permitiam.

“Bom dia”, retribuiu a morena, impedindo, a muito custo, diga-se, os cantos dos lábios de se erguerem mais do que o suficiente, “Dormiste bem?”

“Sinceramente dormi pouco…cheguei a casa mais tarde do que pensava e tenho que me despachar”, respondeu Susana, surpreendida por Daniela ter dado conversa, porque normalmente não conseguia mais do que respostas monossilábicas, tanto que não se coibiu de falar pelos cotovelos, “Hoje tenho uma sessão de fotos e depois vou a uma consulta de rotina…faz parte do tratamento, sabes…por isso…”

A loura era tão adorável quando estava ensonada que a morena só teve vontade de a mimar ali mesmo. Permitindo-se a sorrir, enternecida, olhou mais uma vez para a outra, antes de dissimular o rubor que lhe apareceu nas bochechas. Não desejando fazer figura ainda mais patética do que já sentia ter feito, a rapariga respondeu rapidamente a Sofia, concordando em encontrar-se com ela, o seu orgulho acima de tudo. Levantando-se, afagou rapidamente os cabelos de Susana, dizendo, antes de sair de casa, “Que bom…olha, vou sair e não sei quando volto…hm, até logo”

Mesmo tendo virado Speedy Gonzalez até se ter visto porta fora, a morena ainda foi a tempo de notar que a outra ia a abrir a boca para dizer qualquer coisa. No entanto, presumiu que fosse só para se despedir, portanto não lhe deu tempo de se pronunciar, deixando-a ainda de boca aberta. Quando se sentou no carro, combinou os últimos pormenores com Sofia, antes de arrancar em direcção à casa desta, tendo por base as indicações que lhe foram dadas. Mesmo que o seu sentido de orientação não fosse perfeito, Daniela deu com o apartamento sem grandes problemas. Durante todo o percurso, a imagem de Susana com a sua t-shirt quase transparente assombrou-lhe os pensamentos.

Vendo o seu reflexo na porta envidraçada, a rapariga ficou satisfeita com o resultado. Apesar de não pretender impressionar Sofia, queria dar uma impressão melhor do que a que dera da última vez que a vira, em que parecia algo encontrado no lixo. Tocando à campainha, compôs o cabelo enquanto aguardava que a outra a viesse receber. Esta não demorou, saudando-a alegremente, antes de se lançar num abraço justo, “Dani! Vieste!”

“Cê desapareceu da ‘nha vida, eu tinha saudades de você”, brincou a morena, puxando Sofia para si, o que lhe proporcionou uma sensação plena da cintura acentuada desta. Como se ainda não estivesse a sofrer os efeitos da loura semi-nua, agora a outra resolvera recebê-la com calções e uma camisa atada na cintura…

“Eh lá! Olha-me só essas pernas!”, admirou-se Sofia. Sempre fora a parte da rapariga que mais gostara, isso juntamente com o cabelo escuro com reflexos avermelhados, o seu tom preferido, fazia dela mesmo o seu género. Não pôde evitar um sorriso de satisfação ao ver que Daniela mantivera os atributos desde a sua adolescência, “Aquela Susana realmente…”

Querendo manter Susana longe dos seus pensamentos e da conversa, a rapariga limitou-se a abanar a cabeça e a desviar o tema, mantendo sempre a atitude brincalhona, “Deixa lá que o teu pacote…”

“Se quiseres podes tocar”, sugeriu a outra, arqueando uma sobrancelha por cima dos óculos. A morena sempre gostara de a ver usar óculos, conferia-lhe aquele ar de bibliotecária marota. Deparando-se com o olhar de “El matador” de Sofia, Daniela sentiu o mesmo calor que sentira havia instantes antes, ao ver a loura naquela manhã. Sorrindo, a rapariga aceitou o convite, constatando que havia coisas que nunca mudavam ou se mudavam, era para melhor.

Partilhando mais umas gargalhadas, dirigiram-se para o quarto da outra, com a morena perdida de riso e Sofia a dizer qualquer coisa a respeito de umas bandas do gosto de ambas, que Daniela não ouviu, de tão ocupada que estava a ignorar os calores que sentia. O telemóvel vibrou-lhe no bolso dos calções, mas não viu de quem se tratava, mais tarde teria oportunidade. Encostando-se à secretária, a rapariga não pôde deixar de desfrutar de uma vista generosa do peito da outra, enquanto esta procurava as músicas no computador.

“Lembras-te desta?”, questionou Sofia, passando uma música de uma banda que fora ela mesma a dar a conhecer à morena, instalando-se um ambiente de nostalgia naquele quarto.

“Linda mesmo, aliás todo este álbum é”, murmurou Daniela, fechando os olhos para apreciar a música. Ainda se lembrava, quando se tinham conhecido, quase imediatamente depois, a outra tinha-lhe mostrado aquelas músicas e sempre que as ouvia, passados todos aqueles anos, associava-as sempre a Sofia. Sentando-se na secretária, ao lado da outra, a rapariga perdeu-se por uns instantes. Foi a sensação de uns lábios quentes e macios encostados aos seus que a fizeram despertar, pestanejando várias vezes, “Sofia…”

“Hm?”, sussurrou esta, sorrindo, com a testa encostada à da morena.

Com o coração acelerado, a rapariga pensou na loura, nos seus modos adoráveis mas sempre seguros de si, na forma como esta conseguia ser tão animada e como acabava sempre por a contagiar e depois em Sofia, menos infantil e mais agressiva, mas que sempre a provocara. Sentindo uma pontada de dor, a morena não viu como os tempos antigos com Susana poderiam alguma vez voltar. Suspirando, melancólica, respondeu, “Nada”

Assim, a outra tirou os óculos e puxou Daniela para si, sentindo-a corresponder, colocando as pernas em torno da sua cintura. Naquele momento, a rapariga decidiu deixar de sentir pena de si própria e fazer por esquecer Susana.

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Susana ficou a ver Daniela afastar-se como se ela, Susana tivesse alguma doença. A loura queria ter convidado a rapariga para irem a uma geladaria nova que abrira havia pouco tempo na capital, até porque sempre se sentira esperançosa quanto à possibilidade de um dia se reconciliarem e, como tal, se havia coisa que não queria era que o fosso entre ambas crescesse. A morena podia pensar o que quisesse, mas a outra estava certa de a ter visto corar ao sorrir-lhe e nem nada nem ninguém lhe tiraria isso. Quando Daniela pensava que não estava a prestar atenção, Susana bem que notava cada vez que ela olhava para si, tanto que acalentara a esperança de que esta aceitasse o convite. No entanto, Daniela nem lhe dera hipóteses de falar.

Ao tomar duche, a loura perguntou-se para onde iria a rapariga. Ia bem vestida, o que levantou uma onda de preocupação que roçava o pânico na outra. Até ao momento não pusera a hipótese de que a morena estivesse a conhecer outras pessoas, quanto mais que fosse sair com alguém. A ideia, por si só, causava pavor a Susana e o medo ficou com ela desde que ponderara tal possibilidade, até ter chegado ao local onde iria decorrer a sessão fotográfica. A única coisa que a impediu de roer as unhas até ao sabugo foi a decisão de mais tarde questionar Daniela. Enquanto o momento não chegasse, iria distrair-se com a sessão.

Quando entrou dentro do edifício, verificou que quem estava encarregue das fotografias era a jornalista que a deixava em brasa. Aquela ocasião não era excepção, a repórter, de câmara em punho e roupas tão reduzidas que não deixava nada à imaginação, falou a Susana, comprimindo-se contra ela, num abraço, “Bom dia! Então estás bem-disposta?”

Dando o seu melhor por não fazer caso do peito da jornalista bem junto ao seu, a loura replicou, “Bem obrigada e você?”

“Ai trata-me por tu, se faz favor, linda”, pediu a repórter, afagando a face, pescoço e peito da outra, rindo.
Sentindo uma onda de calor percorrer-lhe o corpo, Susana não conseguia deixar de se perguntar o que teria feito de mal na outra vida. Daniela parecia adorá-la como antes, disso não duvidava, mas dava-lhe a maior indiferença e antipatia sempre que falavam. Depois a repórter não deixava um centímetro de pele por tocar e ela, Susana, sentia tanto a falta do toque de alguém. Mas não queria ceder à tentação, pela rapariga.

“E se desta vez apimentássemos isto?”, propôs a jornalista, com um olhar atrevido, brincando com a camisa da loura, “Podias mostrar mais qualquer coisa desta vez, não?”

“Não sei…”, disse a outra. Sempre se recusara aquelas propostas, mas o certo é que a produção já a incitara a fazê-lo e ela, mesmo que não fosse tímida, não se sentia totalmente à vontade com algo do género.

“Por favor…”, pediu a repórter, desapertando um botão a Susana.

Foi assim que a loura se viu a aceitar, com relutância, sempre a mentalizar-se que não seria nada que nunca tivesse mostrado na praia. A jornalista deu um pulinho de entusiasmo, antes de dar um beijo rápido no canto do lábio da outra, que se sentiu capaz de rebentar nesse momento. Estava determinada a não ceder, mas a repórter mexia mesmo com ela. Num bikini mais reduzido que os que normalmente vestiria, acabou por posar como a jornalista pedia, nunca deixando passar um instante para lhe tocar. Provocada e a perder o seu auto-controlo, Susana desejava que aquela sessão acabasse.

Quando a jornalista se deu por satisfeita, a loura sentiu alívio, como nunca tinha sentido antes. Ia a pegar na roupa, quando a mão da repórter a deteve, encaminhando-a até a uma parede, não havendo espaço entre ambas. A outra olhou para a jornalista, que lambia os lábios e teve presença de espírito suficiente para dizer, “Não…”

“Ninguém precisa de saber”, respondeu a repórter, beijando-lhe o pescoço. Ao sentir que Susana começava a baixar as defesas, beijou-a, eliminando o que restava do auto-controlo da loura, que acabou por corresponder, mas nunca sem deixar de sentir a consciência pesada. Nos momentos seguintes, entregou-se à jornalista, sempre satisfaria a sua necessidade de afecto.

1 comentário:

  1. Fizeste das traições algo "soft", transformando-as em situações em que se vê que se não fosse as coisas estarem perto do "abismo", não teria sido assim. Gostei da maneira como as escreveste. Foram "suaves" sem deixarem de ser algo mau a acontecer. Creio que conseguiste passar bem a mensagem de que foi algo que "aconteceu" e não algo por vingança ou algo assim.
    O que parecia ser um dia promissor numa gelataria, acabou por ser um marco importante na história. Gostei muito. E quero mais.
    Ah... E, óbvio, adorei que este fosse enorme! :D
    Uma viajante dos blogues :) *

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