sábado, 11 de junho de 2011

Capítulo 27

“Finalmente”, disse Daniela para si, ao ver o seu dia de aulas como terminado. O segundo ano do curso já havia começado há duas semanas e já tinha trabalho até à ponta dos cabelos. Nesse período de tempo a sua rotina mudara drasticamente, resumindo-se a faculdade e casa. Em casa era submetida à pressão dos pais, fora dela era sobrecarregada com trabalho. Nesses momentos ponderava porque é que não tinha decidido cultivar batatas e criar vacas.
Com um suspiro impaciente, começou a percorrer a distância que separava o edifício onde teve aulas do metro, bem carregada tanto de livros como de mau humor. Não lhe apeteceu ir logo para casa, pelo menos ali não ouvia os pais. Sentou-se num muro nas redondezas e tirou um cigarro, ao menos ali não a chateavam por isso. Tinha já dado meia dúzia de bafos, perdida no seu resmungo interior, quando sente o telemóvel vibrar no bolso, era Susana. Mordendo o lábio apercebeu-se que nunca mais se tinha lembrado dela, apesar de naquele dia ter vestido a camisola que esta lhe tinha emprestado.
“Adoro ver-te com essa camisola ;)”
A morena franziu o sobrolho, como é que a outra sabia…espreitou para os lados e olhou em frente, mas da loura não havia sinais. Voltou-se de costas, apanhando um susto que a fez engasgar-se com o fumo. Susana estava a uma distância mínima de si, sorrindo feliz.
“Olá amor! Não estás contente por me ver?”, cumprimentou, ao mesmo tempo que se ria do ataque de tosse da rapariga, “Desapareceste”
“Suse…cof…estás a ver essa montanha de livros…cof?”, justificou Daniela, a tentar respirar, apontando para os diversos volumes que tinha junto a si, “É o que tenho para estudar…cof…só este período”
“Foda-se, ainda as pessoas me dão na cabeça por não ter ido para a faculdade”, disse a loura, com os olhos a saltarem-lhe das órbitas, “Também não tinha média, mas Porra!”
“Oh, podias não entrar em arquitectura mas desenho ou assim…”, divagou a rapariga, já recomposta, “O que te trás por cá?”
“Preciso de desculpa para vir ter com a minha namorada?”, esclareceu, como se fosse cristalino, “Passei duas semanas sem te pôr a vista em cima, já deixavas saudades”
Daniela atirou a beata para o chão, pisando-a antes de ir abraçar Susana, pedindo desculpa. A outra correspondeu ao abraço, mantendo-a agarrada pela cintura. Aproximou a cara da da morena para lhe dar um beijo. Esta, arrepiou-se por um momento perante a ideia de ter a universidade inteira em peso como plateia, mas tinha feito um esforço tão grande para deixar o receio de parte, que não podia estragar tudo. Deixou que a loura a beijasse, durante um pouco. Tendo em conta que a rapariga tinha terminado as aulas, a outra propôs que fossem dar uma volta pela cidade, proposta essa que Daniela prontamente aceitou. Susana, muito para alívio da morena, ofereceu-se para lhe carregar os livros.
Foram para um pequeno parque, nas imediações da faculdade, com bancos e aspecto tranquilo e ameno. A rapariga ia-se a sentar ao lado da loura, quando esta a puxou para o seu colo, colocando-lhe a cabeça no ombro e ficando a olhar com ar de cachorrinho.
“Que foi?”, perguntou Daniela, com um sorriso, antes de beijar Susana ao de leve.
Esta correspondeu, intensamente, até que as separou, voltando a fazer beicinho. Muita persuasão por parte da morena, através de dentadinhas no pescoço da outra, e esta finalmente falou,”Eu sei que tens andado com trabalho, mas não me tens ligado mesmo nenhuma”
“Eu sei, mas não tenho culpa, a faculdade ocupa-me imenso tempo…tens razão, eu devia ter conseguido conciliar as coisas”, respondeu a rapariga, sentindo-se mal, “Tem sido uma pressão enorme lá em casa”
“A gente já sabe como é a tua mãe”, disse a loura, suspirando, “Desculpa eu por te dar mais uma coisa com que te preocupares”
“Havemos de arranjar maneira”, respondeu Daniela, antes de abraçar a outra. Sentir o cabelo macio da loura roçar-lhe na cara era uma sensação que ainda lhe causava arrepios. Isso e sentir a respiração desta no seu pescoço. Foi trazida de volta ao mundo ao sentir Susana ficar muito tensa, “Passa-se algo?”
No momento em que virou as costas para a direcção do olhar desta, gelou. A passar cerca de cinco metros diante delas, estava, nada mais, nada menos, que Andreia. E a julgar pela expressão de estupefacção desta, ao ponto de ter a boca semi-aberta, tinha reparado nelas. “Foda-se…”, pensou a morena, “Não me posso deixar afectar senão a Suse percebe”. Deixou-se ficar nos braços da outra, que a segurou como se tivesse medo que se fosse desvanecer a qualquer momento. O aperto apenas cessou quando Andreia desapareceu do campo de visão de ambas.
“Aquela é a Andreia, não é?”, perguntou Susana, num tom venenoso.
“É sim”, reduziu-se Daniela a dizer, mordendo o interior da bochecha. Estava a sentir-se com vontade de cavar um buraco para se enfiar e não mais sair. Que vergonha…
“Deve ter pouco a mania, deve”, zombou a loura, que interiormente se sentia um misto de insegura com inferiorizada. Ao pé da outra parecia uma pedinte, ao seu ver. “Não pode andar como gente normal? É preciso dar ao cu?”
“É a Andreia, simplesmente a ser ela própria”, esclareceu a rapariga, com um suspiro que saiu mais melancólico do que gostaria, ainda a olhar na direcção para onde esta tinha ido, “Um pouco convencida e provocante, talvez…”
“Gajas como ela irritam-me”, continuou Susana, torcendo o nariz. A última coisa que queria era mostrar que, apesar de concordar que era muito parecida com a outra, achava que não se lhe podia comparar em termos de postura, estilo e aspecto cuidado. Olhar para o cabelo perfeitamente ondulado de Andreia e depois para o seu um tanto espigado e desgrenhado, para a forma como a outra se apresentava, na última moda e depois para a sua roupa larga e um tanto andrajosa, era a facada incendiária no seu orgulho.
“A Mónica também era do género”, respondeu Daniela, carrancuda. Cada vez que se lembrava da existência dessa sentia-se inferiorizada. Como se alguma vez lhe passasse pela cabeça competir com a beleza da ex da namorada, ou com o que quer que ela tivesse, a rapariga certamente não tinha.
“A Mónica era diferente”, teimou a loura, não querendo dar o braço a torcer. A simples presença de Andreia no mesmo quilómetro quadrado era suficiente para lhe fazer o sangue ferver. Era o seu orgulho que estava em causa e já nem se importava com o efeito das suas palavras.
“Sim, está bem”, disse apenas, a morena, revirando os olhos. Por muito mal que se sentisse não queria que houvesse picardias, tinha que se resignar a calar-se, coisa que não gostava de fazer, sendo a pessoa orgulhosa que era. Murmurou as palavras seguintes como um desabafo, “Chata do caraças…”
“Disseste o quê?”, zangou-se Susana, a ficar vermelha. Na sua mente já estava a ponderar o pior, que a namorada se estivesse a babar perante a imagem da outra ou algo do género.
“Nada, Susana, nada”, replicou Daniela, guardando para si tudo o que desejava dizer. Estava tão bem com a loura que não queria estragar o que tinham. Era uma pessoa muito calma mas encontrava-se prestes a explodir.
“Acho bem que não tenha sido nada”, prosseguiu Susana, agora completamente cega de raiva, ciúme e insegurança, “Ai de ti que te atrevas a pensar naquela puta”
“Cala-te, por favor”, tentou a rapariga uma última vez antes que se viesse a arrepender.
“TU NÃO ME MANDAS CALAR!”, gritou a loura, encolerizada, “Tu é que te estavas a derreter toda a olhar para aquela cabra e ainda chamas a Mónica para a conversa, a culpa é toda TUA, quem te dera a TI seres como a Mónica”
Nesse momento Daniela perdeu o controlo. Susana tinha acabado de dizer precisamente aquilo que não queria ouvir. Respirou fundo, antes de encarar a loura. Quando o fez notou que esta ainda não tinha voltado a si. Tanto melhor, pois tinha passado das marcas e ia ouvir.
“CALA-TE, BURRA DE MERDA”, gritou por sua vez Daniela, sempre que se irritava tendia a utilizar vocabulário menos próprio, “Já te ocorreu que se calhar já me sinto mal que chegue por saber que não chego aos calcanhares da Mónica sem que tu mo digas”
As suas palavras não aparentaram acalmar a loura pois já estava a abrir a boca para responder. E teria respondido, caso a rapariga não a tivesse cortado, “Aguentei com a tua birra patética apenas porque não queria ficar mal contigo, mas acabaste de me desrespeitar sem razão nenhuma”
“Fica desde já sabendo que se eu não tão perfeita como a Mónica linda”, finalizou a rapariga, já sem se importar com a coerência do que dizia, “Tu também não és metade do que a Andreia é”
Susana finalmente deixou de tentar retaliar, limitando-se a abrir e fechar a boca estupidamente. Daniela foi acalmando aos poucos, ficando cansada. Tirou outro cigarro, na esperança que recuperasse. Ia já a meio, quando a outra finalmente se manifestou, num tom fraco, “Desculpa…fui tão estúpida”
“Deixa…também exagerei”, disse a rapariga, dando outro bafo, “Esquece que disse a última parte”
“Não…não sei o que é que me passou pela cabeça”, lamentou-se a loura, incapaz de encarar a namorada. Ficou-se a olhar-lhe para as mãos, sorrindo ao ver o anel a reluzir no dedo desta. “Fiquei insegura…ela apresenta-se tão bem e eu ando sempre ranhosa”
“Suse, não digas isso”, confortou Daniela, afagando o cabelo da outra, carinhosamente, “Até gosto mais assim, adoro essa tua simplicidade”
A loura levantou a cabeça, encarando finalmente a rapariga, com os olhos vidrados, “De certeza que não sentes nada por ela?”
“Ela nunca me há-de ser indiferente, tal como a Mónica não te é”, respondeu Daniela, apressando-se a colocar um dedo nos lábios da outra, antes que esta falasse, “Não digas que não é verdade”
Susana pareceu pensar um instante, só dizendo o que quer que fosse depois, “Isso faz de nós segundas escolhas…mas tivemos a sorte de nos encontrar-mos, é por isso que somos perfeitas uma para a outra”
“Tens razão”, falou a rapariga, abraçando a loura, “Ainda bem que assim é”
Susana sorriu, puxando Daniela para si, de novo para o seu colo, “Esta discussão acaba aqui”
A rapariga beijou-a, acentuando que a discussão tinha acabado. Ficaram no parque mais um pouco, a trocar mimos e a rir cada vez que alguém passava e se chocava. Quando começava a fazer-se tarde, Susana ofereceu-se para levar a namorada a casa.

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