sexta-feira, 2 de março de 2012

Capítulo 94

Daniela acordou com um sorriso rasgado. Podia dizer-se que tivera um sonho agradável mas, para ela, a realidade era bem melhor. Só de pensar no que estivera prestes a desperdiçar ficava nauseada, tanto que era com grande alívio que se recordava a si mesma de que tudo correra pelo melhor. Felizmente para si que ainda fora a tempo de remediar a situação e, por essa oportunidade, estava muitíssimo grata. Mas não ia pôr em causa a sua sorte. Virando-se na cama, rejubilante, não apertou um corpo quente mas sim um amarfanhado de lençóis, o que a fez soltar um resmungo de desapontamento, desapontamento esse que ainda aumentou quando verificou, ao sentir os lençóis frios, que Susana já se tinha ido embora havia algum tempo. E ela que esperava tornar aquela manhã ainda melhor…
O som do rodar da chave no trinco da fechadura voltou a enchê-la de esperança. Sorrindo de modo travesso, levantou-se da cama tão depressa como um boneco de mola e, correndo até À entrada, deparou-se com a loura, acabada de chegar do ginásio, suada e ainda com o equipamento vestido. Entusiasmada, a rapariga não perdeu tempo a dar-lhe as boas vindas a casa. Num salto, atirou-se-lhe ao pescoço, quase que as arrastando às duas para o chão. Rindo, a outra abraçou-a, dizendo-lhe ao ouvido, “Estou toda suada”
“Não me importo”, replicou a morena, beijando Susana. Resolveu aproveitar um momento de fraqueza desta para lhe tirar a mochila da mão, deixando-a algures pelo chão, antes de lhe sussurrar ao ouvido, “Os teus calções vão a seguir”
A loura sorriu, deixando-se encaminhar por Daniela, pela mão, até ao duche. Já tinha saudades de momentos assim. Realmente devia ter feito algo de muito bom noutra vida se era assim que a recompensavam nesta.
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Depois do almoço, Daniela deparou-se com Susana deitada na cama com um livro aberto diante de si. A imagem não tinha nada de peculiar, não fosse o facto de a leitura não constituir uma das actividades de eleição da loura. Cedendo à curiosidade, a rapariga espreitou por cima do ombro desta, com cuidado para que não se apercebesse da sua presença e viu que se tratava do álbum de fotografias que lhe dera havia uns bons Natais atrás, onde fora acrescentando imagens ao longo do tempo. Na página em que estava aberto, estavam várias fotografias de ambas tiradas na praia, presumivelmente nos inícios do namoro.
Espreitando por cima do ombro da loura, tentando que esta não desse pela sua presença, viu-a folhear mais um pouco o álbum, passando por fotografias nas quais se encontravam num parque ou no antigo bar onde se tinham conhecido. Quando a outra virou a cabeça, deu com a morena a olhar por cima do seu ombro, muito próxima de si, o que a apanhou de surpresa e assustou, “Ai! Foda-se tu não faças isto outra vez!”
“Tadinha”, gozou Daniela, embora a expressão de troça tivesse sido rapidamente substituída por um sorriso derretido. Afagando o cabelo a Susana, sentou-se na borda da cama e perguntou, “Deu-te um acesso de nostalgia, foi?”
“Por acaso”, replicou a loura, fechando os olhos. Sempre que a rapariga lhe mexia no cabelo sentia-se tão bem que por pouco não adormeceu ali mesmo. Para impedir que tal acontecesse, propôs, “Queres ver comigo?”
Erguendo uma sobrancelha, gesto esse acompanhado de um sorriso, Daniela concordou. Desde que o oferecera que tinha vindo a acrescentar-lhe fotografias à medida que o tempo passava, no entanto, havia algum tempo que este permanecia intocado, sobretudo devido aos tempos conturbados que se seguiram ao primeiro ano de casamento. Permitiu que Susana a puxasse para o seu lado, fazendo com que se deitasse junto a si. Uma vez acomodada debaixo do braço da loura, voltou a observar as fotografias.
Numa delas, estavam ambas no bar, a outra encostada ao balcão com os braços em torno da rapariga. Provavelmente a fotografia tinha sido tirada nos primeiros tempos de namoro, visto que a morena aparentava estar pouco à-vontade com a proximidade, mesmo que sorrisse. Susana reparou nisso, até porque comentou, “Que amor, estavas toda envergonhada aqui”
“Não admira, já viste onde é que tinhas as mãos?”, resmungou Daniela, revirando os olhos ao notar que a loura, na fotografia, tinha as mãos estrategicamente posicionadas sobre as suas nádegas. Susana havia de ser sempre a mesma e ser discreta era-lhe uma missão impossível.
Virando a página, estava outra fotografia, tirada, se a memória da rapariga não falhava, depois da festa de Carnaval, quando se envolvera numa briga com a camionista. Na fotografia, o péssimo corte de cabelo que usara para tentar disfarçar a zona do golpe encontrava-se destacado. Ao ver meia dúzia de rastas a sobressaírem por baixo de um cabelo curto, um tanto acima dos ombros, Susana torceu o nariz, “Não sei como é que me gramaste mesmo assim…”
“Estavas mal…”, admitiu a morena, contendo o riso, já a sentir os músculos faciais a queixarem-se do esforço, “Depois voltou a crescer, mesmo como eu gosto”
Mostrando as covinhas num sorriso, a loura trocou um beijo rápido com Daniela, antes de a sua atenção se ter prendido a uma fotografia da rapariga com um corte, também ele, muito pouco favorecedor. Ali tinha cortado o cabelo e este encaracolara, dando-lhe um ar ainda mais angelical e tirando-lhe uns anos ao aspecto. Não deixando escapar a oportunidade para picar, a outra disse, “Ah! Coisa mais linda! Ainda me lembro que a Joana lá do bar me perguntou se eu era pedófila!”
“Não deixa de ser verdade, tu preferes mais novas…”, replicou a morena, preferindo deixar os seus caracóis fora da conversa, afinal ainda não recalcara a memória daquele corte. Passando mais umas páginas, tanto ela como Susana nunca perdendo uma oportunidade para se provocarem, encontraram uma em que estavam ambas com a avó da loura.
Séria, Daniela abriu a boca com a intenção de perguntar algo, mas a outra não a deixou falar, respondendo mesmo sem que fosse necessário ouvir a questão, “Sinto muito a falta dela, sempre senti…mas a vida continua”
A rapariga nada disse, apenas abraçou Susana. Esta aceitou o carinho de bom grado, dando um beijo na testa da morena, antes de tentar, “Agora só penso no futuro e no que trará”
“Tranquilidade, espero eu”, replicou Daniela, com um suspiro. Detestava que a felicidade aparentasse ser tão efémera e não desejava mais do que paz e sossego dali em diante, já m os problemas por que já haviam passado. Mereciam a bonança depois da tempestade.
“A minha carreira vai de vento em poupa, a tua também, estamos estáveis em termos de dinheiro, já estamos juntas há tanto tempo…”, insistiu a loura. Na sua perspectiva, já estava na altura e parecia-lhe o próximo passo a dar, o que de mais natural podia haver, sem obedecer a lógica nem a nada que não o desejo de ambas.
A rapariga sabia qual o rumo da conversa e, ela própria, sentia que não havia nada que a impedisse naquele momento. Adorava sempre que Pedro lhe pedia para tomar conta dos filhos e achava sempre graça a tudo o que eles faziam, passar uma tarde com eles era um prazer. Não havia de ser diferente se fossem os seus. Porque não? Encarando a outra, esperou que ela continuasse, deixando o que tinha a dizer para depois.
“Larguei o vício…”, disse Susana, deixando de encarar a morena, para se focar nas mãos dadas de ambas, “Tu não queres? Quer dizer, não te parece a coisa mais…não sei, certa?”
Daniela ponderou durante uns instantes, deixando a loura no que lhe pareceu ser um estado de ansiedade, já a conhecia suficientemente bem para saber como se sentia e no que pensava sem que esta tivesse que o dizer, o que era uma grande conquista para alguém como ela, rapariga, que tinha a sensibilidade de um bloco de cimento. Tal como não era dada a grandes emoções, também fazia questão de planear tudo o que fazia, sendo a única excepção a decisão de se casar, que fizera no fogo do momento e não se arrependera. De todo. Mas tratava-se de pôr um ser no mundo, era diferente e exigia atenção, paciência e educação, três coisas que não estava certa de conseguir dar.
Se a morena pensava que conhecia bem a outra, esta pensava o mesmo. Levando um dedo aos lábios de Daniela, Susana silenciou-se, antes de a apaziguar, “Sei que te preocupa isso de não te achares maternal e de não saberes lidar com chavalada, mas sais-te tão bem com os putos do Pedro, de certeza que seria ainda melhor com os nossos”
A rapariga não conseguiu deixar de soltar uma gargalhada, o que serviu para a soltar um pouco. Se calhar mais tarde iria intimidar-se mais com a decisão mas de momento não. Quando acalmou, pronunciou-se, “Até que não parece tão má ideia…quando penso bem nisso”
A loura soltou um gritinho entusiasmado, antes de se atirar para cima da morena, beijando-a com tanta força que a sufocava. Um grande sonho seu concretizar-se-ia e nada a deixava mais feliz.

2 comentários:

  1. Encontrei o teu blog hoje. Uau. E que tal pores um endereço de e-mail qualquer para as pessoas te poderem contactar? XX Sara

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  2. Eu já sei que tu estavas à espera disto. Por isso é que vais demorar praticamente um mês a pôr o próximo capítulo. Estavas à espera que eu comentasse! -.-
    PÕE O PRÓXIMO CAPÍTULO JÁ. É uma ordem. :)

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