quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Capítulo 3


Daniela acordou com uma dor de cabeça irritante, a princípio não se apercebe de onde está, devagar foi-se lembrando dos acontecimentos do dia anterior…lembrou-se de ter ido ao cinema com o Pedro, o seu melhor amigo, depois escolheram a roupa, jantaram, foram sair e, ao lembrar-se do resto da noite, cerrou os olhos envergonhada. Pelo menos o facto de saber que na melhor das hipóteses não tornava a ver Susana servia de consolo para a sua dignidade, ainda que tivesse uma sensação amarga esse pensamento, apesar de tudo não tinha sido de todo sua intenção aborrecer a outra.
A porta do quarto foi aberta com brusquidão, interrompendo a sua reflexão e Pedro entrou, bem-disposto e com uma travessa com o pequeno-almoço em equilíbrio precário nos braços.
“Olá amor, então, sabes que te poupei ontem à noite, mas agora não escapas, vá chiba-te lá, o que é que fizeste com aquela gaja?”, perguntou no seu tom de voz eternamente alegre e descontraído.
“Pronto está bem, eu conto”, disse a rapariga já de melhor disposição, o bom humor de Pedro era absolutamente contagiante, além de que conhecia o rapaz desde a primária e confiar-lhe-ia a sua vida sem pensar duas vezes, para quê adiar o inevitável? “Olha acho melhor sentares-te primeiro”
“Ui! O que é que daí vem…”, suspirou ele à medida que se sentava na borda da cama com o pequeno-almoço no colo, “Já sabes que se a pega abusou, eu vou-lhe à cara”
“Beeem, então foi assim, meti conversa, uma coisa levou a outra e quando dei por mim já estava na casa-de…”, relatou depressa a morena, enquanto sentia a cara a ferver de vergonha. Podia confiar tudo ao rapaz, mas aquilo era algo que nunca tinha feito nem esperava vir a fazer. Ainda assim, as memórias da noite passada eram, de certa forma, dolorosas, nem sabia ao certo porquê.
“Caralho! Ela o quê?!”, interrompeu Pedro já com a face escarlate de raiva, “Ela que se fosse divertir com a mãe dela que em ti não toca, aquela filha da puta!”
“Calma…deixa-me acabar”, prosseguiu Daniela, mantendo a postura tranquila, “Anyway, quando a situação estava a ficar um pouco extrema eu empurrei-a e dei quel baza dali, não te preocupes”
“Ah! Linda menina!”, sorriu ele de orelha a orelha, “Assim é que eu gosto, mas agora diz-me lá porque é que fizeste isso”
“Ora bem, tu reparaste que ela era super gira, certo?”, perguntou ela enquanto ele acenava afirmativamente com a cabeça, “O que não deves ter reparado é que ela é a cara chapada da Andreia, tipo, fora a cor do cabelo e dos olhos é igual, igual, igual!”
“O quê? Mas tu ainda pensas nessa gaja?”, desesperou ele lançando os braços ao ar, enquanto revirava os olhos ao ver Daniela acenar que sim, “Olha, vou tomar banho, recuso-me a ficar aqui e ouvir coisas sem nexo, ate já!”
E com isto deixou a rapariga para trás, batendo com a porta do quarto. Ela acabou o pequeno-almoço com calma e levantou-se, convinha ver se tinha alguma chamada não atendida da mãe no telemóvel, afinal até podia estar na cama com a Diana Chaves que isso não era justificação plausível para a sua mãe…Pegou no telemóvel e deu rapidamente notícias à mãe, garantindo que não tinha sido violada. Mas quando o fez reparou que tinha um número novo gravado, era de Susana.
A morena engoliu em seco e sentiu uma sensação estranha no estômago, mas não podia negar que de certa forma estava feliz. A sua personalidade calma e amigável não a permitia deixar alguém com ressentimentos em relação a ela, ou pelo menos, foi o que disse a si própria para ganhar coragem e dizer qualquer coisa, nem que fosse um pedido de desculpas patético. Desde que aliviasse a consciência já era bom sinal. Demorou um bocado a escrever o texto, visto que o escreveu e reescreveu diversas vezes, mas o resultado final era simples e directo:
“Susana, só te queria pedir desculpa pelo que aconteceu ontem, não queria que guardasses ressentimentos pelo que se passou, desculpa mais uma vez, Dani”
Depois, pousou o telemóvel e foi até à casa de banho, onde bateu com força na porta para avisar Pedro que ela também tinha um duche para tomar. Ele saiu de lá com má disposição por ter sido forçado a pôr fim ao seu ritual “desodorizante-aftershave-perfume”, muito para gozo de Daniela.
A água do duche teve um efeito relaxante sobre a rapariga, esta limitou-se a ficar um bocado apenas a sentir a água passar-lhe pelas costas, peito e pernas, deixando-a mais descontraída. Terminou o duche e despediu-se do Pedro, afinal tinha horas marcadas para chegar a casa, para sua infelicidade. Tinha sido a primeira vez que tinha saído para um bar menos próprio e arranjou logo problemas…à parte disso, as dificuldades que tivera que ultrapassar para mentir convincentemente aos pais foram uma obra de génio.
Dirigiu-se à paragem do autocarro enquanto maldizia para si própria o facto de viver “no cu de Judas”. Felizmente para ela, este não demorou a chegar e pouco depois estava na estação de comboios. Estes não se atrasaram, fazendo com que rapidamente estivesse na sua linha. Entretanto decide ver se teve resposta, embora se tivesse que apostar, dissesse que muito provavelmente tinha sido ignorada. Tirou o telemóvel do bolso a medo e verificou que já tinha uma mensagem há algum tempo, sentiu o estômago dar um mortal e, com as mãos a tremer, leu a mensagem:
“Acho que te precipitaste, mas é na boa, não guardo ressentimentos, mas se insistires sei como me podes compensar ;)”
Daniela não pôde evitar senão sorrir, o remorso que sentia desapareceu naquele momento, dando lugar a uma boa disposição que há muito não sentia. Tanto que pensou para com os seus botões, “Tudo o que quiseres!”. Apressou-se a responder:
“Sinto que tenho mesmo que te compensar de alguma maneira, se quiseres explico-te tudo. Mas diz-me o que tens em mente”
A resposta foi quase instantânea, muito para contentamento da rapariga:
“Vem encontrar-te comigo, assim podes contar-me tudo. Ou será pedir muito?”
A morena fechou os olhos por um instante e ponderou o que seria o mais acertado a fazer. Por um lado, a sua racionalidade prevenia-a que o mais provável seria estragar o que lentamente concertou. Por outro, o seu instinto, 6º sentido ou o que quer que seja que lhe chamam, dizia-lhe que tinha que fazer isto. Porque não confiar? Afinal apenas se devia arrepender do que não fazia. Foi assim que lhe disse:
“Está bem pode ser. Onde te queres encontrar?”
A próxima meia hora foi passada a combinar os pormenores do encontro, a rapariga não deixou de notar que, apesar de tudo, Susana aparentava ser uma pessoa relativamente descontraída e com quem é fácil falar. Tendo em conta que Daniela sempre tinha sido bastante tímida a vida toda, estes dois aspectos eram indicativos de que podia vir a dar-se bem com Susana. Ficou combinado que se encontrariam no dia seguinte, de manhã.
Daniela sorriu para si mesma, saindo do comboio, teria que contar aquilo a Pedro, mas naquele momento não era boa altura, estava na hora de ir para casa e assegurar aos pais de que vivia para contar a história. Claro que não se podia esquecer da versão oficial: tinha ido a uma discoteca popular, a uma festa e depois tinha ido dormir a casa de uma amiga. Quando se tem pais controladores e conservadores, mentir parte e ocultar o resto era um requisito.
Mal chegou a casa notou que os pais tinham saído. “Melhor”, pensou. Assim podia falar com Pedro à vontade. Pegou no telemóvel outra vez e notou que a Susana lhe tinha perguntado se estava tudo bem. Respondeu que sim e meteu conversa o melhor que pôde. Lembrou-se do que ia fazer inicialmente e ligou ao rapaz, que demorou um pouco a atender.
“Oi oi! Sabes com quem vou estar amanha?”, picou a rapariga, saltando o cumprimento.
“Quem?!”, perguntou ele, já a enumerar uma série de nomes que seriam possíveis hipóteses.
“Com a Susana”, respondeu ela, mal escondendo o seu entusiasmo, “Sabes, aquela loura do bar”
“Dani, Dani, sabes que te adoro MUITO, mas por favor, diz-me que não aceitaste”, pediu ele desesperado e a falar atabalhoadamente. Não tinha ido com a pinta da outra e, acima de tudo ele era extremamente protector da sua menina, se alguém se atrevesse a magoa-la, ele perseguiria essa pessoa com um taco de basebol.
“Porque não?”, questionou ela, como se não tivesse percebido, “Afinal tratei-a pior que mal sem razão, tenho que resolver isto”
“Ai Dani! Eu conheço esse tipo de gaja, ela só te vai querer ir ao pipi!”, gritou ele perdendo o controlo, como já havia acontecido tanta vez, “Se gostas de mim por favor não vás”
“Tu sabes que te adoro como a Lindsay Lohan adora cocaína, mas estou mais que decidida. Eu vou.”
Decidiu que, se calhar, seria melhor terminar a conversa por ali antes que as coisas ficassem amargas. A sua maior preocupação de momento era pensar muito bem no que iria dizer no dia seguinte à loura…afinal a verdade parecia-lhe deveras patética. Ainda assim, sentiu que mentir não era opção, pois só ia esclarecer a outra, devia-lhe a verdade depois de tudo o que se passou. Amanhã seria um dia em cheio.

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