terça-feira, 1 de maio de 2012

Capítulo 96


Desculpaaaaaaaa!


Se o episódio em que Susana conhecera os pais de Daniela muito divertira Guida, a ponto de ainda a picar nos tempos que corriam, o mesmo não poderia sentir agora que era a sua vez de ser oficialmente apresentada aos pais de Marta. Não era que se sentisse pouco à vontade, muito menos constrangida, afinal tal palavra nunca figurara, não figurava, nem figuraria no seu dicionário, mas, se havia coisa que não queria, era causar má impressão. Sabia à partida que os pais da noiva estavam a par de tudo, como se Marta tivesse algum problema em dizer-lhes, apenas nunca a tinham conhecido. Agora isso estava prestes a mudar.

Recusando a oferta de Susana para a ajudar a vestir-se, só de imaginar como ficaria o resultado final ficava indisposta, decidiu-se por algo simples para os seus padrões, mas que não impedisse de impressionar. Uma saia que faria uma grande parte da população corar, embora se mantivesse discreta e um top numa tonalidade alegre serviria, os olhos arregalados da loura eram mais do que toda a confirmação que precisava. Uma vez vestida, maquilhada e pronta, observou o seu reflexo no espelho. Aprovada e prestes a sair de casa, confiante. De cabelos ao vento, no seu descapotável, a grande inveja de Daniela, dirigiu-se a casa de Marta. 

Pelo que esta dissera, não havia nada que os pais não soubessem, apenas não aprovavam a relação e sempre a consideraram como estando destinada ao fracasso, tendo em conta o historial conturbado tanto de uma como de outra. A mãe aceitara bem, tanto quanto possível, embora o pai se tenha mostrado mais relutante. Porém, se a mãe de Daniela conseguira afeiçoar-se a Susana nos seus tempos de quase pedinte, então o pai de Marta estaria a fazer vénias a Guida. Já os pais de Guida pouco queriam saber, desde que a sua menina tratasse dos negócios de família podia fazer o que bem entendesse.

Ajeitando o cabelo pela última vez, o seu gesto nervoso, Guida tocou à campainha. Enquanto esperava que a recebessem, olhou à sua volta. Ao ver-se reflectida na janela, murmurou, satisfeita, “Comia-me a mim mesma, foda-se”

Instantes mais tarde, Marta abriu a porta, já com um ar enfastiado que rapidamente se transformou num sorriso ao ver a noiva. Depois de beijar Guida, disse, “Estás tão linda! Mas eles já me estão a encher a cabeça…”

Nada desmoralizada, Guida assegurou-a de que tudo iria correr bem e, juntando o gesto à palavra, entrou porta dentro, como se desde sempre lá tivesse vivido, seguida pela noiva, convicta que a missão estava no papo, “Onde é que estão os meus futuros sogros?”

“Estão nas traseiras…ai”, disse Marta, quase a roer as unhas. Era Guida, conseguia sempre sair-se bem, mesmo quando a situação faria os comuns mortais tremerem. E quando queria conseguia ser bastante doce, não havia quem lhe ficasse indiferente. Com os sogros não havia de ser diferente, era o que lhe dava ânimo.

Nas traseiras de casa, onde era o jardim, a família encontrava-se na periferia de uma churrasqueira, até aí, tudo normal. O aroma a carvão espalhado por uma brisa ligeira que se fazia sentir era intenso. Junto a uma mesa estava, quem Guida presumia que fosse, a irmã mais nova de Marta, Alexandra. Não aparentavam muitas semelhanças, embora não custasse acreditar que fossem irmãs. A expressão de admiração desta valeu o dia a Guida, “Mas…esta é que é a Guida?”

Os pais de Marta voltaram-se tão depressa que as febras, esquecidas, iniciaram o processo de carbonização. Duas expressões da mais profunda admiração juntaram-se à abismada de Alexandra, que entretanto ganhara um tom azul nada saudável. Não fazia mal, Guida estava habituada a fazer entradas em grande e a atenção sabia-lhe pela vida, “Muito bom dia”

Não obteve resposta, para além de três figuras petrificadas e um cheiro a carne que acabara de virar sola se sapato. Fazendo um esforço que lhe pareceu uma bola de basquete entalada na garganta, o pai de Marta falou, por fim, “B…bom…dia, é a Guida?”

“Fuck yeah, bitches!”, pensou Guida, deliciada com a atenção, se bem que o que verdadeiramente disse foi, “É sim, muito prazer”

Juntando o gesto à palavra, esticou a mão para apertar a do homem. O pai de Marta, o eterno macho, até se sentiu mal por apertar a mão a uma mulher tão feminina e delicada como Guida, apesar de ser quase tão alta como ele. Qual não foi o seu espanto quando todos os ossos da sua mão estalaram sob um aperto que envergonharia um taberneiro. Já com os olhos a lacrimejar, apenas a aguentar o choro não fosse a sua condição de homem estar em causa, replicou, “Igualmente…ai mãe”

Soltando a mão do homem, muito para alívio deste, voltou-se para a senhora. Sabia à partida que era quem mais apoiava a sua relação com Marta e, por isso, estava-lhe muito grata. Abordando a senhora com todo o tacto e simpatia, cumprimentou, com o seu melhor sorriso, “Bom dia, Margarida Vieira, muito prazer”

Marta não cabia em si de contente, sem dúvida que os seus progenitores tinham ficado bem impressionados. Só faltava o veredicto da sua irmã. Quando Guida se encontrava no metro quadrado de Alexandra, esta subitamente pareceu voltar à vida. Fosse o facto de as luzes da ribalta já não estarem voltadas para a sua pessoa, fosse o facto de Guida ser muito mais bem-parecida do que esperava, afinal previa uma camionista com pêlos nas axilas, não estava contente. Respirando fundo, disse, “Desculpa?!”

Pressentindo um mau agoiro, tanto Guida como Marta voltaram-se e encararam a irmã. Quando os seus olhares pousaram sobre Alexandra, esta parecia furiosa, embora visivelmente satisfeita por ter a atenção em si, “Não acho isto nada bem!”

Deixando a irmã falar, Marta nada disse, limitando-se a apertar a mão a Guida. Não tendo mais do que a sua necessidade de atenção em vez de argumentos, prosseguiu, com novo alento, “Olha-me só para esta! Não querias arranjar uma mais puta, não?”

Perplexa, Guida deu consigo num impasse, coisa a que não estava habituada. Não tolerava que lhe falassem assim e, fossem diferentes as circunstâncias, a pessoa que ousasse sequer pensar em referir-se a ela nesses termos estaria a descolar os dentes do asfalto. Mas estava tão determinada a causar boa impressão que forçou um sorriso que mais a fazia aparentar um tubarão maquilhado, “Oh não sejas assim”

“Calma amor, eu resolvo isto”, garantiu Marta, que já sentia a noiva a irritar-se e, quando esta se irritava, não era bonito. Dirigindo-se à sua irmã, repreendeu, “Já sei que tens dor de cotovelo, mas não falas assim com ela!”

“Dor de cotovelo? Desta perua?!”, grasnou Alexandra, de olhos arregalados. Tinha sido apanhada. As preferências da irmã não lhe causavam mais impressão do que o normal, mas quando esta lhe aparecia em casa com uma que a superava em beleza ou ostentação, aí é que começava a haver problema, “É que nem pensar!”

“Vai lá chorar para um canto, este casamento vai acontecer quer tu queiras, quer não”, disse Marta, calmamente.

Nesse momento foi a vez de os pais voltarem a dar sinal de si, como se lhes tivesse caído uma saca de cimento em cima, “Casamento?!”

“Sim, vamos casar”, esclareceu Marta, sem cerimónia. Não era de todo daquela maneira que tencionava dar a notícia mas enfim, agora que o dissera, não havia como voltar atrás.

Como se tivessem combinado, tanto Alexandra como os pais sustiveram a respiração. Depois de ter passado o que pareceu horas, o pai manifestou-se, vermelho como o cabelo da filha, “E só agora é que nos dizes, assim, dessa maneira?!”

Guida não se manifestou, optando por deixar Marta resolver a situação, afinal esta saberia melhor que ela como lidar com os progenitores. Entretanto o jornal “A Bola”, dobrado em cima da mesa junto a uma grade, chamara-lhe à atenção e, nesse momento fez-se luz. Decerto que agradar ao sogro não seria um problema. Depois de definir um plano, aguardou o desenrolar da discussão entre Marta e os pais, “Vocês nem precisam de vir, embora eu gostasse que estivessem comigo no grande dia”

Antes que o pai tivesse tempo de rebentar, a mão sossegou-o, fazendo-lhe festinhas no braço enquanto sussurrava, “Tem calma amorzinho, não digas nada de que te possas vir a arrepender mais tarde”

O marido pareceu guardar para si o que quer que quisesse dizer, mas não sem despejar pela garganta abaixo uma garrafa de cerveja bem fresquinha. Aquilo devia ser a bebida de Deus. Bebendo outra, mais bem-disposto ao ver os olhares sugestivos da mulher, disse, “Bah, faz o que quiseres, até lá, sirvam-se…ui!”

Enquanto o pai corria a acudir aos bifes reduzidos a carvão, Marta dirigiu um agradecimento telepático à mãe, que acenou em resposta, dando graças por o marido se distrair facilmente. O resto do dia foi aprazível para todos, Guida e o futuro sogro passaram a tarde numa acesa discussão de futebol à medida que a cerveja desaparecia, enquanto Marta e a mão falavam do casamento. Alexandra, por sua vez, retirou-se, a espumar de raiva. Porém, nem Marta, nem Guida lhe deram grande importância, não era que uma birra mesquinha causasse mossa na sua felicidade.

1 comentário:

  1. últimos dois paragráfos em vez de mãe, tens mão.
    o ''meu'' pai lê o record e não a bola.

    consigo imaginar perfeitamente a cena desenrolar-se, principalmente a parte da Alexandra, miúda mesquinha hum? Achava que as cenas com o pai iam ser um pouco mais duras, mas não forças-te e correu bem.
    Aguardam-se os próximos capitulos! Estou para ver, :)
    Estás cada vez melhor.
    Parabéns,
    Q

    ResponderEliminar