Daniela acordou com o maior sorriso de contentamento que conseguiu esboçar sem danificar a cara. Dormira a noite inteira sem as suas habituais insónias e já não se encontrava dorida do dia anterior. Depois da desastrosa conversa com Pedro (talvez não tão catastrófica assim, visto que já conhecia o rapaz há doze anos, sabia bem como lhe dar a volta) ainda pensara em ligar a Susana mas como não sabia quando é que esta estaria acordada decidiu esperar. De hoje não passava, de qualquer forma tinha que ir lá a casa, portanto juntaria o útil ao agradável.
Uma olhadela rápida ao relógio despertador permitiu-lhe notar que dormira a manhã toda, já sendo horas de almoço. Como não tinha os pais por casa decidiu fumar o seu cigarro antes de mais nada, depois tomou banho com a maior das calmas e almoçou algo leve (coisa que só se podia dar ao luxo quando a mãe não lhe tinha uma arma apontada à cabeça para a obrigar a alimentar-se substancialmente). Pegou no carro e dirigiu-se a casa de Susana, certificando-se que ia pelo caminho mais longo, porque ainda queria reflectir sobre o que se passara em paz.
Primeiro tinha que admitir que aquele cabrão de merda do Pedro tinha razão. Perder a virgindade com uma rapariga nunca tinha estado nas suas previsões. Apesar de ter desfrutado das experiências lésbicas que tinha tido, sempre se imaginara a acabar com um colega advogado, pouco atraente mas capaz de lhe proporcionar uma vida confortável. Pelo recente desenrolar dos acontecimentos, era provável que fosse ficar com “uma pobretanas que não tem onde cair morta mas pelo menos é boa”, como Pedro tão eloquentemente dizia. Não queria criar expectativas, mas até àquele momento não tinha razões de queixa.
Finalmente chegou à casa da loura mas, no momento em que estava para colocar a chave na fechadura, detivera-se. Estava com alguma vergonha de ter que enfrentar a outra…ainda por cima estava a ter flashbacks do primeiro beijo lésbico que dera. Tinha sido com Sofia, uma amiga próxima. Nesse dia tinha tido um pique culminante de bazófia para a conseguir beijar em frente a uma multidão num centro comercial em época de Natal. Bazófia essa que não durou muito e quando esgotou, Daniela não conseguira encarar Sofia, virando-lhe as costas e dispersando-se no meio da multidão. Até aos tempos que corriam ainda se arrependia.
Respirando fundo, ganhou coragem para entrar dentro de casa. Por muito tempo que lá passasse nunca se habituaria ao cheiro a mofo/humidade característico do sítio. Antes de nada, dirigiu-se à sala para cumprimentar a avó, que a recebeu de braços abertos como era hábito. Todo este tempo esteve com um nervosismo imenso por ter que falar com a outra dentro de momentos. Após ter feito conversa de circunstância com a senhora, dirigiu-se ao quarto de Susana, que parecia acabada de acordar.
“Boa tarde”, disse Daniela, sorrindo feliz embora timidamente. Não sabia bem como agir, optando por se manter de pé, a alguma distância da cama onde a loura estava.
“Hm, mor…”, murmurou Susana, que tinha acabado de acordar. Estava a fazer um esforço enorme por manter os olhos abertos e a cabeça erguida, “…mos que falar sobre ontem, não ‘chas melhor?”
“Sim…claro”, respondeu a morena, que já tinha matutado sobre a melhor maneira de abordar o assunto. Sentou-se na borda da cama, junto à loura, que estava ainda a fazer os possíveis por acordar.
“’Tás bem?”, perguntou Susana, com uma expressão séria, dificultada pelo sono. Era agora, não havia como escapar, mesmo que quisesse. A conversa era necessária.
“Óptima”, disse Daniela, sorrindo sinceramente, “Digo-to com toda a franqueza”
“Estava mesmo a precisar de ouvir isso”, suspirou a loura, só agora verdadeiramente aliviada desde que tinha acordado na noite anterior, “Posso perguntar-te outra coisa?”
“Claro que sim”, assegurou a morena, acariciando a face da outra.
“Não te desapontei?”, questionou Susana, um pouco a medo. O seu lado mais paranóico estava a fazê-la duvidar tanto da sua aparência, afinal tinha passado uns bons tempos de cama, como da sua prestação, mesmo que tivesse bastante prática.
“Em que aspecto?”, perguntou Daniela, a ambiguidade da questão em si baralhou-a.
“O…acto em si…”, esclareceu a loura, roçando a cara na mão da namorada.
“Admito que não correspondeu ao que eu sempre tinha imaginado, nunca pensei que viesse a ser com uma mulher”, confessou a rapariga, sorrindo ternamente em resposta à expressão nervosa da outra, “Mas não mudava nada, foi melhor do que alguma vez poderia ter sonhado”
“Nem sabes como fico feliz”, disse Susana, sorrindo daquela maneira que derretia a morena, exibindo em glória as suas covinhas, “E em relação a…”
“…a?”, encorajou Daniela, não sabendo mesmo que mais poderia ser.
“…em relação a mim”, concluiu a outra, com um suspiro. Desde sempre que tinha sido confiante, mas depois do acidente e do tempo que ficou de baixa, já não tinha tantas certezas.
Desta vez a morena não conseguiu controlar um riso que lhe escapou dos lábios, nunca lhe teria passado pela cabeça que a loura estivesse insegura. “Foste tão cuidadosa e fizeste-me sentir tão bem que não podia ter pedido mais nada”
“Acredita, é óptimo saber isso, não ia conseguir viver comigo própria se te tivesse magoado demais”, proferiu Susana, “Mas referia-me à minha pessoa”
“Não acredito que me perguntaste isso”, disse Daniela, ainda mais admirada do que antes, não fosse a expressão de seriedade na cara da outra, “És perfeita, não encontrei nada que precisasse de ser melhorado em ti”
A loura, que encontrou novamente a paz de espírito, puxou a namorada para si, beijando-a. “Amo-te”, disse, olhando-a com o ar mais terno.
Susana estava há tempo a mais para o seu gosto deitada, já conseguia andar com o auxílio de muletas. Além de que nunca tinha sido pessoa para ficar no inactivo. Foi isto que Daniela teve em consideração antes de lhe fazer uma proposta, proposta essa que já tinha considerado antes.
“Suse tenho uma surpresa para ti”, disse-lhe a rapariga, em tom travesso, “Mas para isso preciso que te vistas. Consegues andar, certo?”
Mal obteve a confirmação da outra ajudou-a a vestir-se e a caminhar até ao carro. A ideia de sair de casa desenhou um sorriso feliz no rosto da loura, para alívio da morena, que esperava a outra estivesse suficientemente forte. Durante a viagem, Susana nunca cessou de sorrir, aquele seu entusiasmo quase infantil continuava a enternecer Daniela, que de vez em quando a observava pelo canto do olho, não evitando, ela própria, sorrir também.
Cerca de meia hora depois, chegaram finalmente ao sítio pensado pela morena. Estavam, nada mais, nada menos, do que no parque de estacionamento junto ao café onde se tinham encontrado depois de se terem conhecido. Tal facto apenas intensificou o sorriso da loura, que apertou, ao de leve, a mão da rapariga que ainda se encontrava por cima do manete de mudanças. A morena desviou o olhar do volante para a outra, sorrindo-lhe antes de lhe beijar os lábios. Depois de a ter ajudado a sair do carro, caminharam até à praia, lentamente, tendo em conta que o caminho era acidentado.
Apoiando-se em Daniela, Susana conseguiu sentar-se, indicando a esta para se sentar ao pé de si. A morena assim fez, ficando a observar o mar enquanto matutava algo que a tinha andado a incomodar desde a conversa com a outra. Assim ficou até que a loura finalmente quebrou o silêncio.
“Obrigada por me teres tirado daquelas quatro paredes”, disse Susana, “Já não aguentava mais estar deitada”
“Ainda bem que gostaste da surpresa”, respondeu Daniela, ganhando coragem e decidindo finalmente falar sobre o que a importunava, “Olha…”
“Hm?”, questionou a outra, enquanto deitava a cabeça no colo da morena.
“…estavas tão insegura há bocado porquê?”, concluiu a rapariga, à medida que começava a afagar os cabelos louros da outra, “Compreendo que tenhas medo de começar a ficar em baixo de forma por teres que descansar, mas daí a teres tanto receio pela tua prestação…”
Susana corou um pouco, visivelmente envergonhada. Ainda abriu a boca para tentar falar mas não saiu nenhum som. Daniela, por muito curiosa que estivesse, preferia deixar o assunto cair no esquecimento do que constranger a loura. Optou, por isso, por lhe dar um beijo rápido e garantir que não tinha que falar sobre isso se a incomodava.
“Não…eu devia contar-te”, acedeu a outra, olhando a namorada nos olhos, “Só te peço que me ajudes, não me vai ser fácil”
“Claro, leva o teu tempo”, assegurou a morena, enquanto passava as unhas ao de leve no couro cabeludo da loura, daquela maneira que sabia que a tranquilizava, “Sou toda ouvidos”
“Só queria garantir que tinhas tido a melhor experiência possível porque…”, interrompeu-se ela, enquanto ponderava a melhor maneira de se fazer entender sem parecer egoísta ou patética, “…tenho medo de não te puder dar o que um gajo podia”
“Susana…”, disse Daniela, enternecida, “O género é irrelevante, no fundo só me interessa a pessoa que és, não há nada que um rapaz me pudesse dar que tu também não o dês, melhor que qualquer pessoa”
“Não digas isso, ainda é muito cedo”, retorquiu Susana, num tom melancólico, “Quando te fartares vais preferir um rapaz”
“Não sabes do que falas…”, murmurou a rapariga, chateada pelo auto-flagelo da loura.
“Olha que sei”, limitou-se a outra a responder.
“Tens a certeza?”, continuou a morena, agora curiosa, “Esclarece-me, se faz favor”
“Absoluta…lembras-te de te ter falado de uma namorada com quem estive três anos? Bem…”, prosseguiu Susana, contando a Daniela a infeliz situação pela qual tinha passado. Durante o relato, não pôde evitar que lhe caíssem umas lágrimas pelo rosto, lágrimas essas que a rapariga limpou com o polegar, enquanto ouvia atentamente. Por muito que custasse à loura tocar naquele assunto, sentia-se melhor por puder partilhar aquilo com a namorada. Durante esse tempo, a morena passou de chateada a culpada, por ter sido agressiva para com a outra. Passou-lhe a mão pela face e limitou-se a segurá-la, não sabendo como a consolar por palavras.
“Lamento imenso o que aconteceu com a Mónica, a sério que não merecias o que aconteceu…”, tentou Daniela, afagando o rosto da loura, tão ternamente quanto possível. “Não te posso prometer nada para além do presente e neste momento não desejo ninguém que não tu”
“Por enquanto é quanto me basta, não posso pedir mais”, disse Susana, sorrindo apesar dos seus olhos azuis vidrados.
A rapariga ponderou durante uns instantes antes de fazer uma nova proposta, ainda não tinha considerado a sério a hipótese mas, naquele momento, até que parecia boa ideia. Tinha por hábito ir todos os anos em Setembro uma semana para o Algarve com os pais, só que naquele ano tinham que trabalhar. No entanto disseram-lhe que podia ir (caso ligasse todos os dias, claro) e dar uso ao apartamento no condomínio. Parecia-lhe que a loura já se encontrava em condições de a acompanhar, caso aceitasse.
“Eu e os meus pais costumamos ir uma semana para o Algarve agora em Setembro”, disse a morena, ainda a decidir a melhor maneira de propor à outra. Primeiro queria testar a reacção da loura.
“Hm fazes bem, vai e diverte-te”, respondeu esta. O tom amargo com que o disse não passou despercebido à rapariga que sorriu para si. O facto de saber que a loura sentiria a sua falta era, de certa forma, um consolo para a sua auto-estima.
“Mas eles têm que trabalhar este ano”, continuou Daniela, com um sorriso travesso, “Estava a pensar se não gostavas de vir comigo”
Susana sorriu de orelha a orelha, abraçando a namorada. Escusado seria ter pensado duas vezes.
amei +.+ tens tanto jeito!!!!!!!!! continua :)
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