quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Capítulo 88

Tal como na noite anterior, Daniela não conseguira descansar como lhe daria jeito. Mesmo que fisicamente estivesse melhor, o mesmo não podia dizer a nível emocional. Os acontecimentos do dia que antecedera o presente não lhe permitiram pensar em algo que não se relacionasse com Susana. Pelo menos sempre podia justificar o comportamento volátil da outra até certo ponto, o que lhe servia de algum consolo. Mais do que a mágoa que sentia pelas acções da loura, receava o que viria a suceder a seguir. Não podia perdoar, como o viera a fazer a acontecimentos passados, já eram vezes a mais e Susana nunca se corrigira.
O mais provável seria ter que se separar da loura, nem que fosse temporariamente até a situação estabilizar. Mas…não era que se pudessem separar assim, simplesmente. Os media não lhes iam dar sossego nos próximos tempos e, um possível divórcio, seria dar o braço a torcer a todas as pessoas, sobretudo a sua família, que chamaram àquele casamento um fiasco. Encostando a testa ao volante enquanto estava encalhada no meio do trânsito, a rapariga tentou assentar tudo aquilo. A conversa que teria que ter com a outra não seria fácil. Entretanto iria buscá-la ao hospital e depois se veria.
Uma vez chegada ao seu destino, a morena percorreu aqueles corredores empestados de desinfectante, cada vez mais nervosa. O que resultaria da conversa inadiável que teria, ela não sabia, o que sabia era, no entanto, que a sua relação com Susana não voltaria a ser a mesma. Ao menos a culpa não tinha sido sua, o que lhe aliviava a consciência. Quanto mais se aproximava do quarto, pior se sentia. Para se consolar, atribuiu as culpas àquele cheiro a hospital, sim, só podia ser disso. Detendo-se à entrada, preparou-se. A vontade de ver como é que a loura se encontrava foi parte da razão por que não se quedou especada muito mais tempo.
Assim que entrou, os olhos brilhantes da outra percorreram todo o quarto até repousarem nos seus. Ainda que continuasse pálida e cansada, a diferença entre o seu aspecto no curto de espaço de dois dias era notória. Já parecia ter recuperado, mesmo que pouco, aquela “luz” que a tornava a Susana que Daniela amava. Sorrindo-lhe, a loura acenou-lhe para que entrasse. A rapariga assim o fez, com uma expressão neutra, embora por dentro estivesse a tremer, “Bom dia, tens aqui a roupa”
“Bom dia”, cumprimentou a outra, sentando-se na cama. Pegando na roupa que a morena lhe atirou, começou a despir a bata do hospital. Daniela, constrangida, nem a própria sabia porquê, foi até à janela, observando a outra ala do edifício como se nada lhe interessasse mais. Notando o comportamento estranho da rapariga, a loura disse, “Já estou quase pronta, podes olhar que continuo a mesma”
A morena não respondeu, fingindo ver qualquer coisa no lado de fora do vidro, ainda menos à vontade do que quando entrara no quarto. Quando arranjou coragem para voltar a encarar a loura, pronunciou-se, “Ahm…e se fossemos indo?”
Susana tentou pôr-se de pé, pela primeira vez desde que estava internada. No entanto, as pernas cederam e acabou sentada na cama. Suspirando, pediu, “Ajudas-me, se faz favor?”
Recalcando o incómodo interior, Daniela passou o braço da loura por cima dos seus ombros para que se apoiasse e auxiliou-a até chegarem ao carro. Mal pôde, arrancou, pondo toda a sua atenção na estrada, tudo para ignorar a outra. Tinha que falar com ela, mas não arranjava coragem para ter a iniciativa. Aparentemente a sua bazófia, que nunca fora muita, ficara algures junto da confiança que depositara em Susana. Muito para seu alívio, foi a loura a primeira a falar, “Para a semana começo a fazer tratamento numa clínica…decidi deixar-me disto”
“Ainda bem”, respondeu a rapariga, apreciando o veículo que ia à sua frente. Não era que não estivesse feliz pela outra, pois estava e não era pouco. Porém, no que dependesse de si, a distância entre ambas seria intransponível.
“Deve durar uns três meses…mas dizem ter bons resultados”, insistiu Susana, torturada pelo silêncio constrangedor que se fizera sentir antes, “Gostava era que…que estivesses lá para mim agora…”
A morena permaneceu impávida, embora interiormente estivesse a baixar as defesas, ainda que não fosse essa a sua intenção. Como podia ela resistir à loura? Por muito que quisesse, ela não lhe era sequer desprezível, quanto mais odiável. Vê-la assim tão vulnerável despertava em Daniela um sentimento de carinho e protecção que se sobrepunha à mágoa e desilusão que sentia.
“Não sei como é que ficamos, o que quer que queiras eu tenho que respeitar…”, disse a outra, encostando a cabeça à janela, sempre ditando a rapariga, uma vez que não estava no seu feitio acobardar-se, “Mesmo que não queiras continuar comigo, não me deixes agora…ao menos como amigas”
A morena agarrou o volante com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. Ela era só uma pessoa, não lhe podiam exigir que aguentasse aquilo. Após uma pausa, arranjou força para falar, “Não seria capaz de te abandonar agora…”
Sentindo esperança, os olhos de Susana iluminaram-se, tanto que esta sorriu e afagou a mão de Daniela que estava sobre a manete das mudanças. Não se sentindo capaz de tanto, a rapariga retirou a mão como se tivesse tocado em fogo. Não querendo fraquejar perante o olhar magoado da loura, manteve o olhar bem afastado desta e clarificou, “Não te vou deixar quando precisas, mas não esperes que esqueça o que fizeste”
“Onde queres chegar?”, inquiriu a outra. A pior das hipóteses não era impossível e ela não podia pôr de parte essa eventualidade, aliás, por muito que não quisesse pensar nisso, sabia que o mais provável seria que a morena não quisesse continuar a ter o que quer que fosse com ela que não uma relação de amizade tremida. Mesmo isso já seria suficiente, o que Susana não queria era ter Daniela fora da sua vida.
Dado que já se encontravam em casa, a rapariga estacionou o carro e invocou toda a sua coragem. Não iria adiar mais aquela conversa e diria o que tinha a dizer, “Eu amo-te, isso é incontestável”
A loura limitou-se a escutar, deixando para si tudo o que queria dizer. Honestamente, nem sentia que estivesse no direito de dizer nada, quanto mais fazer pedidos. A única coisa que queria era ter a morena na sua vida, fosse de que maneira fosse, claro que preferia que continuassem como antes, mas naquele ponto qualquer coisa lhe servia. Voltando a falar, Daniela prosseguiu, numa voz frágil, “Não me peças para continuarmos, não consigo ter confiança em ti e, se não o tenho, como é que iríamos ter um relacionamento saudável?”
“Por muito que queira, não estou em posição de implorar por uma nova oportunidade”, constatou a outra, abafando um soluço que teimava em sair. Depois de ouvir a rapariga, todas as suas esperanças foram eliminadas.
“Posso só pedir-te um favor?”, tentou a morena, afagando a mão de Susana carinhosamente. Não sabia se era razoável estar a fazer uma proposta daquelas, mas na sua opinião poupá-las-ia a ambas a muito. Ao ver que a loura concordara, disse, “Não quero que a minha família saiba disto, eles não me iam deixar em paz…podemos manter a fachada quando estivermos com eles? Ou é pedir muito?”
“Quer dizer que é mesmo o fim?”, perguntou a outra. Não conseguindo articular uma resposta, Daniela limitou-se a afastar a cara, não querendo mostrar lágrimas. Chorar era sinal de fraqueza. Por muito forte que se fizesse, não conseguiu ocultar o seu estado de Susana, que a acolheu num abraço, soluçando ela, também. O que aconteceria dali em diante nenhuma sabia, mas o certo é que ambas mantinham viva uma réstia de esperança.

1 comentário:

  1. Para começarmos bem, digo-te desde já que considero este um dos melhores capítulos que li até agora. Não só pelo seu conteúdo mas também pela sua escrita.
    Acho que está muito realista. Acho que conseguiste pôr de lado o teu pensamento inicial de escrever algo mais "brusco" e conseguiste mostrar o sentimento que elas têm de verdadeiro. E a prova disso é que fizeste questão de mostrar o amor que as une, apesar da mágoa que sentem. É importante, isso que fizeste. Dá uma sensação de que tudo é possível de acontecer daqui em diante, seja bom ou mau.
    É claro que se prevêem tempos difíceis para aquela (ex) relação.
    Gostei de ver que a Susana tomou consciência daquilo que fez e a vontade que tem de superar o seu problema, a sua dependência.
    Por outro lado, gostei de ver que por muito que a Daniela seja uma pessoa não muito dada a sentimentalismos, sabe mostrar o seu amor até mesmo nas alturas mais complicadas.
    Quero ver como é que esta história da fachada vai resultar. E, é claro, quero ver o apoio prestado por parte da Daniela à Susana.
    Será algo interessante de ver. Como é que duas pessoas que se estão a afastar, conseguirão estar presas por um carinho e uma protecção que transpõe esse afastamento, tal como referiste no capítulo.
    E, por fim, mas não menos importante, já que comecei bem, quero acabar bem. Deixo-te aqui um pequeno mimo.
    Quero dizer-te que gostei imenso de te conhecer. E ainda bem que vim aqui parar, "caída do céu". Sabe-me bem, vir ao teu cantinho e desfrutar de uma boa escrita e de uma história que gosto. Sabe-me bem falar contigo e conseguir rir-me das coisas mais idiotas quando às vezes a vontade de rir é zero.
    Vale a pena ter alguém como tu presente nos meus dias. Vale a pena, mesmo. Gosto da tua simplicidade.
    E quando pensares aquelas coisas todas que às vezes pensas de ti, lembra-te que eu estou cá para te contrariar.
    Tu és e vales mais do que aquilo que pensas. De verdade.
    Gosto de ti.
    Uma viajante dos blogues :) *

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